Universidade Federal de Santa Maria
Econ. e Desenv., Santa Maria, v. 33, e5, 2021
DOI: 10.5902/1414650966620
ISSN 2595-833X
Recebido: 06/07/2021 • Aceito: 17/12/2021 • Publicado: 20/04/2022
Artigos
Bem-estar social em economia: Utilitarismo Benthamita ou Igualitarismo Seniano?
Social Welfare in Economics: Benthamite Utilitarianism or Senian Egalitarianism?
Mayara da Mata MoraesI, Solange Regina MarinIl
I Graduanda em Ciências Econômicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
mayara.m.moraes@grad.ufsc.br - https://orcid.org/0000-0002-7760-8714
Il Doutora em Desenvolvimento Econômico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
solange.marin@ufsc.br - https://orcid.org/0000-0002-1427-2029
RESUMO
O objetivo deste artigo é fazer uma revisão de literatura a respeito de como o utilitarismo clássico de Jeremy Bentham e o igualitarismo de Amartya Sen compreendem o bem-estar. Bentham, com seu princípio da utilidade, foi um dos grandes influenciadores do que hoje se constitui como a economia do bem-estar predominante que entende bem-estar como função de utilidade e concebe o indivíduo com uma razão calculadora inata. Amartya Sen, crítico desse pensamento e seguindo os ensinamentos de Smith sobre motivação humana, apresenta a abordagem das capacitações com o objetivo de discutir bem-estar e de enfrentar problemas como desigualdades, garantia de direitos e pobrezas.
Palavras-chave: Utilitarismo; Igualitarismo; Bem-estar
ABSTRACT
The purpose of this article is to review the literature on how Jeremy Bentham's classic utilitarianism and Amartya Sen's egalitarianism understand well-being. Bentham, with his principle of utility, was one of the great influencers of what today constitutes the predominant welfare economics that comprehends well-being as a utility function and conceives the individual with an innate calculating reason. Amartya Sen, critic of this thought and following Smith’s essays on human motivation, presents the capability approach with the aim of discussing well-being and facing problems such as inequality, guarantee of rights and poverty.
Keywords: Utilitarianism; Egalitarianism; Well-being
1 INTRODUÇÃO
Utilitarismo e Igualitarismo são duas correntes de filosofia moral que estão por trás de muitas das ações dos homens diante de sua maneira de ver e viver a realidade e de entender o bem-estar. Correntes como essas transcendem e florescem em áreas diferentes de sua origem como é o caso das Ciências Econômicas que influenciam, de uma maneira ou de outra, o entendimento dos economistas e dos formuladores de política a respeito de problemas como pobreza e desigualdade.
Jeremy Bentham (1748 – 1832), ao lado de James Mill (1773 – 1836) e de seu filho John Stuart Mill (1806 – 1873), foram os pensadores responsáveis por sistematizar a filosofia utilitarista clássica. Sucintamente, o utilitarismo clássico interpreta o bem-estar coletivo como a soma dos níveis de bem-estar dos indivíduos que constituem a coletividade considerada.
Para Kolm (2000), é importante compreender a sociologia e história do utilitarismo. Primeiro, o utilitarismo se restringe aos filósofos de língua inglesa nos últimos um ou dois séculos e aos economistas acadêmicos das últimas décadas, mas não é uma visão unânime em nenhum dos dois círculos. Segundo, mesmo nesses meios, as pessoas não acreditavam no utilitarismo e se contradiziam como é o caso de Bentham que entendia a adição de prazeres de diferentes pessoas como sem significado. Terceiro, teve destaque na filosofia inglesa por razão política. Kolm (2000, p. 507) argumenta que, no momento em que o Iluminismo no século XVIII substituiu a tradição e o direito divino como base da legitimidade social por uma ética baseada no indivíduo, “ ele o fez seguindo duas linhas “os gêmeos inimigos” da liberdade igual e da soma de felicidade”. As revoluções americana e francesa abraçaram a liberdade de livres e iguais em direitos, ao invés da legitimidade tradicional e divina dos reis. Bentham empunhou o utilitarismo como contra-ataque britânico no campo de batalha ideológica.
Ao comentar a declaração de direitos francesa, Bentham escreve: “direitos naturais são simples bobagens; direitos naturais e imprescritíveis, bobagem retórica – bobagens em perna de pau” (1795; os adjetivos “natural” e “imprescritível” destacam-se no preâmbulo das declarações). Assim, a razão histórica para a soma das utilidades é a oposição à igualdade das liberdades (KOLM, 2000, p. 507).
Bentham (2000 [1789]), ao formular o princípio da utilidade, não constrói somente um princípio de avaliação da felicidade, mas um princípio de avaliação do que é moralmente certo ou errado, um princípio que norteia a conduta humana. Quando uma ação, seja aquela tomada individualmente, seja aquela tomada comunitariamente, tem uma tendência geral para promover a maior quantidade de felicidade ou a maior soma de utilidade entre os agentes envolvidos, essa ação é considerada moralmente certa. Se ao contrário, tal ação resultar em infelicidade, desutilidade ou dor, passa-se a ser considerada como moralmente errada. A felicidade é identificada por Bentham (2000 [1789]) como a existência do prazer e ausência de dor. Para estimar a tendência geral de uma ação, Bentham (2000 [1789]) esboçou um “cálculo de felicidade”, que leva em consideração a intensidade, a duração, a proximidade, a extensão, entre outras variáveis, dos prazeres e das dores.
Para Kolm (2000), o utilitarismo dominou a filosofia política inglesa e mais tarde seduziu muitos economistas acadêmicos por conta das suas utilidades, sua maximização e sua simplicidade, mas sempre encontrou alguma oposição. Muitas contribuições para a ética social e filosofia política do século XX foram reações ao utilitarismo. Por exemplo, John Rawls e Robert Nozick afirmaram que não se deve aplicar o utilitarismo, já que o que importa é a liberdade ou os bens primários e Ronald Dworkin sugeriu, ironicamente, que o utilitarismo seria útil apenas para decidir se o estádio deve ser usado para rúgbi ou futebol. Já Amartya Sen (2001) destaca a necessidade de ir além do utilitarismo e a necessidade de considerar os funcionamentos e capacitações. “Mas todos esses ataques parecem não ter sido mortais e o utilitarismo continua vivo e dominante nos dois círculos acadêmicos” (KOLM, 2000, p. 508).
Autores como os citados anteriormente, Rawls (2000) e Dworkin (1981a, 1981b) na filosofia política, e Sen (1999, 2000, 2010a) na economia, trouxeram a importância do que ficou conhecido como pensamento igualitarista que não tem como ponto de partida a utilidade. Igualdade é uma noção implícita ou explícita nas proposições de quase toda teoria ética existente, assumindo diversas formas conceituais (SEN, 2001; DWORKIN, 2000). A procura ou o objetivo central é a igualdade que pode ser discutida em diferentes formas: igualdade de oportunidades, de bem-estar, de bens primários, de funcionamentos e capacitações.
À guisa de revisão de literatura, o problema a ser tratado é como a filosofia utilitarista benthamita e a filosofia igualitarista seniana entendem o conceito de bem estar social. O objetivo é traçar o caminho da visão benthamita para a seniana, pontuando, além disso, as críticas de Sen quanto à prevalência da abordagem utilitarista na análise de bem-estar social e refletir sobre qual visão melhor ajuda compreender a discussão sobre bem-estar e enfrentar problemas como desigualdade e pobreza[1].
A parte seguinte a essa introdução trata a relação entre utilitarismo e bem-estar social, ou melhor, entre utilidade e bem-estar, a partir da visão de Jeremy Bentham. A seção posterior, a relação será entre igualitarismo e bem-estar a partir da visão de Amartya e a Abordagem das Capacitações com destaque para a influência recebida de Adam Smith sobre motivações humanas. No final, serão levantadas algumas considerações.
2 UTILITARISMO E BEM ESTAR SOCIAL
Utilitarismo é uma das abordagens mais poderosas e persuasivas da Ética Normativa na história da Filosofia e foi sob a sua égide que a Teoria Econômica dominante deu seus primeiros passos. O Utilitarismo a lá Bentham (2000 [1789]), Mill (1861), Sidwick (1874) pretende ser uma doutrina moderna, humanista e altruísta. Fruto do Iluminismo do século XVIII e sob influência do empirismo inglês, abandonou a ideia de direito natural e da metafísica totalizadora, ou seja, inexiste uma autoridade que determine o que é justo para a humanidade, o que conta são os estados de prazer e de sofrimento vividos pelos seres humanos. “Em qualquer decisão a ser tomada, é necessário abandonar nossos interesses, preconceitos morais, concepções metafisicas e crenças religiosas e se preocupar unicamente em alcançar a maior felicidade para o maior número” (ARNSPERGER; VAN PARIJS, 2003, p. 21).
Eggleston (2012, p. 452) define utilitarismo como “an ethical theory according to which the rightness and wrongness of acts depends entirely on facts about the maximization of overall well-being”. Hausman e Mcpherson (2006, p. 99) destacam que “the fundamental thesis of utilitarianism is that one should do whatever maximizes overall welfare”.
Jeremy Bentham foi o primeiro a articular sistematicamente esse pensamento que, em realidade, já existia há muito tempo, como em Platão (428/427 a. C. – 348/347 a. C.), Aristóteles (384 a. C – 322 a.C.), Epicuro (341 a.C. – 270 a. C.), David Hume (1711 – 1776) e Adam Smith (1723 – 1790) que, embora não assumissem explicitamente tal posição, é possível detectar alguns elementos congruentes o suficiente para inscrevê-los na longa lista de precursores dessa doutrina. Bentham é conhecido como utilitarista clássico e, ao lado de J.S. Mill, compartilha do desejo de uma reforma legal e social no sentido de ver leis e práticas sociais inúteis e corruptas transformadas com o propósito de gerar a greatest happiness para o maior número de pessoas envolvidas. Essa seria a grande motivação do surgimento e florescimento do utilitarismo clássico que exigiu para a sua efetiva construção a formulação de uma teoria ética normativa empregada como um instrumento de crítica (DRIVER, 2014; SCHOFIELD, 2006).
O utilitarismo clássico carrega fortes
visões a respeito do que está moralmente
certo ou errado na sociedade. Right e
wrong são palavras constantes nas obras de seus precursores; o ponto de
partida dessa filosofia é descobrir a verdade sobre o que de fato torna uma
ação, para o caso de indivíduos, ou uma política, para o caso de um governo,
moralmente boa ou correta. A partir dessa indagação, Bentham (2000 [1789])
formula os conceitos chave como é o de felicidade e sua relação com bem-estar e
utilidade. De
maneira geral, Bentham (2000 [1789]) entende que o que torna leis ou
políticas ruins é sua falta de utilidade e
sua tendência a levar à infelicidade e à miséria sem qualquer compensação pela felicidade. Se
uma lei ou uma ação não faz nenhum bem, então não é boa moralmente (DRIVER,
2014; SCHOFIELD, 2006).
A filosofia utilitarista é uma forma de consequencialismo no sentido de que a ação correta é somente entendida como tal em termos das consequências produzidas, sem levar em consideração questões como o caráter e a motivação dessa ação[2]. A diferença entre o utilitarismo e o egoísmo vai em direção ao alcance dessas consequências. A identificação de bem com o prazer, como em Epicuro[3], e a necessidade de maximizá-lo, ou seja, acarretar “the greatest amount of good for the greatest number”[4], além da imparcialidade e a neutralidade dos agentes é o que distingue o utilitarismo criado por Bentham (DRIVER, 2014; SCHOFIELD, 2006; EGGLESTON, 2012).
2.1 Bem-estar a partir da utilidade Benthamita
Segundo Kymlicka (2002, p. 10), a essência do utilitarismo afirma que os atos ou as políticas moralmente corretas são aquelas que resultem na maior felicidade dos membros da sociedade. A procura desse parâmetro – felicidade ou bem-estar e, ao fim e ao cabo, utilidade – é algo quase intrínseco a todo ser humano; todos perseguem em suas próprias vidas e/ou na vida daqueles que amam. O que o utilitarismo faz, portanto, é demandar essa busca de forma imparcial a todos os membros da sociedade.
Para Sandel (2015), Bentham, filósofo moral e estudioso das leis, fundou a doutrina utilitarista; sua ideia central é formulada de maneira simples: o mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade, assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor. A coisa certa a fazer é aquela que maximizará a utilidade, que é entendida como qualquer coisa que produza prazer ou felicidade e evite a dor ou o sofrimento. Para chegar a essa formulação, é didaticamente interessante abordar o utilitarismo em duas partes: a primeira é relativa ao bem estar humano ou a utilidade – o que é bem-estar? Ou o que é utilidade? -, e a segunda é relativa à maximização dessa utilidade a partir de pesos iguais à utilidade de cada pessoa – como Bentham mensura a utilidade das pessoas envolvidas na tomada de decisão e nas consequências resultantes (KYMLICKA, 2002)? Na primeira forma, é preciso conceituar o que seria utilidade na visão benthamita.
Bentham, nas obras A Fragment on Government publicada em 1776 e An Introduction to the Principles of Morals and Legislation de 1789 responde essa questão. Segundo Bentham (2000 [1789]), a humanidade é governada por dois mestres soberanos (sovereign masters), a dor e o prazer, que, além de refletirem o certo e o errado, a cadeia de causas e efeitos da tomada de decisões é por eles firmada. Dor e prazer são duas entidades que estão por trás de tudo que fazemos: “They govern us in all we do, in all we say, in all we think: every effort we can make to throw off our subjection, will serve but to demonstrate and confirm it” (BENTHAM, 2000 [1789], p. 14).
Segundo Schofield (2006), a dor e o prazer a que Bentham (2000 [1789]) se refere tem sentido mais preciso na aversão à dor e no desejo de prazer. Essas duas entidades não apenas fornecem os motivos da ação humana – governam os homens em tudo que fazem, dizem e pensam -, mas também constituem o padrão de certo e errado. Ou seja, dor e prazer não somente se configuram como o sustentáculo da psicologia humana, determinando o que os indivíduos realmente faziam, mas também da moralidade, ao apontar o que os indivíduos deveriam fazer.
Schofield (2006, p. 8), ao fazer a análise da Ontologia de Bentham, explica a distinção para o filósofo de entidades reais e ficcionais, teoria esta que antecede o princípio da utilidade. Uma entidade real seria tudo aquilo capaz de ser percebido pelos sentidos – um corpo ou uma substância. Em oposição a estas entidades, Bentham (apud SCHOFIELD, 2006, p. 8) define as entidades ficcionais, porém entende que tais entidades só podem existir porque derivam das primeiras. Por exemplo, uma figura ou um cubo não poderia ser mostrado como existindo na realidade sem ser de certo tamanho, peso e ocupando certo espaço. Essa distinção perpassa grande parte da obra de Bentham (apud SCHOFIELD, 2006). Em A Fragment on Government, essa teoria já estava em forma madura, o que deu brecha para Bentham usá-la na construção do princípio da utilidade (SCHOFIELD, 2006).
Crimmins (2014) observa que os mestres soberanos da humanidade, a dor e o prazer, são como as entidades reais da experiência individual; agem tanto como a causa final da ação individual quanto como a causa e os meios eficientes para a felicidade individual. No que tange ao princípio da utilidade, Schofield (2006, p. 9) assim se refere: “The principle of utility (a fictitious entity) was expounded in terms of its relationship to happiness (again a fictitious entity), which in turn was expounded in terms of its relationship to the real entities of pleasure and pain”. Para Bentham (apud SCHOFIELD, 2006), não havia nada na experiência humana que não se referisse a algum fato físico. Padrão de moralidade, princípio de utilidade, utilidade, felicidade, bem-estar podem fazer referência a entidades fictícias, entretanto, são vistas como proposições sobre a existência, ou provável existência, de prazeres e sofrimentos, que são eles próprios entidades reais (SCHOFIELD, 2006).
Em seguida, Bentham (2000 [1789], p. 14) introduz seu princípio da utilidade ao afirmar que:
By the principle of utility is meant that principle which approves or disapproves of every action whatsoever. According to the tendency it appears to have to augment or diminish the happiness of the party whose interest is in question: or, what is the same thing in other words to promote or to oppose that happiness. I say of every action whatsoever, and therefore not only of every action of a private individual, but of every measure of government.
O princípio da utilidade é aquele que reconhece a submissão da humanidade pela dor e pelo prazer no sentido de aprovar ou desaprovar toda e qualquer ação com tendência a aumentar ou diminuir a felicidade ou a utilidade daquele a quem o interesse está em jogo. Bentham (2000 [1789]) ressalta que por toda e qualquer ação consiste não somente nas ações de um agente privado, mas de qualquer medida do governo. Essa sujeição à dor e ao prazer foi reconhecida pelo princípio da utilidade, e foi com base nessa sujeição que Bentham (2000 [1789]) criaria o tecido da felicidade – “rear the fabric of felicity”.
By utility is meant that property in any object, whereby it tends to produce benefit, advantage, pleasure, good, or happiness, (all this in the present case comes to the same thing) or (what comes again to the same thing) to prevent the happening of mischief, pain, evil, or unhappiness to the party whose interest is considered: if that party be the community in general, then the happiness of the community: if a particular individual, then the happiness of that individual (BENTHAM, 2000 [1789], p. 14-15).
Felicidade – bem-estar - consiste na prevalência do prazer e na ausência de dor, percepção hedonista. Bentham (2000 [1789], p. 83) afirma que o “[…] pleasure is in itself a good: nay, even setting aside immunity from pain, the only good: pain is in itself an evil; and, indeed, without exception, the only evil”. Prazer se liga a aquilo que se chama de bom – “which is properly the cause or instrument of pleasure” -, ou lucro – “which is distant pleasure, or the cause or instrument of, distant pleasure” -, ou conveniência, vantagem, benefício, emolumento, felicidade e assim por diante. Já a dor pode ser chamada de má – evil - ou dano, ou inconveniência, ou desvantagem, ou perda, ou infelicidade e assim por diante (BENTHAM, 2000 [1789], p. 33).
Todos os motivos e ações consistem na antecipação da dor e do prazer; não são os prazeres desfrutados atualmente ou as dores sofridas atualmente que fornecem o motivo, a causa para a ação, apesar de a experiência passada influenciar as expectativas de uma pessoa no futuro, mas sim a crença na persuasão de que o resultado imaginado de uma ação acontecerá (CRIMMINS, 2014).
Se não fosse pela existência das percepções de dor e prazer, a existência humana seria desprovida de qualquer valor. A utilidade, como expressada na citação acima, é entendida a partir das consequências produzidas por ela: benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade. É ainda possível conceituá-la a partir do seu contrário: utilidade é aquilo que impede o surgimento de dano, dor, maldade ou infelicidade a quem o interesse é considerado, seja um indivíduo particular, seja a comunidade (SCHOFIELD, 2006; BENTHAM, 2000 [1789]).
O valor do prazer ou da dor em si mesmos será tanto maior ou menor de acordo com as seguintes circunstâncias: intensidade, duração, certeza ou incerteza e proximidade. Quando o objetivo é mensurar o valor do prazer em termos de uma tendência de uma ação, Bentham (2000 [1789], p. 31) acrescenta duas outras circunstâncias: fecundidade (fecundity) que é definida como “the chance it has of being followed by sensations of the same kind”, ou seja, a probabilidade do prazer, se a primeira ação resultar em prazer ou a probabilidade de dor, se a primeira ação resultar em dor; e pureza (purity) é entendida como “the chance it has of not being followed by sensations of the opposite kind”, assim, dor, se for prazer ou prazer, se for dor.
Nesse processo para estimar a tendência geral de qualquer ato ou evento pelo qual os interesses de uma comunidade são afetados, Bentham (2000 [1789]) o separa em seis passos logicamente concatenados. O começo do felicific calculus[5] inicia por uma das pessoas cujo interesse está em jogo ou que pareça que será mais imediatamente abalada pelo ato. O primeiro passo começa com a apreciação do valor de cada prazer distinto que aparece como produzido pelo ato em primeira instância; em seguida, ocorre a apreciação do valor de cada dor distinta que se manifesta como produzida pelo ato também em primeira instância. O terceiro passo do balanço mede o valor de cada prazer produzido pelo ato em segunda instância, ou seja, a fecundidade do primeiro prazer; seguido do quarto passo, a apreciação do valor de cada dor que emerge como resultado do ato após a primeira dor, isto é, a fecundidade da primeira dor. Na quinta etapa, devem-se somar todos os valores resultantes de todos os prazeres e todos os valores de todas as dores (BENTHAM, 2000 [1789]; DIAS, 2012).
Feito isso, será possível averiguar se a tendência do ato foi boa ou má. Boa será se o balanço for favorável ao prazer, e má se for favorável a dor. Isso, novamente, em relação a uma só pessoa. No último passo, Bentham (2000 [1789], p. 32-33) esclarece:
Take an account of the number of persons whose interests appear to be concerned; and repeat the above process with respect to each. Sum up the numbers expressive of the degrees of good tendency, which the act has, with respect to each individual, in regard to whom the tendency of it is good upon the whole: do this again with respect to each individual, in regard to whom the tendency of it is good upon the whole: do this again with respect to each individual, in regard to whom the tendency of it is bad upon the whole. Take the balance; which, if on the side of pleasure, will give the general good tendency of the act, with respect to the total number or community of individuals concerned; if on the side of pain, the general evil tendency, with respect to the same community.
Depois de feito o balanço de uma pessoa individual, é preciso fazer uma avaliação do número de outras pessoas cujos interesses estão, de alguma maneira, envolvidos nos atos ou eventos, e fazer o mesmo processo, do passo um ao cinco, para cada uma delas. Posteriormente, mensura-se pela soma o número de tendências boas e más no que diz respeito a cada pessoa, o que representa, no final, a tendência geral do ato. A forma instrumental de medir a utilidade é por meio da contagem de utilidade[6] que é condensada em um único índice de forma que seja possível receber um valor numérico ou até mesmo monetário para que se possa ser regulado por lei. É a função utilidade (BENTHAM, 2000 [1789]; DIAS, 2012).
Tal métrica é compatível com o princípio utilitarista, uma vez que esse princípio procura assimilar a conduta humana e, portanto, a moralidade. Isso significa que a moralidade no sistema ético de Bentham é reduzida ao princípio da utilidade. A melhor ação, como dito, será aquela que tende a produzir a maior soma de prazer sobre a dor para os afetados, porém dor e prazer são entidades reais que só são consideradas como tais porque afetam existências reais. Nas palavras de Bentham (2000 [1789], p. 15): “An action then may be said to be conformable to then principle of utility, or, for shortness sake, to utility […] when the tendency it has to augment the happiness of the community is greater than any it has to diminish it”.
Com base nesse cálculo, o objetivo do legislador é privilegiar a maior felicidade da comunidade por meio da formulação de políticas e leis que maximizem a felicidade de cada indivíduo que pertence a essa comunidade. Esse objetivo é “the sole standard, in conformity to which each individual ought, as far as depends upon the legislator, to be made to fashion his behavior” (BENTHAM, 2000 [1789], p. 27). Conforme Nakai (2012), Bentham assumiu o hedonismo egoísta (a maximização da própria felicidade) como o princípio ético para o indivíduo, mas o hedonismo universal (a maximização da felicidade geral) para a legislação.
Para Kerstenetzky (1999, p. 15), o utilitarismo considera que “os arranjos sociais devem ser avaliados em virtude de sua capacidade de promover a maximização da utilidade social”. Esse critério instrumental para a realização da greatest happiness pode ser interpretado por duas versões: a prática e a normativa. A diferença entre essas duas visões, de acordo com Kerstenetzky (1999, p. 15-16), é a de que na vertente prática “cada ato individual na sociedade deve ser julgado em termos de seus efeitos sobre a utilidade social”, na perspectiva normativa “cada ato individual deve ser julgado em termos de determinadas regras morais aplicáveis em seu domínio, e só através destas por seus efeitos sobre a utilidade social”.
Como já dito, para Bentham (2000 [1789]), a felicidade e, em consequência o bem-estar, é identificada como presença de prazer e ausência de dor. O valor (ou desvalorização) de um prazer (ou dor) depende de sua intensidade, duração, proximidade e certeza, e pode, pelo menos em princípio, ser quantificado com precisão. O princípio da utilidade surge por meio de uma série de relações intermediárias: a relação “between the principle of utility and utility; between utility and happiness; between happiness on the one hand and pleasure and pain on the other; and finally between pleasure and pain on the one hand and good and evil on the other” (SCHOFIELD, 2006, 33). Uma ação moralmente correta seria aquela que produziria prazer, e uma ação moralmente errada que produziria dor.
O princípio utilitarista pode ser reconstruído da seguinte forma: o bem de uma sociedade é a soma da felicidade dos indivíduos nessa sociedade; o propósito da moralidade é a promoção do bem da sociedade; um princípio moral é ideal se e somente se a conformidade universal a ele maximizasse o bem da sociedade; a conformidade universal ao princípio da utilidade, no sentido de agir de modo a maximizar o equilíbrio total de prazeres e dores, maximizaria o bem da sociedade. O bem-estar na visão utilitarista clássica é sinônimo de utilidade[7] (BENTHAM, 2000 [1789]; SCHOFIELD, 2006; WIMLYCKA, 2002; KERSTENETZKY, 1999; CRIMMINS, 2014; DIAS, 2012).
É extremamente relevante ressaltar outro ponto: como se caracteriza a pessoa benthamita a qual possui existência na materialidade, ou seja, é uma entidade real, e é, ao fim e ao cabo, aquela que toma as decisões de política e que sente na pele tais decisões? Segundo Dias (2012, p. 489), esse indivíduo busca o prazer e foge da dor, uma condição de sua própria natureza; além disso, é a entidade fundamental para a análise de política, já que representa uma entidade real. É também caracterizado como possuindo uma razão calculadora (WARKE, 2000, p. 3 apud DIAS, 2012, p. 489) e a capacidade de prever as consequências (SINGER, 1977, p. 67 apud DIAS, 2012, p. 489).
3 IGUALITARISMO E BEM-ESTAR SOCIAL
Segundo Putterman, Roemer e Silvestre (1998), os acontecimentos a nível mundial das décadas de 1980 e 1990 levaram muitos observadores, sejam amadores ou profissionais, a concluírem que os experimentos igualitaristas estavam ao fim e não passavam de empreendimentos fracassados. Podem-se citar como alguns desses eventos o fracasso das economias do Leste Europeu e da União Soviética em promoverem um padrão de vida para seus cidadãos comparável com o padrão de vida das economias capitalistas, o colapso da Social Democracia Sueca e o fim da expansão e até mesmo a contração do Estado de Bem-Estar Social do Oeste Europeu e dos Estados Unidos da América. Apesar disso, há ainda muito que se discutir a respeito dessa corrente e de suas proposições, seja no campo da filosofia, seja no campo da economia.
Igualitarismo é instantaneamente associado à palavra igualdade. Hausman e Mcpherson (2006, p. 175) destacam que as desigualdades possuem importância moral e não é fácil conceituar o que está errado com a desigualdade nela mesma. Ao mesmo tempo, alguns autores, entre os quais Sen, têm argumentado que o conceito de igualdade está no coração das teorias morais. Hausman e Mcpherson (2006) ressaltam que para Sen todas as teorias morais prescrevem que as pessoas sejam tratadas igualmente em algum respeito. Por exemplo, o utilitarismo demanda que o bem estar de todos seja considerado igualmente.
Segundo Kymlicka (2002, p. 4), “the abstract idea of equality can be interpreted in various ways, without necessarily favouring equality in any particular area, be it income, wealth, opportunities, or liberties”. Tanto que Sen (2001) inicia a obra se questionando: Igualdade de quê?
De acordo com Roemer (1996, p. 148), é possível diferenciar o igualitarismo em duas matrizes: os radicais e os liberais. A distinção entre ambas está “by the differing degrees to which they hold people responsible for their own well-being”. Ao passo que a teoria mais liberal demanda igualdade de oportunidades, a teoria mais radical exige igualdade de bem-estar, supondo que sejam possíveis comparações de bem-estar interpessoal de forma tal que a igualdade faça sentido. Entre esses dois polos extremos, Roemer (1996) destaca pensadores como Sen que encara a igualdade a partir de capacitações básicas.
Para Brown (1988), é possível distinguir várias aplicações do igualitarismo às distribuições de renda e riqueza, segundo exigências de igualdade de tratamento, de oportunidade ou de consideração. Subjacente a isso está o julgamento do que seria moralmente correto nas relações humanas: transações e disposições que são, em algum sentido, iguais e/ou justas. Trata-se, assim como o utilitarismo, de um sistema moral de avaliação das ações humanas.
Cohen (1989) entende que o igualitarismo tem o propósito de eliminar qualquer desvantagem involuntária em que aquele que sofre não tem culpa ou não pode ser responsabilizado pelo infortúnio, já que a sua situação não reflete apropriadamente as suas escolhas passadas, presentes e futuras. É na direção da igualdade por oportunidades que Cohen (1989, p. 916) se encaminha: “Equality of opportunity for welfare eliminates involuntary welfare deficiencies, and welfare deficiencies are forms of disadvantage”. Em consequência, igualitarismo visa à superação das desigualdades nas oportunidades de bem-estar das pessoas, bem-estar este que deve ser compreendido como um conceito mais amplo como equal opportunity for advantage.
3.1 Motivações humanas em Amartya Sen e Adam Smith
A dominância da noção de auto interesse e da ética utilitarista iniciada em Bentham na teoria neoclássica e, especialmente, na sua formulação de bem-estar são pontos de debate que ajudam a compreender não somente como essa teoria interpretou alguns autores clássicos, mas fornecem uma ponte para entender as rupturas que Sen propõe tanto nas suas críticas a ética utilitarista e ao afunilamento das motivações humanas em direção a uma motivação auto interessada como na sua formulação da Abordagem das Capacitações (AC), duas discussões que serão abordadas nas próximas seções.
A interpretação clássica da obra de Smith, especialmente a concepção de que, por meio dos mecanismos de mercado, as pessoas alcançariam os melhores resultados possíveis em termos de bem-estar quando seguissem os seus interesses pessoais, é canonicamente vinculada a Smith em A Riqueza das Nações de 1776. Essa concepção, consumida especialmente pela teoria neoclássica e utilitarista, se tornou um modo específico de conceber as Ciências Econômicas e uma afirmação eloquente do laissez-faire (CERQUEIRA, 2005). Cerqueira (2005) ressalta que há muito de caricatural nessa representação de Smith e da sua obra, uma vez que acaba por deixar de lado as dimensões política e ética específicas de sua época em privilégio das análises puramente econômicas. Importante ressaltar que A Riqueza das Nações ampliou, e não iniciou, a reputação de pensador de Smith, já que ele vinha sendo reconhecido desde, pelos menos, a época da publicação de Teoria dos Sentimentos Morais em 1759.
Seja porque Smith não se preocupou em divulgar suas ideias, seja porque a exposição da sua concepção teórica, especialmente em A Riqueza das Nações, esteve aliada com longas digressões sobre a história de diferentes sociedades, as principais ideias de Smith não se popularizaram e nem foram citadas como argumento para os embates políticos de sua época, mesmo Smith gozando de uma posição importante do pensamento da época. Apenas depois de sua morte, suas ideias começaram e se manifestar, principalmente quando dos debates acalorados da Revolução Francesa (CERQUEIRA, 2005).
A partir do século XIX, passou-se a consolidar uma apropriação seletiva das ideias de Smith, muito do que foi usado como ponto de partida para a constituição da Economia Política Clássica na primeira metade desse século. A obra de Smith passou paulatinamente nas décadas seguintes a ser encarada como uma relíquia do passado, sem mais relevância e capacidade de propor soluções aos novos problemas (CERQUEIRA, 2005).
O consenso de que a incorporação do laissez-faire era resultado dos princípios básicos da Economia Política e que qualquer tipo de controvérsia desse pensamento estaria reduzido “a aspectos secundários da doutrina e que haveria pouco a ser acrescentado aos princípios enunciados por Smith e ampliados e desenvolvidos por Ricardo e seus seguidores” passou a dominar na segunda metade do século XIX (CERQUEIRA, 2005, p. 185). Adversários não faltaram desse consenso, principalmente naqueles pensadores que compunham uma nova geração de economistas (Cliffe Leslie e Stanley Jevons), que rejeitaram a atualidade do pensamento de Smith ao encarar suas ideias apenas como o passado da disciplina. Com o surgimento do paradigma neoclássico e sua posterior hegemonia, houve um novo silenciamento do pensamento de Smith e, a partir do contexto dramático da crise de 1929, a “visão estereotipada de Smith como um defensor intransigente da não ingerência do Estado na condução dos negócios” foi ainda mais consumida e divulgada (CERQUEIRA, 2005, p. 186).
Entretanto, uma revisão do pensamento smithianino estava por chegar. Segundo Cerqueira (2005), as comemorações do aniversário de A Riqueza das Nações em 1976 representaram o início de uma inflexão da interpretação do pensamento smithiano, inflexão esta impulsionada por uma série de trabalhos que propunham uma nova interpretação da obra de Smith e a conexão com os argumentos apresentados na Teoria dos Sentimentos Morais. Cerqueira (2005) também enfatiza que essa inflexão só foi possível, pois, ao longo do século XX, foram sendo criadas condições para tal com a descoberta de novos textos de Smith que até então eram desconhecidos.
A atribuição à Smith da concepção de que as pessoas se orientam somente pela busca do auto interesse e de que as escolhas baseadas nesse auto interesse tendem a gerar resultados mais eficientes tanto em termos técnicos quanto em termos de bem-estar é bastante discutida por Sen (1999, 2010b), que se alia a essa nova onda de pensadores que buscam repensar a obra smithiana e a defender sua pluralidade de motivos e ações humanas. Conforme Sen (1999, 2010b), um dos equívocos da tradicional interpretação de Smith foi relacionar prudência e auto interesse. A prudência – de inspiração estóica - para Smith é mais abrangente e complexa do que a noção contemporânea de maximização do auto interesse; combina a razão humana, que habilita as pessoas a discernirem as consequências de suas ações, e o autodomínio (self-command), que não tem relação com auto interesse (self-interest) nem com amor próprio (self-love). Um homem prudente seria movido pelo equilíbrio das diferentes áreas de sua vida e não se preocuparia necessariamente em ser espetacularmente rico, no que tange ao aspecto econômico de sua vida. O que poderia ser relacionado com mais precisão ao conceito de auto interesse é a noção de Smith de amor-próprio (self-love) (SEN, 1999, 2010b; CERQUEIRA, 2005; WALSH, 2000).
Analisando suas inspirações filosóficas, nota-se que Smith, assim como David Hume, pertencia ao círculo dos filósofos “Sentimentalistas”, grupo que compreendia que a marca essencial do homem são as sensações ou sentimentos, e não a razão. Como frutos da inter-relação entre os indivíduos em sociedade, esses sentimentos e emoções teriam guiado e desenvolvido o processo social antes mesmo da razão, que passou só bem mais tarde a ser guiado racionalmente (MARIN; QUINTANA; SANTOS, 2015).
Sen (2010b) defende que Smith não considerou o mecanismo de mercado como um provedor de excelência nem que a motivação do lucro como tudo aquilo que é necessário. A importância de outras motivações que não a busca do ganho individual, indo além mesmo da prudência, é marcante em Smith. Smith pontuava que o ser humano não se guia invariavelmente apenas pelo ganho próprio ou mesmo pela prudência; há boas razões éticas e práticas para encorajar outras motivações que não somente o egoísmo. Smith via a prudência como uma virtude que mais auxilia o indivíduo, ao passo que a humanidade, justiça, generosidade e espírito público são as virtudes mais úteis aos outros (SEN, 2010b; WALSH, 2000).
Sen (1999) nota que, além da prudência, a simpatia foi outra qualidade que se perdeu na interpretação de Smith ao longo do tempo. Marin, Quintana e Santos (2015) argumentam que a ética de Smith é guiada pela simpatia no sentido de compartilhar afetos, emoções ou sentimentos, sendo o senso de conveniência o responsável por orientar a análise dos motivos das ações e condutas. O senso de conveniência age especialmente contra o excesso de amor de si ou o egoísmo psicológico e permite o instrumento do espectador imparcial, o juiz interno das pessoas, a entrar em ação. O espectador imparcial, presente na consciência de cada um, avaliaria todas as condutas humanas de acordo com a conduta da própria pessoa e das circunstâncias que envolvem outras pessoas de forma a ser possível compatibilizar as paixões de um com os outros. Na ética de Smith, um “ato é moralmente um bem ou um mal dependendo mais do sentimento que o motivou do que do efeito por ele produzido”, ou seja, “depende mais da conveniência percebida no compartilhar emoções, do que do mérito ou demérito das ações e condutas” (MARIN; QUINTANA; SANTOS, 2015, p. 200).
Ao seguir o princípio da utilidade, uma pessoa deixa de consumir algo no presente na crença de que o consumo desse objeto trará maior prazer no futuro. Nessa perspectiva, há um culto ao objeto remoto. Já na ética de Smith, a consideração utilitária ao objeto deixa de existir, uma vez que o ato de se abster do prazer presente é uma representação da ação do autodomínio, que ordena as ações segundo o senso de conveniência (MARIN; QUINTANA; SANTOS, 2015, p. 200).
Em resumo, Smith não alicerçava a salvação da economia em uma única motivação. Smith criticou os filósofos, tal como Epicuro, que tentaram reduzir tudo a uma só virtude. Smith não atribuiu um papel geralmente superior à busca do auto interesse em nenhuma de suas obras. A defesa do comportamento auto interessado aparece em contextos específicos, particularmente relacionados a barreiras burocráticas da época e a outras restrições a transações econômicas que dificultavam o comércio e atrapalhavam a produção (SEN, 1999). A pluralidade de motivações é um tópico central na teoria seniana, uma vez que Sen promove uma retomada dessa pluralidade motivacional, possível de ser observado na sua concepção da AC. Como será discutido posteriormente, nem sempre é possível conciliar todas as ações referentes ao comportamento humano com a maximização do interesse próprio; as pessoas buscam uma variedade de objetivos na vida e são motivadas por diferentes razões que vão além de circunstâncias que atendem imediatamente a seu auto interesse e ao seu próprio bem-estar (SEN, 1999; DAVIS, 2003).
Para Sandel (2015), a filosofia de Bentham sofre de duas objeções. A primeira é que ele não consegue respeitar os direitos individuais; indivíduos têm importância apenas enquanto suas preferências forem consideradas em conjunto com os demais. A segunda é que o utilitarismo se põe como uma ciência da moralidade baseada na quantificação, agregação e cálculo geral da felicidade, ou seja, as preferências são pesadas (todas com mesmo peso) sem serem avaliadas. O não julgamento das preferências, Sandel (2015) afirma ser a origem de grande parte de seu atrativo; a promessa de tornar a escolha moral uma ciência esclarece grande parte do raciocínio econômico contemporâneo. Os valores para serem agregados precisam ser pesados em uma única balança, como se tivessem a mesma natureza, e a visão de Bentham sobre a utilidade oferece essa medida comum.
Sen (1999) argumenta que questões econômicas não são apenas questões de praticidade e eficiência, mas também de moralidade e justiça. Ética e Economia são duas áreas que, apesar de se encontrarem juntas em seu estado embrionário, foram, ao longo do tempo, sendo cada vez mais separadas, o que acarretou sérios danos a como a Economia teoriza sobre os problemas que lhe dizem respeito e, em consequência, a como isso é aplicado. Ainda segundo Sen (1999), a economia normativa ou economia do bem-estar, que trabalha com as formulações de política econômica e com julgamentos normativos baseados em abordagens éticas, tem sido extremamente influenciada pelo pós-utilitarismo ou welfarismo que se apoiam no auto interesse, muito em conta da tradicional interpretação dada à obra de Smith, como discutido na seção anterior, e na ética utilitarista iniciada com Bentham.
Inicialmente, “o critério tradicional da economia do bem-estar era o critério utilitarista simples, julgando o êxito segundo a magnitude da soma total de utilidade criada” (SEN, 1999, p. 46). Contudo, com as proposições do economista britânico Lionel Robbins (1898 – 1984), essa abordagem tornou-se mais restritiva, uma vez que Robbins separa as teorias positivas (aquelas que podem ser consideradas científicas) das teorias normativas (predominantemente situadas na economia política) com o objetivo de evitar equívocos no que tange aos juízos de valor na economia. É, portanto, fora do plano científico (positivista) que Robbins se refere às preposições normativas ou éticas, já que entende ser impossível a associação desses dois campos na economia. Somente um deles deve reinar (RAMOS, 1993 apud RANCEVAS, 2008, p. 31; SEN, 1999, p.18, p. 46). Sen (1999, p. 47) acredita que “seja um reflexo do modo como a ética tende a ser vista pelos economistas o fato de afirmações suspeitas de ser ‘sem sentido’ ou ‘nonsense’ serem prontamente tachadas de ‘éticas’”.
A economia do bem-estar ficou reclusa em um arcabouço teórico extremamente limitado “com a otimalidade de Pareto como o único critério de julgamento e o comportamento auto-interessado como a única base da escolha econômica” (SEN, 1999, p. 49-50). Além disso, a teoria do equilíbrio geral[8], ao tratar da produção e da troca, viabilizou o entendimento de questões técnicas e, assim como outras teorias abstratas, é possível compreender com mais clareza a interdependência social, que, por sua vez, possibilita a clareza em diversos problemas da economia, mesmo os mais prosaicos. A distância entre o lado ético da economia fez com que o lado engenheiro se sobressaísse e o substituísse, uma vez “que os fins [na vertente engenheira da economia] são dados muito diretamente, e o objetivo do exercício é encontrar os meios apropriados de atingi-los” (SEN, 1999, p. 20). À vista disso, nessa abordagem o “comportamento humano [...] baseia-se tipicamente em motivos simples e facilmente caracterizáveis” (SEN, 1999, p. 20).
No que se refere ao ótimo de Pareto (SEN, 1999; STIGLITZ, 1999), um estado social só o alcançará se for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra e, uma vez alcançado esse equilíbrio, não haverá incentivos a mudanças. É um fenômeno puramente de eficiência econômica, que trata a maneira ótima de usar os recursos. Para Sen (1999), é falacioso aceitar que é somente por meio da utilidade e da sua contagem que é possível medir o êxito das pessoas e da sociedade, afinal a otimalidade de Pareto não alcança aspectos como as preposições distributivas. É o caso da famosa solução de canto do teorema: “Um estado pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos” (SEN, 1999, p. 48).
Nessa perspectiva restritiva de economia do bem-estar, alicerçada no ótimo de Pareto, tem-se o “Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar” que relaciona, basicamente, os resultados do equilíbrio de mercado em concorrência perfeita com a otimalidade de Pareto. Essa relação se apresenta de duas formas: 1) “[...] em determinadas condições[9], [...] cada equilíbrio perfeitamente competitivo é um ótimo de Pareto” e 2) “[...] cada estado social ótimo de Pareto é também um equilíbrio perfeitamente competitivo em relação a um lado conjunto de preços e a uma dada dotação inicial de recursos” (SEN, 1999, p. 50).
Sen (1999) enfatiza que existem dificuldades práticas das políticas e ações públicas de definir e compatibilizar as informações necessárias para, no final, ser possível a distribuição de recursos e a escolha entre os estados ótimos de Pareto. Outro ponto de discussão é a não validade do ótimo de Pareto para considerações mais complexas como liberdade, direitos, escolhas e outras questões pertinentes ao comportamento real humano e ao seu bem-estar.
Segundo Sen (1999, p. 55), o princípio moral do utilitarismo pode ser separado em três diferentes formas elementares: welfarismo, ranking pela soma e consequencialismo. No primeiro, Sen (1999, p. 55) define como “requerendo que a bondade de um estado de coisas seja função apenas das informações sobre utilidade relativas a esse estado”. Eggleston (2012, p. 452) destaca o welfarismo como a visão de que “the goodness and badness of consequences, or states of affairs, depends entirely on facts about well-being, or welfare” que é, muitas vezes, caracterizado em termos de felicidade. O welfarismo restringe os juízos sobre os estados de coisas a uma função utilidade derivada neste estado, isto é, o conjunto de diversas informações sobre diferentes indivíduos em um estado se reduz a diferentes parcelas de utilidade com a totalidade de informações relevantes sendo dadas por um vetor dessas diferentes utilidades (SEN; WILLIAMS, 1982).
O ranking pela soma demanda “que as informações sobre utilidade relativas a qualquer estado sejam avaliadas considerando apenas o somatório de todas as utilidades desse estado” (SEN, 1999, p. 55). É preciso que as utilidades dos diferentes indivíduos sejam somadas em conjunto. O consequencialismo é definido por Sen (1999, p. 55) como “requerendo que toda escolha — de ações, instituições, motivações, regras etc. — seja em última análise determinada pela bondade dos estados de coisas decorrentes”.
Hausman e Mcpherson (2006) o conceituam como a doutrina que afirma que as coisas devem ser julgadas moralmente tanto por seu valor intrínseco quanto pelo valor de suas consequências, tal como foi discutido em Bentham. Para um consequencialista, é necessário, primeiro, decidir o que é intrinsecamente valioso para, depois, tomar uma ação, política ou instituição como sendo moralmente correta, que só o será se os seus resultados ou as suas consequências não são piores no conjunto do que os resultados de qualquer alternativa isolada (HAUSMAN; MCPHERSON, 2006).
Sen (1999) critica a posição no que tange as questões éticas do utilitarismo e do welfarismo; essas perspectivas reduzem o escopo teórico da economia do bem-estar.
[...] pode-se argumentar que a utilidade, na melhor das hipóteses, é um reflexo do bem-estar [well-being] de uma pessoa, mas o êxito da pessoa não pode ser julgado exclusivamente em termos de seu bem-estar (mesmo se o êxito social for julgado inteiramente segundo os êxitos individuais componentes) (SEN, 1999, p. 56-57).
A abordagem welfarista e a ética utilitarista se referem ao bem-estar obtido das conquistas baseadas no auto-interesse de certa pessoa e, portanto, negam a condição de agente do indivíduo que tem condições de estabelecer valores, objetivos e motivações não necessariamente relacionados ao seu exclusivo bem-estar[10]. A condição de agente entende uma pessoa como capaz de agir e ocasionar mudanças, e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores, motivações e objetivos, independentemente de serem avaliadas conforme algum critério de avaliação externo (SEN, 1999, 2001; APARICIO, 2000 apud RANCEVAS, 2008). Sen (1999) observa que a avaliação utilitarista perde algo relevante ao não permitir a entrada da concepção de agente e a sua distinção do aspecto do bem-estar.
Outro foco de crítica de Sen (1999, 2001) está na intrínseca relação entre o princípio utilitarista e a satisfação de desejos, principalmente os de consumo. Essa forma de captar esse princípio foi derivada de acepções mais modernas. Em Bentham (2000 [1789]), o princípio utilitarista se dá na associação da busca da felicidade por meio da maximização do prazer e minimização da dor, ou seja, na contagem de utilidade de cada pessoa cujos interesses estão em jogo na tomada de decisões e na soma final, o que resulta nas tendências do ato moralmente certo ou errado. Isso pode levar a distorções do grau de privação das pessoas, assim como, promover comparações interpessoais errôneas a propósito do bem-estar. Sen (1999, p. 61- 62) observa:
O mendigo desesperançado, o trabalhador agrícola sem-terra, a dona de casa submissa, o desempregado calejado [...] podem, todos, sentir prazer com pequeninos deleites e conseguir suprimir o sofrimento intenso diante da necessidade de continuar a sobreviver, mas seria eticamente um grande erro atribuir um valor correspondentemente pequeno à perda de bem-estar dessas pessoas em razão de sua estratégia de sobrevivência.
E continua:
O mesmo problema surge com a outra interpretação de utilidade, ou seja, a da satisfação de desejos, pois as pessoas desesperadamente carentes não têm coragem de aspirar a muita coisa, e suas privações são abafadas e anestesiadas na escala da satisfação de desejos (SEN, 1999, p. 62).
A caracterização do bem-estar pautada na concepção da satisfação dos desejos ou na métrica da felicidade torna a teoria normativa restritiva, dado que, mesmo sendo suficiente ou bastante convincente em certo contexto, é insuficiente na mensuração de situações mais complexas, como definir o grau de bem-estar e as privações. Ou como nas palavras de Sen (1999, p. 63): “Na medida em que estamos preocupados com as realizações da pessoa, ao fazer o juízo ético, a realização de utilidade pode muito bem ser parcial, inadequada e desorientadora”.
3.3 Bem-estar a partir das capacitações
Sen (2017) argumenta que o espaço basal para as avaliações normativas das propostas de, por exemplo Nosick e Ralws, apesar de terem avançado frente ao utilitarismo, são restritas quando focam unicamente na liberdade e nos bens primários, porque deixam escapar alguns fatores importantes quando da consideração de bem-estar.
A visão de Sen (1999, 2001, 2010a) de bem-estar entra em congruência com a sua perspectiva das capacitações. Essa abordagem, desenvolvida ao lado da filósofa Martha Nussbaum (2011), rompe com a concepção tradicional de bem-estar. Não mais contar utilidades ou ordenar preferências, mas sim entender o processo como construção de funcionamentos e capacitações humanas.
Os funcionamentos correspondem a “estados” e “ações”, no sentido de se referirem às atividades relacionadas ao fazer ou ao funcionar de uma pessoa. Inúmeros são os funcionamentos que podem ser considerados: capacidade de ler, escrever, estar bem nutrido e livre de doenças, ser feliz e ter respeito próprio. As capacitações representam um conjunto de vetores de funcionamentos, ou melhor, inúmeras combinações de funcionamentos, que refletem o poder da pessoa de escolher um tipo de vida e conseguir levar a cabo essa escolha. As capacitações são únicas para cada pessoa[11], pois dependem de fatores como as características pessoais, combinações sociais e contexto histórico (SEN, 2001, p. 79-80).
Como argumentou Sen (2001, p. 90-91), a relação entre capacitações e bem-estar se encontra em: (1) enquanto que os funcionamentos realizados fazem parte do próprio bem-estar, as capacitações para realizar tais funcionamentos se enquadram na liberdade da pessoa ou nas oportunidades de fato para se ter tal bem-estar e (2) essa relação está intimamente ligada em “fazer o próprio bem-estar realizado depender da capacitação para realizar funcionamentos”; certas capacitações que estão intrinsecamente relacionadas ao bem-estar podem ampliar o escopo de oportunidades de um indivíduo.
Juntamente com a discussão sobre o espaço basal para as avaliações morais e éticas, Sen (1999, p. 27) argumenta que a teoria econômica contemporânea e dominante aceita que o comportamento humano real é derivado tão somente do comportamento racional. No entanto, o comportamento humano real é cheio de dúvidas, erros, omissões, equívocos, que não se enquadram efetivamente em um comportamento racional em sua totalidade. É “possível uma concepção de racionalidade admitir padrões de comportamento alternativos” (SEN, 1999, p. 31) e que, apesar da racionalidade e do comportamento humano real serem complementares, são muito diferentes. Essas duas formas possuem limitações: na primeira, os teóricos tradicionais enfatizam um aspecto restritivo da consistência interna que, para Sen, tem um caráter variado; na segunda, enfatiza a relação entre uma total irracionalidade com aquilo que não se relaciona ao auto-interesse ou ainda relega à racionalidade todas as motivações humanas (SEN, 1999).
Sen (1977) critica a interpretação utilitarista da racionalidade humana e do comportamento humano pontuando sua limitação de compatibilizar, exclusivamente, racionalidade e interesse próprio. Desse ponto de vista, os indivíduos só seriam considerados racionais quando agissem segundo seus próprios interesses. Em contraposição, Sen (1977) argumenta que as escolhas reais podem não refletir a lógica maximizadora associada à teoria da escolha racional, uma vez que a “choice may reflect a compromise among a variety of considerations of which personal welfare may be just one” (SEN, 1977, p. 324). É imprescindível considerar que existe uma parcela do comportamento humano que não faz sentido se pensarmos na racionalidade como maximização do interesse próprio. Ação coletiva e sacrifício religioso são alguns desses exemplos. Sen (1977) defende uma teoria da racionalidade que adentre nesses meandros da atividade humana não-egoísta propondo que o comportamento econômico deveria ser estendido de forma a abranger motivos definidos por ele como compromisso ou comprometimento e simpatia[12].
Sen (2000, p. 81) enuncia três limitações da abordagem utilitarista: 1) “Indiferença distributiva”, ou seja, a teoria utilitarista está interessada na soma total da utilidade (medida em felicidade ou prazer, para a linha mais clássica do utilitarismo), não na possível distribuição desigual da felicidade; 2) “Descaso com os direitos, liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade”, isto é, abordagem utilitarista ignora a importância da reivindicação de direitos e da liberdade e, quando o aborda, faz somente na proporção que beneficia a utilidade; e 3) “Adaptação e condicionamento mental” que, como essa concepção se enquadra no jogo da satisfação de desejos, principalmente desejos de consumo, isso pode levar a distorções do grau de privação das pessoas, assim como promover comparações interpessoais errôneas a propósito do bem-estar. (SEN, 1999, p. 61-62; SEN, 2000, p. 77-82).
No que se refere aos direitos, Sen (2017, p. 422) destaca que Bentham (em seus pronunciamentos morais baseados no utilitarismo) não tardou muito, em seu Anarchical Fallacies, escrito em 1791-2, a propor o abandono completo das alegações da declaração de independência americana que considerou “evidente” que todos são “dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis” e da declaração francesa (1789) de “direitos humanos” que asseverou que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. Sen (2017, p. 422) destaca que Bentham (1792) afirmou que “direitos naturais são idiotices cabais: direitos inatos e imprescritíveis uma tolice retórica, besteiras com muletas” e conclui que “essa dicotomia continua muito viva hoje, e apesar do uso persistente da ideia de direitos humanos, em situações mundiais momentosas, muita gente vê a ideia de direitos humanos como “berrar no papel” — para usar outra das frases jocosas de Bentham” (SEN, 2017, p. 422)[13].
A perspectiva seniana para a compreensão do bem-estar no espaço nos funcionamentos e capacitações vai além do indivíduo racional e calculista e permite considerar os direitos individuais e não apenas entender indivíduos como o locus em que prazer e dor ocorrem e o bem-estar como sendo a agregação das preferências individuais. A questão dos direitos, destacada também por Kolm (2000) e Sandel (2015), se torna cada vez mais importante no debate de questões pertinentes ao estudo da economia do bem-estar e requer análises mais abrangentes ética e moralmente como é o caso da contribuição seniana em oposição à dominância benthamita na economia de bem-estar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As percepções de bem-estar social utilitarista benthamita e igualitarista seniana são diferentes não somente em questões econômicas, mas, fundamentalmente, em questões éticas e morais. O sistema moral e ético a que cada uma se destina é diverso. Por um lado, Bentham (2000 [1789]) identifica a felicidade e, por conseguinte, o bem-estar, como presença de prazer em detrimento da dor. Dor e prazer são duas entidades ontológicas reais que afetam materialmente entidades também reais, as pessoas. Tais pessoas são naturalmente propensas à busca do prazer e a rejeição da dor e são sobre elas que se baseiam as análises pertinentes a se uma ação, individual ou governamental, é moralmente boa ou moralmente má. Ao invés de assegurar os direitos, Bentham enfatiza a utilidade como a bússola exclusiva na busca do bem-estar.
A averiguação dessa tendência é baseada em um cálculo, um somatório da computação dos valores das ações que resultem em prazer e em dor, levando em conta o número de pessoas que são atingidas por tais ações. Se a tendência ou o equilíbrio se direcionar para o prazer, a ação é considerada moralmente boa; caso contrário, é moralmente má. O bem-estar de uma sociedade é a soma da felicidade dos indivíduos nessa sociedade e o princípio utilitarista é sistema moral em que essa sociedade é baseada (BENTHAM, 2000 [1789]; SCHOFIELD, 2006; KERSTENETZKY, 1999; CRIMMINS, 2014; DIAS, 2012).
Sen (1999, 2001, 2010a) critica essa concepção reducionista de bem-estar devido ao seu tratamento quanto às necessidades, os direitos humanos e especialmente o comportamento humano que foi entendido de forma restrita a partir de uma interpretação errônea de Smith. Além disso, a incorporação dessa ética na economia de forma ilimitada transformou a economia do bem-estar, pelo menos a dominante, em autômato da otimalidade de Pareto; uma visão que realça a eficiência econômica e o lado engenheiro da economia, mas que deixa de lado questões centrais como é a discussão dos direitos humanos no enfrentamento de problemas que a sociedade atual deve encarar, como é o caso de compreender a igualdade de quê. Importante também é o entendimento da motivação da ação do agente e não tão somente o resultado dessa ação em utilidade que permite o cálculo de bem-estar e de balizador moral na sociedade.
A relevância de compreender o bem-estar a partir do espaço basal dos funcionamentos e capacitações, que considera questões relacionadas a como um ser humano vive de forma digna, preenche as lacunas éticas e morais da economia ao tratar de temas como diferentes desigualdades e a garantia de direitos humanos na sociedade. Ao refletir sobre essas duas visões opostas de bem-estar, utilitarismo benthamita e igualitarismo seniano, a segunda apresenta mais possibilidades de compreender e propor soluções para problemas de desigualdades e pobrezas. A proposta seniana almeja trilhar um caminho ciente da complexa realidade humana, em que pessoas, para além de simples formulações matemáticas e sujeitas ao bem-estar da coletividade, são entendidas a partir de suas reais condições de vida, formalmente teorizadas pelos funcionamentos e capacitações. Ao mesmo tempo em que a proposta seniana identifica as possíveis carências de uma pessoa que limitam seu bem-estar geral, em termos de funcionamentos, ela também esclarece como ampliar o escopo de oportunidades dessa pessoa, em termos de capacitações.
REFERÊNCIAS
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1 – Mayara da Mata Moraes
Contribuição: Conceituação, Escrita – primeira redação
2 – Solange Regina Marin
Contribuição: Escrita – revisão e edição
[1] Nesse caminho se destaca, especialmente, a influência dos ensinamentos de Adam Smith sobre as diferentes motivações humanas. Em A ideia de Justiça, Sen (2011, p. 303) argumenta que os economistas são vistos como desmancha-prazeres que querem sufocar a natural alegria dos seres humanos e sua simpatia recíproca em uma espécie de mistura de fórmulas da disciplina econômica. Além disso, o livro trata de duas vertentes éticas do iluminismo moderno – institucionalismo transcendental (Hobbes, Ralws, Rousseau e Kant) e comparação focada em realizações (Adam Smith, Marquês de Condorcet, Jeremy Bentham, Mary Wollstonecarft, Karl Marx, John Stuart Mill). Sen (2011, p. 37) compartilha com a visão desses últimos, não com as dos primeiros, no que se refere a adotar uma variedade de abordagens comparativas endereçadas às realizações sociais (resultantes de instituições reais, comportamentos reais e outras influências).
[2] Para Hausman e Mcpherson (2006, p. 99), consequentialismo “is the doctrine that one should judge things morally by their intrinsic value and the value of their consequences. It specifies a particular structure for ethics. In a consequentialist framework one must first decide what is intrinsically valuable. Questions of intrinsic value are not necessarily the most important moral questions, but they must be answered first because everything else depends on their answers”.
[3] Na avaliação epicurista, o prazer é compreendido pela ausência de toda e qualquer dor e inquietude. É um estado possível de ser atingido quando a razão for capaz de mitigar as fontes de agitação e perturbação da alma. Nesse sentido, a prudência é vista como uma das mais importantes virtudes, pois é ela a responsável por uma razão sã, capaz de refletir e avaliar os prazeres tendo em vista a felicidade (CORDEIRO, 2017; VALIM; BORDIN, 2007). Nas palavras de Epicuro (2006, p. 42): “Prazer para nós significa: não ter dores no âmbito físico, e não sentir falta de serenidade no âmbito da alma. Pois uma vida cheia de ventura não é formada por uma sequência infinita de bebedeiras e banquetes, pelo gozo de belos mancebos ou de lindas mulheres, nem tampouco pelo saborear de deliciosos peixes ou de tudo aquilo que uma mesa cheia de guloseimas possa oferecer; mas, pelo contrário, somente pelo pensamento claro, que alcança a raiz de todos os desejos e de tudo o que se deve evitar e que afugenta a ilusão que abala a alma como se fora um tufão”.
[4] Segundo Burns (2005), essa sentença, ou, pelo menos, a ideia central dela pode ser encontrada em autores predecessores a Bentham. A começar com o filósofo irlândes Francis Hutcheson (1694 – 1749) em sua Inquiry concerning Moral Good and Evil de 1725; com John Priestley (1733 – 1804), teologista e político teórico inglês, na obra Essay on the First Principles of Government de 1768; e Cesare Beccaria (1738 – 1794), criminologista, jurista, filósofo e político italiano, em On Crimes and Punishments de 1764.
[5] Mitchell (1918) afirma que o que distingue Bentham de outros utilitaristas e o que o tornou líder de uma escola foi seu esforço em introduzir o método exato em todas as discussões de utilidade: “He sought to make legislation, economics, ethics into genuine sciences. His contemporaries were content to talk about utility at large; Bentham insisted upon measuring particular utilities – or rather, the net pleasures on which utilities rests. Bentham hoped to become ‘the Newton of the Moral World’” (MITCHELL, 1918, p. 163-164).
[6] Para Sandel (2015), John Stuart Mill, que nasceu uma geração após da de Bentham, tentou salvar o utilitarismo reformulando-o como uma doutrina mais humana e menos calculista. Mill, como dito, não é objeto deste estudo. Porém, é importante ressaltar um ponto da sua visão. Ao mesmo passo que J. S. Mill se aproxima em alguns pontos do Utilitarismo a lá Bentham e J. Mill, ele se distancia em outros pontos. J.S. Mill rejeita a concepção de felicidade humana de Bentham no sentido de distinguir entre diferentes qualidades de prazer, não apenas quantidades diferentes como seu predecessor fizera. Nas palavras de J.S. Mill (1906, p. 9-12): “The creed which accepts, as the foundation of morals, Utility, or the Greatest-Happiness Principle, holds that actions are right in proportion as they tend to promote happiness, wrong as they tend to produce the reverse of happiness. By happiness is intended pleasure, and the absence of pain; by unhappiness, pain, and the privation of pleasure […] It is quite compatible with the principle of utility to recognize the fact, that some kinds of pleasure are more desirable and more valuable than other. It would be absurd that while, in estimating all other things, quality is considered as well as quantity […] If I am asked, what I mean by difference of quality in pleasures, or what makes one pleasure more valuable than another, merely as a pleasure, except its being greater in amount, there is but one possible answer. Of two pleasures, if there be one to which all or almost all who have experience of both give a decided preference, irrespective of any feeling of moral obligation to prefer it, that is the more desirable pleasure. If one of the two is, by those who are competently acquainted with both, placed so far above the other that they prefer it, even though knowing it to be attended with a greater amount of discontent, and would not resign it for any quantity of the other pleasure which their nature is capable of, we are justified in ascribing to the preferred enjoyment a superiority in quality, so far outweighing quantity as to render it, in comparison, of small account”.
Segundo Dias (2012, p. 490), a natureza humana do indivíduo milliano é mais complexa do que a de Bentham e isso faz com que J.S. Mill derive um princípio de utilidade mais complexo que, por sua vez, leva à formulação de uma moralidade mais complexa. Mattos (1997) argumenta que, apesar da teoria de J. S. Mill ter um fundo hedonista, ou seja, próxima do pensamento de Bentham e de J. Mill, J. S. Mill ainda assim não pode ser considerado um hedonista radical, haja vista a consideração de diferentes motivações que não eram o foco da atenção para os primeiros autores. Ao passo que para Bentham o ser humano é guiado pela dor e pelo prazer, elementos estes encravados no caráter humano e que sempre determinariam as ações humanas, J. S. Mill defende a possibilidade das pessoas agirem de forma independente da busca do prazer e do alívio da dor. Conforme Mattos (1997, p. 81), surge a necessidade de diferenciar duas motivações segundo o pensamento de J. S. Mill: desejo (desire) e vontade (will). O primeiro possui uma natureza passiva, enquanto o segundo uma natureza ativa. O desejo é uma motivação que age sobre o ser humano de modo a impeli-lo a agir. Já a ação pela vontade passa pela deliberação humana sendo possível que um desejo seja impedido de se transformar em ação. Há ainda outros pontos no pensamento de J.S. Mill que o tornam sui generis tal como explanado por Mattos (1997).
[7] Sen (1991) comenta sobre a história do termo utilidade e sua relação com os utilitaristas.
[8] Ver, dentre outros, Varian (2016), Stiglitz (1999), e Samuelson e Nordhaus (2010).
[9] Segundo Varian (2016), se os contratos forem completos, isto é, se pressupõe-se concorrência perfeita e racionalidade do agente consumidor, os recursos são alocados de modo eficiente, ou, em outras palavras, todo equilíbrio competitivo é eficiente no sentido de Pareto. É em uma situação de ótimo de Pareto que não há a possibilidade de melhorar a situação de um agente sem piorar a de outro agente.
[10] Nesse ponto, é interessante destacar a afirmação de Sandel (2015) sobre a visão de Kant de que o respeito à dignidade humana exige as pessoas sejam tratadas como fins em si mesma; seria errôneo usar algumas pessoas em prol do bem-estar geral, como enfatiza o utilitarismo.
[11] Martha Nussbaum (2011, p. 32-34) elaborou uma lista de dez capacitações básicas, levando em conta a pluralidade de áreas que perpassam a vida humana. A questão que norteou sua escolha foi: “What does a life worthy of human dignity require?”, ou seja, o quê uma política deve assegurar para todos os cidadãos de modo que faça com que as pessoas sejam capazes de perseguir uma vida minimamente digna e próspera? As dez capacitações centrais são: 1) vida, 2) saúde corporal, 3) integridade física, 4) sensações, imaginação e pensamento, 5) emoções, 6) racionalidade prática, 7) afiliação, 8) relação com seres de outras espécies, 9) lúdico e 10) controle sobre o ambiente (político e material).
[12] Sen (1977, p. 327) define simpatia quando “a person’s sense of well-being is psycologically dependent on someone else’s welfare”, ou seja, o aumento de bem-estar de uma pessoa reflete positivamente no bem-estar da outra pessoa. Já comprometimento ou compromisso “relates choice to anticipated levels of welfare” no sentido de que “a person choosing an act that he believes will yield a lower level of personal welfare to him than an alternative that is also available to him” (SEN, 1977, p. 327). Para exemplificar a diferença entre esses dois motivos, Sen (1977, p. 326) dá o seguinte exemplo: “If the knowledge of torture of others makes you sick, it is a case of sympathy; if it does not make you feel personally worse off, but you think it is wrong and you are ready to do something to stop it, it is a case of commitment”.