O professor e as práticas de ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua para estudantes surdos

The teacher and teaching practices of written Portuguese as a second language for deaf students

El profesorado y las prácticas de enseñanza del portugués escrito como segunda lengua para estudiantes sordos

 

Aldeci Fernandes da Cunha

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Natal – RN, Brasil.

fernandescunha@uern.br

 

Recebido em 09 de setembro de 2025

Aprovado em 19 de novembro de 2025

Publicado em 08 de dezembro de 2025

 

RESUMO

As discussões em torno da educação de surdos no Brasil têm se intensificado, sobretudo após a institucionalização da modalidade de educação bilíngue pela Lei nº 14.191/2021. Nesse contexto, este artigo tem como objetivo analisar como as práticas de produção escrita desenvolvidas por professores de Língua Portuguesa influenciam o processo de aprendizagem da escrita por estudantes surdos. Para sustentar a análise, fundamentamo-nos na Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday (1960), na Teoria da Subjetividade de González Rey (1997), em estudos da área da educação de surdos como, Jannuzzi, (2012) e em documentos oficiais, como a Lei nº 9.394/1996, dentre outros. A metodologia adotada ancora-se nos princípios da Epistemologia Qualitativa e na abordagem construtivo-interpretativa como forma de análise e interpretação das informações. O estudo foi realizado com dois professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio, um professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, um professor dos anos finais do Ensino Fundamental, um professor de Língua Portuguesa da Educação de Jovens e Adultos e um profissional atuante no Núcleo de Atendimento Educacional a Estudantes Surdos. Para a construção das informações, utilizamos entrevistas e análise das atividades desenvolvidas por esses docentes e profissionais. Os resultados evidenciam desafios no ensino da língua escrita para estudantes surdos, marcados por práticas de caráter técnico, centradas em uma gramática descontextualizada, que desconsidera a cultura e a identidade surda. Conclui-se que o professor desempenha papel essencial no ensino da Língua Portuguesa escrita como segunda língua, atuando como mediador de sentidos e de processos de inclusão.

Palavras-chave: Educação de surdos; Língua portuguesa escrita; Práticas pedagógicas.

 

ABSTRACT

Discussions surrounding deaf education in Brazil have intensified, especially after the institutionalization of bilingual education by Law No. 14.191/2021. In this context, this article aims to analyze how the writing practices developed by Portuguese language teachers influence the writing learning process of deaf students. To support the analysis, we draw on Halliday's Systemic Functional Linguistics (1960), González Rey's Theory of Subjectivity (1997), studies in the field of deaf education such as Jannuzzi (2012), and official documents such as Law No. 9.394/1996, among others. The adopted methodology is anchored in the principles of Qualitative Epistemology and the constructive-interpretative approach as a means of analyzing and interpreting information. The study was conducted with two high school Portuguese teachers, one elementary school teacher, one middle school teacher, one adult Portuguese teacher, and a professional working at the Center for Educational Assistance to Deaf Students. To gather the information, we used interviews and analysis of the activities developed by these teachers and professionals. The results highlight challenges in teaching written Portuguese to deaf students, marked by technical practices centered on decontextualized grammar that disregards deaf culture and identity. The conclusion is that teachers play an essential role in teaching written Portuguese as a second language, acting as mediators of meaning and inclusion processes.

Keywords: Deaf education; Written Portuguese language; Pedagogical practices.

 

RESUMEN

Las discusiones en torno a la educación de personas sordas en Brasil se han intensificado, especialmente tras la institucionalización de la educación bilingüe mediante la Ley n.º 14.191/2021. En este contexto, este artículo buscam analizar cómo las prácticas de escritura desarrolladas por docentes de lengua portuguesa influyen en el proceso de aprendizaje de la escritura de estudiantes sordos. Para sustentar el análisis, nos basamos en la Lingüística Sistémico-Funcional de Halliday (1960), la Teoría de la Subjetividad de González Rey (1997), estudios en el campo de la educación de personas sordas como Jannuzzi (2012) y documentos oficiales como la Ley n.º 9.394/1996, entre otros. La metodología adoptada se basa en los principios de la Epistemología Cualitativa y el enfoque constructivo-interpretativo como medio para analizar e interpretar la información. El estudio se realizó con dos docentes de portugués de secundaria, un docente de primaria, un docente de secundaria, un docente de portugués para adultos y un profesional que trabaja en el Centro de Asistencia Educativa a Estudiantes Sordos. Para recopilar la información, se utilizaron entrevistas y el análisis de las actividades desarrolladas por estos docentes y profesionales. Los resultados destacan los desafíos en la enseñanza del portugués escrito a estudiantes sordos, marcados por prácticas técnicas centradas en una gramática descontextualizada que ignora la cultura e identidad sordas. La conclusión es que el profesorado desempeña un papel esencial en la enseñanza del portugués escrito como segunda lengua, actuando como mediadores de los procesos de significado e inclusión.

Palabras clave: Educación de sordos; Lengua portuguesa escrita; Prácticas pedagógicas.

 

Discussão Inicial

A educação de surdos no Brasil, nas últimas décadas, tem se consolidado como pauta central nas discussões e na formulação de políticas educacionais inclusivas, reconhecendo a comunidade surda como protagonista dos processos educativos. Esses debates têm possibilitado e influenciado reformulações legislativas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), a Política Nacional de Educação Inclusiva e a institucionalização da modalidade de Educação Bilíngue, por meio da Lei nº 14.191/2021, assegurando o ensino e a aprendizagem desses estudantes em consonância com sua cultura e identidade.

 

A discussão aqui apresentada integra uma pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), no período de 2021 a 2023. Nesse estudo, investigamos as configurações subjetivas e a produção escrita de estudantes surdos a partir da articulação entre a Linguística Sistêmico-Funcional e a Teoria da Subjetividade. Nosso objetivo foi compreender como as produções escritas do estudante surdo são atravessadas pelos processos subjetivos construídos nos contextos de cultura e de situação, em suas dimensões individuais e sociais.

 

A história da educação de surdos no Brasil é marcada pela presença de diversas vertentes pedagógicas que contribuíram para as discussões em torno de um ensino na perspectiva bilíngue. Entre essas vertentes, Jannuzzi (2012), destacam-se a médico-pedagógica. O médico Gerolano Cardano (1501-1576) identificou, em seus estudos, que a surdez não prejudica a aprendizagem, concluindo que os surdos podem aprender a escrever e expressar seus pensamentos. Também se evidenciam as contribuições do médico Jean Gaspard Itard (1774-1830), que ressaltou a importância da inserção da pessoa surda — ou com outra deficiência — no seio da sociedade, pois é nela que o ser humano se desenvolve. Essas e outras compreensões médicas influenciaram as perspectivas teóricas e metodológicas que compõem, até hoje, os modelos de educação de surdos. A vertente psicopedagógica, por sua vez, recebeu forte influência da psicologia experimental e cognitiva.

 

Outras vertentes ou concepções pedagógicas também tiveram — ou ainda têm — relevância no campo do atendimento educacional às pessoas público-alvo da Educação Especial. Segundo Jannuzzi (2012), destaca-se a economia da educação, provavelmente entre 1920 e 1970. Apesar de documentos oficiais reconhecerem a importância da educação e da inclusão de surdos, a oferta educacional se dava, em grande parte, por meio de oficinas voltadas ao mercado de trabalho, como no Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Contudo, nesse período não houve uma defesa efetiva da inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, já que não eram consideradas fundamentais para o desenvolvimento econômico do país.

 

A vertente denominada normalização/integração e mainstreaming (1970-1980) marcou o momento em que o estudante com deficiência começou a ser integrado ao ambiente da escola regular. Embora houvesse foco no pedagógico, não era a escola que se preparava para acolher o estudante surdo, mas o próprio estudante que precisava se adaptar, muitas vezes sem as condições mínimas de atendimento pedagógico.

 

A vertente pedagógica da inclusão, por sua vez, consolidou-se principalmente a partir da década de 1990, impulsionada pela Declaração de Salamanca (1994), da qual o Brasil foi signatário. Esse movimento desencadeou, em diversos países — e de forma significativa no Brasil —, a institucionalização de políticas públicas voltadas para a inclusão de alunos com deficiência, transtornos, altas habilidades e superdotação no contexto da escola comum. Nesse modelo, não é o aluno que deve se adaptar à escola, mas a escola que precisa se organizar, oferecendo as condições e os recursos necessários ao atendimento educacional desses estudantes.

 

Sobre esse paradigma da inclusão, o Parecer nº 17/2001, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, destaca que:

 

[...] em vez de focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno, a origem de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que o aluno deva ajustar-se a padrões de ‘normalidade’ para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos.

 

Assim, a vertente pedagógica da inclusão desloca o foco da deficiência para as condições em que ocorre o ensino. A deficiência passa a ser compreendida não como algo primário, mas como um fenômeno social, relacionado às barreiras existentes na escola que dificultam a aprendizagem.

 

Outra vertente pedagógica no campo da oferta educacional a estudantes PAEE, apontada por Jannuzzi (2012), é a educação como mediação, fortemente influenciada pelos teóricos marxistas e pelo materialismo histórico-dialético. Nessa concepção, a educação é compreendida como parte da organização social. Assim, à medida que os sujeitos PAEE tornam-se conscientes do contexto social em que estão inseridos e das condições que lhes são impostas — sejam elas de base infraestrutural (material, ligada à produção de subsistência) ou superestrutural (ideias, ideologias, conhecimento etc.) —, criam-se possibilidades de construção de conhecimentos necessários à transformação social.

 

As vertentes pedagógicas influenciaram — e continuam influenciando — o papel do professor no ensino da língua portuguesa escrita (LP) como segunda língua (L2) para o estudante surdo. Nesse sentido, o trabalho pedagógico dos professores é fortemente atravessado pelos modelos e propostas pedagógicas presentes na sociedade.

 

Compreendendo a escrita como um meio de linguagem, construída na relação do sujeito com o outro em seus diversos contextos de experiência humana, adotamos neste estudo a concepção de linguagem a partir dos estudos da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), desenvolvida por Halliday (1960). Nessa perspectiva, a linguagem é definida como um processo sociossemiótico, por meio do qual o homem produz e constrói sua experiência. Assim, a língua(gem) é entendida como um processo sistêmico.

 

Segundo Fuzer e Cabral (2014, p. 19), a língua/linguagem é:

 

[...] sistêmica porque vê a língua como rede de sistemas linguísticos interligados, das quais nos servimos para construir significados, fazer as coisas no mundo. Cada sistema é um conjunto de alternativas possíveis que podem ser semânticas, léxico-gramaticais ou fonológicas e grafológicas. É funcional porque explica as estruturas gramaticais em relação ao significado, às funções que a linguagem desempenha em texto.

 

Ao compreendermos a língua(gem) como uma construção sistêmica, reconhecemos que ela está implicada nos contextos sociais, culturais e históricos dos sujeitos. No caso dos estudantes surdos, esse processo de construção e/ou aprendizagem do português escrito como L2 é atravessado por produções subjetivas oriundas de sua dimensão individual e social — família, grupo de amigos, associações de que participa, percurso formativo escolar, entre outros.

Por produções subjetivas, mobilizamos neste estudo a concepção de Subjetividade desenvolvida por Fernando González Rey (1997), entendida como uma produção humana enraizada nos diversos contextos sociais e culturais, articulando-se nas dimensões individual e social dos sujeitos. Nesse sentido, Cunha (2016, p. 65) define a subjetividade como “[...] um sistema em constante desenvolvimento que ocorre por meio da ação do sujeito psicológico, que constantemente realiza ações, as quais permitem mudanças em sua organização subjetiva [...]”.

Este estudo busca apresentar uma discussão a partir de informações construídas junto a professores que atuam no ensino de turmas com estudantes surdos matriculados em salas de aula de ensino comum, bem como no espaço do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Para isso, analisamos as atividades desenvolvidas por esses professores, de modo a responder à seguinte questão: como os professores da Educação Básica (sala de ensino comum) e do AEE trabalham e analisam as produções escritas em L2 de estudantes surdos no ensino da língua portuguesa como segunda língua?

Para uma melhor organização, este trabalho está estruturado da seguinte forma: além desta parte introdutória, que intitulamos Discussão inicial, apresentamos: i) a metodologia; ii) os resultados e discussões; e iii) as considerações finais.

Metodologia

O estudo adota os princípios da pesquisa fundamentada na Epistemologia Qualitativa, desenvolvida por Fernando González Rey (1997), com o objetivo de romper com os modelos de pesquisa de abordagem positivista, nos quais o pesquisador assume uma postura neutra e passiva durante o processo investigativo. Segundo González Rey (2010, p. 5), a Epistemologia Qualitativa

[...] busca uma posição quanto a novas perguntas e respostas criadas ao implementar um processo diferente de construção do conhecimento, evitando [...] transitar por novas opções utilizando princípios já estabelecidos por representações epistemológicas anteriores que responderam aos novos desafios [...].

 

Com a Epistemologia Qualitativa, o pesquisador assume um papel ativo no processo de análise e interpretação das informações construídas ao longo da pesquisa. Ao mesmo tempo, ela possibilita que o pesquisador identifique outros elementos presentes nos contextos sociais, culturais, econômicos e históricos que estão implicados na pesquisa e em sua condução.

Atrelada à Epistemologia Qualitativa, adotamos a abordagem metodológica construtivo-interpretativa, por compreendermos que o que é produzido na pesquisa não tem caráter de mera aplicação ou validação de informações, mas sim de possibilitar novas inteligibilidades a partir do construído e do identificado pelo pesquisador por meio da interpretação. Compreendemos ainda que, na pesquisa, o pesquisador interpreta as informações considerando diversos contextos, assumindo uma posição de sujeito ativo e criativo. Assim, convém considerar, segundo Rossato e Mitjáns Martínez (2017, p. 345), a

 

[...] perspectiva das informações que os próprios participantes vão produzindo ao longo da pesquisa, afinal, o que é expresso por eles é resultado das reflexões produzidas a partir das induções e tensões geradas pelo pesquisador, numa relação dialógica de empoderamento do outro para que possa falar de si e por si.

 

Rossato e Mitjáns Martínez nos apresentam preceitos teóricos, epistemológicos e metodológicos da metodologia construtivo-interpretativa, os quais nos permitem refletir sobre e interpretar o que é construído na pesquisa e em relação a ela.

O estudo foi realizado em duas escolas da rede municipal de ensino, três da rede estadual e no Núcleo de Atendimento à Educação de Surdos (NAES). Para discutir o ensino da Língua Portuguesa escrita como segunda língua para estudantes surdos em salas de aula regulares, participaram cinco professores da Educação Básica da rede pública e um profissional responsável pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE) em LP para surdos. Para preservar a identidade dos participantes, eles foram identificados da seguinte forma: Prof.ª Luz, docente dos anos iniciais do Ensino Fundamental; Prof.ª Estrela, docente dos anos finais do Ensino Fundamental; Prof. Renascer, docente do 2º ano do Ensino Médio; Prof. Flor, docente do 1º ano do Ensino Médio; Prof. Florescer, docente do Ensino Médio na modalidade EJA; e Prof.ª Primavera, responsável pelo atendimento especializado no NAES.

Para a realização do estudo, foi adotado os procedimentos éticos da pesquisa, sendo necessário a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovada a sua realização por meio do Parecer nº 5.646.686, de 15 de setembro de 2022.

Resultados e discussões

Pretende-se enfocar aqui, como os professores da Educação Básica (sala de ensino comum) e AEE, trabalham/analisam produções escritas da L2 de estudantes surdos no ensino da Língua portuguesa, como segunda língua.

 

    A discussão foi pautada, nos seguintes eixos: o trabalho com LP escrita; sobre as atividades realizadas; como essas atividades são analisadas/corrigidas; e quais as dificuldades encontradas. Para a reflexão sobre o trabalho com o português escrito com o estudante surdo, junto aos professores envolvidos, foi identificado que

 

O trabalho é feito para a turma toda, tentando envolver o aluno surdo na sala, mas por não saber me comunicar com ele, não consigo fazer com que ele fique dando atenção a mim, ele passa o tempo todo disperso.  (Prof. Luz)

Através da compreensão e interpretação textual de gêneros diversos (Prof. Estrela).

A ausência do conhecimento em Libras, e de outras formas de comunicação, não consigo realizar nada com ele sem a presença do intérprete, ou seja, se o intérprete não estiver na sala, o aluno não fica, não porque ela não queira, mas porque não tem uma comunicação. Mas sempre procuro trabalhar por meio da interpretação textual (Prof. Flor).

Quando a situação exige, faço adaptações para atender às especificidades do aluno. Tento evitar adaptações para que o aluno se sinta em pé de igualdade com os demais (Prof. Renascer)

Todas as produções desenvolvidas pela turma eram também propostas ao aluno e com a ajuda da intérprete ele consegui desenvolver (Prof. Florescer).

Sempre associando o uso de sinais e imagens dentro de um contexto de uso (Prof. Primavera).

 

Os extratos das informações construídas junto aos profissionais que estão envolvidos no trabalho com o ensino da LP na modalidade escrita, revelam que todos se preocupam com a aprendizagem do estudante surdo na LP, mas que possuem muitas fragilidades e ausência de uma formação que possibilite a realização de uma prática que garanta não só a alfabetização, mas a aprendizagem e o desenvolvimento do estudante em LP como L2.

 

Com exceção do profissional do AEE, os demais professores não possuem uma formação para o ensino de uma segunda língua, o que já facilitaria a construção de estratégias, pois trabalhar uma segunda língua, no caso o português escrito, logo depois da Lei nº 10.436/2002, que estabelece/reconhece a Libras como a língua materna da comunidade surda, evidenciando que a mesma não pode substituir a LP na modalidade escrita, esse sendo a segunda língua para e da comunidade. É importante frisar, que as dificuldades vivenciadas pelos profissionais, também emerge da falta de formação continuada em serviço, como já dito, apenas o profissional que atua nos anos finais, é que já participou de um curso em Libras, oferecido pela e na escola, mas que todos, nunca participaram de uma formação que discuta sobre o ensino da LP escrita para os estudantes surdos.

 

Percebe-se, nas respostas dos envolvidos, a importância do intérprete e da aprendizagem da Libras, para a aprendizagem de LP como L2, compreendendo a Libras, como língua de instrução, que deve ser a base para a aprendizagem do português escrito. Também é percebível, mesmo os profissionais dando um enfoque a aprendizagem da Libras, que eles entendem que são duas línguas diferentes, cada uma com suas regras, mas que a L1 facilita a aprendizagem da L2.

 

As conversas informais com os profissionais/professores, é visto as emergências subjetivas que são construídas durante o trabalho docente com os estudantes surdos, e que os elementos presentes, os contextos situacionais e até mesmo de cultura, construídos historicamente acerca da pessoa surda, possuem implicações para e na realização da prática docente.

 

Ao trazer precisamente a resposta do professor dos anos iniciais, traduz-se que, mesmo reconhecendo sua fragilidade, ele se inquieta subjetivamente com a dispersão do aluno e, por não conseguir realizar algo que crie momentos de aprendizagens ou de comunicação entre eles. Essas questões podem se tornar mobilizadoras para a busca de respostas, mas se faz necessário a constituição de elementos provocadores, como espaços formativos dentro da escola, em que esses professores são protagonistas da ação formativa, partindo das próprias práticas e experiências dos mesmos.

 

O ensino do português escrito para e com estudantes surdos, é mostrado nos trechos das informações construídas com os professores, como um desafio, pois além das ausências e emergências didáticas e pedagógicas que se fazem presentes na formação dos professores, os estudantes em sua maioria, não são alfabetizadas em LP escrito, o que dificulta cada vez mais o trabalho docente. Essa reflexão, traz indicadores de que se faz necessário, propor práticas de alfabetização, não numa perspectiva cognitiva ou numa abordagem fônica, mas numa perspectiva em que o estudante compreenda sua importância e seus usos dentro da sociedade em que vive.

 

Nesse contexto, compreende-se, a importância do trabalho desenvolvido no AEE do NAES, o qual deve estar em sintonia com as ações desenvolvidas na sala de aula de ensino comum, realizando um trabalho parceiro e articulado, em um diálogo e em uma prática colaborativa. Nesse sentido, em conversas informais com a professora do AEE em português escrito do NAES, foi percebido que a relação existente entre o núcleo e a sala de ensino comum, acontece apenas com os professores da escola em que o NAES funciona, nos encontros de planejamentos, não acontecendo outro tipo de relação, nem tampouco com as demais escolas com estudantes surdos matriculados e que recebe o AEE ofertado pelo NAES.

 

Os indicadores construídos a partir dos excertos e conversas informais com os professores, é que o trabalho com o ensino do português escrito, deve acontecer por meio de uma prática em que língua(gem) é considerada como uma prática social, não podendo acontecer distanciada dos contextos de situação e de cultual, no qual vive o estudante surdo e os professores,  daí a necessidade da realização de atividades que promovam no estudante a compreensão de que aprender LP escrita, não substituirá a Libras, mas que possibilitará, outros caminhos de compreender e viver em sociedade. Assim, a realização do ensino da LP escrito articulado com o ensino e a aprendizagem em Libras, ambas devem ser comparadas/discutidas, pois cada uma, por ser línguas diferentes, elas possuem normas e regras também diferentes, para assim, o aluno compreender que a forma como ele fala em Libras, não é a mesma forma que escreve o português escrito.

 

A discussão sobre a perspectiva de um ensino de LP escrito, a partir do contexto de uso dos falantes, conduz a reflexão acerca das atividades realizadas pelos professores, como se ver a seguir:

 

Realizo atividades organizadas a partir dos conteúdos a ser trabalhados, como leitura e interpretação, ditado de palavras e outras. (Prof. Luz).

Trabalho com diversos gêneros textuais e outras a partir do conteúdo a ser estudado (Prof. Estrela).

Não realizo atividades diferenciadas, mesmo o estudante não sendo alfabetizado, busco sempre realizar atividades de produção de textos e interpretação e o trabalho com os diversos gêneros textuais (Prof. Flor)

Busco realizar atividades de produção de texto, de modo a discutir sobre os conteúdos propostos em sala (Prof. Renascer).

Busco realizar atividades em conjunto com a turma toda, mas sempre priorizando as produções escritas e interpretação textual. O trabalho é feito em parceria com o intérprete (Prof. Florescer).

Atividades do cotidiano e realidade do aluno, considerando suas limitações (Prof. Primavera).

 

        Os fragmentos acima, apontam de como é trabalhado o ensino de LP, em especial, na modalidade escrita, como L2 para o estudante surdo. As respostas dos professores, revelam em sua maioria, que a discussão mais presente, é o trabalho com a produção de texto com destaque na interpretação, mas ao mesmo tempo, surge indicadores de que o trabalho para a produção de textos e de interpretação, como visto nas falas respostas dos professores da sala de ensino comum e em observações informais, que não tem uma articulação com as questões sociais vividas pelos estudantes, em destaque aqui, os surdos, com o trabalhado nas aulas de LP.

 

O Profissional do AEE, ao trazer a o uso de “atividades do cotidiano e da realidade do aluno, considerando suas limitações”, traduz-se aqui, não como atividades que envolvem situações do contexto de situação e de cultura do estudante, mas tarefas me que o estudante tem condições de responder a partir de suas limitações, como por exemplo: se o estudante não é alfabetizado em LP escrito, as atividades por ele feitas, são propostas de alfabetização, partindo do menor para o maior, conhecer as letras, depois as silabas, palavras, frases e textos.

 

As atividades propostas por Prof. Luz, por ele não saber Libras e já ter manifestado, dificuldades na comunicação com o estudante surdo, e ainda, pela ausência do profissional intérprete de Libras na sala, possuem em si, indicadores de que a ação realizada não contribui para com a aprendizagem e o desenvolvimento da escrita por parte do estudante, tendo em vista, a ausência de elementos do contexto de situação em que a ação é realizada.

 

Em Pof. Flor, também se percebe, que devido as ausências formativas reconhecidas pelo docente, que quando o intérprete não está em sala de aula, a atividade não é feita pelo estudante. Como também é visto em Prof. Renascer, que em observações informais foi identificado que a participação do aluno só acontece por meio do intérprete de Libras, que fica como um auxiliar na realização das atividades.

 

As práticas desenvolvidas pelos professores da sala de aula de ensino comum, com exceção de Prof. Luz, quem não tem o intérprete em sala de aula, os demais focam na realização das atividades no e com o auxílio do intérprete, o que produz um sentido subjetivo, configurado por meio do contexto de situação e de cultura, em que o responsável pela aprendizagem do estudante surdo é o intérprete e o professor do AEE, desconsiderando seu papel como protagonista na ação do ensino de língua portuguesa numa perspectiva educacional inclusiva, no ensinar a turma toda.

 

Mesmo compreendendo que as atividades voltadas para a alfabetização do estudante surdo, em LP escrita, deve ocorrer no AEE, o professor de LP no ensino comum, é o principal responsável pela aprendizagem da língua escrita, daí ele propor práticas de escritas  que mobilize o estudante, não só a produzir os textos, mas de pensar sobre eles ( o que ele produziu, quais os sentidos presentes o texto, as relações com seu cotidiano) e, ao mesmo tempo, pensar sobre os elementos que possibilitam a compreensão da mensagem escrita.

 

Ainda é possível pensar, a partir dos trechos das informações produzidas junto aos professores, que o tipo de atividade realizada com os estudantes, se torna movimento de expressão do próprio processo de desenvolvimento da escrita do estudante. Assim, essa atividade deve ser mobilizadora, e não ser vista como algo repetitivo, rotineiro e mecânico, podendo ser diversificado por meio das diversas formas de trabalho com a escrita, já que nesse processo o importante é escrever, e não se prender as regras e padrões gramaticais, mesmo que em outro momento, a LP na modalidade escrita, como já dito, possa ser comparada com a Libras, e entendida como duas línguas, e por isso, cada uma tem suas formas próprias de uso.

 

Durante a pesquisa, como forma de melhor entender e ou identificar as atividades e ou produções escritas realizadas, com estudantes surdos, selecionou-se de cada nível ou modalidade de ensino, algumas propostas, as quais são apresentadas a seguir:

 

Figura I: Plano de aula de uma sala de aula de ensino comum dos anos iniciais do EF

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.Texto, Carta

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

 

Fonte: arquivos da pesquisa (2022).

 

A figura acima, consiste em um plano de aula, com proposta de trabalhar Língua Portuguesa. Percebe-se nesse plano, que a proposta a ser trabalhada, está muito presa a questões de um ensino de LP, sem uma articulação com os contextos de uso dos falantes, não estabelece uma conexão com o cotidiano dos estudantes, tudo muito mecânico.

 

Ao trabalhar o ditado, não se percebe a utilização de um material visual que possa ajudar na aprendizagem do estudante surdo, nem tampouco, se ver uma discussão sobre as palavras ditadas, é dada uma importância a forma de escrita, se escreveu certo ou errado, mas se contextualiza as palavras usadas na dinâmica do ditado.

 

Outra questão vista no plano, é evidente, que o plano é construído a partir da compreensão do que é ensinar e aprender por parte da professora, é a forma como o texto sobre o dia da avó é trabalhado, que ao invés de um texto pronto, pode ser discutido a partir das histórias das avós contada pelos próprios estudantes, para em seguida trabalhar a escrita.

 

É importante destacar, que esse plano, é de uma sala de ensino comum dos anos iniciais, que não possui o intérprete de Libras, o que didática e metodologicamente, implica na aprendizagem do estudante surdo, tendo em vista, que a aula se volta especificamente para os estudantes ouvintes. Outro ponto que deve ser considerado, é a forma como é proposto o ensino da LP, que é fruto das produções subjetivas produzidas pela professora, em sua dimensão individual e social.

 

Outra atividade refletida, é uma proposta de revisão do gênero carta, em uma sala de aula de ensino comum dos anos finais do EF, conforme se ver na figura II:

 

 

 

 

 

Figura II: Proposta de atividade realizada em sala de aula de ensino comum dos anos finais do EF.

Texto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

          Fonte: arquivos da pesquisa (2022).

 

 

O professor que atua nos anos finais do EF, traz na proposta de atividade apresentada na figura acima, com o objetivo de discutir os elementos que compõem o gênero estudado. A tarefa de interpretação textual, por meio da carta, prende o estudante a pensar apenas o que está no texto proposto, sem poder fazer uma relação com seu dia-dia, com as questões cotidianas que podem contribuir para o trabalho com o gênero.

 

Compreendendo a importância da diversidade de gêneros textuais, que podem ser trabalhados na aprendizagem da LP na modalidade escrita pelo estudante surdo, com base nas perspectivas teóricas da LSF e da Teoria da Subjetividade, e ainda, o estudo com os gêneros textuais, podem estar vinculados aos trajetos formativos dos estudantes, com o que faz parte de seu cotidiano. A atividade presa muito pela leitura visual, mas não parte do que é vivido pelo estudante, o que implica no processo de construção com base no singular e, ao mesmo tempo da pluralidade que está ao entorno da vida do estudante.

 

Figura III: Proposta de atividade em turma de Ensino Médio em tempo integral

Uma imagem contendo Tabela

Descrição gerada automaticamente

Fonte: arquivos da pesquisa (2022).

 

A atividade mostrada na figura acima, foi realizada em uma aula de Língua Portuguesa, em uma sala de aula de ensino comum, uma turma de 2º ano do EM em tempo integral. Uma tarefa sobre “Adjetivo”, composta por 13 (treze) questões objetivas, com o objetivo, segundo construído com o professor por meio de conversas informais, de revisar ou aprimorar o estudo sobre a temática estudada em aula anterior.

 

Como se ver, é uma proposta de questões mecanizadas, que não possibilita e nem oportuniza os estudantes, sejam eles surdo ou ouvinte a pensar sobre o contexto de uso dos adjetivos, com regras e padrões gramaticais, fugindo de uma discussão que proponha pensar o estudo dos Adjetivos, não seguidos por normas, mas em suas formas de uso, em suas circunstâncias de modo e de sistema de transitividade proporcionado pela linguagem, dentro do contexto de situação e de cultura do falante.

 

A realizada da atividade, foi em um dos momentos em que estava realizando uma observação informal, a fim de construir outras informações que pudessem contribuir para com as interpretações e ou traduções acerca do estudo desenvolvido nesta pesquisa, e assim, foi possível identificar como a atividade foi proposta na sala, tanto para os alunos ouvintes, como em especial para o estudante surdo. Para essa atividade, o professor, apenas explica que a mesma deve ser feita em grupo, sem fazer nenhuma reflexão sobre as questões proposta, assim, o estudante surdo é inserido num grupo, que fica invisível durante toda a atividade, não participando da mesma, pois os ouvintes é que a respondem.

 

Foi percebido, durante as observações que o estudante, não gosta das aulas de ensino de português, ficando disperso no grupo, vendo o celular ou fazendo brincadeiras com outros colegas. Para ele, é uma disciplina cansativa e, de difícil compreensão, o que torna a sua aprendizagem da LP escrita, mais lenta, tendo em vista que se faz necessário que o estudante também esteja disposto e mobilizado a aprender.

 

Essa produção subjetiva, produzida pelo estudante sobre o componente curricular de LP, é resultado de como vem ocorrendo sua aprendizagem com a LP, nisso envolve não só as experiências anteriores, mas as atuais, das quais, não é uma tarefa que torne significativa para o estudante surdo, como também para o ouvinte, pois, é uma atividade que não demonstra ou que não concebem a língua(gem) como uma prática social, vivida por todos, dependendo sempre de seus contextos de usos.

 

Nessa reflexão, foi selecionada uma outra proposição realizada em uma turma de EM, como mostrado na figura IV, a qual, consta de uma atividade de interpretação de texto, que cujo objetivo, conforme é apresentado no início da tarefa, é “estabelecer inferências a partir de elementos do texto implícitos a ele”. Entende-se, a necessidade do trabalho de interpretação com e durante a aprendizagem da L2 em LP escrita com o estudante surdo, mas é imprescindível, como se vem destacando durante toda discussão realizada, a urgência de um trabalho que envolva os estudantes, levando-o a compreender a necessidade da aprendizagem da LP na modalidade escrita.

 

O professor propositor dessa atividade, como já relatado por ele mesmo, reconhece suas dificuldades no trabalho com o estudante surdo, o que se torna um elemento que influência na condução da aula e, na construção de uma comunicação mais acessível entre professor e estudante. Conforme relatado por ele, em conversas informais, o estudante só participa da aula com o auxílio do intérprete, pois a dinâmica utilizada na aula, devido as dificuldades, não consegue atender as suas necessidades linguísticas tão necessárias para sua aprendizagem da LP.

 

Mesmo sendo a atividade, um instrumento que provoca a reflexão do aluno sobre o texto, ela traz indicadores de que o trabalho de interpretação se voltou exclusivamente para o texto, ou seja, não se percebe um trabalho de continuidade, que permita o estudante surdo a pensar sobre ele, refletindo de forma articulada com sua L1, e ao mesmo tempo, de pensar o texto a nível contextual, semântico-discursivo, lexicogramatical e ou grafofonológico.

 

Figura IV: Proposta de atividade em turma do Novo Ensino Médio Potiguar

 

Texto

Descrição gerada automaticamente

          Fonte: arquivos da pesquisa (2022).

 

A seguir, apresento outra atividade, essa por sua vez, realizada na sala do AEE em LP escrita para o estudante surdo atendido no NAES.

 

Figura V: Atividades propostas em atendimento do NAES com e para alunos surdos

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamenteForma

Descrição gerada automaticamente

Fonte: arquivos da pesquisa (2022).

 

      As conversas e observações informais, ocorridas junto ao professor do AEE em sala do atendimento, percebe-se que toda a ação docente profissional, se volta especificamente para o trabalho de alfabetização do surdo em LP escrita, o que não foge das atribuições do NAES, enquanto espaço de ofertas de práticas que levem a alfabetização do estudante surdo, seja em sua primeira língua ou em sua L2.

 

O que chama a atenção nas atividades realizadas, é a compreensão acerca da alfabetização numa segunda língua, com estudantes em uma faixa etária de acima de 14 anos, pois conforme visto, tanto na atividade aqui apresentada, como em outras realizadas no NAES, é que são atividades infantilizados, sendo as mesmas atividades para todos os estudantes lá atendidos. A atividade, se caracteriza como meramente técnica, sem possibilitar em nenhum momento a reflexão sobre o cotidiano do estudante, desconsiderando a reflexão aqui já proposta sobre a alfabetização e ou aprendizagem da L2, da importância do contexto para a aprendizagem do sujeito, em que cada estudante vive em contexto diferentes e eles se movimentam a partir desse contexto.

 

Entende-se, aqui, a importância do conhecimento/reconhecimento das letras, silabas e palavras articuladas com a aprendizagem da L1, como pedido na tarefa, mas que cada nível e ou faixa etária, deve partir de propostas diferentes, de acordo com sua faixa etária, cada estudante é único e singular, e assim, as práticas alfabetizadoras devem partir da vida social de cada estudante.

 

Outra questão importante, que deve ser refletida a partir da atividade, é que, mesmo não existindo uma receita pronta para o trabalho de alfabetização em L2, mas é no e com o singular de cada estudante, que se vai descobrindo os caminhos e propondo as alternativas viáveis que melhor oportunize a aprendizagem e o desenvolvimento da escrita enquanto L2, daí a importância e contribuição de uma prática que parta do próprio sujeito surdo, de suas aprendizagens, do vivido em seu cotidiano.

 

No contexto sobre as práticas realizadas, a reflexão vai sendo tecidas na discussão do eixo sobre como são analisadas/corrigidas as escritas dos estudantes surdos, seja no ambiente da sala de ensino comum, seja na sala do AEE. E assim, construiu-se, que

 

A correção das atividades realizadas é feita com a turma toda, mas é preciso destacar que o aluno surdo, apenas transcreve o que posto no quadro (Prof. Luz).

A correção é feita através da análise do que o estudante compreendeu sobre o assunto abordado e não apenas de sua decodificação das informações apresentadas nos textos (Prof. Estrela).

Observo aspectos referentes ao discurso (via intérprete), pois o fato de não ser alfabetizado, implica em desenvolver tarefas escritas. O que há é apenas transcrição por parte dele no que concerne ao código escrito da língua portuguesa (Prof. Flor)

Atuo com os mesmos critérios dos demais, porém, estou atento para compreender as situações que exigiriam mais esforço do aluno surdo (Prof. Renascer).

Fazemos a análise e correção das produções escritas priorizando o raciocínio, a compreensão do estudante em detrimento do " certo e errado” (Prof. Florescer).

A correção das atividades desenvolvidas, são feitas a partir do que ele compreende, sempre levando em conta suas limitações, tanto na aprendizagem da Libras como do português (Prof. Primavera).

 

É visto nas respostas dos professores, a presença do olhar sensível e atencioso para com as correções das atividades de escritas realizadas pelos estudantes surdos, mesmo, sem desconsiderar os elementos externos aos alunos, como as próprias dificuldades vividas por eles professores para com o trabalho do ensino da LP como L2.  O prof Luz, é atento a realização da correção feita para a turma toda, que subjetivamente, ele compreende que mesmo o aluno surdo, tendo feito apenas a transcrição da atividade, ele pode pensar sobre a escrita e, produzir estratégias de aprendizagens, a partir do momento em que ele percebe a importância dada ao escrito.

 

O prof primavera, chama atenção para um trabalho de correção que deve se voltar, para uma comparação, entre o certo e o errado, o que se traduz aqui, não como uma ação que tem como ponto de partida o erro, mas de pensar o escrito e comparar por meio da Libras, as formas de escrita, já que em outro momento, ele diz, que o estudante aprende as duas línguas paralelamente.

 

Os professores Prof. Estrela, Prof. Flor, Prof. Renascer e Prof. Primavera, chamam a atenção para a correção das escritas, não especificamente no escrito em si, mas a nível semântico-discursivo, tendo em vista que a maioria dos alunos não são alfabetizados em LP escrita, fazendo na maioria das vezes, transcrição das atividades. É destacado, a presença do intérprete neste trabalho, como via para a construção semântica, tanto por parte do estudante como também pelo professor que não desenvolveu a aprendizagem da Libras., mas que a reconhece como fundamental para a aprendizagem da L2.

 

O quarto eixo, tomado com elemento de reflexão para o trabalho do professor junto ao estudante surdo se caracteriza como “as dificuldades encontradas” durante o ensino de LP escrito. E foi identificado o seguinte:

 

A interpretação (Prof. Luz)

Não, pois o aluno tem domínio da Língua escrita (Prof. Estrela).

Não sei a língua de sinais; O tempo que há para as aulas de língua portuguesa é pouco, dificultando o contato direto com o aluno surdo para dar atenção individualizada; O fato de o estudante não ser alfabetizado na língua portuguesa. A falta de formação para ensinar alunos surdos (Prof. Flor).

Sempre preciso de intérprete (Prof. Renascer)

As dificuldades são referentes ao fato de o estudante não conhecer o significado de algumas palavras, conteúdos essenciais da língua portuguesa e o fato de eu não saber libras (Prof. Florescer).

Os alunos surdos não são alfabetizados em português (Prof. Primavera)

 

        As respostas dos professores, giram em torno de elementos internos e externos, que envolvem tanto os estudantes, como também os professores. No que se refere ao estudante, pode ser observado, a não alfabetização em Libras por parte de alguns, como também a não alfabetização em LP, o que segundo os professores dificulta a continuidade da aprendizagem em LP, estudada e aprendida na sala do AEE. No que se refere aos professores, a maioria aponta para o não conhecimento da Libras (não saber a língua), e por não saber como conduzir o ensino da LP escrita para quem ainda não foi alfabetizado na LP.

 

O Prof. Flor, além de destacar a dificuldade por não saber a Libras, ainda traz à tona a ausência de formação acerca do trabalho com surdo e, também o tempo destinado no currículo escolar para as aulas de LP, o que segundo ele, é insuficiente, implicando ou dificultando a realização de um trabalho individualizado, de modo a olhar com mais atenção o contexto de situação do aluno nas aulas de LP.

 

O Prof. Estrela, destaca que as maiores dificuldades no ensino da LP (mesmo ele não identificando, pois o estudante por ele atendido, é alfabetizado em LP e em Libras), surgem quando o estudante surdo não é alfabetizado em LP, pois mesmo o professor não sabendo Libras, por meio da escrita, consegue produzir uma comunicação, mas sendo necessário, fazer o uso dos diversos gêneros textuais para o trabalho com o ensino da LP.

 

As dificuldades vividas pelos professores que trabalham com o ensino de LP na modalidade escrita, para e com estudantes surdos, como se percebe no constructo produzido junto aos professores, são de natureza situacional e, ao mesmo tempo cultural, presentes na história da Educação de Surdos ao longo do tempo, tanto no campo das políticas de inclusão e de acessibilidade linguísticas, sejam no que se refere a construção de identidade social, vista por muito como sujeitos invisibilizados  na e pela sociedade.

Consideração finais

 

A pesquisa realizada possibilitou compreender, a partir do estudo com professores e demais profissionais que atuam em turmas com matrículas de alunos surdos, que a concepção de ensino e as propostas de atividades voltadas ao ensino da LP como L2 para o estudante surdo estão diretamente relacionadas às concepções de ensino e aprendizagem dos sujeitos envolvidos nesse processo.

Verificamos que, em muitos casos, as atividades propostas para o ensino do português escrito como L2 são orientadas por uma perspectiva voltada à população majoritária, isto é, aos falantes ouvintes, desconsiderando as especificidades do estudante surdo que aprende o português na condição de segunda língua.

A ausência de um ensino que parta dos contextos culturais, sociais e históricos de uso da língua não impacta apenas a metodologia adotada pelo professor, mas também compromete o processo de ensino e aprendizagem, tanto de alunos ouvintes quanto de alunos surdos.

Dessa forma, o estudo evidencia a necessidade de construção de práticas pedagógicas que considerem os processos subjetivos dos estudantes, reconhecendo-os como sujeitos ativos na produção de sentidos. Isso implica repensar o trabalho docente, de modo que o ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua para surdos seja orientado por uma perspectiva inclusiva, culturalmente situada e sensível às singularidades dos aprendizes.

 

Referências

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BRASIL, Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Presidência da República. Secretaria - Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília/DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14191.htm#art2. Acesso em 05. set. 2025.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília/DF, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.  Acesso em: 04 set. 2025

CUNHA, Aldeci Fernandes da Cunha. A expressão criativa no ensino da língua brasileira de sinais como parte do atendimento educacional especializado: uma possibilidade na inclusão de alunos surdos. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Ensino da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte- UERN, Pau dos Ferros, RN, 2016.

FUZER, Cristiane; CABRAL, Sara Regina. Introdução à gramática sistêmico-funcional em Língua Portuguesa. – 1. ed. – Campinas, SP: Mercado de Letras, 2014. – (Coleção as Faces da Linguística Aplicada).

GONZÁLEZ REY, Fernando Luís. Epistemología cualitativa y subjetividad. São Paulo: EDUC, 1997.

JANNUZZI, Gilberto de Martino. A Educação do deficiente no Basil: dos primórdios ao início do século XXI. 3. ed. rev. – Campinas, SP: Autores Associados, 2012. (Coleção educação contemporânea).

 

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