Universidade Federal de Santa Maria

Fragmentum, Santa Maria, v. 59, p. 173-191, 2022

DOI: 105902/2179219468890

e-ISSN 2179-2194

Submissão: 23/12/2021 • Aceito: 20/08/2022

1 Discurso e luta pelos sentidos no atual cenário político

2 Distanciamento social: práticas de (in)visibilidade

Considerações finais

Ressignificação e resistência no sintagma “distanciamento social”: uma análise discursiva sobre a luta pelos sentidos em tempos de Covid-19 no Brasil

Resignification and resistance in the syntagm “social distancing”: a discourse analysis about the struggle for the senses in times of Covid-19 in Brazil

Mariana Jantsch de SouzaI

Naiara Souza da SilvaII

I Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, IFSul, Venâncio Aires, RS, Brasil

II Universidade Federal do Pampa, Unipampa, Jaguarão, RS, Brasil

RESUMO

Esta leitura, fundamentada nos pressupostos teóricos de Pêcheux, conforme a Análise de Discurso Materialista, leva em conta um discurso dominante, cujos efeitos de sentido negam a gravidade da situação epidemiológica da Covid-19 no Brasil e promovem movimentos de (in)visibilização de uma parcela da sociedade. A expressão “distanciamento social” analisada, ao ser (re)significada, materializa um gesto de resistência e de denúncia, direcionando a atenção à pandemia e à constituição da sociedade brasileira dividida em classes. É necessário compreender a produção de sentidos que problematizam as determinações sócio-históricas, e, também, aqueles sentidos que funcionam discursivamente reforçando e naturalizando as condições materiais de produção.

Palavras-chave: ressignificação; resistência; sentidos; covid-19; (in)visibilidade.

ABSTRACT

This reading, based on Pêcheux’s theoretical assumptions, according to the Materialist Discourse Analysis, takes into account a dominant discourse, whose sense effects deny the seriousness of the epidemiological situation of Covid-19 in Brazil and promote movements of (in)visibility of a part of society. The expression “social distancing” analyzed, when (re)signified, materializes a gesture of resistance and denunciation, directing attention to the pandemic and to the constitution of Brazilian society divided into classes. It is necessary to understand the production of senses that problematize socio-historical determinations, and also those senses that function discursively reinforcing and naturalizing the material conditions of production.

Keywords: resignification; resistance; senses; covid-19; (in)visibility.

1 Discurso e luta pelos sentidos no atual cenário político

A crise sanitária que assombra o Brasil desde janeiro de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional1 devido à pandemia da Covid-192, vem expondo, a nosso entender, o desequilíbrio econômico e a desigualdade no acesso e na fruição dos direitos fundamentais.

A realidade material da sociedade brasileira pode ser interpretada por diversos ângulos teóricos, e, um deles, pode ser a vertente do materialismo histórico. Para este exercício analítico, então, entendemos que os dois conceitos fundamentais desse aporte teórico – modo de produção e luta de classes –, tornam-se pontos centrais. Isso porque as relações de produção contemporâneas, quando observadas pelo viés da luta de classes, expõem as desigualdades sociais estruturais que são materializadas em práticas discursivas que atribuem sentido a questões públicas de prevenção de doenças e de (acesso à) saúde pública.

No contexto da Inglaterra, século XIX, em que Marx e Engels pensaram o materialismo histórico, a relação e as diferenças de classe social entre burguesia e proletariado eram bastante específicas. Todavia, a proposta marxista de compreensão da sociedade, em termos filosóficos, históricos e sociológicos, permanece atual, sobretudo, em tempos de pandemia em que a luta pelos sentidos está desdobrada em vida/morte.

Em nosso entender, a questão que se impõe, nesta conjuntura, vai além do antagonismo entre classes sociais nos moldes corriqueiros. Agora, num contexto pandêmico inédito na história recente da humanidade, vivenciamos a materialização e a reprodução das desigualdades decorrentes da relação de dominação/subordinação entre classes de um modo muito específico. Disso resultam condições materiais de possibilidades de proteção e de prevenção em relação à Covid-19, ou seja, resulta em possibilidades diferentes de sobrevivência para cada classe social.

Em razão das formas de transmissão desse vírus3, a OMS, por meio de diferentes meios de comunicação, explica como ocorre o contágio e salienta a importância das medidas de proteção e prevenção para que se possa evitar uma escalada ainda maior na taxa de mortalidade. As principais medidas indicadas pela Organização referem-se ao uso de máscaras, à higiene adequada e constante das mãos – evitando o toque nos olhos, nariz e boca –, e também, ao distanciamento físico.

Essa última medida de proteção, de acordo com as orientações sanitárias, é caracterizada pelo seguinte padrão: “Manter, pelo menos, 1 metro de distância entre si e os outros para reduzir o risco de ficar infectado quando as outras pessoas tossem, espirram ou falam. Manter uma distância ainda maior entre si e os outros, quando se encontrar num ambiente fechado. Quanto mais longe, melhor”4 (OMS, 2020).

É necessário frisarmos que o sintagma utilizado pela Organização Mundial de Saúde, quanto ao necessário afastamento para evitar a contaminação e a transmissão da Covid-١٩, é “distanciamento físico”. No Brasil, quando tais medidas foram discursivizadas em documentos institucionais oficiais5 e em meios de comunicação, o sintagma produzido é “distanciamento social”6.

Ao que nos interessa, na produção e na circulação de sentidos, atentamos para o uso de “distanciamento social”, na seleção do léxico, para a formulação de um enunciado que, ao (re)significar a expressão, materializa um gesto de resistência a um discurso dominante, cujos efeitos de sentido negam a gravidade da situação epidemiológica e promovem movimentos de (in)visibilização de uma parcela da sociedade brasileira. Com isso, no enunciado em estudo, os efeitos de sentido produzidos direcionam a atenção não só à pandemia, mas a nossa constituição social, estruturalmente dividida em classes, num contexto em que uma parcela da população é, com recorrência, desamparada.

Resistência, neste texto, é um conceito chave para nossa análise. Do lugar da AD, entendemos que resistência é a marca da subjetividade que se materializa, aqui, por meio da língua. Com amparo teórico em Soares et al., entendemos que resistência “é a possibilidade de, ao dizer outras palavras no lugar daquelas prováveis ou previsíveis, deslocar sentidos já esperados. É ressignificar sentidos e rituais enunciativos, deslocando processos interpretativos já inscritos historicamente” (2015, p. 10).

A esse respeito, ressaltamos as palavras de Fernandes (2021, p. 146-7) sobre a relação entre resistência e dominação:

[...] a noção de resistência é da ordem da ruptura e se faz no interior da língua (por meio do equívoco), da história (por meio da luta de classes), e do sujeito (por meio do inconsciente). É, portanto, intrínseca à constituição do sujeito simbólico e social, o que o faz resistir à dominação [...] E, ao resistir, o sujeito marca na linguagem sua contradição e seus dilemas resultantes da revolta instalada por certas desidentificações .

Para essas reflexões, resistir, em termos discursivos, envolve conflito, tensão, disputa entre sentidos em circulação social. Movimentos discursivos de resistência operam rompendo com um sentido e produzindo outro(s). Dessa forma, ao compreendermos os processos de interpelação ideológica, propostos em termos pêcheuxtianos, também consideramos a noção de resistência, uma vez que “não há dominação sem resistência” (Pêcheux, 2009, p. 281), característica própria da luta de classes. Nesse viés, ao ressignificar o sintagma posto em questão neste texto, o sujeito, investido de uma posição discursiva, não se deixa dominar pelas redes significantes socialmente vigentes e dominantes, ou seja, pelos gestos de interpretação hegemônicos que circulam na sociedade brasileira em tempos de Covid-19.

Não é surpreendente afirmarmos que esse cenário epidemiológico alterou os modos de viver e de conviver em sociedade, em diferentes esferas da vida pública e privada. No entanto, talvez, seja inesperado pensar que um dos aspectos que emergiu nas práticas sociais foi o acirramento da luta de classes no âmbito da saúde pública, da luta pela sobrevivência diante da possibilidade de contaminação pelo Coronavírus, especialmente, quando estão em jogo, nessa disputa, os direitos fundamentais e a dignidade humana. Ao mesmo tempo, esse acirramento abriu espaço para a retomada da própria compreensão da divisão material da sociedade no âmbito econômico.

No presente contexto social, as medidas de proteção preconizadas pelo órgão máximo de saúde pública na esfera internacional são constantemente ignoradas pelo chefe do Poder Executivo brasileiro, que deveria, conforme a Constituição Federal, zelar pelos interesses públicos. A nosso ver, as práticas discursivas do capitão da República7, quanto à crise sanitária, promovem um agravamento das desigualdades sociais entre as classes. Ou seja, o dever constitucional de o Estado zelar pelos direitos fundamentais individuais e sociais8, em nosso ponto de vista, é descumprido, pois ao minimizar a necessidade e importância de práticas preventivas, o mandatário desampara as classes que necessitam do Estado.

Recuero e Soares (2021), por exemplo, ao tratar do discurso da desinformação sobre a cura do Coronavírus, salientam que esse discurso está alinhado com o discurso político de apoio ao capitão da República. Segundo os autores, ele manifesta-se contraditoriamente às orientações do Ministério da Saúde e aos posicionamentos de alguns governadores que defendem medidas de restrição para a contenção da disseminação do vírus:

[...] o presidente defendeu que o COVID-19 tratava-se de “uma gripezinha”, que as coisas “deveriam voltar à normalidade” (ou seja, que o isolamento social terminasse, contrariando diretamente o ministro da Saúde), e que a cloroquina seria uma “cura” para o coronavírus (em live e em pronunciamento no dia 24/03/2020), embora os especialistas alertassem para a falta de evidências sólidas da eficácia e os possíveis riscos do uso da droga [grifos dos autores] (RECUERO; SOARES, 2021, p. 03).

Recentemente, em live9, o mandatário do país pontuou que a contaminação em massa pelo Coronavírus poderia ser até mais eficaz que a vacinação contra a doença. Em suas palavras: “Eu estou vacinado entre aspas. Muita gente que... todos que contraíram o vírus estão vacinados... até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus para valer. Então, quem contraiu o vírus, não se discute, esse está imunizado” [grifos nossos] (MATOSO; GOMES, 2021). Além disso, o capitão, frequentemente, defende a desobrigação do uso de máscaras e promove aglomerações10, mesmo em momentos de altos índices de contágio e de mortalidade.

O funcionamento discursivo do operador argumentativo “até”, em sua formulação, reforça, a nosso entender, uma posição ideológica que (re)produz uma política governamental que vai contra os preceitos11 do Estado Democrático de Direito, marcada pela responsabilidade dos governantes em relação à(s) coletividade(s) e à preocupação com o bem comum. Isso porque o próprio ao afirmar que “todos que contraíram o vírus estão vacinados” e marcar como elemento mais importante da sequência o sintagma “mais eficaz”, na continuidade do seu enunciado, por meio do termo “até” – “até de forma mais eficaz que a própria vacina”–, produz, no fio de seu discurso, sentidos que sustentam o negacionismo científico e a minimização da gravidade da doença.

Considerando os elementos linguísticos destacados (“até” e “mais eficaz”), entendemos que, nesse processo discursivo, a contaminação seria da ordem do desejável, pois é significada como um fator de imunização mais eficiente e importante do que a vacina. Com isso, esse modo de significar a doença minimiza a necessidade de proteção (entre as quais está a medida de distanciamento físico/social recomendada pela OMS) e induz os sujeitos que se identificam com essa rede discursiva a ignorar a vacina, encorajando-os a também “estar vacinado entre aspas”.

O fechamento dessa sequência discursiva com “não se discute, esse está imunizado”, reforça o efeito de encorajamento à contaminação e de desestímulo à vacinação. Tal formulação eleva os saberes negacionistas (anticiência, antivacina) a um nível de superioridade insuscetível de dúvida em relação aos saberes opostos (representados pelo saber científico). Nesse processo discursivo, a desinformação é propagada a partir de sentidos que negam fatos, negam a ciência, negam a pandemia e negam a gravidade da crise sanitária. Esse sintagma funciona colocando os saberes dessa rede discursiva acima do conhecimento científico, conferindo a esse discurso um grau de autoridade e superioridade em relação à ciência.

Sendo assim, compreendemos que, no funcionamento desse discurso, os elementos destacados (“até”, “mais eficaz”, “não se discute”) convergem para um mesmo desfecho: desacreditar a ciência e a vacina (como resultado do conhecimento científico), enaltecendo os saberes (negacionistas) dessa rede discursiva e encorajando os sujeitos a não se vacinarem e a não cumprirem as medidas preventivas. Estes seriam, portanto, os únicos saberes válidos e capazes de oferecer certezas e segurança diante do vírus, pois oferecem um caminho para a imunização absoluta (aquela que não se discute e se realiza com a contaminação). Assim, tal efeito de sentido é atravessado pela dúvida sobre a imunização que a vacina (e a ciência) oferece.

Nesse panorama, as declarações públicas do capitão da República produzem informações falsas sobre a cura e sobre a relevância da Covid-19, e, tais sentidos formulados, de acordo com o estudo de Recuero e Soares (2021), aumentaram a circulação de desinformação e ainda continuam produzindo efeitos que boicotam as medidas preventivas e descredibilizam a vacina. Em nossa leitura, essas práticas afetam diretamente a parcela da sociedade que necessita do apoio do Estado para garantir as mínimas condições de saúde, e essa política governamental de negligência potencializa as desigualdades sociais constitutivas de nossa sociedade.

Vinhas (2020), por sua vez, em análise de dois enunciados produzidos pelo mandatário do país em circunstâncias diferentes, acerca de tragédias ocorridas no país, mas, que também dizem respeito às coletividades, bem situa o momento sócio-histórico em que vivemos. A autora escreve:

A reflexão aqui proposta se situa em uma formação social em desamparo. Uma formação social que vê museus queimarem, florestas queimarem, vidas perderem o oxigênio que as sustenta. Se não há fumaça sem fogo, precisamos observar os fogos que estão se colocando cada vez mais como óbvios para que a prática da destruição não se torne hegemônica, natural, inquestionável (VINHAS, 2020, p. 472).

Diante de tais condições de produção, entendemos, fundamentadas nos pressupostos teórico-analíticos propostos por Michel Pêcheux, na perspectiva da Análise de Discurso Materialista (AD), que precisamos estar atentas, então, à luta pelos sentidos. Eis o que se apresenta como essencial nos nossos dias: o esforço de compreendermos os sentidos que circulam em sociedade, o modo como a mesma expressão (distanciamento social) (re)produz sentidos em direções distintas. Atentar para essas práticas sociais e discursivas auxilia na compreensão de sentidos e interpretações sobre o Brasil, sobre os brasileiros e a brasilidade em tempos de crise sanitária.

Nesse olhar, para analisar o movimento e a luta pelos sentidos é necessário retomarmos Pêcheux (2009 [1988], p. 146) e esclarecermos que os sentidos atribuídos à expressão em pauta não estão pré-estabelecidos semanticamente em cada palavra, tampouco, desfiguram a realidade material em que são (re)produzidos, pois, referem-se a processos discursivos resultantes de determinadas posições-sujeitos, em diferentes condições de produção e matriz de sentido distinta.

Dessa posição teórica que assumimos, enquanto profissionais da área de Letras e da Educação, é importante explicitar que o exercício analítico, no âmbito da AD, envolve compreender as possibilidades de significação com base na língua e nos processos que colocam em jogo as posições política, ideológica e de classe dos sujeitos envolvidos no discurso. Dito de outra forma, para a interpretação de qualquer objeto simbólico, seguindo o legado pêcheuxtiano, é preciso estabelecer a articulação entre a base linguística (língua) e o processo discursivo, analisando o funcionamento da língua em relação às representações colocadas em jogo nas relações sociais.

Aqui, após 30 anos de “Terra à Vista! Discurso do confronto: velho e novo mundo”, escrito por Orlandi (1990), continuamos, mais do que nunca, a pensar sobre como, através da linguagem, podemos observar a relação entre os sujeitos em sociedade no Brasil. E apuramos o nosso olhar ao que vem ocorrendo no âmbito de classes e ao que está sempre mais além, conforme instiga a autora: “Como está sempre mais além o sentido profundo do que imaginamos ser o que chamamos Brasil” (ORLANDI, 1990, p. 09).

Diante do que nos inquieta, então, em textos distintos, já propomos pensar sobre os sentidos acerca da Covid-19, na medida em que defendemos, a partir de nossas análises, que a pandemia pode, sim, provocar consequências distintas para cada polo de relações sociais dicotômicas, em uma sociedade cuja estrutura material é dividida em classes. Nesse viés, buscamos analisar e expor as disputas de sentidos no Brasil, as interpretações de uma parcela dos brasileiros sobre a sua própria condição social.

Ao tomarmos como objeto de análise central a referida expressão, propomos pensar sobre: como a luta pelos sentidos pode ser compreendida a partir do sintagma “distanciamento social”? Assim, nosso objetivo é promover um exercício de leitura a partir de um enunciado específico apresentado a seguir.

2 Distanciamento social: práticas de (in)visibilidade

Vejamos o enunciado:

Figura 1: Sequência discursiva imagética.

Fonte: ARAÚJO, 2020.

Esse é um dos enunciados que se propagou nas redes sociais12, sendo repetido a cada vez que as medidas de prevenção à disseminação e contágio por Covid-19 eram repercutidas. Assim como pontuou Orlandi (1990), em sua análise do enunciado “Terra à vista!”, tomado como primeira fala sobre o Brasil, expressando um olhar inaugural através da língua, por meio de processos de significação a partir dos quais se consolidou um imaginário acerca do Brasil e do brasileiro, aqui, buscamos compreender os processos discursivos que atribuem sentido a uma classe social que, por sua vez, são parte do funcionamento imaginário da sociedade brasileira e fazem emergir o caráter excludente dessa formação social.

Distinguindo compreensão de interpretação, conforme ensinamentos de Orlandi (2012), ao nos aproximarmos do nosso objeto de análise, atentamos para a primeira parte desta oração - “Distanciamento social sempre existiu” (grifo nosso) - em que o sintagma, usualmente atrelado aos discursos sobre a Covid-19, é utilizado no fio do discurso acompanhado de uma sequência que traz um advérbio e um verbo (sempre e existir, respectivamente), formando um enunciado de caráter afirmativo. Tal formulação, assim proposta, indica uma determinada posição-sujeito em relação às condições materiais de produção da sociedade brasileira.

O advérbio de tempo “sempre”, que caracteriza/modifica o verbo que o precede, “existiu”, sinaliza, pela leitura que fazemos, que embora o sintagma tenha agora recebido visibilidade e repercussão quando relacionado à crise sanitária, o sentido que também produz não se trata de uma novidade na realidade social brasileira no que tange aos aspectos sociais e econômicos. Nessa leitura, o termo “sempre” funciona no nível intradiscursivo como um operador que reforça e intensifica a ideia de que o “distanciamento social” entre os sujeitos brasileiros existe, ou seja, trata-se de uma realidade material já vivenciada e já conhecida por uma parcela da sociedade (apesar do índice de pobreza e de desemprego ter aumentado consideravelmente em tempos de Covid-19).

O advérbio marca, no fio do discurso, a existência passada e presente daquilo que é representado no/pelo sintagma precedente (distanciamento social), por meio da retomada de um discurso que nega a existência de diferenças sociais de classe. Dito de outra forma, este enunciado afirma o que poderia ser negado/silenciado ou o que é negado/silenciado. O uso do tempo verbal no pretérito perfeito do modo indicativo, em “existiu”, complementa o efeito de sentido sobre uma realidade concreta e factual em relação à ação (existir), evidenciando a posição do sujeito enunciador.

Nessa perspectiva, “distanciamento social” move-se para outra matriz de sentido que faz o sintagma funcionar discursivamente como possibilidade parafrástica para a expressão “exclusão social”, por exemplo. Também, no eixo parafrástico, podemos pensar em possibilidades de paráfrase como: distanciamento social/ desigualdade social/ exclusão social. Instaura-se, portanto, uma relação metafórica entre os referidos sintagmas. Ou, conforme Indursky (2011, p. 76),

Os sentidos, à força de se repetirem, podem acabar por se modificar, de modo que as redes discursivas de formulação, formadas a partir de um regime de repetibilidade, vão recebendo novas formulações que, ao mesmo tempo que vão se reunindo às já existentes, vão atualizando as redes de memória. Tais formulações podem trazer o mesmo sentido e, nesse caso, produzem uma relação de metáfora em que uma palavra é tomada pela outra, mas produzindo o mesmo sentido, tal como ocorre em uma família parafrástica que funciona como uma matriz de sentido.

Na relação metafórica instaurada entre distanciamento, desigualdade e exclusão, as questões relacionadas à pandemia e seus desdobramentos sanitários passam a ser associadas às desigualdades sociais e econômicas vivenciadas há muito na sociedade brasileira. Assim, a partir da língua, sujeitos posicionam-se, produzindo efeitos de sentido de denúncia, de resistência, de procura por visibilidade diante dessa conjuntura política atual que assumiu uma postura que inviabiliza sujeitos de determinada parcela.

Quanto aos elementos verbais, o enunciado em análise é finalizado com a exclamação/proposição “bem vindos ao Brasil….”, sequência esta que sustenta e reforça o imaginário e sentidos já instaurados pelos elementos anteriores: esse é o Brasil que existe e sempre existiu, aqui distanciamento social não é uma novidade trazida pela Covid-19, pois, essa recomendação da OMS é uma prática que ocorre há muito tempo, mas, por outras razões que são denunciadas nessa discursividade.

Não podemos deixar de considerar a reticência “...” apresentada no enunciado, visto que ela também significa na produção do sentido. No entendimento de Grantham (2003), as reticências “sinalizam um espaço de virtualidades, de sentidos possíveis’’. Mas reforça também nossa hipótese de que esse espaço não abre para qualquer coisa, pois os sentidos que são produzidos ali não estão fora do campo daquilo que é possível dizer” (p. 1024). Nesse ínterim, as reticências não são um vazio ou uma comunicação sem expressão, mas, um espaço lacunar carregado de significação. Essa pista linguística, então, permite, a nosso ver, que o sujeito opere ilusoriamente com o dito e com o a dizer, significando, no entremeio, o não-dito que significa.

Dessa forma entendido, os efeitos de sentido que até hoje nos submetem ao “distanciamento social” são os que silenciam a historicidade da sociedade dividida em classes. Sentidos que circulam socialmente dissimulando a desigualdade social estrutural e, no contexto da pandemia, buscam minimizar as diferenças de classe na prevenção e proteção contra os riscos sanitários decorrentes da Covid-19. E, então, ao observarmos práticas sociais e discursivas como esta em análise, atentamos para o seu funcionamento como um gesto de resistência, denunciando as diferenças de classe, que são determinantes para a sobrevivência, para a proteção à saúde dos sujeitos das classes vulneráveis. Por isso, nossa proposta é compreender os processos de significação instaurados por sujeitos que, ao se posicionarem frente a um modo de significar a pandemia de maneira homogênea e desvinculada das questões de classe, resistem.

Atentando para o texto como um todo, observando os elementos verbais e não-verbais que o compõem, destacamos o modo como a união desses elementos atua na produção do efeito de sentido em questão. A imagem que apresenta um lugar desfavorecido economicamente cuja estrutura encontra-se destruída, com tijolos e canos de saneamento aparentes, materializa a situação vivida por parte dos brasileiros. E, imbricada ao nível linguístico, a dimensão imagética reforça as questões sociais relacionadas à pobreza, à desigualdade, à exclusão e ao abandono de alguns espaços públicos por parte do Estado.

Sendo assim, entendemos que a imagem associada ao enunciado “Distanciamento social sempre existiu bem vindos ao Brasil….” direciona e intensifica um movimento de (re)significação do sintagma “distanciamento social” para além das questões de saúde pública, no contexto sócio-histórico em que foi produzido, cujo espaço de circulação tornou-se saturado de sentidos sobre a Covid-19.

Esse funcionamento discursivo ancorado na repetição do sintagma distanciamento social remete-nos, logo, às bases teóricas da AD, pois o sintagma em pauta, ao desestabilizar o processo de saturação/regularização de sentidos por nós salientado, torna-se outro13. Orlandi (2012) ao tratar das relações de sentido, acentua que é pelo funcionamento do interdiscurso que a exterioridade é inscrita no próprio interior da textualidade. O interdiscurso, por sua vez, “é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 2012, p. 33).

Nesse ponto, recorremos a Indursky (2011, p. 71, grifo nosso), ao refletirmos sobre a noção de memória no âmbito da AD, quando a autora ressalta que

[...] se há repetição é porque há retomada/regularização de sentidos que vão constituir uma memória que é social, mesmo que esta se apresente ao sujeito do discurso revestida da ordem do não-sabido. São os discursos em circulação, urdidos em linguagem e tramados pelo tecido sócio-histórico, que são retomados, repetidos, regularizados. [...] Repetir, para a AD, não significa necessariamente repetir palavra por palavra algum dizer, embora frequentemente esse tipo de repetição também ocorra. Mas a repetição também pode levar a um deslizamento, a uma ressignificação, a uma quebra do regime de regularização dos sentidos.

Dessa posição teórica, a repetição é entendida como um modo de manifestação da memória no discurso e pode associar-se ao efeito de regularização de sentidos, quando se realiza no eixo parafrástico, ou como deslocamento e ressignificação, quando se realiza no eixo polissêmico da linguagem. No caso que analisamos, podemos observar o funcionamento desse segundo movimento quando o sintagma “distanciamento social” surge no fio do discurso inserido em um enunciado que nos leva a uma determinada interpretação, justaposto a imagens que buscam significar a realidade material das classes sociais desfavorecidas.

A expressão em análise, portanto, permite-nos distinguir que repetir não é apenas renovar o mesmo, já que a repetição pode produzir movimentos polissêmicos, pode romper com processos de significação já instalados. Dessa forma, ao analisarmos o efeito parafrástico e o efeito polissêmico do discurso, temos em vista que repetir não significa necessariamente a fixação ou o enrijecimento de sentidos, e, por isso, evidenciamos a sua movência, uma vez que “também é a repetição que responde por sua movimentação/alteração. Ou seja, os sentidos se movem ao serem produzidos a partir de outra posição-sujeito ou de outra matriz de sentido” (INDURSKY, 2011, p. 77).

Em nosso objeto, observamos que a repetição altera o curso do processo de significação das mesmas palavras, justamente porque a produção de sentido é uma questão de determinação ideológica, de relações com a exterioridade, com o interdiscurso. O sentido, nessa perspectiva a qual nos filiamos, não é apenas um produto da língua enquanto estrutura, é efeito, um processo resultante da língua enquanto estrutura, mas, também, como fato social que se realiza na interseção do histórico e do ideológico. Orlandi bem escreve: “não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparente cotidiano dos signos” (2012, p. 09).

Assim, a desestabilização de um processo de regularização e saturação de alguns sentidos em torno do sintagma “distanciamento social”, de acordo com a nossa interpretação, evidencia a luta pelos sentidos como resistência aos processos dominantes/hegemônicos de significação da pandemia que a compreendem como sendo vivenciada de modo igual para as diferentes classes sociais e que, na realidade material, (sobre)vivem ao vírus de modo bastante distinto. Esse gesto de resistência também retoma as relações de dominação/subordinação que estruturam a sociedade brasileira.

A partir do gesto de análise aqui materializado, compreendemos que confrontar o sentido de “distanciamento social” como medida de proteção de saúde (saturado e dominante) com o sentido de exclusão social (ressignificação, resistência e denúncia) mostra como a língua é, também, arena política para a luta de classes, para a luta pela sobrevivência, para a luta pelos sentidos. Analisar esses enfrentamentos, tal como buscamos evidenciar nessas reflexões, nos permite retomar Pêcheux (2014, p. 7, grifos nossos) acerca da luta ideológica de classes:

O duplo caráter dos processos ideológicos (caráter regional e caráter de classe) permite compreender como as formações ideológicas se referem aos “objetos” (como a Liberdade, a Justiça etc.), ao mesmo tempo idênticos e diferentes, isto é, cuja unidade está submetida a uma divisão: o próprio da luta ideológica de classes é se desenvolver num mundo que, de fato, não termina nunca de se dividir em dois”.

Por fim, entendemos que a discursividade analisada é um exemplo de que as palavras podem ser armas a partir das quais os enfrentamentos se estabelecem socialmente: “Pero en la lucha política, ideológica y filosófica, las palabras también son armas, explosivos, calmantes y venenos. Toda la lucha de clases puede a veces resumirse en la lucha por una palabra o contra una palabra” (ALTHUSSER, 1974, p. 20).

Considerações finais

Com este gesto de análise, observamos que para compreender e analisar as disputas de interpretação sobre o Brasil, os brasileiros e a brasilidade, é necessário que as reflexões propostas contemplem a (re)produção de sentidos e problematizem as determinações sócio-históricas que reforçam e naturalizam as condições materiais de produção e as relações sociais de desigualdade/subordinação. Nesse ínterim, observamos, com amparo teórico em Orlandi, “o fato de que há um repetível que retorna indefinidamente nessa produção de sentidos” (1990, p. 242).

No movimento discursivo de ressignificação do sintagma “distanciamento social” a partir de outro processo discursivo e outra matriz de sentido, irrompem efeitos que evidenciam a relação entre saúde e classe social, denunciando que a saúde pública não deve ser significada de modo igual para toda a população brasileira, pois o direito à saúde não é uma realidade material que se apresenta de modo igual para todos (entre tantos outros direitos fundamentais).

Com efeito, a repetição instaurada a partir do eixo polissêmico, como gesto de ressignificação, resistência e denúncia, ao demarcar a luta pelos sentidos, evidencia que distanciamento social produz sentidos diferentes conforme a classe social dos sujeitos. Para classes sociais vulneráveis economicamente, distanciamento social produz sentidos que vão muito além da crise sanitária e, assim, podemos perceber que “é aí que os sentidos se dividem inexoravelmente”, tal como propõe Orlandi (1990, p. 239), uma vez que “podem ser muito diferentes se recortamos as histórias em diferentes perspectivas do contar” (idem, p. 239).

A partir das condições de produção do enunciado em análise e da noção de que todo gesto de resistência é atravessado pelas práticas dominantes, nossa leitura considerou práticas discursivas como as do mandatário do país. Isso porque suas práticas sociais e discursivas agravam o jogo de forças desigual e desproporcional que estrutura as relações sociais de produção. As classes social e economicamente vulneráveis não têm condições materiais de entrar nessa disputa sem colocar-se em risco concreto de morte. No cenário epidemiológico que vivemos, o negacionismo e a desinformação matam, mas matam muito mais aqueles que não têm condições materiais de acesso à saúde.

Nosso objeto de análise, em seu funcionamento discursivo, expôs que é preciso resistir ao discurso de abandono e desamparo das classes vulneráveis, o qual circula fortemente no âmbito do discurso político de apoio ao capitão da República e a suas práticas de negação da pandemia. É preciso ressignificar o sintagma e promover a visibilidade daqueles que o governo está negligenciando. Então, compreendemos que a luta pelos sentidos desdobra-se na luta por políticas de prevenção e combate à Covid-19 que leve em conta a realidade material das classes sociais vulneráveis. Assim, o enunciado analisado resulta da urgência em produzir sentidos de resistência para que as classes menos favorecidas não sejam abandonadas em definitivo. Os dizeres analisados, portanto, denunciam que é preciso lembrar que essa parcela da população existe e precisa do Estado para ter seus direitos à saúde garantidos.

Referências

ALTHUSSER, Louis. La filosofia como arma de la revolución. Madri, Espanha: Siglo Veintiuno Editores, 1974.

ARAÚJO, Pedro Zambarda de. Luciano Huck posta foto de periferia e seguidor ironiza: ‘Condomínio, segurança armada, você que o diga’. DCM. Publicado em 1 outubro de 2020. Disponível em: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/luciano-huck-posta-foto-de-periferia-e-seguidor-ironiza-condominio-seguranca-armada-voce-que-o-diga/ >. Acesso em: 06 nov. 2020.

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Como citar este artigo

SOUZA, M. J. de.; SILVA, N. S. Ressignificação e resistência no sintagma “distanciamento social”: uma análise discursiva sobre a luta pelos sentidos em tempos de Covid-19 no Brasil. Fragmentum, Santa Maria, p. 173-191, 2022. Disponível em: 10.5902/2179219468890. Acesso em: dia mês abreviado. ano.


1 Trata-se do mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Fonte: Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 16/09/20.

2 A denominação Covid-19 tem origem nos primeiros casos da nova cepa do vírus Coronavírus em seres humanos, divulgados publicamente pelo governo chinês em 2019. O Coronavírus significa COrona VIrus Disease, uma doença que causa infecções respiratórias em seres humanos e em animais, geralmente, apresentando-se com sintomas respiratórios semelhantes a um resfriado comum, mas, que podem ser agravados diante da apresentação de comorbidades. O Brasil, em dezembro de 2021, contabiliza mais de 678 mil óbitos.

3 “De acordo com as actuais recomendações, o vírus da COVID19 transmite-se, primeiro, entre as pessoas, através de gotículas respiratórias e vias de contacto. A transmissão de gotículas ocorre quando uma pessoa está em contacto próximo (a menos de um metro) com uma pessoa infectada, ocorrendo assim exposição a gotículas respiratórias potencialmente infecciosas, por exemplo, através da tosse, espirros ou contacto pessoal muito próximo, podendo resultar na inoculação de portas de entrada, tais como a boca, o nariz ou a conjuntiva (olhos) (5-10). A transmissão poderá igualmente ocorrer através de fómites no ambiente imediato em torno da pessoa infectada (11, 12).Por conseguinte, a transmissão do vírus da COVID-19 pode ocorrer directamente por contacto com pessoas infectadas ou indirectamente por contacto com superfícies no ambiente imediato ou com objectos usados na pessoa infectada (e.g., estetoscópio ou termómetros)” (OMS, 2020, p. 2).

5 A título de exemplo, no que tange ao emprego das expressões “distanciamento físico” e “distanciamento social”, podemos citar os seguintes documentos oficiais: Nota técnica nº 04/2020 da Anvisa; informativos oficiais do Senado; Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho de 2020, do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

6 Para exemplificar o uso da expressão “distanciamento social” na mídia nacional – e, consequentemente, o não uso da expressão “distanciamento físico”, remetemos o leitor às seguintes notícias: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-53343977>;<https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/05/oms-divulga-novas-orientacoes-para-uso-e-fabricacao-de-mascaras-de-pano-contra-a-covid-19.ghtml>.

7 Tomamos de empréstimo de Indursky (2020) as seguintes designações quando se trata do atual Presidente da República: mandatário do país ou capitão da República.

8 Conforme determinado na Constituição Federal em seu artigo 85, inciso II.

9 Em live transmitida ao vivo através das redes sociais, no dia 17 de junho de 2021, Fonte: Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WVhTmzNcFEg>. Acesso em: 20/07/21.

11 Consideramos a noção de Estado Democrático de Direito, e seus preceitos, no âmbito da Teoria Geral do Estado em uma perspectiva jurídica formal. Não nos atemos, nessas reflexões, à complexidade do funcionamento do Estado Democrático de Direito numa formação social capitalista.

12 O enunciado em análise circulou intensamente nas redes sociais no segundo semestre de 2020 e, em outubro daquele ano, tornou-se notícia em diferentes veículos eletrônicos de comunicação após ser publicado em uma rede social no perfil de um sujeito investido em uma posição de fama em nossa formação social. Dessa forma, nosso objeto de análise encontra-se online em uma conta privada nas redes sociais, mas em um contexto público de circulação de dizeres através de meios de comunicação. Ressaltamos que não é considerado, nos pressupostos da AD, o sujeito empírico que o publicou.

13 A esse respeito, vale retomar Pêcheux (2008 [1983]): “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (a não ser que a proibição da interpretação própria ao logicamente estável se exerça sobre ele explicitamente)” (p. 53).