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Universidade Federal de Santa Maria

Exten. Rur., Santa Maria, v. 31, e85046, 2024

DOI: 10.5902/2318179685046

ISSN 2318-1796

Submissão: 11/09/2023 Aprovação: 12/08/2024 Publicação: 30/10/2024

1 INTRODUÇÃO.. 2

2 METODOLOGIA.. 6

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO.. 7

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 16

REFERÊNCIAS. 18

 

Extensão e Comunicação Rural

Determinantes da aplicação dos conhecimentos transmitidos pelos serviços de extensão rural em Moçambique

Determinants of the application of knowledge transmitted by rural extension services in Mozambique

Autor Carlos Francisco Xavier FilimoneIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Sandre José MaciaIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

IInstituto de Investigação Agrária de Moçambique, Maputo, Moçambique

IIInstituto Nacional de Estatística, Maputo, Moçambique

RESUMO

Apesar dos esforços do Governo de Moçambique na melhoria da produtividade agrária, o nível de aplicação de tecnologias melhoradas pelos produtores é muito baixa e são escassos os estudos que avaliam os fatores que influenciam a fraca utilização das tecnologias. Com base nos dados do Inquérito Agrário Integrado (IAI2020), foi usada a regressão logística binária para avaliar os fatores que determinam a aplicação dos conhecimentos transmitidos pelos serviços de extensão rural. Os principais resultados mostram que os produtores que têm acesso aos serviços de extensão rural aplicam as tecnologias melhoradas. Igualmente, o estudo mostra que os fatores socioeconômicos, institucionais e fatores ligados à área de produção estão associados à aplicação dos conhecimentos transmitidos pela extensão rural, nomeadamente: sexo, idade, escolaridade, formação em agropecuária, realização de trabalho remunerado e/ou trabalho por conta própria, associativismo, acesso ao crédito e tamanho da área de produção agrária.

Palavras-chave: Aplicação dos conhecimentos; Extensão rural; Fatores determinantes

ABSTRACT

Despite the efforts of the Government of Mozambique to improve agricultural productivity, the level of application of improved technologies by farmers, is very low and there are few studies evaluating the factors that influence the poor utilization of the technologies. Based on data from the Integrated Agricultural Survey (IAI 2020) and using binary logistic regression, we accessed the factors that determine the application of the recommendations and knowledge provided by rural extension service. The main results show that farmers who have access to rural extension services apply the improved technologies. Likewise, the study shows that the following socioeconomic, institutional and farm factors are associated with the application of recommendations and knowledge convened by rural extension services: sex, age, education, training in agriculture, paid work, self-employment, membership, access to credit and size of agriculture area.

Keywords: Application of knowledge; Rural extension; Determinate factors

1 INTRODUÇÃO

A aplicação das tecnologias agrárias desempenha um papel fundamental para a melhoria da produtividade e geração da renda. Mas, de uma forma geral, nos países em desenvolvimento a aceitação de novas tecnologias, melhoradas, é muito baixa, principalmente pelos pequenos produtores (Okello et al., 2021). Em Moçambique, dados do último Inquérito Agrário Integrado (IAI) realizado em 2020, mostram que a adoção das tecnologias básicas para a produção agrícola, tais como, semente melhorada, pesticidas, herbicidas, rega, adubos e fertilizantes, está abaixo de 10%, nos produtores das pequenas e médias explorações, que representam cerca de 99% das explorações agrárias (Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural [MADER], 2020). Usando dados de anuários das estatísticas do setor agrário, publicados pelo MADER nos anos 2012, 2015 e 2021, Come (2021) verificou uma tendência de redução da aplicação de algumas tecnologias, como por exemplo, pesticidas químicos, irrigação e tração animal.

O Governo de Moçambique reconhece os desafios ligados à aplicação das tecnologias agrárias, e por isso, os programas e políticas nacionais do setor agrário, como o Plano Nacional de Investimento do Setor Agrário (PNISA 2022-2026) (MADER, 2022) e o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Setor Agrário (PEDSA 2023-2030), têm propostas de intervenções para aumento de produção e produtividade agrária (República de Moçambique, 2022).

Para melhorar a produção e produtividade através da adoção de tecnologias melhoradas, é importante compreender os fatores que determinam a adoção de tais tecnologias, isso porque o desenvolvimento de tecnologias adotáveis pelos agricultores requer uma compreensão das características, condições e prioridades dos agricultores (Marassiro; Oliveira; Pereira, 2021).

Vários estudos para determinar os fatores que influenciam no processo de adoção de tecnologias agrícolas têm sido realizados em diversas partes do mundo e ao longo do tempo. Por exemplo, Akudugu, Guo e Dadzie (2012) para Gana; Mmbando e Baiyegunhi (2016) para Tanzânia, e Uaiene (2011) para Moçambique, apuraram que o acesso ao crédito e aos serviços de extensão tinham uma influência positiva sobre a probabilidade de adoção das tecnologias. Mas estudos de Zavale, Mabaya e Christ (2005) e Come e Ferreira Neto (2017) verificaram que o acesso aos serviços de extensão agrária e ao crédito agrário não foram significativos na adoção das variedades melhoradas de milho.

Outros fatores, tais como a dimensão da exploração agrícola, os benefícios esperados da adoção de tecnologias (Akudugu; Guo; Dadzie, 2012), rendimento fora da exploração agrícola, ser membro de associação de produtores, participação em ensaios/demonstrações na exploração agrícola (Mmbando; Baiyegunhi, 2016), grau de educação formal do chefe do agregado familiar (Lopes, 2010), emprego fora da exploração agrícola e rega (Zavale; Mabaya; Christ, 2005), contribuíram para aumentar a probabilidade de adoção das tecnologias agrárias. Por seu turno Chete (2021), na Nigéria, concluiu que melhorar o grau educação formal dos agricultores, alargar a cobertura e a profundidade dos serviços de extensão e reforçar as associações de agricultores eram ações úteis para promover a adoção de variedades melhoradas de milho.

Entre os fatores com influência negativa e significativa na decisão de adotar tecnologias agrárias identificados na literatura, destacam-se a idade do chefe de família (Come; Ferreira Neto, 2017; Zavale; Mabaya; Christ, 2005); cultivo das culturas de rendimento (algodão e tabaco) (Zavale; Mabaya; Christ, 2005), o tamanho do agregado familiar e a pertença a uma associação ou grupo de produtores (Come; Ferreira Neto, 2017).

Para que os serviços de extensão rural tenham o impacto esperado, há necessidade de apostar em abordagens de intervenção que maximizam os fatores que influenciam positivamente a adoção de tecnologias modernas e mitiguem os fatores que impedem a aplicação das tecnologias recomendadas (Akudugu; Guo; Dadzie, 2012; Marassiro; Oliveira; Pereira, 2021).

Da revisão da literatura nota-se que são poucos os estudos, em Moçambique, que visam analisar os fatores que influenciam a aplicação dos conhecimentos transmitidos, exceto os trabalhos de Zavale, Mabaya e Christ (2005), Uaiene (2011), Come e Ferreira Neto (2017) e Ponguane e Mucavele (2018). Poucos estudos são de abrangência nacional. Estudo do Come (2021), que analisou a evolução da adoção das tecnologias agrárias em Moçambique no período 2002-2020, com base nos dados dos anuários estatísticos, encontrou diferenças de níveis de adoção das tecnologias agrárias entre as províncias, sendo que a província de Zambézia foi a que apresentou níveis mais abaixo da média nacional. Mas não há clareza sobre as razões das discrepâncias entre as províncias. Portanto, persistem dúvidas sobre que fatores que determinam a aplicação das tecnologias transmitidas pelos serviços de extensão rural aos produtores moçambicanos.

Desse modo, este estudo, que usa dados IAI 2020, visa identificar os fatores que determinam a aplicação, pelos produtores, das recomendações e conhecimentos transmitidos pelos serviços de extensão rural em Moçambique, de forma a recomendar sobre os ajustes que a extensão deve fazer para aumentar a aplicação das tecnologias pelos pequenos produtores.

2 METODOLOGIA

Os dados utilizados neste artigo são provenientes do IAI 2020 realizado pelo MADER em colaboração com o INE. A amostra foi probabilística, multi-etápica, cobrindo 141 dos 161 distritos predominantemente rurais, abrangendo mais de 23 mil agregados familiares, e fornecendo resultados com representatividade nacional, provincial e distrital (MADER, 2021).

Para o presente estudo, optou-se pelo modelo logit por ser usado na maioria de estudos que analisam os determinantes da assistência técnica, por causa da sua flexibilidade e facilidade na operação e interpretação (Gujarati; Porter 2011; Fernandes et al., 2020). Para o processamento e análise de dados, usou-se o pacote estatís­tico Stata, versão 17. A análise baseou-se fundamentalmente na estatística descritiva e na regressão logística binária para a determinação dos fatores que contribuem para a aplicação dos conhecimentos transmitidos pelos serviços de extensão rural.

O modelo de regressão logística no presente trabalho utiliza a Fórmula 1 seguinte:

(1)

Onde: y é a variável explicada e corresponde à aplicação dos conhecimentos transmitidos (dummy, aplica=1; caso contrário=0) e x1 a x15 são variáveis explicativas, a saber: x1=sexo (dummy, ser homem=1; caso contrário=0); x2=idade (quantitativa); x3=educação formal (qualitativa ordinal); x4 =finalidade de produção (dummy, comercializa=1; caso contrário=0); x5= tem formação em agropecuária (dummy, sim=1; caso contrário=0); x6 = realiza trabalho remunerado (dummy, sim=1; caso contrário=0); x7 = faz trabalho por conta própria (dummy, sim=1; caso contrário=0); x8 = tamanho da machamba (quantitativa); x9 = pertence a alguma associação (dummy, sim=1; caso contrário=0); x10 =pertence a alguma associação de crédito ou poupança (dummy, sim=1; caso contrário=0); x11=recebeu crédito (dummy, sim=1; caso contrário=0); x12=cultiva no regadio (dummy, sim=1; caso contrário=0); x13=produz culturas de rendimento (dummy, sim=1; caso contrário=0); x14 = região de residência (dummy, centro=1, caso contrário=0), x15 = região de residência (dummy, norte=1, caso contrário=0).  a  são os respetivos coeficientes. A significância das variáveis explicativas é determinada pelo teste z, em que a hipótese nula () é de que  e a hipótese alternativa  é de que .

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Acesso aos serviços de extensão rural pelos produtores das pequenas e médias explorações e aplicação dos conhecimentos transmitidos

Os resultados na Tabela 1 mostram que, em Moçambique, apenas 7% dos agricultores têm acesso aos serviços de extensão rural. Entretanto, a maioria (85%) dos que tem acesso aos serviços de extensão aplicam os conhecimentos adquiridos. As províncias do norte de Moçambique, Niassa (94%), Cabo Delgado (96%) e Nampula (92%) destacam-se em termos de níveis de aplicação dos conhecimentos transmitidos pela extensão.

Tabela 1 – Percentagem de acesso aos serviços de extensão rural e aplicação dos conhecimentos transmitidos

 

Acesso (%)

 

Aplicação (%)

 

Homens

Mulheres

Total

Homens

Mulheres

Total

Niassa

9,9

3,8

7,7

96,5

80,1

93,7

Cabo Delgado

7,8

0,1

5,1

96,5

0

95,6

Nampula

5,8

1,7

4,6

94,2

75,5

92,2

Zambézia

3,6

3,7

3,6

72,6

85,4

77,5

Tete

6,8

5,4

6,4

86,2

86,9

86,4

Manica

9,5

7,3

8,9

79,3

68,9

77,1

Sofala

27,8

17,3

24,6

84,9

100

88,1

Inhambane

3,1

1,1

2,4

60,9

98

66,3

Gaza

3

5,6

4,1

83,2

94,5

89,6

Maputo

2,9

2,1

2,6

81,4

93,7

85,1

Média

8

4,8

7

 

83,6

78,3

85,2

Fonte: Autores com base no IAI 2020

A Tabela 2, no global, mostra que os agricultores que aplicam os conhecimentos transmitidos pela extensão agrária representam uma média nacional de cerca de 7%. Os produtores descritos na Tabela 2 são maioritariamente de famílias chefiadas por homens, cerca de 70%, com o nível de escolaridade média correspondente a quarta classe, com uma área média de 0,49 hectares. A maioria desses produtores (61%) comercializa a sua produção; mas tem pouco acesso ao crédito (cerca 1%) e poucos (2%) com alguma formação em agropecuária de pelo menos 3 meses de forma contínua; apenas 5% pertencem a algum tipo de organização ou associação; 24% residem no norte, 41% no centro e 35% residem no sul do país.

O pseudo R2 mostra que aproximadamente 15% das variações da aplicação dos conhecimentos adquiridos são explicadas pelas variáveis independentes do modelo. Isso mostra que, em Moçambique, a probabilidade de aplicação de conhecimentos são explicadas, em grande medida (85%), por outros fatores não considerados no modelo.

Por outro lado, em termos de acurácia, o modelo prevê corretamente cerca de 93% das observações. O LR chi2=0.000 indica que os coeficientes são conjuntamente significativos. O teste qui quadrado (prob chi2=0.000) mostra que pelo menos uma variável explicativa é estatisticamente significativa para explicar o comportamento das variáveis explicadas. Da análise da significância específica de cada variável, nota-se, pelo teste z, que todas as variáveis explicativas são estatisticamente significativas, exceto as variáveis prática de culturas de rendimento e trabalhar em regadio.

A sensitividade, a taxa de acerto entre os que o modelo classificou como tendo aplicado os conhecimentos, situou-se em 9%. A especificidade, que indica os acertos entre aqueles que foram classificados como não tendo aplicado os conhecimentos, foi de 99%.

Tabela 2 – Estatísticas descritivas

Variável

Descrição

 

Sinal esperado

Obs

Média

Aplica (y)

Aplicou os conhecimentos transmitidos

1= Sim; 0 = Não

23720

0,07

Sexo (x1)

Sexo do chefe do agregado familiar

1= Masculino;

0 = Feminino

+

23720

0,70

Idade (x2)

Idade do chefe do agregado familiar

Anos

-

23720

44,93

Nível escolar (x3)

Última classe concluída

Qualitativa ordinal

+

23720

4,12

Finaprod (x4)

Comercializa a produção

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,61

Formagro (x5)

Teve formação em agropecuária

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,02

Trabrem (x6)

Faz trabalho remunerado

1= Sim; 0 = Não

-

23720

0,28

Contprop (x7)

Faz trabalho por conta própria

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,39

Machamb (x8)

Tamanho da machamba

Hectares

+

23720

0,49

Assoc (x9)

Pertence a alguma organização

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,05

Poupcred (x10)

Pertence a grupo crédito e poupança

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,08

Cred (x11)

Recebeu crédito

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,01

Reg (x12)

Cultiva no regadio

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,32

Rend (x13)

Produz culturas rendimento

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,51

Centro (x14)

Reside no centro do país

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,41

Norte (X15)

Reside no norte do país

1= Sim; 0 = Não

+

23720

0,24

Fonte: Autores com base no IAI 2020

Por outro lado, 13 das 15 variáveis são estatisticamente significativas para explicar a probabilidade de aplicação dos conhecimentos. Com a exceção da variável finalidade da produção e cultivo no regadio, com sinal negativo, as restantes variáveis apresentaram sinal positivo. Das 13 variáveis com impacto positivo sobre a probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos, apenas a produção de culturas de rendimento é que não foi estatisticamente significativa.

3.2 Fatores determinantes de aplicação dos conhecimentos transmitidos pela extensão agrária em Moçambique

Tabela 3Resultados da regressão logística

Aplica_conhecimentos

Coefficient

Odds ratio

dy/dx

Erro_Padrão

P>z

Sexo

0,29

1,34

0,02

0,07

0,00

***

Idade

0,01

1,01

0,00

0,00

0,00

***

Nível escolar

0,02

1,02

0,00

0,01

0,00

***

Finalidade da produção

-0,69

0,50

-0,04

0,06

0,00

***

Formação agropecuária

1,58

4,85

0,09

0,11

0,00

***

Trabalho remunerado

0,18

1,19

0,01

0,06

0,01

***

Conta própria

0,22

1,24

0,01

0,06

0,00

***

Machamba

0,06

1,07

0,00

0,02

0,00

***

Associativismo

1,82

6,18

0,10

0,08

0,00

***

Poupança e crédito

0,71

2,03

0,04

0,08

0,00

***

Crédito

1,33

3,80

0,07

0,19

0,00

***

Regadio

-0,05

0,96

0,00

0,06

0,45

Culturas de rendimento

0,06

1,06

0,00

0,06

0,32

Centro

0,68

1,97

0,04

0,07

0,00

***

Norte

0,22

1,25

0,01

0,09

0,01

**

_cons

-4,21

0,01

0,14

0,00

"**** ", "**" e "*" mostra resultados significativo a 1%, 5% e 10%, respetivamente

Number of obs

23720

LR chi2(15)

1709,4

Prob > chi2

0

Log likelihood

-4993,4

 Pseudo R2

0,147

y= Pr(Acesso/aplica) (predict)

0,04828

Correctly classified

93,36

Sensitivity

8,32

Specificity

 

99,5

 

 

 

 

Fonte: Autores com base no IAI 2020

3.2.1 Determinantes relacionados às características socioeconômicas do chefe do agregado familiar

Em relação à variável idade, os resultados na Tabela 3 mostram que a idade do chefe do agregado familiar tem uma relação positiva e estatisticamente significativa com a aplicação das recomendações da extensão agrária. Portanto, quando a idade aumenta em um ano, a probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos aumenta em 1%. Isso sugere que os agricultores mais velhos têm tendência de aplicar os conhecimentos adquiridos. Esperava-se que os jovens fossem mais suscetíveis a aplicar as recomendações dos extensionistas pela flexibilidade que este grupo tem demonstrado em adotar novas tecnologias. Provavelmente, a fraca aplicação das tecnologias pelos jovens deve estar associada ao fraco poder econômico para aquisição das tecnologias disseminadas. Os resultados deste estudo são consistentes com os que Karunathilaka e Thayaparan (2016) encontraram na adoção de novas técnicas de produção de arroz em Sri Lanka.

No que concerne à educação formal e experiência do chefe do agregado familiar, os resultados do presente estudo mostram que a educação formal tem um impacto positivo sobre a probabilidade de aplicação dos conhecimentos. Portanto, uma classe adicional no ensino aumenta a probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em cerca de 2%. O fato de o agricultor ter formação em agropecuária está associado ao aumento da probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em cerca de 385%. Esses resultados foram também encontrados por Karunathilaka e Thayaparan (2016) e Okello et al. (2021). De acordo com esses autores, produtores com maior grau de educação formal e mais experientes têm mais probabilidade de adotar as novas tecnologias, porque a educação formal lhes confere mais facilidade para entender a utilização de novas tecnologias e a experiência tornam-lhes menos avessos ao risco.

No estudo sobre a adoção de variedade de milho pelos pequenos produtores na Província de Manica, Come e Ferreira Neto (2017) chegaram à conclusão divergentes ao do presente estudo, no que concerne à relação entre experiência e aplicação dos conhecimentos transmitidos. Os autores concluíram que quanto mais velho e experiente o produtor, maior é a probabilidade de resistência para adotar novas tecnologias.

Na variável sexo, os resultados na Tabela 3 mostram que o sexo do chefe do agregado familiar tem uma relação positiva e estatisticamente significativa com a aplicação dos conhecimentos. Isso quer dizer que o fato de ser homem, em comparação com ser mulher, aumenta a probabilidade de aplicar os conhecimentos em 34%. Este resultado nos sugere a dizer que os homens têm mais tendência de aplicar as tecnologias melhoradas quando comparados com as mulheres. Estes resultados conferem com os encontrados pelo Semreab (2018) na Etiópia. A justificação sobre os homens serem mais propensos a aplicar as tecnologias melhoradas deve estar relacionada com o fato de terem maior grau de escolaridade que as mulheres. De acordo com os dados do último Inquérito Sobre o Orçamento Familiar (IOF 2022), a taxa de analfabetismo em Moçambique é de 38.3%, sendo mais elevada entre mulheres (49.2%) em comparação com os homens (25.9%) (Instituto Nacional de Estatística, 2023).

Os resultados na Tabela 3 no diz respeito à finalidade de comercialização da produção agrícola, mostram que esta variável está associada à redução da probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em cerca de 50%. Isso significa que os agricultores que comercializam a sua produção têm menos probabilidade de adotar as recomendações dos agentes de extensão rural. Assumindo que a aplicação das tecnologias requer recursos financeiros para sua aquisição e a comercialização visa obter dinheiro, não fica clara a tendência de pouca adoção das tecnologias pelos produtores que comercializam a sua produção. Esse resultado é diferente com o de Sousa Filho et al. (2011) e Ponguane e Mucavele (2018). O princípio é que quem comercializa a sua produção ou tem acesso ao mercado, vai precisar de incrementar a produção e a produtividade, e isso consegue-se com aplicação de tecnologias melhoradas (Ponguane; Mucavele, 2018).

Para o caso de produção de culturas de rendimento, os resultados na Tabela 3 mostram que esta variável não é estatisticamente significante.

Para as variáveis trabalho remunerado e trabalho por conta própria, os resultados deste estudo mostram uma relação positiva e significativa com a aplicação dos conhecimentos transmitidos pela extensão rural. Na Tabela 3, pode-se verificar que a realização do trabalho remunerado está associada ao aumento da probabilidade de aplicação das recomendações da extensão em 19%. A realização do trabalho por conta própria está, igualmente, associada ao aumento da probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em cerca de 24%. Esses resultados são consistentes com os obtidos por Lopes (2010) e por Zavale, Mabaya e Christ (2005), em que concluíram que as pessoas com trabalho remunerado têm tendência a aplicar as tecnologias melhoradas. Os autores argumentam que os agregados familiares envolvidos em trabalho não agrícola podem investir em tecnologias melhoradas de milho. Portanto, a adoção de novas tecnologias depende da disponibilidade de recursos financeiros para a aquisição de insumos, e o trabalho fora da agricultura aumenta diretamente os recursos disponíveis para investir em tecnologias melhoradas.

3.3 Determinantes relacionados às características da parcela de produção

Os resultados na Tabela 3 mostram que o tamanho da machamba está positivamente relacionado com a aplicação dos conhecimentos adquiridos, o que implica que a probabilidade de aplicação dos conhecimentos é maior para os agricultores com áreas maiores. Portanto, quando o tamanho da machamba aumenta em 1.0 hectare, há aumento de probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em 7%. Esse resultado é consistente com o encontrado por Okello et al. (2021), Karunathilaka e Thayaparan (2016), Akudugu, Guo e Dadzie (2012) e Ponguane e Mucavele (2018). A tendência de maior probabilidade de adoção das tecnologias agrárias aumentar com aumento da área de produção deve estar associada ao fato de algumas tecnologias, como por exemplo, a mecanização, herbicidas e outras, serem alternativas para resolver os desafios de preparação da terra, sachas e outras operações que são difíceis de realizá-las manualmente em grandes áreas.

3.4 Determinantes ligados aos fatores institucionais

Os resultados na Tabela 3 mostram que o fato de o agricultor trabalhar num regadio não é estatisticamente significante. Mas em outros estudos foi verificado que os produtores, que a sua parcela de produção está na área irrigada, têm mais probabilidade de aplicar as tecnologias melhoradas (Zavale; Mabaya; Christ, 2005; Lemessa; Yismaw; Watabaji, 2019; Gebremarian et al., 2021).

O associativismo está associado ao aumento da probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em cerca de 518% (Tabela 3). O fato de participar em grupos de crédito e poupança está associado ao aumento da probabilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos em cerca de 103% (Tabela 3). Esses resultados são consistentes com aqueles que foram obtidos por Okello et al. (2021), Mmbando e Baiyegunhi (2016) e Uaiene (2011). Mas Come e Ferreira Neto (2017) encontraram resultados diferentes deste estudo. A maior aplicação de tecnologias entre os associados pode estar associada a interação e partilha de conhecimentos que os produtores têm nas associações, que pode induzi-los a experimentar certos conhecimentos disseminados pela extensão agrária.

No que concerne à variável crédito, os resultados da Tabela 3 mostram que o fato de o agricultor receber crédito aumenta a probabilidade da aplicação dos conhecimentos adquiridos em 280%. Portanto, os produtores com acesso ao crédito têm maior probabilidade de aplicar as recomendações e conhecimentos deixados por esses serviços. Esses resultados são consistentes com os que Okello et al. (2021), Lopes (2010), Uaiene (2011) e Mmbando e Baiyegunhi (2016) encontraram nas suas pesquisas. Como a aplicação de certas tecnologias requer recursos financeiros, o acesso ao crédito serve como um meio para a aquisição das tecnologias ou dos insumos necessários para aplicação das tecnologias partilhadas pela extensão agrária.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os principais resultados mostram que, apesar de baixos níveis de acesso aos serviços de extensão rural, os poucos produtores que têm acesso a esses serviços aplicam as recomendações e os conhecimentos transmitidos pela extensão rural.

Os fatores socioeconômicos considerados neste estudo, nomeadamente, o sexo, idade, nível de escolaridade, formação em agropecuária, realização do trabalho remunerado e/ou trabalho por conta própria pelo chefe do agregado familiar têm uma relação positiva com a aplicação das tecnologias transmitidas pela extensão agrária em Moçambique. Dessa forma, podemos afirmar que os produtores de sexo masculino, mais velhos, com maior grau de educação formal e/ou que tiveram formação em agropecuária, que têm um trabalho remunerado ou que estão a fazer trabalho por conta própria, têm mais probabilidade de aplicar as recomendações e os conhecimentos transmitidos pela extensão rural.

Dois dos três fatores institucionais considerados nesta pesquisa, nomeadamente, associativismo e crédito têm uma relação positiva com a aplicação dos conhecimentos transmitidos pela extensão rural e estão estatisticamente significativas. Portanto, os produtores membros de associação de produtores ou que fazem parte de um grupo de crédito e poupança e os que têm acesso ao crédito têm maior probabilidade de aplicar as recomendações e os conhecimentos transmitidos pela extensão rural.

O tamanho da área de produção, a única característica ligada à parcela de produção considerada, tem uma relação positiva e estatisticamente significativa com a aplicação das recomendações e conhecimentos transmitidos pela extensão rural. Isso quer dizer que quanto maior a área de produção do agregado familiar, maior é a probabilidade de aplicar as recomendações e os conhecimentos transmitidos pela extensão rural.

A variável produzir para a comercialização é o único fator associado à redução da probabilidade de aplicação dos conhecimentos transmitidos pelos serviços de extensão rural.

Para reforçar a aplicação das tecnologias melhoradas pelos produtores, é necessário investir-se no reforço do associativismo dos produtores; facilitação de acesso ao crédito; alfabetização dos produtores, principalmente as mulheres; e  capacitação dos agricultores em agropecuária.

REFERÊNCIAS

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Contribuição de autoria

1 – Carlos Francisco Xavier Filimone

Direção de Formação, Documentação e Transferência de Tecnologias, Instituto de Investigação Agrária de Moçambique

Mestrado em Desenvolvimento Agrário

https://orcid.org/0009-0004-1923-7662cfilimone@gmail.com

Contribuição: Conceitualização, Investigação, Escrita

2 – Sandre José Macia

Direção de Contas Nacionais e Indicadores Globais, Instituto Nacional de Estatística, Maputo, Moçambique e Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique

Candidato a Doutorado em Gestão e Políticas Agroalimentares pelo Centro de Excelência em Sistemas Agroalimentares e Nutrição da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique

https://orcid.org/0009-0004-6141-8985  sandremacia@gmail.com

Contribuição: Conceitualização, Investigação, Escrita

 

Como citar este artigo

Filimone, C. F. X.; Macia, S. J. Determinantes da aplicação dos conhecimentos transmitidos pelos serviços de extensão rural em Moçambique. Extensão Rural, Santa Maria, v. 31, e85046, 2024. DOI 10.5902/2318179685046. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2318179685046. Acesso em: dia mês abreviado. ano.