A acessibilidade na comunicação do património em multiformato

Accessibility in multiformat heritage communication

Accesibilidad en la comunicación multiformato del patrimonio

 

Henrique Manuel Pires Teixeira Gil

Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco, Portugal.

hteixeiragil@ipcb.pt

 

Célia Maria Adão de Oliveira Aguiar de Sousa

Instituto Politécnico de Leiria, Leiria, Portugal.

celia.sousa@ipleiria.pt

 

Recebido em 01 de outubro de 2025

Aprovado em 19 de dezembro de 2025

Publicado em 29 de dezembro de 2025

 

RESUMO

Este trabalho propõe uma reflexão acerca de como o património pode ser comunicado para todos dentro e fora do espaço físico do museu, tendo como princípio a equidade, de forma a sensibilizar para a diversidade humana, através da comunicação para todos. Para tal, fundamenta-se nos conceitos de Desenho Universal, equidade e diferentes formatos de comunicação, relacionando-os com a nova definição de Museus pelo Conselho Internacional de Museus. Os resultados que ora se apresentam evidenciam que a comunicação multiformato auxilia na comunicação do património, podendo ser utilizado de muitas formas, consoante ao objetivo que se pretende atingir. Observa-se a sensibilização de todos para a aprendizagem acerca da diversidade humana, bem como do entendimento do conceito de “para todos”. Mais se acrescenta que o Museu da Seda é o único equipamento patrimonial do munícipio de Castelo Branco e que se pretende seja o percursor de uma iniciativa mais global. Pretende-se que esta iniciativa seja replicada em todos os equipamentos e estruturas patrimoniais de todo o município de Castelo Branco.

Palavras-chave: Acessibilidade; Comunicação multiformato; Património.

 

ABSTRACT

This research proposes a reflection on how heritage can be communicated to everyone inside and outside the physical space of the museum, taking equity as a principle, in order to raise awareness of human diversity through communication for all. To this end, it is based on the concepts of Universal Design, equity and different communication formats, relating them to the new definition of Museums by the International Council of Museums. The results show that multi-format communication helps to communicate heritage and can be used in many ways, depending on the objective. We can see that everyone is being sensitised to learning about human diversity, as well as understanding the concept of ‘for everyone’. Furthermore, the Silk Museum is the only heritage centre in the municipality of Castelo Branco and is intended to be the forerunner of a more global initiative. It is intended that this initiative will be replicated in all heritage facilities and structures throughout the municipality of Castelo Branco.

Keywords: Accessibility; Multiformat Communication; Heritage.

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RESUMEN

Este estudio propone una reflexión sobre cómo se puede comunicar el patrimonio a todas las personas dentro y fuera del espacio físico del museo, tomando como principio la equidad, con el fin de sensibilizar sobre la diversidad humana a través de una comunicación para todos. Para ello, se basa en los conceptos de Diseño Universal, equidad y diferentes formatos de comunicación, relacionándolos con la nueva definición de Museos del Consejo Internacional de Museos. Los resultados muestran que la comunicación multiformato ayuda a comunicar el patrimonio y puede utilizarse de muchas maneras, dependiendo del objetivo. Se observa que todos han sido sensibilizados para aprender sobre la diversidad humana, así como para comprender el concepto de «para todos». Además, el Museo de la Seda es el único centro patrimonial del municipio de Castelo Branco y pretende ser el precursor de una iniciativa más global. Se pretende que esta iniciativa se reproduzca en todas las instalaciones y estructuras patrimoniales del municipio de Castelo Branco.

Palabras clave: Accesibilidad; Comunicación Multiformato; Patrimonio.

 

A importância da comunicação

A comunicação como instrumento de poder determina quem pode ter acesso, excluindo as pessoas comuns dos ambientes culturais, outrora pensados para manutenção da burguesia como detentora do saber.  Historicamente, o poder utiliza-se da comunicação, promove as diferenças de classes e determina quem tem direito à vida plena, ao usufruto dos bens e serviços disponíveis à humanidade.

A comunicação é um processo de interação no qual partilhamos mensagens, ideias, sentimentos e emoções, podendo influenciar o comportamento das pessoas que, por sua vez, reagirão a partir das suas crenças, valores, história de vida e cultura.

De um modo geral, podemos entender comunicação como uma “espécie” de troca (verbal ou não) entre um interlocutor que produz um enunciado destinado a outro interlocutor, de quem ele solicita a escuta e/ou uma resposta implícita ou explícita.

Sendo assim, podemos também dizer que a comunicação é um processo com o objetivo de influenciar os outros, tal como defendia Aristóteles, ao sustentar que o objetivo principal da comunicação é a persuasão, isto é, a tentativa de o orador fazer com que as outras pessoas tenham o mesmo ponto de vista que o seu. Desta forma, apenas é considerada a comunicação como um poder, uma arma do falante para garantir o consenso de ideias. Mas a comunicação pode, igualmente, ser vista como um fator de desenvolvimento individual, por traduzir a experiência do indivíduo também enquanto ser social e sociável em interação constante com os outros comunicadores.

A nível antropológico, a comunicação é um instrumento de formação da cultura do sujeito e da cultura do seu semelhante. É pela comunicação que o homem dá a conhecer a sua cultura e conhece a cultura do outro.

Uma das mais importantes necessidades do ser humano é o seu relacionamento com os outros. Para expressão das suas necessidades, da sua vontade, para troca de pontos de vista, para um aumento do conhecimento mútuo, para fazer amigos, para a sua realização profissional, a comunicação é fator essencial.

O ato de comunicar faz parte da natureza humana e conforme Manzini e Deliberato (2006) não se constitui apenas na fala, é muito mais abrangente, visto que há recursos verbais e não verbais que se complementam nas interações e que integram todo o corpo, a maioria das pessoas recorre a diferentes tipos de linguagens e símbolos para comunicar.

Segundo Tetzchner & Martinsen (2000:16), os estudos apontam que 10% da humanidade apresenta um qualquer tipo de incapacidade. Desse grupo, cerca de 0,5% é afetada por incapacidades ao nível comunicativo. Muitas pessoas não são capazes de comunicar através da fala, o que nos leva necessariamente à questão: - Como é que alguém que não fala pode comunicar? Daí, a quase obrigação de nos esforçarmos por, empregando todos os meios ao nosso alcance, proporcionarmos àqueles de entre nós, com problemas de comunicação, as condições para se poderem expressar e fazer compreender pelos que os rodeiam.

        Discorrendo sobre os papéis simples e, muitas vezes humilhantes, destinados às pessoas com deficiência, Silva (1987), cita as tabernas, bordéis e circos romanos, onde a naturalização da submissão justifica-se pela mesma forma de poder que permeia e perpetua o assistencialismo, a discriminação, a privação e a marginalidade, potencializada entre as pessoas mais pobres e miseráveis.

        A assistência e a qualidade do tratamento dado não só para pessoas com deficiência como para população em geral tiveram um substancial avanço ao longo do século XX, em todo o mundo. Nos períodos entre guerras as ações de reabilitação e assistência para veteranos de guerra, dado o elevado contingente de amputados, cegos e outras deficiências físicas e mentais. O tema ganha relevância e políticas públicas são promovidas nos países, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).

A comunicação e pessoas com deficiência

        Com o passar dos séculos, as pessoas com deficiência começam a ficar socialmente integradas, participando da vida educacional, laboral e cultural sem estarem restritas ao espaço familiar, em hospitais ou nas instituições especializadas. Reflexo este, oriundo da luta dos movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência e que incide nas legislações, nas políticas públicas e reverbera de forma exponencial nas atividades socioculturais. Neste sentido surge o mote para o desenvolvimento de diferentes projetos na área da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) em diferentes contextos culturais.

Ambientes culturais como os museus portugueses e brasileiros, considerados “Museus para todos” são referências internacionais de lazer e formação histórico-cultural.

O conceito de Desenho Universal e as dimensões de acessibilidade Arquitetônica, Programática, Metodológica, Instrumental, Comunicacional e Atitudinal descritas por Sassaki (2009) norteiam os projetos de museus como o Museu de Concelhia da Batalha e o Museu de Leiria, em Portugal, a Pinacoteca de São Paulo, o Museu do Futebol e o MAM (SP), no Brasil.

Em Portugal, uma das grandes referências na área de Tecnologia de Apoio e Comunicação Aumentativa encontra-se na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, o Centro de Recursos para a Inclusão Digital- CRID®, desenvolve atividades que visam habilitar pessoas com deficiência e/ou necessidades especificas na área de desenvolvimento de competências informáticas básicas. Como também, avalia e aconselha sobre o tipo de estratégias, ajudas técnicas ou equipamentos mais adequados para cada pessoa. Este trabalho é realizado também na (in)formação dos pais, dos profissionais da área de educação, saúde, social e patronal, nacional e internacionalmente.

O CRID® fomenta a investigação, concepção ou adaptação de tecnologias de apoio unindo as diversas áreas do conhecimento integrantes da ESECS / IPLEIRIA em parceria com o Mestrado de Educação Especial (MEE) e de outras instituições de ensino superior das quais salientamos a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Os resultados do trabalho vêm promovendo a cidadania, o direito ao usufruto dos espaços culturais por parte da população com deficiência. Para esses espaços veem sendo produzidos materiais em Braille, relevo e pictogramas.

Em Portugal,os cidadãos com deficiência, idosos, com mobilidade reduzida e cidadãos que integram a base da pirâmide social, fazem parte da grande parcela da sociedade com baixos níveis de literacia informática que segundo Sousa (2016, para.2), não se enquadram nos padrões formatados e estandardizados da formação regular”.  A autora refere, ainda, que:

é preciso estar ciente de que a construção de uma Sociedade da Informação para todos, terá obrigatoriamente que envolver todos os cidadãos, incluindo aqueles que, ao longo dos tempos, têm sido objeto de persistente marginalização, como é o caso das pessoas com deficiência. (Sousa, 2016, para. 4).

No entanto, ainda existem barreiras atitudinais e comunicacionais recorrentes em relação ao cumprimento da legislação vigente nos países e escassez dos recursos elencados acima. Suscitando a necessidade de um novo caminho a ser trilhado por especialistas, que conhecem a importância da elaboração e implementação de projetos de acessibilidade cultural, porém, esbarram no desconhecimento de gestores públicos e privados, provedores dos recursos financeiros e administrativos.

Vivemos atualmente numa Sociedade em constante adaptação, mutação e evolução, onde a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), em particular o uso da Internet, é cada vez mais evidente. Em Portugal tem-se constatado que ainda existe um grande número de cidadãos com baixo nível de literacia informática, em especial oriundos de grupos desfavorecidos ou de baixos rendimentos, idosos e pessoas com deficiência que não se enquadram nos padrões formatados e estandardizados.

Numa época caracterizada pela crescente digitalização da informação e pela ligação dos serviços em rede (sobretudo através da Internet), é fundamental criar condições para que todos, sem exceção, possam acessar a essa mesma informação.

Os especialistas desempenham papéis primordiais na fundamentação e execução dos projetos de acessibilidade, necessitando utilizar a comunicação também como estratégia de mediação entre as necessidades técnicas e humanas para acessibilidade e o desconhecimento das pessoas responsáveis pela gestão ou financiamento do que é proposto.

Contudo, a ação estruturante inicia-se pela mediação de especialistas junto à gestão, pois, dependendo do perfil de quem ocupa o cargo, a interlocução pode fluir ou não. Negreiros (2017) discorre sobre a importância da capacidade profissional da gestão em discernir sobre a necessidade de planejamento, gestão e execução das ações, com visão holística para diversidade humana, compreendendo seu papel de gestão responsável pela promoção da inclusão para todas as pessoas.

A autora ressalta ainda que, na contemporaneidade, os ambientes culturais apresentam-se com novas características e metodologias, possibilitando o acesso ao patrimônio cultural e à informação a todas as pessoas, referenciando que a mudança de olhar e o fazer inclusivo são oriundos do “(re)conhecimento da pluralidade das formas humanas” e o entendimento antropológico de que a nossa relação com o espaço é cultural, vem dando um novo sentido ao papel dos ambiente culturais para sociedade.

 

A acessibilidade cultutal: O caso do CRID®

Neste âmbito, vamos apresentar o modo como o Centro de Recursos para a Inclusão Digital (CRID®), tem vindo ser o motor de desenvolvimento da acessibilidade cultural em Portugal, nomeadamente ao nível cultural e tendo por base a transferência de conhecimento para a sociedade.

Sendo o acesso à cultura um direito de todos os cidadãos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência refere no seu art.º 30 que os estados signatários devem assegurar o acesso das pessoas com deficiência na participação cultural, recreativa, lazer e desporto, o que nos transporta para a questão: será que todos podem fruir da cultura?

Após a análise dos diferentes tipos de barreiras, constatamos que as barreiras intelectuais, são o principal obstáculo no acesso às diferentes ofertas culturais por pessoas que: têm baixa literacia, não possuem conhecimento técnico e/ou científico especializado, têm deficiências ou limitações sensoriais como, cegos, surdos, com déficit de atenção, com deficiência intelectual e no espectro de autismo, ou cuja primeira língua não é o português.

Tendo por base a CAA que resulta da utilização coordenada da escrita simples com um sistema de símbolos, segundo Manzinie e Deliberato (2006) e Chun (2009), a CAA constitui-se como uma área de caráter multidisciplinar, envolvendo profissionais de diferentes campos de conhecimento, que viabilizam um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos direcionados às formas de comunicar.

No contexto cultural, a CAA complementa-se através da utilização da escrita simples, uma vez que pressupõe a escrita ou reescrita do texto expositivo ou informativo de modo claro e da escrita pictográfica.

A escrita simples consiste na reescrita do texto, mantendo o rigor do original, mas simplificando o vocabulário e a sintaxe (EKARV, 1994; 1999), para Martins (2014), consiste em utilizar palavras simples, entendidas pela maioria das pessoas, partindo de conceitos familiares, respeitando o conhecimento que a maioria tem dos diferentes contextos.

A escrita pictográfica tem por base a utilização de símbolos pictográficos ou imagens, para representar objetos, ações, conceitos e emoções, podendo incluir desenhos, fotografias, objetos, expressões faciais, gestos, símbolos auditivos (palavras faladas), ou ortográficos (símbolos baseados no alfabeto). Nesse contexto o CRID®, desenvolveu um conjunto de projetos que tem como objetivo a participação de todos na sociedade em que se encontram inseridos.

O projeto “Museu da Seda para Todos”  tem como principal objetivo contribuir para uma acessibilidade plena de todos os cidadãos, colocando assim  o referido museu na vanguarda da inclusão, abordando a comunicação acessível através de vários olhares e em vários contextos.

Foi desenvolvido em escrita simples e linguagem pictográfica: todo o conteúdo da exposição através de livros e folhetos do acervo do museu , permitindo o acesso à informação por públicos diferentes.

 

Caraterização do Museu da Seda: intervenções para a acessibilidade

O Museu da Seda encontra-se sob a tutela  da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) de Castelo Branco, o Museu da Seda foi criado para dar a conhecer ao grande público a história da produção de Seda em Portugal, o ciclo de vida do Bicho da Seda.

O Museu é constituído por diferentes salas. Na sala um,dá-se a conhecer informações sobre a seda, a visita inicia-se com a apresentação da Rota da Seda, a sericicultura no território, ainda antes da formação da nacionalidade, a sericicultura na Beira Interior e por fim, com uma análise cronológica, e a atividade sericícola na APPACDM.

A sala dois – Sala dos Audiovisuais – é o espaço destinado à projeção de um pequeno filme sobre a produção da seda, as restantes salas denominam-se: Do Bicho ao Fio; Do Fio ao Tecido e do Tecido ao Produto Final. Nestes espaços pode compreender-se o processo de produção da seda, conhecer alguns instrumentos utilizados no método tradicional de  obter a seda e apreciar alguns objetos de seda. A Figura 1 apresenta o logotipo do Museu da Seda:

Figura 1 -  Logotipo do Museu da Seda.

Fonte:   Museu da Seda

O Museu da Seda já teve uma intervenção para o tornar mais acessível e mais inclusivo. Neste momento, o Museu da Seda tem um percurso pedotátil que permite uma visita mais acessível a pessoas cegas e com baixa visão (Figura 2).

 

 

 

Figura 2 - Exemplo de um percurso pedotátil.

Fonte: Museu da Seda 

Para este público, em cada sala e em cada expositor informativo/painel informativo foi incluída em braile uma informação resumida num suporte de acrílico que se pode observar na Figura 3. Em relação a este suporte em acrílico, é pertinente referir que o mesmo foi validado por cegos pertencentes à Delegação de Castelo Branco da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal.

 

 

 

Figura 3 - Informação resumida das salas e conteúdos do Musdeu da Seda.

Fonte:   Museu da Seda

 

A Figura 4 realça, com mais detlhe o acrílico com a informação em braile:

 

 

 

 

Figura 4 - Destaque da informação em braile no suporte em acrílico.

 

Fonte:   Museu da Seda

 

Também foi criada, em acrílico, a informação relativa ao horário de funcionamento (Figura 6).

 

Figura 6 - Horário de funcionamento com informação em braile

Fonte:   Museu da Seda

 

Como alguns cegos têm um cão-guia, o Museu da Seda disponibilizou um espaço de conforto para que o cão-guia possa permanecer enquanto o seu tutor faz a visita ao museu (Figura 7).

Figura 7 -  Espaço reservado para o cão-guia.

Fonte:   Museu da Seda

 

Como forma de complementar a informação em braile, o Museu da Seda possui também Audioguias em 4 idiomas (português, inglês, francês e espanhol), que tem como principal objetivo conferir mais autonomia ao visitante (Figura 8). No caso dos cegos, esta informação é complementar à informação em braile já referenciada.

 

 

 

Figura 8 - Audioguias multiligues.

 

Fonte:   Museu da Seda

 

Ainda para os cidadãos cegos e com baixa visão, o Museu da Seda possui ‘apontador’ laser, conhecido como ‘ORCAM’ que faz a leitura audio da informação dos diferentes painéis informativos (Figura 9). Basta apontar para uma porção de texto escrito, o qual é convertido em áudio pelo ORCAM. Este dispositivo também é considerado importante para os visitantes com baixa literacia relativamente à capacidade de leitura.

 

Figura 9 - ORCAM (Conversor de texto escrito em áudio).

Fonte:   Museu da Seda

Na sala dos audiovisuais, é projetado um vídeo que faz um resumo da produção da seda e que, para além da imagem e aúdio, está incluída a imagem de uma intérprete de língua gestual portuguesa. Deste modo, os visitantes surdos podem acompanhar toda a informação disponibilizada neste vídeo (Figura 10).

Figura 10 - Exemplo de um frame de vídeo com inclusão da língua gestual portuguesa.

Fonte:   Museu da Seda

Como se pode inferir, apesar de todos os esforços implementados, para tornar o Museu da Seda mais acessível, falta incluir um recurso que amplie e melhore a comunicação.

 

Desenvolvimento do projeto: comunicação multiformato com pictogramas

Como já referido anteriormente, a comunicação aumentativa e alternativa, através do uso de pictogramas consitui um recurso que incrementa a acessibilidade e a inclusão. Pelo que se decidiu avançar com este projeto a fim de se poder dar uma resposta mais global para todos os visitantes que possuam deficiências que comprometem a comunicação (ex: cegos e surdos) e também para visitantes com baixa literacia académica e para visitantes estrangeiros que não dominam a língua portuguesa.

O primeiro passo do projeto, teve como base uma visita ao museu da seda e uma conversa técnica com o responsável do museu.

Posteriormente foram selecionados os textos da exposição, os quais foram adaptados para escrita simples seguindo o modelo (EKARV, 1994; 1999), que tem como linhas orientadoras a simplificação do vocabulário e a respetiva sintaxe. A escrita simples, também conhecida como leitura fácil, utiliza frases curtas, vocabulário familiar e uma organização clara das ideias. O objetivo é facilitar a compreensão de pessoas com dificuldades cognitivas ou em processo de alfabetização emergente.

Alguns princípios fundamentais incluem: 1. Usar palavras conhecidas e evitar jargões ou metáforas; 2. Escrever frases curtas, com apenas uma ideia por frase; 3. Preferir a voz ativa e evitar negações complexas; 4. Utilizar linguagem direta, semelhante à linguagem falada; 5. Evitar siglas e abreviações, explicando os termos quando necessário; 6. Apresentar o conteúdo com boa diagramação, fonte clara e espaçamento adequado.

Após a adaptação dos textos , foram utilizados símbolos  para ajudar na compreensão dos referidos textos, para a execução seguiram-se as seguintes orientações:

1.       Cada símbolo deve, preferencialmente, estar inserido em um retângulo com bordas finas, de cor preta, favorecendo o recorte visual. Há adaptações em que o símbolo é exibido sem borda, acima de cada palavra.

2.       O nome do símbolo (rótulo) deve aparecer na parte superior da imagem, escrito em caixa alta na cor preta, como, por exemplo “AVÓ”.

3.       Abaixo da linha de símbolos, deve constar a frase completa escrita em letra script em uma linha separada.

4.       Os símbolos de pontuação (exclamações, vírgulas e pontos) não devem ser utilizados na linha de símbolos. Estes devem ser aplicados apenas na linha textual.

5.       Artigos, pronomes e preposições podem ser suprimidos quando não alterarem a compreensão ou mantidos com símbolo próprio ou, ainda, anexados ao substantivo quando contribuírem para a clareza da leitura.

Neste tópico, será preciso adequar a adaptação ao público que utilizará o material.

5.1. Utilize todos os símbolos [EU] [QUERO] [IR] [PARA] [A] [PRAIA] quando o objetivo for ensinar estrutura da frase ou trabalhar consciência gramatical contudo, essa estratégia pode causar sobrecarga visual se usada em excesso.

5.2. Utilize um agrupamento moderado [EU QUERO] [IR] [PARA A PRAIA] para as crianças que já reconhecem blocos de sentido, pois ajuda a reduzir a quantidade de símbolos, mantendo a compreensão. É indicado para leitura compartilhada em livros multiformato.

5.3. Utilize um único símbolo para representar a ação. É indicado quando o foco é compreensão global e fluência narrativa; é útil em pranchas/tabelas rápidas ou histórias que priorizam a participação e o ritmo da leitura; mas tem menor valor didático para construção da frase.

Foram usados pictogramas da biblioteca de símbolos : Sistema Pictográfico para a Comunicação (SPC).

O sistema (SPC) (Roxana Mayer Johnson, 1981) surgiu da necessidade de se construir um suporte que facilitasse a aprendizagem dos jovens que possuíam dificuldades na utilização do sistema Bliss. Atualmente é o sistema mais utilizado em Portugal (Tetzchner et al., 2002). Apresenta cerca de 13500 signos e é constituído por símbolos a negro sobre fundo branco ou de cor, algumas silhuetas e palavras ou números, com o significado escrito (Freixo, 2013). De acordo com Ferreira, Ponte e Azevedo (1999, citados por Silva, 2015) estes sistemas foram desenhados com o objetivo de serem facilmente apreendidos, aplicáveis a todas as faixas etárias e diferenciados uns dos outros.

Além disso, representam as palavras e as ações mais comuns utilizadas na comunicação diária, sendo facilmente reproduzíveis, reduzindo-se os custos.

Pictogramas são imagens simples e universais usadas para representar objetos, ações, emoções ou conceitos de forma visual e direta. Eles são projetados para serem fáceis de reconhecer e entender, mesmo por crianças que ainda não sabem ler ou por pessoas com dificuldades de comunicação.

Após a adaptação dos textos, os mesmos foram validados por grupo de 20 jovens com deficiência intelectual e baixa literacia da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) de Castelo Branco.

Foram efetuadas as respetivas correções e posteriormente os textos foram impressos e encadernados, ficando disponiveis no museu da Seda em formato impresso e digital (Figura 11).

 

 

Figura 11 - Exemplo de um dos textos convertidos em multiformato.

Fonte: Museu da Seda 

 

 

Considerações Finais

Este projeto desafiou-nos, assim, a procurar caminhos que viabilizem recursos científicos, técnicos, humanos e financeiros que permitam a participação social, a produção e o usufruto da arte e da cultura a todas as pessoas, de maneira indistinta e de forma global. É importante realçar o facto de todos os dispositvos e recursos que foram sendo introduzidos no Museu da Seda foram alvo de uma validação prévia. Relativamente ao percurso pedotátil e à informação em braile, foi convidada a Delegação de Castelo Branco da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), tendo participado cinco dos seus associados. No seio da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM), a validação da língua gestual portuguesa e dos pictogramas foi realizada por jovens e adultos utentes desta associação. Para além de terem participado utentes de cada população-alvo, houve ainda a participação de técnicos e especialistas: terapeutas da fala; terapeutas ocupacionais; docentes especializados em Educação Especial; investigadores de instituições de ensino superior de Portugal.

O projeto aqui apresentado teve na sua gênese a importância da comunicação como uma das mais significativas necessidades do ser humano em sociedade em diferentes contextos. Como já referenciado, o Museu da Seda foi-se tornando inclusivo de acordo com várias etapas: trajeto pedotátil; criação de informação em braile; lingua gestual portuguesa; audio-guias; leitura ótiva através de dispositivo laser. Para terminar este processo, era necessário ampliar a inclusão a mais públicos, havendo o sentimento que, através da utilização da comunicação por pictogramas, esta aposta tem todas as condições para ser bem sucedida.

Acessibilidade cultural é, pois, um caminho para uma sociedade mais inclusiva e equitativa. No seio de sociedades democráticas a participação e a igualdade de oportunidades são a base que permite que todos possam usufruir e exercer os seus direitos e deveres de cidadania.

Nos diferentes contextos culturais, os respectivos profissionais devem estar preparados para compreender e acolher todos os públicos. E, com um público cada vez mais diverso, é importante respeitar a diversidade humana, independentemente de sua condição educacional, social ou cultural.

A comunicação aumentativa e alternativa permite não só a comunicação básica do indivíduo, como também a interação com outras pessoas em condições de igualdade, segundo as capacidades de cada um. Assim, os diferentes modos de comunicação promovem a inclusão de pessoas com deficiência ou com dificuldades de comunicação oral, ao possibilitarem a compreensão e livre expressão, mas beneficiam igualmente outros públicos, como idosos ou estrangeiros, constituindo-se como um recurso de comunicação para todos.

 

Referências

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