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Universidade Federal de Santa Maria

Econ. e Desenv., Santa Maria, v. 35, e74485, 2023

DOI: 10.5902/1414650974485

ISSN 2595-833X

Submissão: 15/10/2023 Aprovação: 22/12/2023 Publicação: 28/02/2024

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 PANORAMA GERAL DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA.. 8

3 METODOLOGIA.. 18

4 RESULTADOS. 20

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 26

REFERÊNCIAS. 28

 

 

Artigos

Competitividade da indústria automobilística do Brasil: uma análise dos veículos leves

Competitiveness of the automotive industry in Brazil: an analysis of light vehicles

Renata Cristina Andrade do Nascimento IÍcone

Descrição gerada automaticamente

Rafael Mesquita Pereira IÍcone

Descrição gerada automaticamente

IUniversidade Federal de Rio Grande, , Rio Grande, RS, Brasil

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal analisar a competitividade da indústria automobilística brasileira de automóveis leves e suas partes no mercado internacional. Para este fim, a partir de dados do portal Comex Stat, vinculado ao SISCOMEX (Sistema Integrado de Comércio Exterior), e do UN Comtrade (The United Nations Comtrade), será calculado o Índice de Vantagens Competitivas Reveladas (CR) com o intuito de verificar o comportamento da competitividade da mencionada indústria e seus segmentos entre os anos de 2000 e 2020. Em geral, os resultados indicam que o setor automobilístico brasileiro apresentou vantagens competitivas reveladas apenas no período inicial de análise e que sua competitividade vem diminuindo constantemente ao longo do tempo. Em relação aos automóveis leves e suas partes, verificou-se competitividade revelada apenas no segmento de chassis do país, enquanto as demais partes, peças, acessórios e carroçarias, apresentaram desvantagem competitiva revelada durante grande parte dos anos analisados.

Palavras-chave: Indústria Automobilística; Automóveis leves; Peças e acessórios; Brasil; Índice de Competitividade Revelada

ABSTRACT

This work's main objective is to analyze the competitiveness of the Brazilian light automobile industry and its parts in the international market. To this end, based on data from the Comex Stat portal, linked to SISCOMEX (Integrated Foreign Trade System), and UN Comtrade (The United Nations Comtrade) the Revealed Competitive Advantages Index (CR) will be calculated to verify the competitiveness behavior of the aforementioned industry and its segments between the years 2000 and 2020. In general, the results indicate that the Brazilian automobile sector presented competitive advantages revealed only in the initial period of analysis and that its competitiveness has been constantly decreasing throughout the period time. In relation to light automobiles and their parts, there was competitiveness revealed only in the country's chassis segment, while the other parts, parts, accessories, and bodies presented a competitive disadvantage revealed during most of the years analyzed.

Keywords: Auto Industry; Light automobiles; Parts and accessories; Brazil; Revealed Competitiveness Index

1 INTRODUÇÃO

A vontade de criar um transporte que se locomovesse por seus próprios meios está com os homens desde os primórdios das civilizações. Segundo Catto (2015), o surgimento dos carros não seguiu uma trajetória linear, mas foi durante os anos de 1882 a 1904 que ingleses e americanos, como Henry Ford, iniciaram sua busca para aprimorar o motor a gasolina e para desenvolver os automóveis.

Em 1919, quando a indústria brasileira deu os seus passos iniciais, as primeiras fábricas apenas montavam os veículos com peças enviadas de outros países, em especial dos Estado Unidos da América, logo, a falta de um setor de fabricação de peças consolidado foi o primeiro importante entrave ao surgimento do complexo automotivo no Brasil (Catto, 2015). Porém, no final da década de 1930, iniciou-se a produção da indústria automobilística no país, com a instalação de montadoras de empresas como a Ford e a General Motors (ANFAVEA, 2016). Conforme Catellan et al. (2017), na década de 40, quando os países mais desenvolvidos moveram seu foco da industrialização para a guerra (período da Segunda Guerra Mundial), o Brasil enfrentou a falta de insumos para montagem de automóveis e decidiu produzir essas peças domesticamente.

A indústria automobilística brasileira levou 25 anos para iniciar a fabricação de carros totalmente nacionais. Isso aconteceu posteriormente a eleição de Juscelino Kubitscheck (1955), o qual, em sua campanha, prometeu fortalecer a industrialização e um progresso ao país de 50 anos em apenas 5. De acordo com Torres (2012), pode-se sintetizar o surgimento da indústria automobilística brasileira em um esforço coordenado do governo e do empresariado, os quais criaram um mercado amplamente protegido para a indústria de veículos e autopeças, perdurando até o final dos anos 1980.

Contudo, esta indústria nacional iniciou os anos 1990 enfrentando sérios problemas de competitividade em relação ao padrão internacional (Lima, 2016). Conforme Costa e Henkin (2016), na década de 1990, o setor experimentou um processo de reestruturação induzido pela mudança nas estratégias de concorrência das montadoras e pelas transformações na economia brasileira. Assim, pode-se dizer que os anos 90 foram marcados por um amplo processo de transformações da indústria automobilística local a partir das reformas econômicas realizadas no país, especialmente a abertura comercial, levando as firmas a se adaptarem aos novos contornos e às circunstâncias econômicas e institucionais (Lima, 2016).

Este novo momento, após a abertura comercial, possibilitou que o setor automobilístico do Brasil se inserisse novamente no acirrado mercado mundial do segmento. Neste contexto, o que justificaria a entrada do país neste comércio seria a especialização na produção de bens os quais apresentasse maior produtividade em relação aos seus parceiros comerciais, vice-versa, ou seja, nos bens em que possuísse vantagens comparativas. Em tese, segundo Krugman, Obstfeldt e Melitz (2015), um país possui vantagem comparativa na produção de determinado bem se o custo de oportunidade de produzir esse bem, em termos de outros bens, for menor neste dado país do que é em outros países.

Assim, a produção de bens com estas vantagens comparativas proporcionaria o aumento da produção doméstica e, consequentemente, resultaria no surgimento de um excedente de produção, de modo que, como estes produtos excedentes não seriam absorvidos totalmente pelo mercado interno, poderiam ser vendidos para outros países que não possuíssem vantagens comparativas na produção desses bens (Silva; Lourenço, 2018). Isto é, o desenvolvimento da indústria automobilística local poderia ser justificado com a teoria das vantagens comparativas proposta por Ricardo (2018).

Porém, de acordo com Maia (2014) e Gonçalves et al. (1998), a Teoria das Vantagens Comparativas não explica o comércio internacional contemporâneo, visto que não considera o papel desempenhado pela tecnologia, pela diferenciação dos produtos e pelos rendimentos crescentes de escala[1]. Mas, Porter (1985) contempla estes aspectos em sua Teoria das Vantagens Competitivas ao considerar que as trocas comerciais entre os países devem ser avaliadas a partir do próprio conceito de competição, dos segmentos de mercados, das diferenciações dos produtos e das economias de escala (Porter, 1985), aspectos estes que compõem o conhecido “Diamante de Porter” (Nagy e Jámbor, 2018). Conforme Porter, a produtividade é o único conceito significativo que explica a competitividade das nações (Coutinho et al., 2005).

Bertolini (2004, p. 27) faz uma releitura do pensamento de Porter (1992) e afirma que:

Para Porter (1992), as atividades específicas que uma empresa executa encaixam-se na corrente de atividades da cadeia produtiva inteira, influenciando o valor agregado dos produtos e serviços ao longo da cadeia. Assim, ele define como a cadeia de valor das organizações as atividades de valor, física e tecnologicamente distintas, pelas quais estas criam um produto valioso para seus compradores.

Nesse sentido, associando-se o pensamento de Porter com a indústria automobilística, temos as fábricas de autopeças, as montadoras e as concessionárias, as quais formam o sistema de valor mencionado por Porter (Catto, 2015). Dessa forma, a competitividade vai estar diretamente ligada a uma produção de baixo custo e de alta qualidade.

Ao trazer o cenário dessa indústria para os dias atuais, destaca-se que, em 2020, o Brasil atingiu a 9ª posição no que diz respeito à produção de veículos (ANFAVEA, 2021). Além disso, a indústria de veículos automotores nacional ocupa a 6ª posição em questão de relevância para as exportações (Comex Stat, 2021). Desse modo, percebe-se a importância do setor automobilístico para a economia brasileira.

Então, diante do exposto, o objetivo principal deste trabalho é analisar a competitividade da indústria brasileira de automóveis leves e suas partes no comércio internacional. Para tanto, utilizando dados do portal do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) e do UN Comtrade, será estimado o Índice de Vantagem Competitiva Revelada (CR[2]), desenvolvido por Vollrath (1989), para os anos de 2000 a 2020, com o intuito de compreender como a competitividade deste segmento da indústria automobilística brasileira, assim como de suas ramificações, se comportaram ao longo destes anos.

Na literatura, há alguns esforços na busca por evidências sobre a competitividade deste setor. Gracia e Paz (2017), por exemplo, analisaram este contexto para a Europa. Já Sardy e Fetscherin (2009) conduziram sua pesquisa comparando China, Índia e Coreia do Sul e Narayanan e Vashisht (2008) estudaram os determinantes da competitividade da indústria automobilística indiana. Nagy e Jámbor (2018) realizaram um estudo mais abrangente, comparando a competividade desta indústria de forma global.

No Brasil, dentre os trabalhos que possuem semelhança com a proposta da presente pesquisa, destaca-se o estudo de Torres (2012), que pesquisou a evolução da cadeia de valor da indústria automobilística brasileira, no período de 1996 a 2008, com foco na modernização da indústria, na distribuição de renda entre os elos da cadeia e na governança das montadoras. Em geral, o autor identificou que houve modernização da indústria automobilística brasileira neste período, o que resultou em aumento de sua produtividade, destacando-se a importância das montadoras neste processo.

Sachs (2015) analisou os impactos das aberturas comerciais brasileira e mexicana sobre as respectivas indústrias automobilísticas. Dentre os seus principais resultados, ressalta-se a constatação de que esta indústria brasileira é altamente protegida por barreiras tarifárias e que a mesma dispõe de reservas de mercado para comercializar seus produtos, os quais são reconhecidamente caros e de baixa qualidade.

Em pesquisa mais recente, Costa e Henkin (2016) pesquisaram como ocorreu o processo de reestruturação induzido pela mudança nas estratégias de concorrência das montadoras brasileiras no período 1989-2013. O principal resultado obtido pelos autores mostra que os investimentos em modernização e a abertura de novas unidades de produção resultaram em um aumento expressivo da produção, da produtividade e do consumo de veículos no período.

Neste contexto, o presente trabalho se diferencia dos demais ao estudar não somente a indústria automobilística brasileira como um todo, mas principalmente por dar enfoque à análise de competitividade dos segmentos específicos referentes aos automóveis leves e suas partes, sob a lente do Índice de Vantagem Competitiva Revelada (CR). Ao que se sabe, trata-se de uma proposta de pesquisa inédita na literatura nacional. Ainda, vale ressaltar o extenso recorte de tempo considerado, o que permite a obtenção de diagnósticos importantes sobre este setor durante as últimas duas décadas.

Para atender aos objetivos propostos, o trabalho está organizado da seguinte forma: além desta introdução, no segundo capítulo será feita uma análise geral da indústria automobilística brasileira ao longo do tempo. No terceiro capítulo será apresentada a metodologia utilizada para verificação da competitividade do referido setor e de suas partes, a partir da demonstração do índice CR e suas interpretações. No quarto capítulo serão apresentados os resultados e, por fim, na última seção, serão feitas as considerações finais do trabalho.

2 PANORAMA GERAL DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA

Conforme Catto (2015) e Costa e Henkin (2016), o início do século XXI foi marcado por grande expansão da oferta e da demanda por automóveis no Brasil, estimuladas pelo aumento do número de fábricas e pelas políticas governamentais creditícias, as quais resultaram na inclusão da população ao mercado de consumo a partir do incremento da renda das famílias. Dessa forma, pode-se dizer que o período de 2004 e 2013 foi de consolidação do Brasil como referência de produção, consumo e distribuição de veículos na América do Sul (Costa; Henkin, 2016).

Entretanto, entre 2002 e 2012 observou-se que as vendas superaram a produção nacional, de modo que, por conseguinte, grande parte do mercado consumidor doméstico tenha necessitado das importações de veículos para ser atendido (Catto, 2015).  Assim, conforme Catto (2015), na tentativa de aumentar a produção local e a competitividade da indústria automobilística brasileira, o Governo Federal lançou, em 2012, o programa Inovar-Auto, o qual objetivava aprimorar a engenharia automotiva dos veículos através de investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento nos itens de segurança e eficiência energética. Porém, de acordo com Rocha (2018), tal política não apresentou a eficácia esperada, uma vez que, entre 2014 e 2017, verificou-se uma retração flagrante do setor automotivo brasileiro, reflexo, principalmente, da fase descendente do ciclo econômico do país.

Gráfico 1 – Produção anual de carros de passeio, ônibus, caminhões e máquinas agrícolas montados do Brasil em unidades

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do anuário da ANFAVEA (2021)

Atualmente, são produzidos e montados, em média, 2.342.083 automóveis por ano no Brasil (ANFAVEA, 2019). O Gráfico 1 mostra a quantidade carros de passeio, ônibus, caminhões e máquinas agrícolas montados anualmente pelo setor automobilístico brasileiro. Destaca-se, primeiramente, a preponderante proporção de unidades produzidas de carros de passeio em relação aos demais. Durante o período de análise, aproximadamente 91% da produção da indústria automobilística brasileira direcionou-se aos carros de passeio, 5% à produção de caminhões, 1% à produção de ônibus e 3% à produção de máquinas agrícolas, em média.

Observa-se, também, que a produção de veículos de passeio segue uma trajetória linear crescente ao longo dos anos, de modo que, a cada ano, estima-se que esta produção aumente em 40.846 unidades, em média. Estas informações reforçam a importância da indústria de automóveis leves para o setor automobilístico brasileiro em geral. Porém, é relevante pontuar que, a partir de 2013, a produção do segmento sofreu uma inflexão para baixo, a qual parece se manter nos anos seguintes, mesmo que com sobressaltos entre 2017 e 2019.

Para reforçar a importância da indústria de veículos leves no Brasil, faz-se pertinente traçar um paralelo entre a produção e o emprego do setor. A Tabela 1 apresenta o número de empregados (trabalhadores com contratos de trabalho regidos pela CLT[3], firmados com as empresas associadas à ANFAVEA) durante o período analisado. Em média, observa-se que 87% do emprego no setor automobilístico brasileiro está no segmento de automóveis leves.

Vale destacar nesta análise a queda da empregabilidade no setor em geral ocorrida a partir de 2013, a qual se manteve constante até 2020. Dentre os inúmeros fatores que podem estar associados a este fenômeno, um dos que podem explicá-lo parcialmente é a paridade do Real perante ao Dólar, ou seja, a taxa de câmbio do período.

Para testar esta hipótese, a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2022), analisou-se a correlação[4] entre o número de empregados no setor e a taxa de câmbio (referente a indústria de automóveis) até o ano de 2015. Os resultados desta análise indicam um grau de correlação de -0,55 entre as duas variáveis, evidenciando sua relação inversa, ou seja, em períodos de desvalorização do Real (aumento da taxa de câmbio), o número de empregados diminuiu.

Tabela 1 – Emprego na indústria de automóveis leves e no setor automobilístico em geral

Ano

Automóveis leves

Total do setor

% Automóveis leves

2000

89.134

98.614

90%

2001

84.834

94.055

90%

2002

81.737

91.533

89%

2003

79.047

90.697

87%

2004

88.783

102.082

87%

2005

94.206

107.408

88%

2006

93.193

106.329

88%

2007

104.274

120.338

87%

2008

109.848

126.777

87%

2009

109.043

124.478

88%

2010

117.654

136.124

86%

2011

124.647

144.634

86%

2012

132.096

151.656

87%

2013

135.343

156.970

86%

2014

125.977

144.508

87%

2015

117.660

133.100

88%

2016

109.530

126.296

87%

2017

109.910

128.275

86%

2018

111.043

130.451

85%

2019

106.705

125.596

85%

2020

101.223

120.538

84%

Fonte: Elaboração a partir de dados do Anuário do SINDIPEÇAS (2021)

Estes resultados sugerem que a indústria automobilística brasileira seja sensível às variações da taxa de câmbio, visto que, por exemplo, se este setor depende de insumos importados para a montagem dos veículos, a taxa de câmbio é uma variável determinante neste mercado. Tal inferência vai ao encontro do observado por Catto (2015) em relação à necessidade da indústria automobilística brasileira de acessar o mercado externo para atender à demanda doméstica do setor na última década. Por conseguinte, é provável que interfira significativamente na competitividade do setor.

Diante destas hipóteses, torna-se pertinente analisar o cenário do setor externo desta indústria brasileira ao longo dos anos de análise propostos. Nesse sentido, o Gráfico 2 apresenta o comportamento das exportações (em valores FOB) do setor automobilístico do Brasil de 2000 a 2020. Para esta construção, são utilizadas as informações que compõem o capítulo 87 do Sistema Harmonizado (SH) - Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e acessórios.

Gráfico 2 – Exportações brasileiras de Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e acessórios (SH 87) de 2000 a 2020 – Valor FOB em milhões de US$

 

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Comex Stat (2022)

Observa-se que, embora a partir de 2017 as exportações do setor apresentem queda acentuada, ao longo do período de análise é possível identificar uma tendência de crescimento destas exportações, de modo que, a cada ano, estima-se que estas aumentem em US$ 249 milhões, em média. Entretanto, é relevante ressaltar que, em 2020, o valor em vendas no comércio internacional da indústria automobilística brasileira recuou a um patamar abaixo do observado em 2004.

Com o mesmo objetivo do anterior, o Gráfico 3 mostra a evolução das importações da indústria automobilística brasileira entre os anos 2000 e 2020. Nota-se que, mesmo em queda aparente após o ano de 2013, estas importações apresentam uma tendência crescente ao longo do período analisado. Além disso, o gráfico evidencia que, a cada ano, elas aumentam em US$ 694,32 milhões, em média.

Com o mesmo objetivo do anterior, o Gráfico 3 mostra a evolução das importações da indústria automobilística brasileira entre os anos 2000 e 2020. Nota-se que, mesmo em queda aparente após o ano de 2013, estas importações apresentam uma tendência crescente ao longo do período analisado. Além disso, o gráfico evidencia que, a cada ano, elas aumentam em US$ 694,32 milhões, em média.

Comparando-se os gráficos 2 e 3 é possível observar que a magnitude de crescimento das importações é relativamente maior que a das exportações, ou seja, ao longo dos anos de análise, as importações cresceram mais que proporcionalmente às exportações da indústria automobilística brasileira. Dessa forma, o fato de o Brasil importar maiores valores do que exportar é um indicativo de que, possivelmente, esse setor não seja competitivo no mercado internacional.

Gráfico 3 – Importações brasileiras de Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e acessórios (SH 87) de 2000 a 2020 – Valor FOB em milhões de US$

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Comex Stat (2022)

Porém, embora esta abordagem agregada traga estes sinais importantes, cabe salientar que, conforme Duregger (2019), os automóveis são produtos que têm como origem tecnologias complexas e sistêmicas e que, além disso, há uma cadeia de suprimentos, constituída por uma série de elementos interdependentes, que compõem o setor automobilístico (Marsili, 2001). Ademais, posteriormente ao surgimento da globalização de produção, ficou ainda mais clara a importância de uma boa interligação entre as partes dos sistemas, principalmente entre o setor produtivo de peças e as montadoras (Vanalle, 2011). Ou seja, é evidente que, dentro do próprio complexo automotivo, há uma série de outros segmentos que atuam em mercados distintos os quais, possivelmente, apresentam resultados diferentes em termos de competividade no mercado internacional.

Neste sentido, sabe-se que muitas empresas, atualmente, adequam as suas estratégias competitivas de acordo com o mercado e o ambiente de concorrência. Na indústria automobilística, quando o Brasil passou a não somente montar como também fabricar as partes, foi adicionado mais valor a este setor (Barros; Pedro, 2012). Para se ter uma ideia, segundo Ferraz et al. (1995), até 75% do valor agregado dos veículos é proveniente da fabricação das peças e componentes. Para elucidar esta questão, na Tabela 2 é apresentado o faturamento nominal considerando somente o comércio de peças de 2015 a 2020.

Tabela 2 – Faturamento Nominal da indústria brasileira de peças (em milhões de R$)

Ano

Faturamento Nominal

2015

61.531

2016

63.039

2017

76.092

2018

85.792

2019

91.428

2020

75.428

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Anuário do SINDIPEÇAS (2021)

Nota-se que, de fato, a indústria de peças possui um faturamento anual em crescimento nos últimos, a exceção do ano 2020, possivelmente resultado dos efeitos da pandemia de Covid-19 no comércio. Contudo, são as montadoras que detêm a maior parte do montante deste faturamento, conforme mostra a Tabela 3. Como se pode ver, depois das montadoras (que absorvem mais de 50% do faturamento da indústria de peças), o mercado de reposição detém aproximadamente 20% do faturamento sobre as peças. Esta fração, referente ao mercado de reposição, tem maior circulação principalmente no mercado interno brasileiro.

Tabela 3 – Distribuição do Faturamento Nominal da Indústria automobilística brasileira por segmento de venda

Ano

Montadoras

Reposição

Exportação

Intrassetorial

2015

60,90%

18,80%

14,70%

5,70%

2016

61,80%

18,20%

14,20%

5,90%

2017

62,80%

18,10%

12,80%

6,30%

2018

61,10%

17,70%

15,30%

6,00%

2019

62,70%

17,80%

13,40%

6,00%

2020

57,30%

19,50%

19,10%

4,20%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Anuário do SINDIPEÇAS (2021)

Diante da evidenciada importância tanto do segmento de automóveis leves como da indústria de peças e acessórios para estes, torna-se relevante analisar não somente a competitividade da indústria automobilística em geral, mas também destes setores que a compõe. Para isso, além do capítulo 87 do SH, serão analisados, também, as seguintes posições e subposições deste segmento, a saber: 8703 (automóveis de passageiros concebidos para transporte de até 9 pessoas), o item 87.06.00.00 (chassis com motor para os veículos automóveis das posições 87.01[5]  a 87.05[6] ), a posição 87.07 (Carroçarias para os veículos automóveis das posições 87.01 a 87.05, incluídas as cabinas.) e os itens da posição 87.08 (Partes e acessórios dos veículos automóveis das posições 87.01 a 87.05).  Na Tabela 4 são apresentadas as balanças comerciais (exportações menos importações) destes itens.

Tabela 4 – Balança Comercial do capítulo 87 e das posições 8703, 870600, 8707 e 8708 do Sistema Harmonizado entre o período de 2000 e 2020 (valor FOB em US$)

Ano

Balança Comercial

87

8703

870600

8707

8708

Indústria automobilística (Geral)

Automóveis leves

Chassis

Carroçarias

Partes e acessórios

2000

686.812.633

542.062.938

133.712.233

158.753.941

-381.436.461

2001

611.418.503

548.796.988

165.074.445

164.412.566

-328.447.489

2002

1.835.162.919

1.272.854.441

197.945.948

156.204.528

-199.552.874

2003

3.520.856.961

2.077.240.512

268.767.855

183.611.476

-12.030.489

2004

5.217.613.047

2.767.473.026

365.097.791

219.430.376

-78.915.902

2005

7.304.070.612

3.576.881.938

531.969.763

319.348.094

4.531.773

2006

6.666.281.695

2.680.486.776

620.902.309

371.198.287

480.417.942

2007

5.086.785.641

1.532.247.398

629.968.445

406.219.311

-386.719.604

2008

1.789.579.976

-427.407.576

765.293.417

515.481.342

-1.476.957.795

2009

-2.996.134.840

-2.221.547.959

460.140.136

213.436.435

-1.236.210.537

2010

-5.141.660.191

-4.128.803.872

617.871.143

229.713.750

-1.808.702.957

2011

-8.861.342.140

-7.515.673.754

791.011.706

199.507.423

-2.330.523.092

2012

-8.741.372.010

-5.841.466.293

644.016.567

181.365.638

-2.990.707.855

2013

-8.329.905.058

-3.596.497.137

694.947.793

205.837.249

-4.990.520.691

2014

-9.661.798.547

-4.480.478.505

609.852.572

206.235.934

-4.564.414.588

2015

-3.967.215.992

-1.653.850.278

563.393.143

203.299.236

-3.065.416.347

2016

1.015.469.507

1.822.019.779

645.750.705

161.639.779

-2.990.143.271

2017

2.911.453.214

3.713.126.333

717.922.118

251.173.730

-3.858.328.045

2018

-2.511.031.083

950.180.271

529.404.106

212.718.550

-4.734.481.815

2019

-5.288.441.021

499.876.898

527.349.307

172.509.649

-5.066.880.164

2020

-2.978.688.422

951.938.672

394.318.071

152.648.609

-3.778.779.682

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Comex Stat (2022)

Com base na Tabela 4 pode-se inferir que a indústria automobilística brasileira (SH87) obteve balança comercial constantemente positiva somente até o ano de 2008. A partir deste, o setor importou mais que exportou, a exceção dos anos de 2016 e 2017. Este resultado geral sugere que o setor automobilístico brasileiro tem convivido com um excesso de demanda, algo que pode estar relacionado à sua própria competitividade no mercado internacional.

Em se tratando dos segmentos específicos, observa-se que somente as posições 870600 (chassis para motor de automóveis) e 8707 (carroçarias) foram superavitárias durante todos os 21 anos da análise. Isso é um indicativo de que provavelmente elas possuem um bom posicionamento no mercado internacional. De forma semelhante, a posição 8703, automóveis para transporte de pessoas de uso misto, obteve déficit na balança comercial apenas durante o período de 2008 a 2015.

A posição 8708 (partes e acessórios de veículos) importou mais que exportou, visto que sua balança comercial foi deficitária durante maior parte dos anos de análise. Isso mostra que as montadoras de veículos leves no Brasil dependem do mercado internacional para atender as suas demandas de peças e acessórios para a montagem destes veículos. Neste contexto, com a desvalorização do Real nos últimos anos, é provável que o aumento dos custos de produção tenha sido inevitável, pois as importações tornaram-se, por conseguinte, mais caras.

A partir deste cenário, analisando-se a interdependência do setor automobilístico brasileiro de veículos leves e de suas partes pela ótica econômica, é de suma relevância avaliar se os aspectos apresentados interferem na competitividade destes segmentos no comércio internacional. Então, para este fim, na próxima seção será apresentado o método que possibilita a geração destas evidências.

3 METODOLOGIA

Para atender aos objetivos propostos neste estudo, os quais consistem, em geral, em analisar a competitividade da indústria automobilística brasileira de veículos leves e suas partes no comércio internacional, será utilizado Índice de Competividade Revelada (CR) proposto por Vollrath (1989), elaborado para medir a competitividade entre as nações considerando o fluxo comercial de determinado setor ou produto da economia de um país qualquer em relação ao montante internacional. Os dados utilizados para os cálculos do CR foram retirados das plataformas Comex Stat (2021), que possui vínculo com o portal de Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), e do UN Comtrade (2022), que é o maior repositório de dados do comércio internacional do mundo. O recorte temporal estabelecido compreende os anos de 2000 a 2020, pois acredita-se que, nas últimas duas décadas, a indústria automobilística brasileira tenha vivenciado uma série de transformações relevantes, conforme foi discutido na seção anterior.

O CR é expresso da seguinte forma:

                                                                                                                     (1)

onde  representa o valor das exportações e  o valor das importações da indústria automobilística brasileira, ou de automóveis leves ou de suas partes. O subscrito  se refere ao produto e  ao país. O elemento  representa o agregado de produtos, excluindo o produto , e  se refere ao conjunto de todos os países, excluindo o país .

A partir dos resultados do índice, segundo Carvalho (2001) e Nagy e Jámbor (2018), pode-se interpretar que se , o país revela vantagem competitiva no comércio internacional do produto , e se , o país apresenta desvantagem competitiva no comércio internacional deste bem (Carvalho, 2001). Conforme Carvalho (2001) e Dill et al. (2013), o CR adiciona robustez ao Índice de Vantagens Comparativas Reveladas (IVCR) desenvolvido por Balassa (1965) ao considerar não somente as exportações, mas também as importações, ou seja, todo o comércio. Como o Brasil é tanto um exportador como um importador de automóveis, claramente o CR é o mais adequado para responder o problema de pesquisa proposto neste estudo.

Algumas pesquisas no Brasil já empregaram o CR para temas distintos, dentre os quais destacam-se os trabalhos Dill et al. (2013), o qual verificou a competitividade da carne bovina brasileira e norte-americana no mercado internacional, e Silveira et al. (2021), que analisou a competitividade da indústria brasileira de produtos farmacêuticos. Nagy e Jámbor (2018) estimaram o CR para a indústria automobilística de vários países, considerando o período de 1997 a 2016, porém, o Brasil não compôs esta lista. Dessa forma, o presente estudo preencherá uma lacuna importante sobre este tema a partir de uma abordagem metodológica até então inédita.

4 resultados

Os resultados do cálculo do CR para o capítulo 87 – Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e acessórios - do Sistema Harmonizado, são apresentados no Gráfico 4. Como se pode observar, o setor obteve vantagens competitivas reveladas no comércio internacional somente até 2008. A partir deste ano, os resultados do CR exibem valores iguais ou inferiores a zero, ou seja, de 2009 até 2020 a indústria automobilística brasileira não apresentou competitividade revelada. Além disso, de acordo com a linha de tendência do Gráfico 4, observa-se que a competitividade do setor diminui em 5,03% a cada ano, em média.

De certa forma, estes resultados estão parcialmente conectados com a balança comercial do setor, a qual apresentou-se positiva e com um crescimento gradual em seus valores durante os anos iniciais da análise, mas, após o ano de 2009, registrou uma acentuada queda, tornando-se negativa a partir deste período. Possivelmente, esta queda nas exportações e consequente desvantagem competitiva do setor, a partir do ano de 2009, pode estar relacionada com a crise financeira mundial[7] de 2008.  Perrotta et al. (2013) endossam este argumento, pois segundo os autores foi a partir desta crise financeira global que se tornou compreensível a fragilidade da competitividade dos automóveis brasileiros. Bahia e Domingues (2010) também corroboram com esta justificativa, complementando que o setor automobilístico brasileiro foi capaz de exportar sem a necessidade de “proteção” de outros agentes até o ano de 2009 e que, a partir deste período, o setor deixou de ser competitivo internacionalmente.

Gráfico 4 – Índice de Competitividade Revelada (CR) estimado para a indústria automobilística brasileira (capítulo 87 do SH) entre 2000 e 2020

Fonte: Resultados da pesquisa

Neste contexto, Barros e Pedro (2011) argumentam que o apoio governamental e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do setor automotivo foram relevantes para minimizar os efeitos da crise financeira iniciada em 2008, mesmo que isso não tenha ficado tão evidente nos níveis de competitividade revelada. Os resultados do CR até sobem entre os anos de 2010 e 2014, inclusive se tornando positivo em 2013, porém este comportamento não se mantém nos anos seguintes, não conferindo, dessa forma, vantagem competitiva revelada ao setor na média geral deste recorte de tempo.

Buscando evidências adicionais sobre esta indústria, na Tabela 6 são apresentados os resultados do cálculo do CR[8] para os segmentos específicos listados na seção 2, que compreendem, em geral, as indústrias automóveis leves, de peças e de acessórios que compõem o capítulo 87 do SH. Observa-se que a posição 8703 (automóveis para transporte de pessoas de uso misto), em 10 dos 21 anos observados, não apresentou competitividade revelada no mercado internacional. No início da década de 2000 (2000-2007), este segmento apresentava competitividade revelada. Porém, em se tratando do período em que não foi competitivo, destaca-se o intervalo entre 2008 e 2015, onde os automóveis leves brasileiros enfrentaram dificuldades com a concorrência. Nos anos seguintes (2016 - 2020), a oscilação do índice não permite afirmar uma tendência competitiva ou não deste segmento.

É possível que o desempenho positivo do início dos anos 2000 seja o resultado tardio de políticas de convergência da capacidade competitiva da indústria automobilística brasileira, resultante do esforço de incorporação das inovações associadas ao sistema de produção enxuto[9], que já estavam previstas desde a metade da década de 90 (Ferraz; Kupfer; Haguenauer, 1995). Zanchet et al. (2006) destacam que o longo período em que o setor automobilístico nacional ficou estagnado e com baixa competitividade no mercado internacional resultou em uma menor qualidade dos produtos nacionais frente aos importados (que nesse momento eram superiores em todos os fatores). Ademais, as montadoras norte-americanas (Ford) e japonesas (Toyota) estavam muito mais avançadas em se tratando de métodos de produção.

Ao analisar os segmentos de partes de automóveis, os resultados mostram que somente a posição 870600 (chassis com motor para os veículos automóveis das posições 87.01 a 87.05) apresentou competitividade revelada durante todo o período estudado. Esse resultado vai ao encontro dos valores superavitários da balança comercial observados para essa posição, confirmando o bom desempenho do Brasil na produção e exportação de chassis. A posição 8707 (Carroçarias para os veículos automóveis das posições 87.01 a 87.05, incluídas as cabinas), contrariando em parte os resultados de sua balança comercial, apresentou competitividade revelada no comércio internacional apenas no início dos anos 2000. Para Bertolini (2004), fatores como a abertura econômica (globalização), a recessão econômica mundial, bem como a saturação dos mercados dos países desenvolvidos têm acirrado a concorrência mundial no setor automobilístico, algo que provavelmente tenha afetado negativamente a indústria brasileira.

Tabela 5 – Resultados do cálculo do CR para o capítulo 87 e as posições 8703, 870600, 8707 e 8708 do SH entre o período de 2000 e 2020

Ano

Posição do SH

87

8703

870600

8707

8708

Indústria automobilística (Geral)

Automóveis leves

Chassis

Carroçarias

Partes e acessórios

2000

0,2011

0,4020

1,5211

2,2013

-0,2759

2001

0,1243

0,3118

1,7144

2,2956

-0,3013

2002

0,3126

0,7936

3,7085

3,4462

-0,4027

2003

0,5067

1,1478

5,4531

3,8616

-0,4268

2004

0,5990

1,3648

4,1298

2,5497

-0,4855

2005

0,5390

1,2087

2,3369

2,4185

-0,5284

2006

0,3898

0,4765

4,4233

2,6259

-0,2645

2007

0,2034

0,1118

3,0782

2,3014

-0,4314

2008

-0,0278

-0,2430

4,1817

3,2074

-0,5272

2009

-0,5257

-0,7159

5,6593

1,8947

-0,6388

2010

-0,5164

-0,8027

3,5781

1,3957

-0,5807

2011

-0,2772

-1,1695

4,7517

1,0278

-0,6228

2012

-0,1150

-1,0683

2,9712

-

-0,7090

2013

0,2529

-0,4887

3,3142

-

-0,9293

2014

-0,7047

-0,8653

3,3937

-

-1,0155

2015

-0,4664

-0,4934

4,1079

-0,3424

-0,9724

2016

-0,1729

0,2477

4,6146

-0,4358

-1,2615

2017

-0,0944

0,5246

4,0725

-0,3507

-1,3827

2018

-0,4536

-0,0349

3,5565

-0,2531

-0,2584

2019

-0,6785

-0,0397

2,8718

-0,2065

-1,5625

2020

-0,6900

0,1499

4,6255

-0,2906

-1,6962

Fonte: Resultados da pesquisa

Por fim, os resultados do CR para a posição 8708 confirmam o que os dados da balança comercial já sugeriam, uma vez que, para este segmento, que engloba amortecedores, suspensões embreagens, tubos de escape, para-choque, freios e etc., não se observou competitividade revelada em todo o período analisado. As informações da Tabela 4 já indicavam que o Brasil tem uma grande dependência do mercado internacional nesta posição, pois importa mais que exporta.

Possivelmente, este resultado tenha alguma influência relevante no resultado do SH 87, pois a necessidade de importação de insumos de produção em um contexto de moeda desvalorizada tende a tornar as vendas dos automóveis, no final da cadeia de valor, mais caras. Isso significa que, dada a redução da competitividade da indústria de peças e acessórios do Brasil, juntamente com a sua balança comercial deficitária e com a gradual desvalorização do Real, produzir automóveis leves no Brasil se tornou cada vez mais oneroso ao longo do tempo. Nesse sentido, Gracia e Paz (2017) alertam que a posição na cadeia de suprimentos é determinante no potencial de exportação de cada indústria nacional.

Diante deste cenário, algumas discussões na literatura auxiliam na compreensão do atual contexto da indústria automobilística brasileira. Sardy e Fetscherin (2009) mostram que a indústria automotiva chinesa é competitiva internamente e que há muitos players aprimorando suas habilidades competitivas à medida que o mercado se expande e é esta lógica que conduziu esta indústria à consolidação. Adicionalmente, segundo Gracia e Paz (2017), países mais bem posicionados na rede regional da União Europeia (UE) aumentaram as suas exportações para fora da UE, especialmente desde a crise de 2008 e, em contrapartida, os países mais subordinados continuaram a ser fortemente dependentes do mercado regional. Portanto, é possível confirmar que o âmbito de uma estratégia de diversificação das exportações para fora do bloco é profundamente influenciado pela posição de uma determinada indústria nacional dentro da rede regional. Ou seja, estes exemplos mostram o quanto a indústria automotiva brasileira segue uma lógica inversa à observada em países onde este setor prospera.

Sakuramoto et al. (2019) destacam que os elevados custos de produção, a baixa produtividade, a cadeia de abastecimento ineficiente, a baixa qualidade dos fornecedores locais e a impraticabilidade do planejamento a longo prazo devido à instabilidade econômica levam a indústria automobilística brasileira a este declínio observado ao longo dos últimos anos. Ao comparar as indústrias da China e Coreia do Sul com a brasileira, os autores acrescentam que existem poucos fornecedores no Brasil capazes de atender as montadoras locais, principalmente porque possuem menor qualificação e competência em relação às asiáticas mencionadas, resultando em menores padrões de qualidade e menor nível de concorrência.

Por fim, diante deste contexto, a sugestão de Narayanan e Vashisht (2008) para a indústria automobilística da Índia se adequa perfeitamente à brasileira, pois, segundo os autores, dado que o custo dos insumos é o principal componente do custo de produção e a sua parcela tem aumentado nos últimos anos, medidas políticas para reduzir os impostos indiretos sobre todos os fatores de produção da indústria automobilística poderiam ser um passo bem-vindo para aumentar a competitividade, dado que os principais concorrentes neste mercado (países desenvolvidos) têm tarifas mais baixas sobre os bens de capital. Assim, Narayanan e Vashisht (2008) salientam que a atuação do governo é essencial para melhorar as atividades de Pesquisa & Desenvolvimento na indústria de automóveis.

5 Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo principal realizar a análise da competitividade do setor automobilístico brasileiro de automóveis leves e suas partes entre os anos de 2000 e 2020. A partir do cálculo do Índice de Competitividade Revelada para estes segmentos, tornou-se possível responder a esta pergunta de pesquisa. Em geral, os resultados indicam que a indústria automobilística brasileira deixou de ser competitiva no comércio internacional a partir do ano de 2008 e, durante o recorte temporal delimitado para este estudo, observou-se uma queda anual média de 5,03% nesta competitividade revelada.

Além disso, os resultados obtidos possibilitaram identificar que há uma grande ligação entre o mercado de partes de automóveis (chassis, carroçarias, peças e acessórios) com o de montadoras de automóveis leves e que estas partes são elementos essenciais para a cadeia de valor dos automóveis. Logo, isto possibilitou inferir que a falta de competitividade revelada da indústria brasileira da maioria destas partes no mercado internacional (a exceção do segmento de chassis) é refletida diretamente na competitividade da indústria como um todo, algo que já era sinalizado nas balanças comerciais deficitárias destes segmentos.

Assim, de um modo geral, embora a indústria automobilística seja de essencial valor para a economia brasileira, é importante pontuar que o país é um importador de automóveis leves e da maioria de suas partes no mercado mundial, uma vez verificada sua desvantagem competitiva revelada em grande porção dos segmentos analisados, principalmente nos anos finais de análise. Dessa forma, pode-se concluir que, no decorrer do tempo, devido às dificuldades do setor para se adequar às exigências, à acirrada concorrência do mercado internacional e à grande necessidade da indústria nacional de importar peças e insumos, a produção do setor tornou-se mais cara e suscetível às variações cambiais.

Entretanto, cabe salientar que o setor automobilístico é uma indústria de grande valor no mercado internacional e o Brasil possui condições e a expertise necessárias para retomar o padrão de competitividade no cenário mundial, tal qual foi realizado nos anos 1990, desde que as políticas públicas direcionadas à modernização desta importante indústria nacional sejam coordenadas nesse sentido. Conforme destaca Porter (1985), os governos têm o papel de criar um ambiente para que as companhias possam alcançar as suas vantagens competitivas.

Por fim, ressalta-se que todos os dados e variáveis analisadas apresentaram redução em seus valores no ano de 2020. Possivelmente, isto seja efeito da Pandemia da Covid-19, que foi deflagrada em março de 2020 no Brasil, e das consequentes condições do mercado. Embora este evento instigue averiguações de seus efeitos na indústria automobilística brasileira, o presente trabalho declina desta intenção, pois fugiria de seu escopo. Mas, sugere-se que novas agendas de pesquisas sejam encorajadas neste sentido, pois a sociedade e o mercado demandarão, por muitos anos, evidências sobre este fenômeno em relação a este segmento historicamente tão importante para a economia brasileira. 

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Contribuição de autoria

1 – Renata Cristina Andrade do Nascimento

Bacharela em Comércio Exterior pela Universidade Federal do Rio Grande

https://orcid.org/0009-0009-9193-5955 • renacriandrade@gmail.com

Contribuição: Curadoria de dados, análise formal, investigação, visualização de dados, escrita – primeira redação.

2 – Rafael Mesquita Pereira

Doutor em Economia Aplicada pela ESALQ (USP). Professor Adjunto do Instituto de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (ICEAC) da Universidade Federal do Rio Grande

https://orcid.org/0000-0002-6080-0208 • rafaelmesquita@furg.br

Contribuição: Contribuição: Conceituação, metodologia, supervisão, escrita – revisão e edição

Como citar este artigo

NASCIMENTO, R. C. A.; PEREIRA, R. M. Competitividade da indústria automobilística do Brasil: uma análise dos veículos leves. Economia e Desenvolvimento, Santa Maria, v. 35, e74485, 2023. DOI 10.5902/1414650974485. Disponível em: https://doi.org/ 10.5902/1414650974485. Acesso em: XX/XX/XXXX.

 



[1] O rendimento crescente de escala acontece quando a quantidade produzida cresce numa proporção maior que a do crescimento dos insumos empregados na produção.

[2] Sigla para Competitiveness Revealed.

[3] A Consolidação das Leis do Trabalho, cuja sigla é CLT, regulamenta as relações trabalhistas, tanto do trabalho urbano quanto do rural.

[4] As estatísticas de teste para o coeficiente de correlação (Pearson) e o coeficiente de correlação (Spearman) têm como fórmula: =correl (coluna+linhas X;coluna+linhas Y). O valor de p é 2 × P (T > t) onde T segue uma distribuição t com n – 2 graus de liberdade.

[5] Tratores (exceto os carros-tratores da posição 87.09).

[6] Veículos automóveis para usos especiais (por exemplo: autosocorro, caminhões-guindastes, veículos de combate a incêndio, caminhões-betoneiras, veículos para varrer, veículos para espalhar, veículos- oficinas, veículos radiológicos), exceto os concebidos principalmente para transporte de pessoas ou de mercadorias.

[7] A crise financeira de 2008, teve início nos Estados Unidos, ocorreu devido a aumento nos valores imobiliários e uma estagnação da renda da população. Essa crise causou um colapso e reduziu a liquidez das bolsas mundiais.

8  Cabe ressaltar que os anos nos quais o CR não é apresentado é devido à falta de algum dos dados necessários para o cálculo do índice.

      9 A produção enxuta (Lean Manufacturing) é um modelo que busca identificar e reduzir os desperdícios na linha de produção. Foi popularizado pelo Sistema Toyota de Produção

[9] A produção enxuta (Lean Manufacturing) é um modelo que busca identificar e reduzir os desperdícios na linha de produção. Foi popularizado pelo Sistema Toyota de Produção.