DOI: https://doi.org/10.5902/2236499439734

Recebido: 27/08/2019 Aceito: 31/12/2019

This work is licensed under a Creative Commons

Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

 

 

Produção do espaço e dinâmica regional

 

 

Análise multiespacial do uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí: período de 1987 a 2018

 

Multipacial analysis of land use and coverage in hydrographic basin of Alto Jacuí: period 1987 and 2018

 

 

Patrícia ZianiI

Douglas Stefanello FaccoII

Eliane Maria FoletoIII

 

 

I Doutoranda pelo PPGGEO da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. pathyziani@hotmail.com

II Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. douglas.s.facco@hotmail.com

III Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Associada da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. efoleto@gmail.com

 

 

RESUMO

 

 

O referente estudo tem por objetivo analisar as transformações da paisagem na bacia hidrográfica do Alto Jacuí, por meio da dinâmica do uso e cobertura da terra no período de 1987 a 2018. Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas, utilização de ferramentas de geotecnologias para os mapeamentos temáticos e trabalhos de campo na área de estudo. Entre os resultados obtidos destaca-se, com base nos mapas de uso da terra da bacia hidrográfica do Alto Jacuí do ano de 1987 e de 2018, que durante estes 31 anos, entre as principais transformações da paisagem estão à diminuição das áreas de campo que de 6.106,69 km², isto é, 46,73% da área total da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, passou a abranger, em 2018, 1.560,77 km², correspondendo a 11,94%. Associado a isso se tem a ampliação das áreas de lavoura de 2.354,55 km² (18,02%) para 5.435,97 km² (41,60%). Consequentemente, tais mudanças resultam na reconfiguração significativa do espaço geográfico e da paisagem por meio da alteração das dinâmicas naturais e territoriais. Diante disso, entende-se que um dos principais desafios da área de estudo está em compatibilizar os diferentes usos da terra com a proteção ambiental. Deste modo, espera-se que os resultados desta pesquisa possam corroborar no desenvolvimento desta temática e que possam contribuir no processo de planejamento e gestão ambiental e territorial da bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

 

Palavras-chave: Geotecnologia; Transformações da paisagem; Trabalho de campo.

 

 

ABSTRACT

 

 

This study aims to analyze the landscape transformations in the Alto Jacuí watershed, through the dynamics of land use and land cover from 1987 to 2018. To this end, bibliographic research, utilization of geotechnology tools for thematic mapping and field work in the study area were performed. Among the results obtained, stands out, based on the land use and land cover maps of the Alto Jacuí watershed of the year 1987 and 2018, that during these 31 years, the main transformations of the landscape include the reduction of the areas of the Grassland which, from 6,106.69 km², that is, 46.73% of the total area of the Alto Jacuí watershed, now covers 1,560.77 km² in 2018, corresponding to 11.94%. Associated with this is the expansion of crop areas from 2,354.55 km² (18.02%) to 5,435.97 km² (41.60%). Consequently, such changes result in significant reconfiguration of geographic space and landscape through altering the natural and territorial dynamics. Given this, it is understood that one of the main challenges of the study area is to make the different land uses compatible with environmental protection. That way, it is expected that the results of this research can corroborate in the development of this thematic and contribute to the process of planning and environmental and territorial management of the Alto Jacuí watershed.

 

Keywords: Geotechnology; Landscape transformations; Fieldwork.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A crescente exploração e apropriação dos recursos naturais, no decorrer da história, pelos seres humanos, vêm ocasionando constantes degradações ao meio ambiente alterando de modo significativo as paisagens. Essa situação é um indício para estudos que viabilizam compreender e controlar tais impactos e que permitam estabelecer medidas e ações voltadas não apenas a utilização dos recursos naturais, mas, principalmente, a sua conservação.

   A utilização de geotecnologias tais como, geoprocessamento, sensoriamento remoto e demais tecnologias aliadas aos Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), tem sido uma ferramenta de suma importância na análise e interpretação do território e da paisagem. A análise multitemporal, por exemplo, possibilita compreender as transformações e dinâmicas do uso e cobertura da terra de determinado espaço geográfico auxiliando no diagnóstico de alterações deste território e, consequentemente, de suas paisagens, em determinado período de tempo. Tais resultados podem auxiliar pesquisadores e gestores destas áreas no planejamento e na tomada de decisões visando combater impactos prejudiciais ao meio ambiente.

As geotecnologias são conjunto de tecnologias para coleta, processamento, análise e disponibilização de informações com referência geográfica. Compostas por diversificados hardwares e softwares juntos constituem poderosas ferramentas para tomada de decisões.

Dentre as geotecnologias podemos destacar: SIGs, cartografia digital, sensoriamento remoto, sistema de posicionamento global, topografia etc. O geoprocessamento é o conceito mais abrangente e representa qualquer tipo de processamento de dados georreferenciados, enquanto um SIG processa dados com ênfase em análises espaciais e modelagens de superfícies (ROSA, 2005).

A visão sinóptica do meio ambiente e da paisagem, que as geotecnologias possibilitam obter, por meio de estudos regionais e integrados, envolvem vários campos do conhecimento. Elas mostram os ambientes e a sua transformação, destacam os impactos causados por fenômenos naturais modificados pela intervenção antrópica, como os desmatamentos, as queimadas, a expansão urbana, ou outras alterações do uso e da ocupação da terra (FLORENZANO, 2002; FLORENZANO, 2005). Neste sentido, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que “o conhecimento da distribuição espacial dos tipos de uso e da cobertura da terra é fundamental para orientar a utilização racional do espaço” (IBGE, 2013, p. 38).

Diante disso, o referente estudo tem por objetivo analisar as transformações da paisagem na bacia hidrográfica do Alto Jacuí, por meio da dinâmica do uso e cobertura da terra no período de 1987 a 2018. Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre a temática em questão, utilização de ferramentas de geotecnologias para os mapeamentos temáticos e trabalhos de campo na referida área de estudo.

   A escolha desta área de estudo justifica-se, principalmente, em razão da mesma abranger o principal rio de domínio do Estado do Rio Grande do Sul (RS), isto é, o rio Jacuí, e ser a área escolhida para o desenvolvimento de estudos do projeto Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD), edital CAPES 071/2013, do qual os autores fazem parte e desenvolvem pesquisas.

A bacia hidrográfica do Alto Jacuí (Figura 1) pertence a bacia hidrográfica do rio Jacuí, que em virtude da sua extensão e complexidade, foi segmentada, conforme define o decreto nº 53.885/2018, em bacia hidrográfica do Alto Jacuí e bacia hidrográfica do Baixo Jacuí, ambas pertencentes à região hidrográfica do Guaíba. Com uma área de 13.072,683 Km², na região centro-norte do Estado do RS, a bacia hidrográfica do Alto Jacuí abrange, total ou parcialmente, 41 municípios da região do Planalto Meridional Brasileiro, o qual é formado por rochas basálticas decorrentes de um grande derrame de lavas ocorrido na era Mesozóica (RIO GRANDE DO SUL, 2008).

 

Figura 1 – Localização da bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

 

 

Fonte: HASENACK e WEBER (2010); SEMA (2014).

 

Organização dos autores.

 

As características geológicas e geomorfológicas da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, associadas a sua amplitude altimétrica, de aproximadamente 700 metros, e as condições climáticas desta região, isto é, subtropical úmido com variação longitudinal com precipitações de 1700 - 1800 mm ao ano, conforme pontua ROSSATO (2011), proporcionam a rede hidrográfica da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, grande potencial hidrelétrico.

No que tange à área de vegetação presente na bacia hidrográfica do Alto Jacuí, ZIANI (2017) pontua, com base no mapa das unidades de vegetação do RS – RADAM, que a vegetação é composta principalmente de Floresta Ombrófila Mista (Floresta de Araucária) e Floresta Estacional Decidual (Floresta Tropical Caducifólia) que são típicas do Bioma Mata Atlântica, correspondendo a 81,90% da área de estudo, e em menor extensão com 18,10% tem-se o Bioma Pampa que compreende áreas de estepe, isto é, formações vegetais constituídas pelas famílias das gramíneas, compostas e leguminosas.

Já em relação aos distintos usos dos corpos hídricos da área de estudo, salienta-se a irrigação como o principal uso da água na bacia hidrográfica do Alto Jacuí com 76% correspondendo a 3.095L/s. Em seguida tem-se a dessedentação animal com 15%, que equivale a 636 L/s, o abastecimento público com 5% referente a 206L/s, a aquicultura com 3% que corresponde a 106L/s e da indústria com 1%, isto é, 33L/s, como o uso menos expressivo (SEMA, 2012).

Outro aspecto importante e que corrobora para a utilização deste recorte espacial de análise é o fato de que as bacias hidrográficas permitem uma visão integradora da paisagem. A utilização dessas áreas como unidade de gestão ambiental tem sido utilizada, cada vez mais, por diversas instituições governamentais, exigindo assim uma abordagem mais abrangente em estudos, nos quais a complexidade e a análise sistêmica surgem, como necessidades epistemológicas no momento de estruturar as Bacias Hidrográficas (RODRIGUEZ e SILVA, 2013).

Christofoletti (1981, p. 19) aponta que a bacia hidrográfica constitui “uma área drenada por um determinado rio ou por um sistema fluvial, funcionando como um sistema aberto, em que ocorre a entrada e saída de energia e matéria”. Rodríguez e Silva (2013, p. 68) complementam que as bacias hidrográficas são: “um tipo especial de sistema ambiental, em particular de geossistema, que pode ser definido como um espaço físico organizado de acordo com o escoamento de determinado fluxo hídrico”.

Assim, espera-se que os resultados desta pesquisa possam corroborar tanto no desenvolvimento desta temática quanto no processo de planejamento e gestão territorial dos municípios envolvidos e do Comitê da Bacia Hidrográfica responsável, que é o Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí (COAJU), através do gerenciamento dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí, buscando melhorar a sua quali-quantidade diante do uso eficiente e consciente.

 

2 METODOLOGIA

 

Após definição do marco teórico da investigação a ser desenvolvida, realizaram-se pesquisas bibliográficas referentes aos temas abordados e discutidos na presente pesquisa tanto em livros, teses, dissertações e artigos de periódicos quanto em sites e documentos oficiais como, por exemplo: Agência Nacional de Águas (ANA), Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA) do Estado do RS, Departamento de Recursos Hídricos (DRH), Comitê de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas do Alto Jacuí (COAJU), e Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre esses temas estão: bacia hidrográfica, análise de uso e cobertura da terra e utilização de geotecnologias.

Para a elaboração do mapa de localização da bacia hidrográfica do Alto Jacuí utilizou-se o software ArcGIS 10.5.®(ESRI), onde foram incorporados: os limites das bacias hidrográficas, disponibilizados pela SEMA; a rede de drenagem da base cartográfica vetorial contínua do Estado do RS, feita a partir das cartas da Diretoria de Serviço Geográfico do Exército, na escala 1:50.000, disponibiliza pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e os limites administrativos disponibilizados pelo IBGE.

Já, a metodologia usada para confecção dos mapas de uso e cobertura da terra se resume, basicamente, nas etapas descritas a seguir: download e importação de imagens orbitais, processamento digital das imagens com os processos de georreferenciamento, mosaico de imagens, realce por contraste e classificação digital do uso e cobertura da terra (FACCO, 2016).

Para o mapeamento temático das classes de uso e cobertura da terra, utilizaram-se imagens dos satélites Landsat 5 TM (Thematic Mapper) do mês de março de 1987 e Landsat 8 OLI (Operational Land Imager) do mês de fevereiro de 2018. O download das imagens, já em reflectância de superfície, foi por meio do site https://earthexplorer.usgs.gov/ do Serviço Geológico dos Estados Unidos. As bandas espectrais processadas foram: 1, 2, 3, 4 e 5 do sensor TM e bandas 2, 3, 4, 5 e 6 do sensor OLI. As imagens, foram importadas no software SPRING (Sistema de Processamento de Imagens Georreferenciadas), sendo posteriormente submetidas à diferentes técnicas de processamento digital.

O processamento digital tem como objetivo aplicar técnicas para manipular imagens, com o objetivo de corrigir distorções e extrair informações. Técnicas como georreferenciamento, mosaico, realce por contraste e classificação digital, foram usadas para interpretação, extração de informações e comparação entre as imagens da série temporal.

O georreferenciamento é uma técnica de transformação geométrica, na qual se atribui coordenadas na imagem em um determinado sistema de coordenadas na qual a localização de um ponto da superfície da Terra pode ser identificada (FACCO, 2016). O georreferenciamento de imagens foi importante, pois as cenas do ano de 1987 não apresentavam coincidência em relação à referência geográfica das imagens de 2018. Dessa forma, buscaram-se pontos de fácil identificação visual na imagem mais recente do ano de 2018, como barragens e cruzamentos de estradas para a tomada de coordenadas e as cenas dos anos de 1987 foram georreferenciadas em função desta.

Após as imagens possuírem correta referência geográfica, utilizou-se a técnica de mosaico, que permitiu a união das imagens Landsat 5 do ano de 1987, do dia 07 de março orbita ponto 222-80 e 14 de março orbita ponto 223-80; e Landsat 8 do ano de 2018 do dia 15 de fevereiro orbita ponto 223-80 e 24 de fevereiro orbita ponto 222-80. A seguir as imagens foram usadas para elaborar as seguintes composições de imagens utilizando os canais do visível para associação visual das bandas na sequência a seguir para o ano de 1987: RGB 321 (composição colorida em cores naturais), RGB 432 (composição colorida falsa-cor na qual as florestas aparecem em vermelho escuro) e RGB 543 (composição colorida falsa-cor na qual as florestas aparecem em verde claro).  A imagem do ano de 2018, do sensor OLI, foi usada para elaborar as composições RGB 432, RGB 543 e RGB 654, as quais equivalem respectivamente ao mesmo resultado visual descrito para o sensor TM (FACCO, 2016). Sobre as composições de imagens elaboradas, foi aplicada a técnica de contraste linear, usada para realçar e melhor observar as feições de interesse para diferenciar os padrões de uso e cobertura da terra nas imagens. 

Em seguida, iniciou-se o processo de classificação digital de imagem, no qual se coletou grupos de pixel nas imagens Landsat que representavam as classes de uso e cobertura definidas pelos autores, entre elas estão: água, floresta, solo exposto, campo e lavoura (Quadro 1). Para tanto, foi utilizada a classificação digital supervisionada, pois os autores já haviam realizado visitas técnicas e trabalhos de campo na bacia hidrográfica do Alto Jacuí, conhecendo assim seus principais tipos de usos e coberturas da terra.

 

Quadro 1 Descrição das classes de uso e cobertura da terra dos mapas de uso da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí de 1987 e 1018.

 

CLASSE

DESCRIÇÃO

Água

Compreende aos corpos d'água naturais e artificiais como, por exemplo: rios, canais, lagos e lagoas de água doce, represas, açudes e reservatórios.

Floresta

Refere-se às formações arbóreas com dossel contínuo, ou seja, aos estratos superiores das árvores.

Solo Exposto

São as áreas sem nenhuma cobertura vegetal. Estão vinculadas principalmente as áreas de lavoura de preparo do solo para agricultura.

Campo

Áreas com estrato predominantemente tapete gramíneo-lenhoso com pequenos arbustos esparsos.

Lavoura

Abrange as áreas agrícolas destinadas, neste caso, principalmente para o cultivo de soja, arroz, trigo e milho. 

 

Fonte: Manual Técnico de Uso da Terra (IBGE, 2013).

 

Organização dos autores.

 

A partir do processamento e classificação digital de imagem, foi possível quantificar as diferentes classes, de uso e cobertura da terra. Tais resultados foram exportados para uma planilha eletrônica Excel, onde se elaborou uma tabela e um gráfico que apontam a área, em km² e seu respectivo percentual, de cada classe de uso e cobertura da terra identificada na bacia hidrográfica do Alto Jacuí nos anos de 1987 e 2018. Já, para finalizar o layout dos mapas, exportaram-se os shapefile para o software ArcGIS 10.5.®(ESRI), onde foram concluídos.

Buscando destacar a presença marcante dos pivôs centrais de irrigação, principalmente, na região centro-oeste da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, identificada durante a realização dos trabalhos de campo na área de estudo, elaborou-se, também no ArcGIS 10.5.®(ESRI), o mapa referente ao levantamento da agricultura irrigada por pivô central. Para tanto, utilizaram-se os metadados da ANA referente ao mapeamento da área e do número de equipamentos de irrigação por pivô central no Brasil entre 1985 e 2017, que é resultado de um estudo realizado por meio de parceria entre a ANA e a Embrapa Milho e Sorgo, com a finalidade de auxiliar ações de planejamento e gestão em recursos hídricos, uso da terra e irrigação. Tais dados também serviram de base para a elaboração do quadro 3 que apresenta o levantamento da agricultura irrigada por pivô central por município da área de estudo e do gráfico 2 que expõem, por ano, a área equipada para irrigação por pivôs centrais na bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

Sobre os trabalhos de campo salienta-se que esses vem ocorrendo nos últimos 4 anos, com os mais diferentes focos de análise, no âmbito geográfico, em parceria com os demais colegas e pesquisadores participantes do projeto PROCAD, edital CAPES 071/2013. Entre as diversas contribuições trazidas pela realização destes trabalhos de campo destaca-se que os mesmos viabilizam a análise e interpretação da paisagem, bem como de suas características no meio físico e as condições de uso e ocupação da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí, permitindo assim a obtenção e validação de dados gerados em laboratórios.

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

Como resultado desta pesquisa, destaca-se basicamente a elaboração dos mapas de uso da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí dos anos de 1987 e de 2018 (Figura 2 e 3), nos quais é possível perceber os diferentes tipos de uso da terra nas referidas datas, permitindo, deste modo, verificar a transformação da paisagem nestes 31 anos. No mapa de uso da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí de 1987 (Figura 2), observa-se que o tipo predominante de uso da terra na área de estudo é de campo, abrangendo, conforme destacado no quadro 2, cerca de 6.106,69 km², que equivale a praticamente metade da bacia hidrográfica em questão, ou seja, 46,73%. Paralelo a essas áreas tem-se: 3.021,4 km², ou seja, 23,12% de área de solo exposto, que se localiza, principalmente, na região centro-sul da bacia hidrográfica; 2.354,55 km², isto é, 18,02% de área de lavoura, difundidas por toda área de estudo; 1.307,23 km² de floresta, ou seja, 10% da área em questão, concentradas, principalmente, na região centro-leste; e, por fim, 278,52 km² de água que corresponde a 2,13% de área da bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

 

Figura 2 Uso da Terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí em 1987.

 

 

Fonte: Autores.

 

 

Figura 3 Uso da Terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí em 2018.

 

 

Fonte: Autores.

 

 

Quadro 2 – Quantificação dos diferentes tipos de usos da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí nos anos de 1987 e 2018.

 

CLASSE

1987 (km²)

%

2018 (km²)

%

Água

278,52

2,13

259,50

1,99

Floresta

1.307,23

10,00

3.369,59

25,78

Solo exposto

3.021,4

23,12

2.442,56

18,69

Campo

6.106,69

46,73

1.560,77

11,94

Lavoura

2.354,55

18,02

5.435,97

41,60

TOTAL

13068,39

100

13068,39

100

 

Fonte: Dados das imagens de satélite utilizadas.

 

Organização dos autores.

 

Ao visualizar o mapa de uso da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí de 2018 (Figura 3) e comparando com o mapa de uso da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí de 1987 (Figura 2), observa-se, assim como detalhado na tabela 1 e elucidados no gráfico 1, a significativa expansão das áreas de lavoura, que de 2.354,55 km² (18,02%) passou a abranger uma área de 5.435,97 km² (41,60%), aumentando 3.081,42 km² (23,58%) de área. Associado ao aumento das áreas de lavoura tem-se a diminuição expressiva das áreas de campo, que de 6.106,69 km² (46,73%) passou para 1.560,77 km² (11,94%), isto é, diminui 4.545,92 km² de área (35,13%). Quanto à classe de solo exposto, localizada, principalmente, na região oeste da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, verifica-se um declínio de 3.021,4 km² (23,12%) para 2.442,56 km² de área (18,69%). Já na classe de floresta salienta-se que houve acréscimo de 15,78% de área, isto é, de 1.307,23 km², em 1987, passou a abranger uma área de 3.369,59 km², em 2018. Compreende-se que esse resultado esteja vinculado aumentado do cumprimento das legislações ambientais, apesar da forte pressão exercida pela expansão agrícola. No que tange a classe de água nota-se a diminuição de 19,02 km² (0,14%), isto é, de 278,52 km² (2,13%) passou para uma área de 259,5 km² (1,99%), e apesar de essa última classe ser a de menor representatividade, seja de área seja de mudança de porcentagens de uso e cobertura, a água é o elemento estruturador do território e da paisagem e considerado um componente chave para o desenvolvimento dos demais tipos de uso e cobertura na bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

 

Gráfico 1 Transformação dos diferentes tipos de usos da terra na bacia hidrográfica do Alto Jacuí nos anos de 1987 e 2018.

 

 

Fonte: Dados das imagens de satélite utilizadas.

 

Organização dos autores.

 

Nas áreas de lavoura da bacia hidrográfica do Alto Jacuí tem-se, basicamente, o cultivo de soja, arroz, trigo e milho, que para o seu desenvolvimento necessitam de grandes retiradas de água para irrigação. Logo, salienta-se que o aumento substancial das áreas de lavouras na área de estudo proporcionam diversas consequências e alterações ao ambiente e na paisagem. Entre essas se podem destacar, principalmente, o aumento da demanda hídrica dos cursos d’água; maior aporte de sedimentos aos cursos de água provocando o seu assoreamento, entalhamento e diminuindo a profundidade dos cursos d’água e reservatórios; utilização de quantidades significativas de agrotóxicos, pesticidas e fungicidas, que se não manejados e utilizados de maneira correta podem acabar comprometendo quali-quantitativamente as águas, devido à proximidade com as nascentes, e as águas superficiais, atingindo os rios e reservatórios presentes.

Somado a isso, outro aspecto relevante e verificado, principalmente, nos trabalhos de campos, refere-se à introdução e crescente disseminação de equipamentos de pivô central para irrigação nas áreas agrícolas, a qual é impulsionada por políticas públicas, a fim de aumentar a produção dessas áreas e, consequentemente do lucro obtido, afinal a presença desses equipamentos pressupõe a utilização das áreas agrícolas o ano todo, visto que a irrigação permite uma suplementação do regime de chuvas e, consequentemente, tem-se o aumento da demanda hídrica e da pressão sobre os cursos d’água na área de estudo.

Após averiguar essa situação em trabalho de campo, buscaram-se materiais e informações que explanassem tal questão. Sob essa perspectiva, destaca-se o levantamento da agricultura irrigada por pivôs centrais no Brasil (1985 e 2017), realizado pela ANA em parceria com a Embrapa Milho e Sorgo, divulgado recentemente. ANA (2019) destaca que no levantamento da agricultura irrigada por pivô central na bacia hidrográfica do Alto Jacuí tem-se um total de 322 equipamentos (Figura 4), abrangendo 15 municípios da região centro-oeste da área de estudo, concentrando-se principalmente nos municípios de Cruz Alta, Santa Bárbara do Sul, Boa Vista do Incra, Ibirubá (Quadro 3).

 

Figura 4 Levantamento da agricultura irrigada por pivô central.

 

 

Fonte: ANA (2019); HASENACK e WEBER (2010); SEMA (2014); BASEMAP (2019).

 

Organização dos autores.

 

 

Quadro 3 – Levantamento da agricultura irrigada por pivô central.

 

Município

Equipamentos

Área (ha)

Porcentagem (%)

Boa Vista do Incra

43

3.418,44

19,06

Carazinho

3

177,98

0,99

Cruz Alta

97

6.869,7

38,29

Estrela Velha

5

285,26

1,59

Fortaleza dos Valos

33

1.811,82

10,10

Ibirubá

37

2.303,99

12,84

Jacuizinho

5

313,44

1,75

Júlio de Castilhos

12

789,49

4,40

Pinhal Grande

2

81,32

0,45

Saldanha Marinho

1

84,72

0,47

Salto do Jacuí

40

1.932,09

10,77

Santa Bárbara do Sul

37

2.884,08

16,08

Selbach

1

36,69

0,20

Tupanciretã

5

291,80

1,63

Victor Graeff

1

76,80

0,43

Total

322

21.357,62

100,00

Fonte: ANA (2019).

Organização dos autores.

 

Conforme ANA (2019), os primeiros registros de área irrigada por pivôs centrais de irrigação na bacia hidrográfica do Alto Jacuí foram identificados em 1995, a partir de então se verificou constante crescimento nos anos seguintes e acentuada elevação a partir de 2010 (Gráfico 2). Nesse sentido, destaca-se que, atualmente, a bacia hidrográfica do Alto Jacuí é considerada um dos 17 polos nacionais de irrigação por pivôs centrais do Brasil, abrangendo uma área de 21.358 hectares, sendo considerada, assim, a 12 º no ranking por área, com densidade de 1,6% e ficando em 15º no ranking por densidade (ANA, 2019).

 

Gráfico 2 – Área equipada para irrigação por pivôs centrais na bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

 

 

Fonte: ANA (2019).

 

Organização dos autores.

 

A introdução destes equipamentos de pivôs centrais de irrigação na bacia hidrográfica do Alto Jacuí relata uma profunda alteração na distribuição espacial e na conservação desta paisagem. E, apesar da elevada disponibilidade de financiamentos incentivados e subsidiados pelo poder público, contribuindo fortemente para expansão destes equipamentos de pivô central de irrigação, alerta-se para a carência de dados e estudos que apontem as consequências e impactos ambientais que esses equipamentos podem gerar, principalmente, em nível de bacia hidrográfica, os quais comprometem os usos múltiplos, pois se aumentam a demanda pelo uso da água. Nesse sentido ANA (2019 p. 45) reforça que: “agricultura irrigada – principal e mais dinâmico setor usuário de recursos hídricos – carece historicamente de dados e informações em escalas temporais e espaciais adequadas ao melhor planejamento e gestão setorial e de recursos hídricos”.

Deste modo, salienta-se para a necessidade de se debater essa questão junto ao COAJU, que é o comitê de bacia hidrográfica responsável pela área de estudo, a fim de considerá-los junto ao Plano de Bacia, o qual se encontra, atualmente, na Etapa C que é a terceira e última etapa para consolidação do Plano de Bacia, isto é, onde são definidos os programa de ações. Compreende-se que essa discussão, junto ao COAJU, é fundamental, principalmente, em virtude da relevância que essa área de estudo tem, tanto em termos de recursos hídricos, quanto na geração de energia elétrica, no Estado do RS.

Sobre a geração de energia elétrica, destaca-se que é possível verificar na paisagem de ambos os mapas (Figura 2 e 3), diante da presença de dois grandes reservatórios artificiais: um localizado a nordeste da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, referente à Usina Hidrelétrica (UHE) de Ernestina, com uma área de 38,50 km²; e outro, de maior extensão, na região central da área de estudo, relacionado à UHE do Passo Real, com uma área de 233,39 km² (CEEE, 2011), correspondendo ao maior lago artificial do Estado do RS. Esses reservatórios, somados a UHE de Leonel de Moura Brizola e UHE Itaúba, fazem parte do chamado Sistema Jacuí que é referente a uma série de aproveitamento hidrelétricos no rio Jacuí de responsabilidade de da Companhia Estadual de Energia Hidrelétrica - Geração e Transmissão (CEEE- GT).

Neste sentido, ZIANI (2017) aponta que atualmente existem na bacia hidrográfica do Alto Jacuí 10 empreendimentos hidrelétricos em funcionamento, sendo 4 Usinas Hidrelétricas (UHEs) e 6 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Assim, pode-se afirmar que a presença dos mesmos é um elemento marcante nessa paisagem.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os resultados desta pesquisa demonstram com base nos mapas de uso e cobertura da terra da bacia hidrográfica do Alto Jacuí no ano de 1987 e de 2018, que durante estes 31 anos, entre as principais transformações da paisagem esta a diminuição das áreas de campo que de 6.106,69 km², isto é, 46,73% da área total da bacia hidrográfica do Alto Jacuí, para 1.560,77 km², correspondendo a 11,94%. Associado a isso se tem a ampliação das áreas de lavoura de 2.354,55 km² (18,02%) para 5.435,97 km² (41,60%) e a introdução dos pivôs centrais de irrigação na bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

Tais mudanças resultam na reconfiguração significativa do espaço geográfico e da paisagem através da alteração das dinâmicas naturais e territoriais. Diante disso, pode-se afirmar que um dos principais desafios está em compatibilizar os diferentes usos da terra com a proteção ambiental da bacia hidrográfica.

Assim, espera-se que este artigo possa contribuir e instigar discussões e trabalhos futuros nessa perspectiva, através de uma abordagem sistêmica, a fim de corroborar na gestão da paisagem, ordenamento territorial e demais tomadas de decisões que subsidiem tanto o manejo racional do uso da terra quanto dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do Alto Jacuí.

 

AGRADECIMENTOS

 

O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil – Edital CAPES 071/2013 – Processo número 88881.068465/2014-01. Agradecemos também a CAPES pela concessão de bolsa de estudo.

 

REFERÊNCIAS

 

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Levantamento da agricultura irrigada por pivôs centrais no Brasil. Agência Nacional de Águas, Embrapa Milho e Sorgo. - 2. ed. - Brasília: ANA, 2019. Disponível em: https://www.ana.gov.br/noticias/ana-e-embrapa-identificam-forte-tendencia-de-crescimento-da-agricultura-irrigada-por-pivos-centrais-no-brasil/ana_levantamento-da-agricultura-irrigada-por-pivos-centrais_2019.pdf. Acesso em: 23 ago. 2019.

 

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia Fluvial. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 1981.

 

CEEE - GT. Plano de uso e ocupação do solo no entorno do reservatório da UHE Ernestina. 2011. Disponível em: http://www.ceee.com.br/pportal/ceee/archives/solo/Jacui/Reservatorio_Ernestina.pdf. Acesso em: 09 set. 2015.

 

CEEE - GT. Plano de uso e ocupação do solo no entorno do reservatório da UHE Passo Real. 2011. Disponível em: http://www.ceee.com.br/pportal/ceee/archives/solo/jacui/reservatorio_passo_real.pdf. Acesso em: 9 set. 2015.

 

EARTHEXPLORER. Disponível em: http://earthexplorer.usgs.gov/. Acesso em: 19 dez. 2018.

 

FACCO, D. S.; BENEDETTI, A. C. A evolução temporal do uso e ocupação da terra em municípios da Quarta Colônia de Imigração Italiana – RS. Ciência e Natura, Santa Maria v.38 n.3, 2016, p. 1254 – 1264. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbeaa/v14n1/v14n01a08.pdf. Acesso em: 12 mar. 2018.

 

FACCO, D. S.; BENEDETTI, A. C. P.; FILHO, W. P.; KAISER, E.A. & OSTO, J. V. D. 2016. Geotecnologias para monitoramento florestal no município de Nova Palma - Rio Grande Do Sul – BR. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, 20(1): 417-426.

 

FLORENZANO, T. G. Geotecnologias na geografia aplicada: difusão e acesso. Revista do Departamento de Geografia, 17 (2005), p. 24-29.

 

FLORENZANO, T.G. Imagens de satélite para estudos ambientais. São Paulo, Oficina de Textos; 2002.

 

FLORENZANO, T. G. Iniciação em Sensoriamento Remoto. Gráfica. 3st ed. São Paulo: Oficina de textos; 2011.

 

HASENACK, H.; WEBER, E.(org.) Base cartográfica vetorial contínua do Rio Grande do Sul - escala 1:50.000. Porto Alegre: UFRGS Centro de Ecologia. 2010. 1 DVD-ROM. (Série Geoprocessamento n.3). ISBN 978-85-63483-00-5 (livreto) e ISBN 978-85-63843-01-2 (DVD).

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Portal de Mapas do IBGE. Disponível em: https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#homepage. Acesso em 11 de abr. 2018.

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Manuais técnicos em Geociências. Número 7. Manual Técnico de Uso da Terra. 3º edição. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81615.pdf. Acesso em: 9 jan. 2014.

 

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Coordenação e Planejamento. Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. Unidades geomorfológicas. Disponível em: https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/hipsometria-e-unidades-geomorfologicas. Acesso em: 28 de fev. 2019.

 

RODRIGUEZ, J. M. M.; SILVA, E. V. da. Planejamento e Gestão Ambiental: Subsídios da Geoecologia das Paisagens e da Teoria Geossistêmica. Fortaleza: Edições UFC, 2013.

 

ROSSATO. M. S. Os climas do Rio Grande do Sul: variabilidade, tendências e tipologia. 2011. 253 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

 

SEMA. Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. DRH (Departamento de Recursos Hídricos). Relatório síntese de elaboração de serviço de consultoria relativo ao processo de planejamento dos usos da água na Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí - Etapas A e B. 2012.

 

SEMA. Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Bacias Hidrográficas do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.sema.rs.gov.br/. Acesso em: 6 set. 2014.

 

ZIANI, P. Análise dos fragmentos de vegetação da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí para ampliação do Corredor Ecológico da Quarta Colônia/RS. 2017. 145 p. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Federal de Santa Maria, 2017.