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Universidade Federal de Santa Maria

Econ. e Desenv., Santa Maria, v. 36, e83316, 2024

DOI: 10.5902/1414650983316

ISSN 2595-833X

Submissão: 26/02/2024 Aprovação: 17/09/2024 Publicação: 13/11/2024

1 INTRODUÇÃO.. 2

2 SEMICONDUTORES: O QUE SÃO E COMO SÃO PRODUZIDOS. 4

3 A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES. 8

4 THE CHIPS AND SCIENCE ACT E A NOVA POLÍTICA INDUSTRIAL AMERICANA PARA A INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES  24

REFERÊNCIAS. 36

 

 

Artigos

The chips and science act: uma análise da nova política industrial dos Estados Unidos voltada para a indústria de semicondutores

The chips and science act: an analysis of the new USA industrial policy targeting the semiconductor industry

José Gabriel Pereira da Silva IÍcone

Descrição gerada automaticamente

Sylvio Antonio Kappes IIÍcone

Descrição gerada automaticamente

IUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

IIUniversidade Federal de Alagoas , Maceió, AL, Brasil

RESUMO

A indústria de semicondutores é um dos setores mais importantes da economia global, com implicações no desenvolvimento tecnológico, econômico, na política e segurança nacional. O surgimento dessa indústria nos Estados Unidos na década de 1950 permitiu a revolução da Computação e Eletrônica, que transformaram definitivamente o curso da história humana. Como criador dos semicondutores e com a atuação direta do poder público, os Estados Unidos têm se mantido no topo da cadeia global de semicondutores e lançado mão de políticas públicas visando preservar sua liderança no setor e assegurar as vantagens advindas desta posição. Este trabalho tem por objetivo analisar a nova política industrial dos Estados Unidos para a indústria de semicondutores com a aprovação do Chips and Science Act, aprovado pelo Congresso Americano e sancionado pelo presidente Joe Biden. Os resultados mostraram que, o Chips and Science Act constitui-se como uma das políticas industriais mais importantes voltadas para o setor de semicondutores americano, e que com essa Lei os Estados Unidos visam assegurar sua posição em um dos segmentos que consideram vital para sua liderança econômica, tecnológica, política e bélica, direcionando investimentos para ampliação da capacidade produtiva de semicondutores nacionalmente e investindo na ciência aplicada ao setor de semicondutores, ao mesmo tempo em que buscam conter o avanço chinês nesse segmento.

Palavras-chave: Semicondutores; Estados Unidos; Chips Act; Política industrial

ABSTRACT

The semiconductor industry is one of the most important sectors in the global economy, with implications for technological, economic, political, and national security development. The emergence of this industry in the United States in the 1950s allowed for the revolution of Computing and Electronics, which definitively transformed the course of human history. As the creator of semiconductors and with direct government involvement, the United States has remained at the top of the global semiconductor chain and has implemented public policies to preserve its leadership in the sector and ensure the advantages that come with this position. This work aims to analyze the new industrial policy of the United States for the semiconductor industry with the approval of the Chips and Science Act, passed by the American Congress and sanctioned by President Joe Biden. The results showed that the Chips and Science Act constitutes one of the most important industrial policies aimed at the American semiconductor sector, and with this law, the United States aims to secure its position in one of the segments they consider vital for their economic, technological, political, and military leadership. They are directing investments to expand semiconductor production capacity on American soil and investing in science applied to the semiconductor sector, while also seeking to contain Chinese advancement in this segment.

Keywords: Semiconductors; United States; Chips Act; Industrial policy

1 INTRODUÇÃO

A indústria de semicondutores é um dos setores mais estratégicos da economia global, com implicações significativas para a inovação e o desenvolvimento tecnológico, além de ter um papel fundamental em áreas como a política e a segurança nacional. A criação e o desenvolvimento dessa indústria nos Estados Unidos, a partir da década de 1950, permitiram avanços tecnológicos em uma escala até então inédita na história humana, que em grande parte ajudam a entender a hegemonia norte-americana até os dias atuais.

Os semicondutores são a espinha dorsal do desenvolvimento tecnológico, com aplicações que vão desde dispositivos eletrônicos até sistemas de defesa e inteligência artificial (Varas et al., 2021). É difícil conceber o estágio atual da sociedade sem a internet e algumas das grandes empresas de tecnologia como Apple, Google, Meta (antes Facebook), Microsoft e as disrupções que estas companhias foram responsáveis nas últimas quatro décadas (Miller, 2022a).

O líder na produção de semicondutores tem vantagens significativas em termos econômicos, tecnológicos, bélicos e geopolíticos, além de exercer influência social e cultural. Isso porque os semicondutores são essenciais para a criação de produtos e serviços de alta tecnologia, e a falta de acesso a eles pode colocar um país em desvantagem competitiva em relação aos seus pares. Além disso, os circuitos integrados são a base tecnológica que possibilitará que as tecnologias do futuro como a internet das coisas, o machine learning, os veículos autônomos e a inteligência artificial se tornem realidade, o que torna os semicondutores ainda mais críticos para os Estados Unidos, que são os líderes mundiais nesse setor (Varas et al., 2020).

O presente trabalho busca analisar a nova política industrial dos Estados Unidos para a indústria de semicondutores oficializada com a aprovação do Chips and Science Act, aprovado pelo Congresso norte-americano e sancionado pelo então presidente Joe Biden (Partido Democrata) em 2022. Para isso, serão abordados aspectos como o surgimento do setor de semicondutores nos Estados Unidos na década de 1950; a evolução desse segmento a partir dos anos 1960 com a entrada dos países asiáticos na cadeia, que ajudaram a transformar e redefinir o mapa dos circuitos integrados; a atual posição dos Estados Unidos na produção global de chips; e por último a renovação do interesse norte-americano em definir os circuitos integrados como prioridade nacional com a aprovação de uma das mais ambiciosas políticas industriais voltadas para o setor.

2 SEMICONDUTORES: O QUE SÃO E COMO SÃO PRODUZIDOS

Semicondutores são elementos intermediários entre condutores (que possibilitam a passagem de eletricidade, calor ou radiação eletromagnética como o cobre, o ouro, a prata e o alumínio) e isolantes (elementos que resistem ao fluxo de eletricidade, calor ou radiação eletromagnética como o silicone, a borracha, o vidro e a cerâmica). Circuitos integrados, também conhecidos como semicondutores, chips ou microchips, são o tipo mais comum de semicondutores por estarem presentes em todos os dispositivos eletrônicos utilizados atualmente, abarcando as mais diversas áreas como comunicação, saúde, transportes e defesa nacional (SIA, 2018; OCDE, 2019).

A criação do primeiro semicondutor é atribuída a Jack Kilby, engenheiro da Texas Instruments, e Bob Noyce, físico e cofundador da Fairchild Semiconductor, que, de maneira independente e usando métodos distintos, criaram em 1958 o primeiro circuito integrado. O chip criado por Kilby consistia em um bloco de germânio com capacitores e resistores conectados por fios minúsculos, enquanto o processo desenvolvido por Noyce era mais simples e usava silício ao invés de germânio, simplificando a fabricação (Miller, 2022a).

Os chips são construídos a partir de um substrato de silicone, chamado wafer. Em um processo conhecido como doping, são depositadas camadas finas de materiais semicondutores como o silício, alterando o fluxo de corrente elétrica no circuito. Os transistores, que são os elementos básicos do circuito integrado, são criados através de processos de litografia e deposição de camadas de produtos químicos que permitem a construção de padrões de dimensões nanométricas (OCDE, 2019).

Cada microchip pode conter centenas de milhões de transistores, que são os responsáveis por controlar a passagem de corrente elétrica através do circuito criando os 0s e 1s que são a base da computação moderna, permitindo a realização de operações lógicas complexas. A capacidade lógica de um chip é diretamente relacionada ao número de transistores que ele contém, o que determina sua capacidade de processamento e velocidade (lógica), e de armazenamento de dados (memória), (Brown; Linden, 2009).

Devido à constante necessidade do aumento do poder computacional, isto é, velocidade de processamento e cálculo e de armazenamento, a indústria de semicondutores tem trabalhado no desenvolvimento de transistores com dimensões cada vez menores, na ordem de alguns nanômetros. Isso tem permitido a construção de microchips ainda mais poderosos, capazes de processar grandes quantidades de dados em frações de segundo. Atualmente, as fabricantes mais avançadas – Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), Samsung e Intel – já produzem chips com 3 nanômetros de espessura. Para efeitos comparativos, um fio de cabelo humano tem 100 mil nanômetros de espessura (King; Leung; Pogkas, 2021).

A produção de circuitos integrados é um processo moroso e extremamente caro desde a fase de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), design e fabricação (Eurasia Group, 2020). A instalação de uma fábrica para produzir os chips mais avançados, aqueles abaixo de 10 nanômetros, pode custar 20 bilhões de dólares, dos quais os equipamentos de última geração representam 20% do custo total e rapidamente se tornam obsoletos (para estar dentro da fronteira tecnológica), devido à constante evolução e demanda por semicondutores cada vez mais potentes e capazes de sustentar o progresso tecnológico. Feita de maneira cirúrgica e com precisão nanométrica, a fabricação pode demorar três meses e envolve centenas de processos, com microchips contendo mais de uma centena de camadas interconectadas por padrões de silicone e fios de cobre (Whalen, 2021).

As salas onde os chips são produzidos devem ser livres de poeira, com qualidade do ar e temperatura extremamente regulados. O transporte das placas de silicone é feito de uma máquina a outra por robôs para minimizar o risco de acidentes e desperdício de tempo e milhões de dólares caso haja falha na execução de alguma das etapas.

 Um dos processos mais caros da produção é a litografia ou fotolitografia, um processo que consiste em desenhar complexos padrões de transistores em uma máscara fotográfica que, após ser posicionada sobre a placa de silicone, recebe disparos de luz ultravioleta “imprimindo” os modelos de transistores repetidas vezes nas centenas de camadas. A máquina de litografia pode ter um custo superior a 100 milhões de dólares. Além disso, a velocidade em que as fábricas se tornam obsoletas requer uma produção ininterrupta enquanto a tecnologia de ponta usada “ainda” seja avançada (King; Leung; Pogkas, 2021).

Os circuitos integrados são amplamente utilizados em diversos aparelhos eletrônicos e são classificados em três categorias principais de acordo com sua finalidade e aplicação.

A primeira categoria compreende os circuitos integrados lógicos, que são considerados os mais importantes por serem a base da computação e responsáveis pelos cálculos complexos dos códigos binários 0 e 1. Os microprocessadores são uma subcategoria dos circuitos integrados lógicos e se dividem em duas unidades principais: Central Processing Unit (CPU) e Graphical Processing Units (GPU). As CPUs são responsáveis por tarefas gerais em aparelhos eletrônicos, como a abertura de páginas na internet ou aplicativos em smartphones. Em contrapartida, as GPUs são especializadas em processar elementos visuais, como a conversão de imagens, e são mais potentes do que as CPUs, uma vez que conseguem realizar cálculos complexos simultaneamente. Por essa razão, as GPUs são amplamente utilizadas em áreas como machine learning e inteligência artificial. Os microprocessadores são empregados em diversos aparelhos eletrônicos, como smartphones, computadores pessoais e servidores (Varas et al., 2021).

A segunda categoria é composta pelos chips de memória, que são responsáveis pelo armazenamento de informações em aparelhos eletrônicos. As informações armazenadas são utilizadas para auxiliar os circuitos integrados de lógica nas operações que estão por trás das funcionalidades dos aparelhos eletrônicos. Os principais tipos de microchips de memória são Dynamic Random Access Memory (DRAM) e NAND. Os DRAMs são semicondutores de memória voláteis, pois precisam de eletricidade para realizar operações e armazenam dados temporariamente. Em contraste, os chips NAND são não voláteis, pois armazenam informações mesmo quando os eletrônicos são desligados (Varas et al., 2021).

Por fim, a terceira categoria dos circuitos integrados é composta pelos Discretos, Analógicos e Outros (DAO), que são responsáveis por atividades básicas, como a regulação de temperatura e o sinal de rede. Em comparação aos chips de memória e lógica, os DAOs são menos avançados em termos de tecnologia e aplicação. Esses três tipos de circuitos integrados são utilizados em conjunto justamente por suprirem necessidades diferentes no funcionamento dos produtos eletrônicos (Varas et al., 2021).

3 A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES

Nesta seção, será abordada a evolução da indústria de semicondutores. A primeira subseção apresenta a primeira evolução do setor de semicondutores, que foi sua transição do mercado militar para o civil nos EUA. A segunda subseção apresenta a entrada de outros países na cadeia produtiva de chips. A última subseção trata da cadeia de valor.

3.1 Do mercado militar para o civil

De acordo com Miller (2022a), o surgimento da indústria de circuitos integrados esteve diretamente ligado aos objetivos militares do governo americano, através do Departamento de Defesa, devido à aplicação dos chips em armamentos na corrida armamentista entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), durante a Guerra Fria, e principalmente ligado à corrida espacial entre as duas nações. Nos primeiros anos do setor, as empresas de circuitos integrados concentravam grande parte do processo produtivo, pois muitas das tecnologias necessárias para a produção de chips tiveram que ser desenvolvidas internamente ou adaptadas a partir de alternativas criadas nos laboratórios de universidades americanas, como é o caso da litografia (Miller, 2022a).

Segundo Miller (2022a), na primeira década da indústria de chips, o Pentágono e a NASA foram os principais clientes da IBM, Fairchild Semiconductor e Texas Instruments, devido ao elevado custo de produção, o que tornava o uso de microchips proibitivo para o mercado civil. O Departamento de Defesa americano, ao contrário do setor civil, não tinha restrições orçamentárias não somente para desenvolver e comprar armamentos, como também para financiar o desenvolvimento de tecnologias por meio do seu braço de pesquisa, a Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa), em conjunto com as empresas privadas.

A Fairchild e a Texas Instruments seguiram caminhos diferentes. Enquanto a última preferiu manter-se aliada ao governo americano e ter o Pentágono como principal cliente, os fundadores da Fairchild utilizaram sua proximidade com o Departamento de Defesa para obter recursos financeiros para desenvolver chips destinados ao consumo de massa.

A postura mais voltada para o mercado civil da Fairchild foi um dos fatores que ajudou na transição do uso de semicondutores do campo militar para o civil. Gordon Moore, um dos fundadores da empresa em 1957 e, posteriormente, da Intel em 1968, compreendeu que a aplicação de chips em equipamentos eletrônicos destinados ao consumo de massa seria ainda mais vantajosa para a indústria de semicondutores pois as possibilidades de uso e funcionalidades e o tamanho do mercado privado eram infinitamente maiores do que a aplicação de chips na área militar (Miller, 2022a).

A redução de custos de produção que beneficiou o progresso do processo produtivo de semicondutores, impactando no desenvolvimento tecnológico de forma geral, foi possível não somente com o uso de chips em produtos eletrônicos, mas também com a expansão da manufatura para regiões geográficas além dos Estados Unidos. A entrada da Ásia na cadeia produtiva de circuitos integrados trouxe profundas transformações para o setor de microchips e ajuda a entender a fase atual. Mais do que reduzir custos com a mão-de-obra asiática barata, a entrada de países como Coreia do Sul, Taiwan e Japão ajudaram a transformar a indústria de semicondutores e a distribuição de tecnologia entre essas nações com os Estados Unidos (Brown; Linden, 2009).

3.2 A entrada dos países asiáticos

Para entender a motivação do Chips Act, é necessário identificar os caminhos que levaram até esse momento. Ainda na década de 1960, enquanto a indústria de semicondutores estava em sua fase inicial, o continente asiático foi inserido na cadeia de produção de microchips. Miller (2022a) aponta duas razões fundamentais para isso.

A primeira foi a necessidade de redução de custos produtivos. O custo da mão-de-obra asiática nos anos 1960 era significativamente mais barato do que seu equivalente nos Estados Unidos. Ainda naquela época, a montagem dos semicondutores era feita a mão. Com o aumento da demanda de microchips, era necessária uma quantidade cada vez maior de trabalhadores para suprir a oferta no mercado. O salário-mínimo nos Estados Unidos variou de 1,15 dólares por hora para 2,90 dólares por hora do início da década de 1960 ao final dos anos 1970 (United States, 2023). No mesmo período, no sudeste asiático a mão de obra custava em centavos de dólares, o que tornou atrativo a abertura de fábricas de semicondutores na região (Miller, 2022a).

Ainda de acordo com Miller (2022a), a segunda razão para entrada da Ásia na cadeia foi a ameaça comunista no continente. O governo americano receava que o restante do continente caísse sob domínio da URSS e China. Além disso, em relação ao Japão, os Estados Unidos buscavam uma forma de evitar um desfecho parecido com da Segunda Guerra Mundial.

Dessa forma, a política externa americana buscou integrar o sudeste asiático à sua indústria de tecnologia, beneficiando as empresas americanas com uma abundante mão de obra barata, contribuindo para a redução de custos produtivos e alinhando a região aos Estados Unidos, garantindo a influência geopolítica da América no continente.

Para países como Taiwan, Coreia do Sul, Malásia, Singapura e Japão, o alinhamento com os Estados Unidos foi benéfico economicamente, desenvolvendo sua indústria de tecnologia e criando empregos como uma forma de impedir que sua população aderisse aos ideais comunistas; e do ponto de vista de segurança nacional, com a proteção bélica e política americana (Miller, 2022a).

3.2.1 A concorrência japonesa

Miller (2022a) aponta que a relação entre os dois países nos semicondutores começou com os Estados Unidos como produtor e o Japão como comercializador, demandando circuitos integrados para uso em produtos eletrônicos para serem vendidos ao público em geral. A companhia japonesa Sony desempenhou um papel fundamental nesta relação devido à sua tradição em design de produtos, comércio e marketing, sendo um dos agentes que viabilizaram a transição do mercado militar para o civil através da comercialização em massa de eletrônicos.

O governo japonês percebeu o potencial de semicondutores e implementou uma política industrial focada neste segmento utilizando-se de mecanismos como subsídios à P&D e a empresas privadas, estímulo à colaboração entre os conglomerados de eletrônicos japoneses, transferência de tecnologia por meio da parceria entre companhias japonesas e americanas em troca de acesso ao mercado consumidor japonês e tarifas de importações de chips americanos para proteger os produtores locais (Tomoshige, 2022).

A política industrial japonesa para a indústria de semicondutores surtiu efeito e, na década de 1980, o Japão ultrapassou os Estados Unidos como maior produtor de chips de memória, saltando de 25% no início dos anos 1980 para 65% em 1986, enquanto os Estados Unidos caíram de 75% para 24% no mesmo período (Brown; Linden, 2009).

Além do suporte do governo, o Japão ganhou mercado através da otimização de processos produtivos, característicos da cultura empresarial japonesa, melhorando a qualidade dos semicondutores e, ao mesmo tempo, reduzindo gastos, superando os Estados Unidos em custos e qualidade. Além disso, as empresas privadas investiram massivamente em P&D e na capacidade produtiva, permitindo ganhos de economia de escala que eram essenciais para a viabilidade do negócio (Miller, 2022a).

As empresas japonesas possuíam, também, vantagem de financiamento em relação às suas concorrentes americanas. Os produtores japoneses faziam parte de conglomerados de eletrônicos, contando com a expertise adquirida em outros mercados como o de televisores. Além disso, os grupos japoneses tinham bancos próprios, facilitando o acesso a recursos financeiros de maneira rápida e barata, enquanto as americanas não tinham esse privilégio e enfrentavam taxas de juros altíssimas empregadas pela política monetária do Federal Reserve para conter a inflação na década de 1980 (Brown; Linden, 2009).

Nesse momento, foi observado a primeira política dos Estados Unidos em direção à defesa de sua indústria. As empresas americanas fundaram a Semiconductor Industry Association (SIA), para buscar o suporte do governo americano em pressionar o Japão em práticas que consideravam abusivas como a proteção ao seu mercado interno e acusações de dumping das empresas japonesas no comércio internacional (Brown; Linden, 2009). Em 1986, os dois países estabeleceram o US-Japan Semiconductor Trade Agreement que, entre as principais medidas, estabeleceu a reserva de 20% do mercado interno japonês para empresas estrangeiras (Irwin, 1996). Internamente, o governo americano flexibilizou a colaboração entre as empresas de semicondutores e subsidiou a pesquisa e desenvolvimento com a criação da Sematech. Isso permitiu que os produtores americanos desenvolvessem tecnologias e processos para melhorar a qualidade de seus produtos e reduzir custos para competir com o Japão. A estratégia americana surtiu efeitos e em 1993 os Estados Unidos retomaram a liderança da indústria de chips (Miller, 2022a).

Brown e Linden (2009) apontam que as ferramentas utilizadas no sucesso do Japão explicam em parte sua derrocada no mercado de semicondutores. A ênfase excessiva em qualidade e processos assim como os exorbitantes investimentos em capacidade produtiva erodiram a presença japonesa na indústria e abriram espaço tanto para retomada da liderança pelos Estados Unidos, como pela ascensão da Coreia do Sul e Taiwan.

As fricções entre os Estados Unidos e Japão remodelaram a dinâmica da indústria de semicondutores e trouxeram uma transformação profunda que explicam a configuração atual do setor.

3.2.2 A ascensão sul-coreana

A Coreia do Sul foi o maior beneficiário do embate entre Japão e Estados Unidos. Assim como os japoneses, o país também usou elementos parecidos para desenvolver sua indústria de semicondutores como subsídio do governo e licenciamento de tecnologia americana. A Coreia começou por produzir semicondutores com tecnologia duas gerações atrás da fronteira tecnológica dos Estados Unidos, e com isso ganhou know-how para aprimorar a produção (Miller, 2022a).

O sucesso sul-coreano pode ser entendido através da Samsung, que, assim como as empresas japonesas, também fazia parte de um conglomerado com expertise em eletrônicos, especificamente no mercado de televisores. Miller (2022a) coloca que um dos elementos que distinguem o sucesso duradouro da Coreia em comparação ao Japão foi que, desde o início, a Samsung esteve voltada para o mercado internacional, e isto a obrigou a seguir o ritmo tecnológico das líderes americanas.

Estando exposta à concorrência acirrada no mercado internacional, a Samsung otimizou sua forma de produzir, aumentando a rapidez e reduzindo os custos em comparação com as empresas japonesas e americanas, enquanto esses dois países negociavam acordos comerciais mais justos que foram aproveitados pela Coreia do Sul.

No final dos anos 1990, a Samsung assumiu a liderança da produção de chips de memória antes ocupada pelo Japão e preserva essa posição até os dias atuais, ajudando a consolidar a Coreia do Sul como um dos líderes da indústria ao lado dos Estados Unidos e Taiwan (Brown; Linden, 2009; Mckinsey & Company 2020).

3.2.3 O caso especial de Taiwan

Assim como Japão, Coreia do Sul, Hong Kong, Malásia e Singapura, Taiwan se aliou aos Estados Unidos em busca de prosperidade econômica e proteção contra a URSS e o avanço do comunismo durante a Guerra Fria, utilizando para isso o desenvolvimento de sua indústria de tecnologia, focando na base, isto é, no elemento que possibilitou o progresso tecnológico das últimas seis décadas: semicondutores.

Diferente de seus vizinhos asiáticos, Taiwan ocupa uma posição central na indústria de semicondutores e na relação política e bélica com a China, pois a ilha depende da proteção americana contra a ameaça de invasão chinesa (Hille, 2021).

Taiwan disputa sua sobrevivência política e territorial com a China desde 1949, quando o Partido Comunista Chinês instaurou o comunismo como regime político do país. Os líderes políticos derrotados fugiram para Taiwan, enquanto a China clama a ilha como sua e espera integrá-la ao seu regime político e social. Devido às tensões políticas com o país vizinho, estar alinhado aos Estados Unidos e tornar-se essencial para essa nação é uma forma utilizada por Taiwan para garantir sua sobrevivência (Wasser; Rasser; Kelley, 2022).

Assim como os outros países asiáticos, Taiwan usou de apoio do governo subsidiando pesquisa e desenvolvimento, construção de fábricas, investimento em formação técnica e aliança direta com os Estados Unidos e atraindo investimentos e empresas americanas para o país. A ilha começou na base da cadeia como um centro para montagem e testagem devido à sua mão de obra barata nas décadas de 1960 a 1980, e fez disso sua porta de entrada para escalar a pirâmide do setor de semicondutores (Miller, 2022b).

Nos anos 1980, a indústria de semicondutores de Taiwan começou a decolar, impulsionada pelo surgimento da TSMC, fundada em 1987 (Miller, 2022b). O modelo de negócio da TSMC é conhecido como foundrie, e baseia-se inteiramente na produção de chips para outras empresas de semicondutores, o que permitia a essas companhias se concentrarem no design e marketing de circuitos integrados.

A terceirização da manufatura revolucionou a indústria de semicondutores e ajudou a decolar nos Estados Unidos o modelo de negócio conhecido como fabless – empresas inteiramente dedicadas ao design de chips e que terceirizam a produção para as foundries, tornando a TSMC e Taiwan atores vitais na indústria global de semicondutores.

Estar totalmente focada na fabricação permitiu à TSMC conquistar e garantir a liderança na manufatura avançada de semicondutores, particularmente na produção de microprocessadores e chips de memória. A tecnologia inovadora de processos da TSMC permitiu produzir chips com maior desempenho, menos consumo de energia e menor tamanho do que seus concorrentes.

 De acordo com Varas et al. (2021), em 2019 a TSMC detinha 53% do mercado de foundries e 92% da produção dos chips mais avançados do mundo – abaixo dos 10 nanômetros. A liderança da TSMC em tecnologia sofisticada de processos também atraiu os principais projetistas de chips do mundo, incluindo Apple, Qualcomm e Nvidia. Isso fortaleceu ainda mais a posição da empresa no setor de microchips e tornou Taiwan um jogador fundamental na cadeia de suprimentos global de alta tecnologia (Miller, 2022a).

Diante de sua importância para a cadeia global de semicondutores e para o progresso tecnológico mundial, Taiwan faz da posição que ocupa um “escudo de silicone”. Isto é, em ser indispensável para o avanço tecnológico e para que os Estados Unidos continuem como líderes mundiais do setor, a ilha espera contar com o apoio militar e político norte-americano. Enquanto, para a China, controlar Taiwan a colocaria no centro das indústrias globais de tecnologia e semicondutores e com o poder de ditar o avanço tecnológico e as implicações disso nas esferas política, econômica e bélica (Wasser; Rasser; Kelley, 2022).

Miller (2022a) afirma que o objetivo dos Estados Unidos em retomarem o topo da indústria, assim como o da China de conquistar a primeira posição, estão diretamente conectados a Taiwan, assim como a relação política e militar dos dois primeiros. Taiwan, por sua vez, não tem interesse em abdicar ou reduzir sua importância na cadeia global não somente pelas implicações tecnológicas e econômicas em estar no topo da indústria, mas sobretudo como estratégia de autopreservação.

3.2.4 “Made in China 2025”

A China ainda não dispõe de uma posição relevante nas etapas de design e manufatura de semicondutores, que são as mais avançadas e com maior valor agregado ao longo da cadeia produtiva. O país, no entanto, é o segundo maior mercado consumidor de semicondutores e lidera nas etapas de montagem e embalagem, que são os estágios menos importantes e com menor valor agregado (SIA, 2021).

Dada a posição da China na economia mundial e a importância dos circuitos integrados para a inovação e liderança tecnológica, fundamentais para o crescimento sustentável, o país lançou em 2015 o plano “Made in China 2025”. A iniciativa é projetada para aprimorar a qualidade e a capacidade de inovação da manufatura chinesa, acelerar avanços tecnológicos e alcançar autossuficiência em setores estratégicos, como semicondutores. Dentro desse contexto, semicondutores têm uma importância particular, uma vez que a iniciativa visa aprimorar as capacidades de pesquisa e desenvolvimento, estabelecer instalações de manufatura de alto padrão e atrair investimentos e talentos (Thomas, 2015; China, 2015).

A ênfase do país em desenvolver seu setor de semicondutores decorre do reconhecimento do papel fundamental do segmento no impulsionamento do crescimento econômico e segurança nacional. Com uma grande dependência da importação de semicondutores, a China busca reduzir sua exposição à tecnologia estrangeira e estabelecer uma indústria doméstica de chips robusta e resiliente (China, 2015). Ao superar lacunas tecnológicas, alcançar autossuficiência e fomentar a liderança em design, manufatura e inovação, o país busca fortalecer sua posição no cenário internacional de semicondutores e se consolidar como uma potência global na economia, segurança e política (Miller, 2022b).

Com a eleição americana de 2016 em diante, a necessidade de independência ficou ainda mais evidente para Beijing. O discurso de Donald Trump, candidato à presidência americana em 2016, teve como uma das propostas de campanha restaurar a indústria de seu país. Trump responsabilizava a China diretamente pela decadência industrial dos EUA. A partir de 2018, os Estados Unidos impuseram tarifas em diversos produtos importados chineses, entre eles semicondutores. Visando dificultar ainda mais o desenvolvimento do setor de chips chinês, o país restringiu a exportação de produtos, máquinas, equipamentos e tecnologia fundamentais para a produção de circuitos integrados. Na guerra comercial e tecnológica, a mais prejudicada foi a empresa chinesa Huawei, que era a líder do setor tecnológico chinês e liderava mundialmente na tecnologia 5G (Bown, 2020).

3.3 A estrutura da cadeia produtiva

Varas et al. (2021), divide a cadeia de valor de circuitos integrados em quatro grandes níveis: pesquisa e desenvolvimento pré-competição; design; manufatura (que abarca a produção dos wafers); e montagem, testagem e embalagem. Os elos da cadeia são os setores de materiais, equipamentos, Eletronic Design Automation (EDA), e Core IP.

Pesquisa e desenvolvimento são Físicos, Engenharias e Ciências Computacionais intensivos; Design é Criatividade, Design gráfico e Engenharias intensivo; Manufatura é capital intensivo; e montagem, testagem e empacotamento são trabalho intensivo. A última fase da cadeia é caracterizada pela atuação de trabalhadores com baixa especialização quando comparados com os profissionais das etapas precedentes (OCDE, 2019).

O nível de Pesquisa e Desenvolvimento engloba as pesquisas de ciência de base e aplicada pela academia, governo e setor privado, que mais tarde são utilizadas pelas empresas privadas para desenvolverem produtos e serviços a serem comercializados. É comum as esferas pública e privada unirem esforços e recursos em P&D como uma forma de redução de custos, compartilhamento de conhecimento e viabilizar as descobertas da academia para o mercado (OCDE, 2019). Na cadeia de valor de semicondutores, a divisão de custos entre as empresas e o setor público ou outro parceiro é ainda mais necessária dado os elevados custos de P&D. Segundo a Semiconductor Industry Association (2022), a indústria de semicondutores americana foi a segunda maior em gasto com Pesquisa e Desenvolvimento no país, atrás apenas do segmento farmacêutico, com um dispêndio em P&D em 2021 de 50.2 bilhões de dólares.

Segundo relatório da SIA, o design de chips representa 50% do valor agregado na cadeia, enquanto a fabricação de wafers representa 24% e montagem, testagem e embalagem somadas representam 6%. O restante do valor é agregado pela indústria de suporte, isto é, materiais, equipamentos e EDA (Varas et al., 2021).

A cadeia produtiva da indústria de semicondutores é tão global quanto a demanda e o uso de microchips. Pesquisadores, designers, fabricantes, fornecedores, distribuidores e consumidores estão espalhados ao redor do mundo e um movimento ao longo da corrente tem efeito cadeia (Nathan Associates, 2016).

Dada a escala global da demanda por microchips e os altos investimentos ao longo da cadeia produtiva para desenvolver formas cada vez mais eficientes de redução de custos e ganhos de desempenho, uma só companhia não consegue abarcar o mercado todo e dificilmente obteria sucesso ao tentar fazê-lo. Isso levou os grandes produtores do setor a adotarem um dos seguintes modelos de negócio: Integrated Device Manufacturer (IDM), que concentra Pesquisa e Desenvolvimento, design e manufatura; Fabless – empresas inteiramente dedicadas ao design e que terceirizam a produção; e as Foundries, que apenas fabricam os chips para as fabless, e ocasionalmente para as IDMs (Brown; Linden, 2009).

Conforme visto anteriormente, a primeira grande transformação do modelo de negócio da indústria foi forçada pelo crescimento e eventual liderança do Japão no segmento de chips de memória NAND, na década de 1980. Além da concorrência em custos e qualidade com os japoneses, o setor também teve que se reinventar para garantir o progresso tecnológico, o que foi fundamental para o surgimento das fabless, que se especializaram no design, possibilitando aumentar o número de transistores nos circuitos integrados ao passo em que reduziam o tamanho daqueles.

Assim como as fabless, as foundries foram uma resposta aos custos de produção crescente e permitiram que aquelas prosperassem. A inovação que esses dois modelos de negócio trouxeram revolucionaram a produção de chips geograficamente, permitindo que os gastos fossem divididos entre empresas e nações.

Além da divisão do modelo de negócio, outro mecanismo utilizado pelas empresas em resposta aos custos crescentes é a especialização em um segmento, como é o caso da Intel, que é líder mundial em microprocessadores; e a Samsung, que lidera na produção de chips de memória. A sul-coreana é responsável por grande parte dos avanços obtidos nesse nicho através de massivos investimentos e conhecimento oriundos da expertise em outros mercados nos quais a companhia também atua, como o de televisores (Brown; Linden, 2009). A NVIDIA é a líder em GPUs, componentes responsáveis pela parte gráfica e visual dos computadores e outros dispositivos eletrônicos, enquanto a Qualcomm lidera o segmento de chips para smartphones tanto no sistema operacional Android da Google como IOS da Apple; e a TSMC é a líder global na produção dos chips mais modernos, manufaturando na escala abaixo de 10 nanômetros (Bauer et al., 2020).

Com a especialização por segmento e modelo de negócio, percebe-se uma mudança na posição ocupada pelos principais países envolvidos na cadeia global de semicondutores. Os Estados Unidos são os líderes em design e equipamentos, que possuem maior especialização e valor agregado, enquanto o leste asiático é líder em fabricação. A China vem avançando em outras etapas, mas o setor no qual lidera é o de montagem, testagem e embalagem, que possui menor valor agregado em comparação com os seus concorrentes asiáticos e com os Estados Unidos (Varas et al., 2021).

Devido a essa necessidade e aprendizagem em muitas vezes por tentativa e erro, o modelo de negócio predominante no setor nas décadas de 1960 e 1970 eram as Integrated Device Manufacturer – IDM, empresas que concentram Pesquisa e Desenvolvimento, design e fabricação. Com a evolução da indústria e sua expansão geográfica para Ásia, que culminou na entrada de competidores, especialmente do Japão, Coreia do Sul e Taiwan, concentrar todas as etapas em uma mesma empresa ficou cada vez mais custoso, principalmente para os produtores americanos, que passaram a enfrentar a concorrência de firmas japonesas, caracterizadas por sua excelência em processos e redução de custos (Brown; Linden, 2009).

A evolução da indústria de semicondutores através da entrada de outros países e o surgimento de novos modelos de negócio, conforme demonstrado, pode ser observada no gráfico abaixo, que demonstra a especialização dos países envolvidos em determinadas partes da cadeia.

Gráfico 1 – Cadeia de valor global de semicondutores – distribuição por região (% do total mundial, 2019)

Fonte: Varas, Antonio et al. (2021) adaptado pelo autor. Nota: Leste Asiático inclui Coréia do Sul, Taiwan e Japão

Assim como a cadeia produtiva, a receita de vendas de semicondutores também é compartilhada entre as mesmas regiões.

O gráfico abaixo mostra a distribuição da receita de vendas nos últimos 10 anos. Os Estados Unidos ocupam a primeira posição, seguidos pela Coreia do Sul.

Gráfico 2 – Receita anual de vendas de semicondutores por região – em bilhões de dólares (2014 a 2023)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados anuais da Semicondutor Industry Association – SIA (2024)

De acordo com a SIA, a indústria saiu de uma receita anual de vendas de 101,9 bilhões de dólares em 1994, para 526,9 bilhões de dólares em 2023 (SIA - Semiconductor Industry Association, 2015) e (Semiconductor Industry Association, 2024).

O gráfico abaixo mostra a receita global de semicondutores desde 2005. É possível observar que mesmo com oscilações a trajetória geral da indústria se manteve ascendente, com destaque para 2022 com o maior recorde de vendas.

Gráfico 3 – Receita global de vendas de semicondutores – em bilhões de dólares (2005 a 2023)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados anuais da Semicondutor Industry Association – SIA (2024)

Analisando os dados apresentados nos gráficos acima, fica claro que a fragilidade dos Estados Unidos não é econômica. O país lidera em receita e em áreas-chave da cadeia de semicondutores, como P&D, design e equipamentos. No entanto, na manufatura avançada, um dos segmentos mais críticos, o país, assim como o resto do mundo, depende de Taiwan, que controlava 92% da produção em 2019. Essa dependência é ainda mais delicada para a América, pois Taiwan está no centro de suas relações políticas, diplomáticas e bélicas com a China, seu principal adversário. Além disso, a revolução tecnológica, liderada por empresas americanas, depende do avanço na manufatura de semicondutores para viabilizar tecnologias emergentes como computação em nuvem, inteligência artificial, machine learning e veículos autônomos. Eventos que afetam Taiwan—sejam políticos, bélicos ou naturais—impactam diretamente a indústria tecnológica americana e reverberam por toda a economia dos Estados Unidos e global.

4 THE CHIPS AND SCIENCE ACT E A NOVA POLÍTICA INDUSTRIAL AMERICANA PARA A INDÚSTRIA DE SEMICONDUTORES

A gestão do presidente democrata Joe Biden, que iniciou seu mandato em 2021, trouxe de volta um plano econômico que remonta aos tempos de Franklin Delano Roosevelt em resposta às fragilidades sociais e econômicas causadas pela pandemia de Covid-19, instabilidades nas cadeias globais de valor, mudança climática e as aspirações chinesas na geopolítica, economia, tecnologia e segurança nacional. O “once in a Generation economic plan” é uma combinação de quatro planos:  American Rescue Plan Act (ARP); Infrastructure Investment and Jobs Act (IIJA); CHIPS and Science Act e; Inflation Reduction Act (IRA), com um orçamento combinado de aproximadamente $3.8 trilhões (Muro et al., 2022).

O American Rescue Plan (ARP), assinado em 11 de março de 2021, representa uma resposta abrangente em relação aos efeitos da pandemia de COVID-19 na sociedade e economia norte-americana. O ARP compreende um total de gastos de US$ 1,9 trilhão, distribuídos entre algumas medidas como pagamentos diretos aos indivíduos, extensão dos benefícios de desemprego, financiamento para vacinação, testes de COVID-19 e suporte aos governos estaduais e locais (United States, 2021a, 2021b).

O Infrastructure Investment and Jobs Act (IIJA) é um projeto de lei bipartidário do congresso americano e assinado por Biden em 15 de novembro de 2021. O projeto é voltado para infraestrutura e tem um orçamento aproximado de 1.2 trilhões de dólares para investir no sistema de transporte, energia, comunicação, banda larga e água do país (United States, 2021d).

O CHIPS and Science Act, que é o objeto de estudo deste trabalho, foi sancionado por Biden em 09 de agosto de 2022 e é voltado para a indústria americana de semicondutores. O projeto dispõe de um orçamento aproximado de 280 bilhões de dólares, visando fortalecer a liderança dos Estados Unidos no setor (Badlam et al., 2022).

Por último, o Inflation Reduction Act, de 16 de agosto de 2022, é voltado para o setor de energia e objetiva a transição energética do país para um modelo sustentável em resposta às mudanças climáticas (United States, 2022e).

Conforme visto nas sessões anteriores, os Estados Unidos são o berço da indústria de semicondutores e nas primeiras décadas da invenção dos circuitos integrados o país era o líder no setor. Após mais de 60 anos da criação dos chips em solo americano, o país continua à frente nas etapas de P&D e Design, junto com os segmentos de materiais e ferramentas utilizados na manufatura. No entanto, no estágio de fabricação, a hegemonia americana começou a erodir na década de 1980. Já na década de 1990, o país detinha 37% da produção global de microchips, em comparação com 12% atualmente (Varas et al., 2020).

Para os Estados Unidos, semicondutores são essenciais para além do setor de eletrônicos. Eles são fundamentais para o seu sucesso econômico, tecnológico e militar, que reconhece que, sem trazer de volta a manufatura ou a parte mais importante dela (a produção de chips abaixo dos 10 nanômetros, que é considerada atualmente como a fronteira tecnológica) para solo americano, a hegemonia do país é incerta no futuro (United States, 2021c).

Em resposta a esse desafio, em 09 de agosto de 2022 o presidente americano assinou a lei número 117-167, também conhecida como “the Creating Helpful Incentives to Produce Semiconductors (Chips)”, ou Chips Act, com o objetivo de restaurar a liderança americana na indústria de semicondutores e desenvolver pesquisa e inovação avançada na área de tecnologia e ciência, tendo como uma das razões mais importantes fazer frente ao avanço chinês nessas áreas.

O Chips and Science Act tem um orçamento aproximado de $280 bilhões que será alocado na indústria de semicondutores e no desenvolvimento da ciência através da pesquisa e inovação (United States, 2022f).

De acordo com a Casa Branca:

The CHIPS and Science Act provides $52.7 billion for American semiconductor research, development, manufacturing, and workforce development. This includes $39 billion in manufacturing incentives, including $2 billion for the legacy chips used in automobiles and defense systems, $13.2 billion in R&D and workforce development, and $500 million to provide for international information communications technology security and semiconductor supply chain activities. It also provides a 25 percent investment tax credit for capital expenses for manufacturing of semiconductors and related equipment […]

[…]  These funds also come with strong guardrails, ensuring that recipients do not build certain facilities in China and other countries of concern […]. (United States, 2022f).

O Chips Act está dividido em duas partes: a primeira intitulada DIVISION A - CHIPS ACT OF 2022, trata dos semicondutores e das ações a serem executadas para suportar a manufatura de chips nos EUA. A segunda, intitulada DIVISION B - RESEARCH AND INNOVATION, é dedicada à pesquisa e inovação e estabelece as atividades a serem executadas para o desenvolvimento da ciência avançada no país (United States, 2022a; 2022d).

A National Science Foundation (NSF), o Departamento de Energia (DOE) e o Departamento de Comércio (DOC) são os principais órgãos do governo americano responsáveis pela implementação da lei, coordenação das atividades e gestão dos recursos. O último chefiará os projetos dedicados ao setor de semicondutores, enquanto os primeiros ficarão à frente da ciência e pesquisa. O que faz sentido, visto que a primeira divisão tem um aspecto mais comercial e econômico e com ganhos a curto e médio prazo. Enquanto a segunda parte da Lei está mais focada na construção da ciência para médio e longo prazo.

4.1 Division A - Chips Act of 2022

A seção A do CHIPS Act de 2022 trata das iniciativas para fortalecer a manufatura de semicondutores em território americano. Com iniciativas que vão desde o crédito fiscal de até 25% para empresas que produzem chips na fronteira tecnológica, passando pela capacitação da força de trabalho e inclusão de minorias na cadeia produtiva.

A maioria dos recursos estão dispostos na seção 102, que determina:

The act establishes and provides funding for the Creating Helpful Incentives to Produce Semiconductors (CHIPS) for America Fund to carry out activities relating to the creation of incentives to produce semiconductors in the United States. (United States, 2022c).

O fundo dispõe de um total de $52.7 bilhões a serem alocados conforme segue:

$50.0 bilhões serão utilizados para implementar o programa de incentivos do Departamento de Comércio para a produção de chips, e serão alocados ao longo de cinco anos, sendo:

$39 bilhões a serem distribuídos diretamente em incentivos para a produção de semicondutores. Deste valor, 2 bilhões serão utilizados na produção de chips legados, que são menos avançados e são usados principalmente na indústria de automotivos e pelo Departamento de Defesa. Outros $6 bilhões serão usados para cobrir custos e garantias de empréstimos (United States, 2022a; 2022c; 2022d).

$11 bilhões serão utilizados no National Semiconductor Technology Center, National Advanced Packaging Manufacturing Program e no desenvolvimento e capacitação da mão-de-obra para a indústria de chips (United States, 2022d).

$2 bilhões serão destinados ao America Defense Fund, que financiará a criação de uma rede nacional de colaboração entre universidades e indústria, de modo a desenvolver e transferir tecnologia na produção de semicondutores e o treinamento da força de trabalho (United States, 2022a; 2022c; 2022d).

$500 milhões serão direcionados ao America International Technology Security and Innovation Fund, para a formação de uma rede de colaboração entre os Estados Unidos e países aliados para dividir esforços e know-how na criação de uma cadeia produtiva global de semicondutores mais resiliente. Além disso, o fundo também custeará iniciativas entre os países visando promover a adoção de chips e tecnologias da informação e comunicação seguros (United States, 2022d).

$200 milhões serão destinados ao America Workforce and Education Fund for the National Science Foundation, com o objetivo de capacitar e ampliar a mão-de-obra doméstica voltada para a indústria de chips (United States, 2022d).

Outro ponto a ser tratado na implementação dos programas do Chips Act é tornar a indústria de semicondutores mais igualitária e inclusiva, promovendo a participação de minorias, seja através de contratos com empresas cujos proprietários sejam de origens menos favorecidas e/ou na qualificação de profissionais pertencentes a grupos minoritários.

O Chips and Science Act – Division A também proíbe a utilização dos recursos da Lei para a construção de fábricas em solo estrangeiro e veta a participação de empresas de países considerados como ameaça aos interesses americanos em programas financiados pelos fundos do Chips Act. Por nações vistas com preocupação aos objetivos do país. O texto da Lei diz:

any country that the Secretary, in consultation with the Secretary of Defense, the Secretary of State, and the Director of National Intelligence, determines to be engaged in conduct that is detrimental to the national security or foreign policy of the United States. (United States, 2022a, p.16).

Ainda sobre as nações que a Lei pede cautela, o texto cita China, Coreia do Norte, Rússia e Iran.

Quanto às proibições citando especificamente a China, cabe destacar o texto expresso na página 19 que veta a expansão da capacidade produtiva no país por beneficiários dos recursos do Chips Act:

IN GENERAL.— On or before the date on which the Secretary awards Federal financial assistance to a covered entity under this section, the covered entity shall enter into an agreement with the Secretary specifying that, during the 10-year period beginning on the date of the award, subject to clause (ii), the covered entity may not engage in any significant transaction, as defined in the agreement, involving the material expansion of semiconductor manufacturing capacity in the People’s Republic of China or any other foreign country of concern. (United States, 2022a, p. 19)

Além disso, agentes recipientes de recursos da Lei estão impedidos de colaborar com entidades que representem um risco para a segurança dos Estados Unidos, seja P&D ou transferência de tecnologia. As empresas que não observarem a essas diretrizes serão obrigadas a devolver o valor integral recebido (United States, 2022a; 2023a).

Ainda, o Chips Act também autoriza a concessão de 25% de crédito fiscal para a manufatura de chips avançados, que inclui tanto a produção direta, no caso das foundries, quanto a fabricação de materiais e equipamentos utilizados pela indústria avançada. O Congressional Budget Office (CBO) estima que o crédito fiscal custará aos cofres públicos americanos aproximadamente $24,2 bilhões (United States, 2022b, 2022d).

4.2 Division B - Research and Innovation

A divisão A é diretamente voltada para a indústria de semicondutores e visando ganhos no curto e médio prazo para reconquistar e solidificar a liderança americana na cadeia global de circuitos integrados. A divisão B, por sua vez, é dedicada para o ecossistema tecnológico como um todo, com o objetivo de colocar os Estados Unidos na vanguarda das novas tecnologias como Inteligência Artificial, Machine Learning e Computação Quântica. Para isso, essa parte da Lei está voltada ao desenvolvimento científico, abarcando da Engenharia à Física, da Química à Biologia, da Aeronáutica à Astronomia.

A divisão B concentra a maioria dos recursos do Chips Act. De $278.2 bilhões, são estimados $200 bilhões para Research and Innovation, com grande parte dos recursos sob a gestão da National Science Foundation (NSF) e Departamento de Energia (DOE) (Badlam et al., 2022; United States, 2022d).

Dos projetos financiados pela Divisão B, cabe destacar os seguintes projetos, cujos recursos serão distribuídos ao longo de cinco anos:

A criação do Directorate for Technology, Innovation, and Partnerships (“TIP”), que estará sob a gestão da National Science Foundation (NSF) e tem um orçamento de $20 bilhões, direcionados para o investimento em pesquisa e tecnologia avançados. O objetivo do TIP é tornar essas descobertas comercialmente viáveis, ou seja, com uma aplicação prática para o benefício social e econômico da sociedade norte-americana. Isso será alcançado através da parceria entre órgãos governamentais nacionais e internacionais, academia e outra instituições sociais como sindicatos e organizações não governamentais (United States, 2022d).

$13 bilhões que serão administrados pela NSF dedicados ao “STEM Education”, isto é, educação nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharias e Matemática. O projeto é chamado de National Advanced STEM Education Program e tem uma abordagem compreensiva de todo o sistema educacional americano, engajando a comunidade científica, docentes e discentes, incluindo das áreas rurais e minorias. O investimento do desenvolvimento da “STEM workforce” será feito de diferentes maneiras, como bolsas de estudos a alunos do nível superior, prêmios a professores, capacitação de docentes e discentes das áreas rurais, etc. O programa também tem um foco especial na educação primária, e sobretudo desenvolver um sistema educacional compatível com as necessidades da indústria e mercado de trabalho da área de tecnologia (United States, 2022c, 2022d).

$11 bilhões ficarão sob a gestão do Departamento de Comércio (DOC), que usará esses recursos para criar hubs regionais de tecnologia com o intuito de promover crescimento econômico e integração regional à cadeia produtiva nacional. $1 bilhão será destinado ao Recompete Pilot Program, da Administração de Desenvolvimento Econômico do DOC. Esses recursos serão canalizados em iniciativas para áreas em vulnerabilidade econômica com foco na criação de emprego e renda nessas comunidades (United States, 2022c, 2022d).

$9 bilhões para o National Institute of Standards and Technology (NIST), que se reporta diretamente ao Departamento de Comércio. O valor será utilizado na padronização de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, criar cadeias produtivas resilientes e manufatura “made in USA” de alto padrão (United States, 2022c, 2023b).

O Departamento de Energia (DOE), conforme dito, é um dos pilares do desenvolvimento científico almejados pelo Chips Act. A Lei autoriza $50,3 bilhões para serem investidos em P&D conduzidos pelo DOE, universidades e empresas privadas. Entre as atividades a serem desenvolvidas sob a coordenação do órgão estão pesquisas em energia, biologia, física nuclear e infraestrutura de laboratórios. Adicionalmente, o DOE terá $17,6 bilhões para investir em segurança energética, transição para energias limpas, microeletrônica, tecnologia nuclear avançada, e P&D aplicados em energia (United States, 2022c, 2022d).

Assim como a Division A, a Division B também aborda, em várias ocasiões, a preocupação com países que representam risco aos interesses norte-americanos, proibindo-os de receber recursos destinados ao desenvolvimento da ciência. O exemplo mais contundente dessa diretriz é encontrado na Seção 10.636 da Lei, que coloca:

Certain persons and foreign entities of concern or any other country determined to be a country of concern may not receive or participate in any grant, award, program, support, or other activity under specified programs or activities, including the Manufacturing USA Program. (United States, 2022c)

Ao analisar o texto da Lei e os principais pontos elencados nas Divisões A e B descritas acima, é possível elencar três objetivos centrais que se visam alcançar com o Chips and Science Act:

restaurar a liderança da indústria de chips americana enquanto preserva a hegemonia nas etapas de P&D e Design, através da ampliação da capacidade produtiva das fábricas americanas e capacitação da mão-de-obra do setor de semicondutores;

desenvolvimento da ciência avançada, visando a aplicação prática na área de tecnologia, que possui uma relação de interdependência com semicondutores. Nos projetos dedicados ao progresso científico, é válido destacar que seus efeitos demorarão mais a serem notados quando comparados com as iniciativas na ampliação da capacidade de manufatura, uma vez que investimentos na ciência e educação são sentidos no longo prazo e geralmente estão mais alinhados com a visão de futuro da nação;

conter o avanço de nações rivais, proibindo a participação direta, seja como beneficiárias dos recursos financeiros, seja participando no desenvolvimento da ciência. Além disso, também busca-se conter a participação indireta dos países identificados como ameaça, sobretudo da China, através da proibição da transferência de tecnologia e know-how por agentes que sejam beneficiários dos programas estabelecidos no Chips Act. 

5 Considerações Finais

O surgimento da indústria de semicondutores na década de 1950 nos Estados Unidos foi o que possibilitou o avanço tecnológico em uma escala inédita na história. Os chips possibilitaram a revolução da computação e eletrônica que transformaram a sociedade verticalmente, desde a economia, à integração entre países e as relações sociais.

Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, essa indústria é caracterizada pela intensa competição e investimentos massivos em Pesquisa e Desenvolvimento, Design e Manufatura, e os Estados Unidos desenvolvem um papel fundamental, a começar por serem os criadores dos circuitos integrados. Conforme demonstrado, essa posição privilegiada, na verdade, foi conquistada através da ação direta do Estado americano ao construir as bases para o surgimento e desenvolvimento da indústria de circuitos integrados, através do investimento na ciência e na criação de um ecossistema atrativo para a participação da iniciativa privada.

Os Estados Unidos reconhecem a importância dos semicondutores para o progresso tecnológico, crescimento econômico sustentável, poderio militar e influência cultural, fatores que fazem desse país a maior potência mundial. Assegurar sua liderança nessa indústria é garantir que sua hegemonia perdure. A América também reconhece que mesmo liderando nas áreas de P&D, design e equipamentos, o país, assim como o resto do mundo, depende de Taiwan para produzir os chips mais avançados. E para os Estados Unidos, essa dependência é ainda mais preocupante, uma vez que a ilha está no centro das relações da América com seu maior concorrente - a China, que também almeja o topo da indústria e pode explorar essa fragilidade americana.

Nesse sentido, a aprovação do Chips Act pelo congresso americano e sanção pelo presidente Joe Biden em 2022, evidenciam o quanto os Estados Unidos primam pela indústria de semicondutores e a consideram vital para os interesses americanos. Isso pode ser percebido no orçamento massivo e nos projetos estabelecidos pela Lei, visando fortalecer a manufatura de semicondutores na América no curto e longo prazo, desenvolver a ciência aplicada aos circuitos integrados, ao mesmo tempo em que buscam conter o avanço de países que representam uma ameaça aos ideais americanos.

Os resultados que serão obtidos dependem não apenas da implementação da Lei, mas também da postura de outros países em relação às suas indústrias. O comportamento dos Estados Unidos pode incentivar outras nações a adotarem projetos semelhantes. Além disso, mesmo para os Estados Unidos, conquistar a liderança em manufatura avançada será desafiador, pois, ao atingir o atual limite tecnológico, o atual líder- Taiwan provavelmente já terá avançado para o próximo estágio. E a vantagem para os Estados Unidos reside em estar na vanguarda, que é crucial para o progresso tecnológico.

O eventual sucesso da nova política industrial americana impactará significativamente a dinâmica global da indústria de semicondutores, tornando-a mais resiliente ao reduzir a dependência de Taiwan em uma fase crucial da cadeia de valor: a manufatura avançada, atualmente sujeita a tensões políticas e bélicas entre Estados Unidos e China, para os quais a indústria de semicondutores é estratégica. Outro efeito importante dessa política é garantir o avanço tecnológico, que, por depender fortemente da capacidade de manufatura avançada, enfrenta os mesmos riscos. Além disso, com parte da produção dos chips mais modernos em solo americano, a indústria voltaria a ter semelhanças com os seus primórdios, onde os Estados Unidos eram o eixo principal de todas as etapas da cadeia de valor. E isso daria à América mais poder para conter o avanço Chinês.

Uma cadeia de valor mais resiliente diminui os riscos para que as empresas de tecnologia continuem a desenvolver computação em nuvem, inteligência artificial, machine learning, veículos autônomos e outras tecnologias essenciais para a economia global atual, além de potencialmente iniciar uma nova era econômica impulsionada pelo progresso tecnológico.

A indústria de semicondutores, com suas implicações tecnológicas, econômicas, políticas e militares, é um tema rico para debate e pesquisa. Futuros estudos podem explorar os resultados da implementação do Chips Act e suas repercussões na dinâmica global de semicondutores, o crescimento da China nesse setor, a competição entre Estados Unidos e China pela liderança na cadeia global de chips, as transformações tecnológicas impulsionadas pelos circuitos integrados (como Inteligência Artificial, Machine Learning, Realidade Aumentada e Veículos Autônomos) e o impacto dessas mudanças na economia global.

REFERÊNCIAS

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Contribuição de autoria

1 – José Gabriel Pereira da Silva

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará.

https://orcid.org/0009-0002-6241-6872 • josegabrielpsilva@outlook.com

Contribuição: Escrita e primeira redação

2 – Sylvio Antonio Kappes

Professor Adjunto de Teoria Macroeconômica na Universidade Federal de Alagoas

https://orcid.org/0000-0001-8886-9365 • sylviokappes@gmail.com

Contribuição: Escrita e primeira redação

Como citar este artigo

SILVA, J. G. P.; KAPPES, S. A. The Chips and Science Act: uma Análise da Nova Política Industrial dos Estados Unidos Voltada para a Indústria de Semicondutores. Econ. e Desenv., Santa Maria, v. 36, e86316, 2024. DOI 10.5902/1414650986316. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1414650986316. Acesso em: dia mês abreviado. ano.