A influência da Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) nas relações entre irmãos: Uma revisão integrativa da literatura
The influence of autism spectrum disorder (ASD) on sibling relationships: An integrative literature review
La influencia del transtorno del espectro autista (TEA) en las relaciones entre hermanos: Una revisión integrativa de la literatura
Município de Vila Nova de Famalicão, Vila Nova de Famalicão, Portugal
Centro de Investigação em Estudos da Criança, Braga, Portugal.
Harley Street Medical Center, Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos
Global Speech Therapy Hub
Recebido em 10 de junho de 2025
Aprovado em 14 de julho de 2025
Publicado em 21 de julho de 2025
RESUMO
A família, especialmente os pais e irmãos, constitui o núcleo onde se formam as primeiras relações interpessoais, proporcionando apoio e segurança. Quando um irmão é diagnosticado com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), ocorrem alterações significadas nas dinâmicas familiares para um ajuste às necessidades específicas da criança com PEA. Essas mudanças, que afetam rotinas e o tempo de qualidade em família, podem influenciar o comportamento, as competências socioemocionais e as relações entre irmãos. Propõe-se analisar, através de uma revisão integrativa da literatura, a influência da PEA nas relações entre irmãos. Deste modo, foram identificados 18 estudos publicados entre 2015 e 2024, cujas abordagens metodológicas se centram em pesquisas qualitativas, quantitativas e mistas. As bases de dados utilizadas foram: Web of Science, Scopus e Scielo. A pesquisa foi conduzida com recurso a palavras-chave em português europeu e do brasil e inglês, nomeadamente, português: PEA OU autismo E irmãos E relações; irmãos E PEA; inglês: ASD OR autism spectrum disorder AND siblings; siblings AND ASD. O estudo conclui que, embora as relações entre irmãos com e sem PEA sejam desafiadoras, elas também promovem o desenvolvimento de competências sociais e emocionais. Ressalta-se a importância do suporte familiar e comunitário para minimizar os impactos negativos e fortalecer os vínculos familiares.
Palavras-chave: Perturbação do espectro do autismo; Irmãos; Relações.
ABSTRACT
The family, especially parents and siblings, forms the core where the first interpersonal relationships are established, providing support and security. When a sibling is diagnosed with Autism Spectrum Disorder (ASD), significant changes occur in family dynamics to adjust to the specific needs of the child with ASD. These changes, which affect routines and family quality time, may influence behavior, socioemotional skills, and sibling relationships.
This study proposes to analyze, through an integrative literature review, the influence of ASD on sibling relationships. In this context, 18 studies published between 2015 and 2024 were identified, with methodological approaches focusing on qualitative, quantitative, and mixed-method research.
The databases used were: Web of Science, Scopus, and Scielo. The search was carried out using keywords in European and Brazilian Portuguese and English, namely: Portuguese: PEA OR autism AND siblings AND relationships; siblings AND PEA; English: ASD OR autism spectrum disorder AND siblings; siblings AND ASD. The study concludes that, although relationships between siblings with and without ASD are challenging, they also foster the development of social and emotional skills. The importance of family and community support is emphasized to minimize negative impacts and strengthen family bonds.
Keywords: Autism spectrum disorder; Siblings; Relationships.
RESUMEN
La familia, especialmente los padres y hermanos, constituye el núcleo donde se forman las primeras relaciones interpersonales, proporcionando apoyo y seguridad. Cuando un hermano es diagnosticado con un Trastorno del Espectro Autista (TEA), se producen cambios significativos en la dinámica familiar para ajustarse a las necesidades específicas del niño con TEA. Estos cambios, que afectan a las rutinas y al tiempo de calidad en familia, pueden influir en el comportamiento, las competencias socioemocionales y las relaciones entre hermanos. Se propone analizar, a través de una revisión integradora de la literatura, la influencia del TEA en las relaciones entre hermanos. De este modo, se identificaron 18 estudios publicados entre 2015 y 2024, cuyas metodologías se centran en investigaciones cualitativas, cuantitativas y mixtas. Las bases de datos utilizadas fueron: Web of Science, Scopus y Scielo. La búsqueda se realizó utilizando palabras clave en portugués europeo y brasileño, así como en inglés, a saber: en portugués: TEA O autismo Y hermanos Y relaciones; hermanos Y TEA; en inglés: ASD OR autism spectrum disorder AND siblings; siblings AND ASD. El estudio concluye que, aunque las relaciones entre hermanos con y sin TEA son desafiantes, también promueven el desarrollo de habilidades sociales y emocionales. Se destaca la importancia del apoyo familiar y comunitario para minimizar los impactos negativos y fortalecer los vínculos familiares.
Palabras clave: Trastorno del espectro autista; Hermanos; Relación.
Introdução
A Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma condição neurodesenvolvimental complexa, caracterizada por dificuldades na comunicação social e por padrões de comportamento, interesses e atividades restritos e repetitivos, conforme definido pelo DSM-5-TR (2022). Estas características não apenas influenciam a vida da criança com PEA, como também moldam as dinâmicas familiares, exigindo reestruturações contínuas para lidar com os desafios inerentes a esta perturbação (Coffman et al., 2021; Reis et al., 2021).
A PEA implica uma gestão desafiante a vários níveis contextuais com um grande impacto na participação social da criança e da sua família. Por um lado, as escolhas da criança com PEA que prefere realizar atividades sozinha ou em conjunto com os pais/irmãos e por outro lado, o impacto direto da perturbação na participação – que se torna mais limitada – em atividades recreacionais que incluam algum tipo de componente social, nas relações sociais e amizades próximas (Egilson et al., 2017). Consequentemente, pode tornar-se difícil, para as famílias, corresponder às exigências sociais que a participação nas diferentes situações exige. Na maioria das vezes os contextos não se encontram ajustados às características das crianças e as famílias sentem que têm que estar sempre alerta; os comportamentos que a criança pode manifestar nos diferentes contextos, como por exemplo, igreja, restaurante, supermercado e que são raramente compreendidos pelos demais conduzem, muitas vezes a que a família tenha sentimentos de exclusão social e sinta dificuldade em sentir-se parte da comunidade. Os pais desenvolvem constantemente estratégias para proteger os filhos e tentar garantir alguma forma de participação o que, muitas vezes, interfere com o seu próprio bem-estar emocional (Smith et al., 2023)
Desta forma, as rotinas familiares são frequentemente afetadas pela necessidade de adaptação a novas realidades e pela gestão de expectativas, de modo a garantir a qualidade de vida de todos os seus membros. Dentro deste contexto, as vivências e relações entre irmãos com e sem PEA destacam-se como um elemento central, dada a importância deste vínculo no desenvolvimento psicossocial, emocional e comportamental de ambos os irmãos (Walton; Ingersoll, 2015).
Os irmãos desempenham um papel crucial no desenvolvimento uns dos outros, proporcionando oportunidades de partilha emocional, de promoção da autonomia e da resiliência, bem como de aprendizagem social. A relação entre irmãos pode ser vista como um espaço onde diferentes emoções são experienciadas, modelos de comportamento são construídos e competências como a tolerância e a compreensão são desenvolvidas (Cardoso; Françozo, 2015; Laghi et al., 2018; Silva; Lucas, 2020).
Na infância, os irmãos funcionam como modelos e parceiros sociais, contribuindo para a aquisição da linguagem, regulação emocional e desenvolvimento da empatia e de competências de resolução de conflitos. Na idade adulta, as relações entre irmãos continuam a ter um papel estabilizador, sendo a proximidade emocional um fator de bem-estar, especialmente durante períodos de transição. Laços fraternos fortes estão correlacionados com maior satisfação com a vida, autonomia e competência na adultez emergente (Rawat et al., 2024).
Relações fraternas positivas estão associadas a uma maior competência social, melhores relações com os pares e maior inteligência emocional, enquanto os conflitos — quando equilibrados com afeto — podem promover o desenvolvimento da compreensão social. A qualidade da interação fraterna, incluindo o afeto, a rivalidade e o tratamento parental diferenciado, está consistentemente associada a resultados socioemocionais em crianças e adolescentes (Schmeer et al., 2021).
A literatura disponível evidencia tanto os aspetos positivos quanto os desafios associados às relações entre irmãos quando um deles apresenta PEA. Estudos como os de Watson et al. (2021) revelam que esta relação pode ser enriquecedora, promovendo nos irmãos sem PEA competências como empatia, responsabilidade e um forte sentido de proteção. Contudo, também apontam para desafios emocionais, como ansiedade e depressão, frequentemente relacionados com as preocupações sobre o futuro do irmão com PEA e as dificuldades que este pode enfrentar em várias áreas da sua vida.
De facto, o estudo de Mokoena e Kern (2022) revela que alguns irmãos sem PEA reportam que, durante a infância e a adolescência, sentem uma sobrecarga emocional que conduz a um ciclo de conflitos internos e sentimentos contraditórios em relação aos irmãos com PEA. Na dinâmica da família indicam mais suporte dirigido ao irmão e que muitas vezes têm que assumir o papel de pai/mãe. Esta experiência podem ter um claro impacto na definição da identidade e das escolhas de vida dos irmãos sem PEA. São também reportados efeitos adversos na vida social, muitos dos quais relacionados com o ambiente escolar e os pares com o medo de sofrerem bullying e serem excluídos pelo facto de terem um irmão com PEA.
Por outro lado, a qualidade das relações entre irmãos com e sem PEA pode ser significativamente marcada por proximidade, admiração e apoio mútuo. Investigadores como Lashewicz (2018) e Schmeer et al. (2021) destacam que a convivência com um irmão com PEA pode fomentar competências psicossociais e emocionais nos irmãos sem PEA, sendo este vínculo frequentemente caracterizado por tolerância e compreensão.
Considerando que a família é o primeiro contexto de socialização da criança, onde esta estabelece as suas primeiras relações sociais e desenvolve competências fundamentais, é essencial reconhecer o papel dos irmãos na promoção do desenvolvimento da criança com PEA (Cardoso;Françozo, 2015; Laghi et al., 2018). A interação entre irmãos é uma via de aprendizagem mútua, onde ambos são influenciados pelos comportamentos e atitudes do outro, contribuindo para o seu crescimento emocional e social (Jones et al., 2019; Rum et al., 2024).
Assim, este estudo, propõe-se a analisar, através de uma revisão integrativa da literatura, a influência da PEA nas relações entre irmãos. O objetivo principal é responder à seguinte questão de investigação: De que modo a PEA influencia o conhecimento dos irmãos em relação a esta perturbação e as dinâmicas familiares entre irmãos com e sem PEA?
Método
A metodologia utilizada neste estudo foi a revisão integrativa da literatura, uma abordagem que permite a recolha e síntese de informações provenientes de estudos previamente realizados e publicados. Este método oferece uma visão abrangente sobre o fenómeno em análise, facilitando a compreensão dos diferentes aspetos envolvidos (Ferrari et al., 2023). Para este efeito, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de artigos que abordassem as relações entre irmãos com e sem Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), no âmbito de uma dissertação realizada no Mestrado de Intervenção Precoce na Infância, Universidade do Minho, Portugal.
A pesquisa foi conduzida com recurso a palavras-chave em Português Europeu e do Brasil e Inglês, nomeadamente, Português: PEA OU autismo E irmãos E relações; irmãos E PEA E adolescência; Inglês: ASD OR autism spectrum disorder AND siblings; siblings AND ASD AND adolescent. Os artigos foram pesquisados nas bases de dados internacionais Web of Science, Scopus e Scielo, reconhecidas pela sua relevância e rigor científico. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram os seguintes i) idioma: artigos escritos em português do Brasil ou Português Europeu e/ou inglês; ii) temporalidade: artigos publicados entre 2015 e 2024, visando uma atualização dos últimos 10 anos; iii) qualidade científica: artigos com revisão por pares; iv) relevância: estudos relacionados diretamente com a temática das relações entre irmãos com e sem PEA. Foram definidos os seguintes critérios de exclusão: artigos científicos sem revisão por pares, escritos noutras línguas que não o português Europeu ou do Brasil e/ou Inglês e que não foram publicados no período temporal definido (2015 a 2024).
A seleção dos artigos seguiu os seguintes passos: i) identificação inicial: foi realizada uma pré-seleção de 70 artigos com base nas palavras-chave e nas bases de dados descritas; ii) aplicação de critérios de seleção: após a análise inicial, foram excluídos os artigos que não cumpriam os critérios de inclusão, nomeadamente a língua de publicação e a revisão por pares, resultando em 43 artigos; iii) filtragem temporal: os artigos que não respeitavam o intervalo de publicação entre 2015 e 2024 foram eliminados, reduzindo o número de estudos para 18. A figura 1 apresenta o fluxograma da etapa de seleção dos artigos.
Figura 1 – Fluxograma da etapa de seleção dos artigos
Fonte: Autoria própria
Os 18 artigos selecionados para análise foram descritos e organizados de acordo com diferentes critérios, apresentados no Quadro 1 – Descrição dos Estudos Selecionados.
Dos 18 artigos analisados, 11 adotaram uma abordagem qualitativa, aprofundando as experiências e perceções individuais de irmãos, mães e famílias no contexto do PEA. Cinco estudos utilizaram metodologias quantitativas, centrando-se em medições objetivas como competências sociais, qualidade de vida e padrões de relação. Dois estudos seguiram uma abordagem mista, combinando métodos qualitativos e quantitativos para explorar tanto perceções subjetivas quanto dados objetivos.
No que concerne à amostra dos diferentes artigos, 10 artigos focaram-se exclusivamente em irmãos, 3 analisaram mães e irmãos, e outros 3 abordaram famílias completas, considerando as dinâmicas familiares no contexto do PEA. A predominância dos estudos centrou-se nos irmãos sem PEA, mas também incluiu perspetivas familiares mais amplas e o impacto de intervenções.
No idioma de publicação verifica-se: i) 15 artigos foram publicados em Inglês, ii) 2 em Português do Brasil, iii) 1 em Português Europeu.
No que diz respeito aos Objetivos dos estudos: i) 8 estudos focaram-se em compreender as perceções, experiências e adaptações de irmãos sem PEA em relação aos seus irmãos com PEA, ii) 4 estudos analisaram as dinâmicas familiares de forma mais ampla, incluindo a interação entre mães, pais, irmãos com e sem PEA, iii) 3 estudos investigaram a relação e os fatores protetores ou de risco entre irmãos com e sem PEA, iv) 2 estudos exploraram os impactos do envolvimento de irmãos em intervenções direcionadas a crianças com PEA, e v) 1 estudo centrou-se exclusivamente no impacto de irmãos mais velhos e mais novos no desenvolvimento social de crianças com PEA.
Quadro 1 – Descrição dos artigos selecionados
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FONTE ANO |
1o AUTOR TÍTULO |
PARTICIPANTES MÉTODO PRINCIPAIS RESULTADOS |
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Scopus 2024 |
Rum, Y. Sibling Relationships in Families of Autistic and Typical Children: Similarities and Differences in the Perspectives of Siblings and Mothers.
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Mães e irmãos de crianças com e sem PEA Misto Relações distantes e menos conflituosas nas famílias com PEA. |
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Scopus 2023 |
Oti-Boadi, M Experiences of siblings of individuals with autism spectrum disorders.
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8 irmãos sem PEA Qualitativo Preocupações sobre a PEA, desafios na comunicação, estratégias de adaptação, relação próxima e unida. |
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Scielo 2022 |
Lemos, E. L. Jovens com transtorno autista, suas mães e irmãos: vivências familiares e modelo bioecológico. |
12 mães, 17 irmãos sem PEA, 2 jovens com PEA Qualitativo,Descritivo Redes de apoio e atividades como fatores protetores. |
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Web of Science 2022 |
Riosa, P. B How my life is unique: Sibling perspectives of autism. |
9 irmãos sem PEA Qualitativo; Desafios na comunicação, dedicação parental ao irmão com PEA, sentimentos de proteção e vínculos positivos. |
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Scielo 2021 |
Reis, E. Relações fraternais e autismo: Uma revisão integrativa da literatura.
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12 irmãos sem PEA Qualitativo Irmãos de crianças com PEA têm maior maturidade, tolerância e competências sociais. |
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Scopus 2021 |
Schmeer, A Through the eyes of a child: Sibling perspectives on having a sibling diagnosed with autism. |
15 irmãos sem PEA, 15 pais Qualitativo Adaptação, sentimentos de orgulho, vínculos positivos, constrangimento com comportamentos agressivos dos pais e dos irmãos. |
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Scopus 2020 |
Pavlopoulou, G In their own words, in their own photos: Adolescent females siblinghood experiences, needs and perspectives growing up with a preverbal autistic brother or sister. |
11 irmãs sem PEA Misto Dificuldades nas rotinas, aceitação e proteção incondicional. |
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Web of Science 2019 |
Garrido, D. Siblings of children with autism spectrum disorders: social support and family quality of life. |
41 irmãos sem PEA, 37 irmãos de crianças sem PEA; Quantitativo; Apoios formais e informais melhoram competências e qualidade de vida. |
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Web of Science 2019 |
Shivers, C. M. Empathy and perceptions of their brother or sister among adolescent siblings of individuals with and without autism spectrum disorder. |
26 adolescentes com irmãos com PEA, 48 adolescentes sem irmãos com PEA; Quantitativo; Níveis mais elevados de empatia, preocupação e compreensão nos irmãos sem PEA. |
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Web of Science 2019 |
Costa, F. M. P The child with autism disorder: The Perceptions of Siblings. |
6 irmãos sem PEA Qualitativo Compreensão maior leva a relações sólidas e proteção incondicional. |
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Scopus 2019 |
Pavlopoulou, G. I don’t live with autism: I live with my sister. Sisters accounts on growing up with their preverbal autistic siblings. |
9 irmãs sem PEA Qualitativo Relação próxima, responsabilidade, proteção e preocupação com comportamentos agressivos. |
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Web of Science 2019 |
Jones, E. One Sibling has Autism: Adjustment and Sibling Relationship. |
52 irmãos Quantitativo Perceções mais positivas relacionam-se com maior qualidade nas relações e no suporte ao irmão com PEA.
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Web of Science 2018 |
Ben-Itzchak, E. Having Siblings is Associated with Better Social Functioning in Autism Spectrum Disorder. |
150 crianças com PEA Quantitativo Irmãos mais velhos ajudam a melhorar competências sociais e reduzir défices de interação. |
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Web of Science 2018 |
Orsmond, G. Adult Siblings Who Have a Brother or Sister with Autism: Between-Family and Within-Family Variations in Sibling Relationships. |
127 famílias, 205 irmãos sem PEA Quantitativo Relações variam entre famílias, vínculos próximos impactam positivamente o bem-estar. |
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Web of Science 2017 |
Dansby, R. A A phenomenological content analysis of online support seeking by siblings of people with autism. |
Irmãos/ãs de crianças com PEA Qualitativo Orgulho, amor, preocupação, dificuldades em desenvolver relações esperadas, medo e tristeza. |
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Web of Science 2017 |
Gorjy, R. S. It’s better than it used to be: Perspectives of adolescent siblings of children with an autism spectrum condition. |
11 adolescentes Qualitativo Relações próximas, orgulho, responsabilidade e maior compreensão sobre alterações no desenvolvimento. |
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Web of Science 2016 |
Corsano, P. Typically developing adolescents’ experience of growing up with a brother with an autism spectrum disorder. |
14 adolescentes Qualitativo Sentem responsabilidade e preocupação. Reconhecem dificuldades dos irmãos em contato social e amizades. |
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Web of Science 2015 |
Shivers, C. M Sibling involvement in interventions for individuals with autism spectrum disorders: A systematic review. |
17 artigos Qualitativo Envolvimento de irmãos resulta em melhorias nas competências sociais e redução de comportamentos desadequados. |
Fonte: Autoria própria
Resultados
Os estudos analisados destacam que, apesar dos desafios, as relações entre irmãos com e sem PEA são geralmente descritas como positivas. Irmãos sem PEA desenvolvem competências sociais e emocionais, como empatia, tolerância e resiliência, que fortalecem os vínculos familiares. No entanto, dificuldades como comportamentos agressivos e falta de suporte adequado podem impactar negativamente estas relações. Os resultados reforçam a importância do apoio familiar e profissional para promover relações saudáveis e adaptativas.
Discussão dos Resultados
A discussão dos resultados dos estudos analisados permite identificar tanto pontos de convergência quanto divergências no que diz respeito às vivências e relações entre irmãos com e sem PEA.
Compreensão e Adaptação às Características da PEA: Os resultados destacam que a convivência com um irmão com PEA frequentemente promove uma maior compreensão e aceitação das características desta perturbação, fomentando a empatia e a necessidade de adaptação às suas especificidades (Costa; Pereira, 2019; Dansby et al., 2017; Reis et al., 2021; Riosa et al., 2022; Shivers, 2019; Shivers; Plavnick, 2015). Esta adaptação traduz-se na aquisição de competências sociais e emocionais por parte dos irmãos sem PEA, como a paciência, tolerância e maior capacidade de resolução de conflitos.
Responsabilidade e Preocupação com o Futuro: A literatura evidencia sentimentos precoces de responsabilidade e preocupação por parte dos irmãos sem PEA relativamente ao futuro dos irmãos com PEA. Estes reconhecem as dificuldades dos irmãos em estabelecer contactos sociais e comunicar, expressando frequentemente o desejo de assumir cuidados no futuro, caso os pais não estejam presentes (Corsano et al., 2016; Orsmond; Fulford, 2018; Reis et al, 2021; Shivers, 2019). Estes sentimentos refletem o impacto profundo da PEA na dinâmica familiar e no papel assumido pelos irmãos sem PEA.
Proximidade e Companheirismo: As relações entre irmãos com e sem PEA são frequentemente descritas como próximas e de companheirismo, promovendo vínculos sólidos, união e amor (Dansby et al., 2017; Gorjy et al., 2017; Pavlopoulou; Dimitriou, 2019). Irmãos sem PEA valorizam o tempo partilhado, reconhecendo as potencialidades dos irmãos com PEA, como interesses específicos e capacidades únicas, e expressam orgulho pelas suas conquistas (Orsmond; Fulford, 2018; Pavlopoulou; Dimitriou, 2020).
Trocas de Aprendizagem e Influências Recíprocas: As trocas de aprendizagem entre irmãos são evidentes, com os irmãos sem PEA frequentemente a desempenharem um papel ativo no desenvolvimento social, comunicativo e funcional dos irmãos com PEA. Por outro lado, a convivência com um irmão com PEA permite aos irmãos sem PEA desenvolverem maior tolerância e compreensão face a crianças com perturbações do desenvolvimento (Gorjy et al., 2017; Schmeer et al., 2021; Shivers; Plavnick, 2015).
Desafios Relacionados com Comportamentos e Comunicação: Apesar dos aspetos positivos, a relação entre irmãos pode ser marcada por desafios relacionados com comportamentos agressivos e dificuldades comunicativas dos irmãos com PEA. Estes momentos podem gerar sentimentos de culpa, tristeza e frustração, impactando negativamente a adaptação e a qualidade da relação (Gorjy et al., 2017; Jones et al., 2019; Pavlopoulou; Dimitriou, 2019). Estes desafios sublinham a importância de estratégias de suporte emocional e comunicativo para mitigar o impacto destas situações.
O Papel dos Pais na Relação Entre Irmãos: Os pais desempenham um papel crucial na mediação e interpretação da relação entre irmãos. A comunicação aberta sobre a PEA e o envolvimento dos pais são fatores fundamentais para facilitar a compreensão e aceitação da condição por parte dos irmãos sem PEA (Pavlopoulou; Dimitriou, 2020; Reis et al., 2021; Shivers; Plavnick, 2015). Por outro lado, as perceções dos pais podem variar, com alguns a descreverem as relações como distantes e pouco carinhosas, enquanto outros reconhecem competências aprimoradas nos seus filhos sem PEA para lidar com o irmão com PEA (Rum et al., 2024).
Apoio Familiar e Comunitário: O suporte familiar e comunitário surge como um fator essencial para garantir o bem-estar de todos os membros da família. Estudos destacam que o apoio formal e informal contribui para aliviar o stress familiar, promover a adaptação e proporcionar um ambiente que favoreça a qualidade das relações entre irmãos (Garrido et al., 2020; Lemos; Salomão, 2022). Estas redes de suporte são especialmente importantes para mitigar o impacto das características mais desafiantes da PEA.
Conclusões
O presente estudo teve como propósito analisar as perspetivas dos irmãos sem PEA face às suas relações com um irmão com PEA, analisando as dinâmicas familiares, os desafios enfrentados e as oportunidades de desenvolvimento mútuo.
O diagnóstico de PEA representa, para muitas famílias, um ponto de viragem profundo nas suas rotinas e estruturas familiares. Este evento não apenas desafia as expectativas previamente construídas, como conduz os cuidadores à necessidade de reorganizarem prioridades, ajustarem dinâmicas diárias e a adquirirem novos conhecimentos sobre as especificidades da condição (Reis et al., 2021). A compreensão dos desafios associados à PEA exige um investimento emocional e cognitivo significativo, uma vez que as famílias se deparam com a necessidade constante de responder a comportamentos, necessidades sensoriais e formas de comunicação diferentes das convencionais.
Os estudos analisados evidenciam que a relação entre irmãos com e sem PEA é uma experiência única e complexa, marcada por momentos de proximidade e desafios. Por um lado, estas relações fomentam o desenvolvimento de competências sociais essenciais, como a tolerância, a compreensão, a responsabilidade e a empatia. Os irmãos sem PEA demonstram uma notável capacidade de resiliência, adaptando-se às necessidades e especificidades dos seus irmãos com PEA, o que fortalece os laços de proximidade e proteção. Por outro lado, os comportamentos disruptivos, as dificuldades na comunicação e a aceitação social das características da PEA são desafios significativos que podem gerar sentimentos de tristeza, preocupação e, ocasionalmente, frustração nos irmãos sem PEA, afetando a qualidade da relação.
Cada membro de uma família desempenha um papel fundamental no sistema familiar. Os irmãos sem PEA, com o devido suporte, podem tornar-se agentes transformadores nas vidas dos seus irmãos com PEA e no funcionamento geral da família. Capacitar estes irmãos, dando-lhes voz, ferramentas e oportunidades para partilhar os seus sentimentos, é essencial para promover o bem-estar emocional e relacional de todos os envolvidos. Este processo requer uma comunicação aberta e redes de apoio que possibilitem a expressão de emoções e o fortalecimento das relações familiares (Tsao et al., 2011).
A família, enquanto núcleo de individualização e socialização, desempenha um papel central no desenvolvimento de todos os seus membros. Dentro deste contexto, o subsistema fraternal constitui uma fonte de suporte social informal, contribuindo diretamente para o bem-estar emocional e funcional de crianças com e sem PEA. Os pais, enquanto mediadores e facilitadores, têm a responsabilidade de promover a compreensão e o apoio mútuo entre os filhos, especialmente nos momentos de maior conflito ou desafio.
Por fim, ao garantir condições de suporte, comunicação aberta e uma estrutura familiar coesa, é possível construir relações baseadas em pilares de respeito, compreensão e proximidade emocional. Estes pilares promovem não apenas o desenvolvimento individual de cada membro, mas também a harmonia e o bem-estar no ambiente familiar, assegurando uma convivência mais positiva e enriquecedora para todos.
Deste modo, considera-se que este estudo poderá ter um contributo na área da educação especial, nomeadamente ao nível da melhoria das práticas dos profissionais que devem garantir um envolvimento ativo dos irmãos no processo de intervenção com crianças com PEA. Como futuras investigações este estudo torna clara a necessidade de um maior aprofundamento do impacto das relações entre irmãos, bem como do papel desempenhado pela família na melhoria destas interações. Ressalva-se, no entanto, como limitação deste estudo a inclusão de um artigo de revisão sistemática e um de revisão integrativa, o que pode ter condicionado a análise de fontes primárias.
Agradecimentos
UID/317: Centro de Investigação em Estudos da Criança
Referências
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