Envolvimento Parental em Intervenção para Estimulação das Funções Executivas e Autorregulação Emocional em Crianças e Adolescentes: Uma Revisão de Escopo

Parental Involvement in Intervention for Executive Functions and Self-Regulation in Children and Adolescents: A Scoping Review

Participación Parental en Intervenciones para la Estimulación de las Funciones Ejecutivas y la Autorregulación Emocional en Niños y Adolescentes: Una Revisión de Alcance

 

Raissa Lara Barros Cordeiro

Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil.

raissalarab@gmail.com

 

Amanda Lima Rubim

Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil.

amandalrubim@gmail.com

 

Natália Beatriz Matos  

Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil.

nataliabeatrizmatoss@gmail.com

 

Amanda Rodrigues Amorim

Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil.

achristine074@gmail.com

 

Chrissie Ferreira de Carvalho

Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil.

chrissieca@gmail.com

 

 

Recebido em 19 de dezembro de 2024

Aprovado em 09 de maio de 2025

         Publicado em 26 de junho de 2025

                                        

 

RESUMO

Intervenções cognitivas para crianças e adolescentes, amplamente aplicadas no contexto clínico e escolar para prevenir dificuldades ou remediar déficits em funções executivas, autorregulação emocional e habilidades socioemocionais, têm sido exploradas de forma mais aprofundada quanto ao papel dos pais e cuidadores na estimulação dessas habilidades, sobretudo quando estes estão envolvidos nas intervenções. Este estudo objetivou mapear os principais achados da literatura sobre o envolvimento parental em intervenções neuropsicológicas na infância e adolescência, por meio de uma revisão de escopo, utilizando o protocolo PRISMA-ScR. A estratégia de busca foi elaborada com o suporte de um bibliotecário especializado, seguindo o acrônimo PICOS, com ênfase em estudos experimentais e quase-experimentais. A busca foi realizada em seis bases de dados indexadas, sem restrições de ano ou idioma. Foram encontrados 153 artigos, dos quais, após a exclusão de duplicatas, leitura de títulos, resumos e artigos completos, sete foram selecionados para análise final. Dos estudos incluídos, apenas um foi direcionado ao público adolescente, enquanto os demais focaram em intervenções com crianças, dividindo-se entre desenvolvimento típico e atípico. Os resultados evidenciaram divergências significativas nos objetivos dos estudos, no formato das intervenções, no público-alvo e, principalmente, nos diferentes modos de envolvimento de pais e cuidadores na estimulação cognitiva. Essas inconsistências sinalizam uma complexidade e dificuldade na definição de parâmetros robustos para pesquisa e intervenção, evidenciando lacunas importantes na compreensão do papel do envolvimento parental em intervenções neuropsicológicas e na sua integração efetiva ao tratamento de crianças e adolescentes.

Palavras-Chave: Intervenção Neuropsicológica; Desenvolvimento Infantil; Estimulação Cognitiva; Funções Executivas.

 

ABSTRACT

Cognitive interventions for children and adolescents, widely applied in clinical and school settings to prevent difficulties or remediate deficits in executive functions, emotional self-regulation, and socioemotional skills, have been increasingly explored regarding the role of parents and caregivers in stimulating these abilities, especially when they are actively involved in the interventions. This study aimed to map the main findings in the literature on parental involvement in neuropsychological interventions during childhood and adolescence through a scoping review using the PRISMA-ScR protocol. The search strategy was developed with the support of a specialized librarian, following the PICOS acronym, with an emphasis on experimental and quasi-experimental studies. The search was conducted in six indexed databases, with no restrictions on year or language. A total of 153 articles were identified; after removing duplicates and screening titles, abstracts, and full texts, seven studies were selected for the final analysis. Among the included studies, only one focused on adolescents, while the others examined interventions with children, covering both typical and atypical development. The results revealed significant divergences in study objectives, intervention formats, target populations, and, most notably, in the different ways parents and caregivers were involved in cognitive stimulation. These inconsistencies indicate complexity and challenges in establishing robust parameters for research and intervention, highlighting important gaps in understanding the role of parental involvement in neuropsychological interventions and its effective integration into the treatment of children and adolescents.

Keywords: Neuropsychological Intervention; Child Development; Cognitive Stimulation; Executive Functions.

 

RESUMEN

Las intervenciones cognitivas dirigidas a niños y adolescentes, ampliamente aplicadas en contextos clínicos y escolares para prevenir dificultades o remediar déficits en funciones ejecutivas, autorregulación emocional y habilidades socioemocionales, han sido exploradas con mayor profundidad en relación con el papel de los padres y cuidadores en la estimulación de dichas habilidades, especialmente cuando participan en las intervenciones. Este estudio tuvo como objetivo mapear los principales hallazgos de la literatura sobre la participación parental en intervenciones neuropsicológicas durante la infancia y adolescencia, mediante una revisión de alcance siguiendo el protocolo PRISMA-ScR. La estrategia de búsqueda fue desarrollada con el apoyo de un bibliotecario especializado, conforme al acrónimo PICOS, con énfasis en estudios experimentales y cuasi-experimentales. Se realizaron búsquedas en seis bases de datos indexadas, sin restricciones de año o idioma. Se identificaron 153 artículos, de los cuales, tras la eliminación de duplicados y la lectura de títulos, resúmenes y textos completos, siete fueron seleccionados para el análisis final. De los estudios incluidos, solo uno estaba dirigido a adolescentes, mientras los demás se centraban en intervenciones con niños, abarcando tanto el desarrollo típico como atípico. Los resultados mostraron diferencias significativas en los objetivos, formatos de intervención, población objetivo y, especialmente, en las formas de participación parental. Estas inconsistencias reflejan la complejidad y los desafíos en la definición de parámetros sólidos para la investigación e intervención, revelando lagunas relevantes en la comprensión del papel del involucramiento parental en intervenciones neuropsicológicas y su integración efectiva en el tratamiento de niños y adolescentes.

Palabras clave: Intervención Neuropsicológica; Desarrollo Infantil; Estimulación Cognitiva; Funciones Ejecutivas.

 

 

Introdução

        O desenvolvimento de intervenções neuropsicológicas voltadas para a infância e adolescência, sejam preventivas ou de reabilitação, tem papel importante na estimulação de habilidades cognitivas, sociais e emocionais, considerando o momento sensível de desenvolvimento e a maior plasticidade do cérebro, que favorecem ganhos ao longo de toda a vida (Hess e Rocha, 2024). A estimulação dessas habilidades tem papel fundamental no desenvolvimento de estratégias para lidar com dificuldades ou mesmo diminuir déficits que impactam nas atividades diárias (Carvalho, 2019).

Grande parte dos programas interventivos é focada no contexto escolar, muitas vezes adaptados para o contexto clínico, sendo administrados por profissionais da infância como psicólogos, neuropsicólogos e pedagogos, que utilizam atividades estruturadas e diferentes técnicas para alcançar objetivos estabelecidos, considerando as dificuldades e potencialidades do paciente (Dias; Cardoso; Carvalho, 2019). No entanto, considera-se que outros contextos também são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades, como o familiar, sobretudo quando se pensa na generalização das estratégias aprendidas. Isso ocorre porque as crianças e adolescentes podem colocar em prática e treinar diferentes conhecimentos na interação com seus pares e adultos (Espozito, 2022).

Na infância, é comum que as intervenções comecem após avaliação neuropsicológica ou queixa escolar, com o objetivo de remediar dificuldades já percebidas e prevenir futuros problemas. As demandas estão comumente relacionadas às Funções Executivas (FE), um conjunto de habilidades cognitivas importantes para estabelecer metas e executar tarefas, divididas em três funções nucleares (controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho) e funções de alta ordem, como raciocínio, resolução de problemas, autorregulação e planejamento (Diamond, 2013). Essas habilidades estão relacionadas a desfechos importantes durante a vida, como melhor desempenho acadêmico (Dias; Pereira; Seabra, 2022), relações sociais positivas e melhor qualidade de vida (Diamond, 2016). Outro foco importante nas intervenções com crianças em idade escolar é o processo de leitura e escrita, assim como o aprendizado de noções matemáticas (Dias; Cardoso; Carvalho, 2019). Na adolescência, por outro lado, as intervenções buscam o desenvolvimento de estratégias com o objetivo de atenuar dificuldades, aumentando o enfrentamento adaptativo e buscando a diminuição de prejuízos focados na vida escolar (Stormshak; Fosco; Dishion, 2010).

Além das intervenções neuropsicológicas mais amplas, considera-se importante o diagnóstico de transtornos do neurodesenvolvimento, bastante frequentes na fase escolar e que demandam intervenções e suporte mais específicos, como no caso de Transtornos do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositor Desafiador (TOD). A literatura enfatiza a importância de considerar as diferenças entre o desenvolvimento típico e atípico para o planejamento dos tratamentos, uma vez que suas dificuldades podem se apresentar de forma mais acentuada, sobretudo com a presença de comorbidades (Braenden et al., 2023; Hansen et al., 2018).

Ao considerar o contexto familiar, White, Shelton e Elgar (2014) destacam algumas características que podem impactar o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, como o histórico de saúde mental dos pais, situação socioeconômica, características de apego e coerência familiar. A relação positiva e o suporte entre pais e filhos são considerados um fator protetivo em relação ao desenvolvimento de psicopatologias e ao enfrentamento de situações estressoras na adolescência (Hazel et al., 2014), assim como as interações parentais positivas estão associadas a melhores estratégias de autorregulação (Rungsattatharm et al., 2025). Portanto, envolver os pais no processo interventivo é importante e pode ampliar os efeitos tanto em relação aos aspectos cognitivos como nas suas relações sociais.

A compreensão sobre o conceito de envolvimento parental não está bem estabelecida na literatura. Em uma revisão de 23 estudos acerca da participação de pais em tratamentos de saúde mental, Haine-Schlangel e Walsh (2015) concluíram que o envolvimento parental pode ser considerado multifacetado, pois envolve aspectos cognitivos e comportamentais. Os aspectos cognitivos referem-se às percepções e crenças de que o tratamento ou intervenção são eficazes quanto às dificuldades percebidas nos filhos. Já os aspectos comportamentais estão voltados para o engajamento e a participação ativa no tratamento, em termos de presença, frequência, e de ajustes e modificações da própria rotina e comportamento voltado para a parentalidade.

Nas intervenções infantis, o envolvimento parental tem sido apontado como fator importante para o sucesso das ações, considerando principalmente aspectos relacionados ao interesse, engajamento e crenças dos pais em relação ao potencial do tratamento (Rothschild et al., 2021). Ainda que os termos “intervenção parental” e “familiar” possam ser utilizados como sinônimos, alguns autores buscaram especificar o contexto e o objetivo de cada modelo de intervenção. A intervenção parental seria qualquer intervenção que envolva pais ou cuidadores, seja desenvolvida no contexto clínico, escolar, hospitalar ou familiar, podendo ou não ter objetivos específicos para os pais, além dos desfechos voltados para as crianças. Já o termo “familiar” é utilizado quando a intervenção é desenvolvida na casa da família, sendo mediada por profissionais ou pelos próprios pais após período de treinamento (Macvean et al., 2016).

Macvean e colaboradores (2016) realizaram uma revisão de programas de intervenção para pais e famílias de crianças entre 5 e 12 anos, na qual verificaram que a participação dos pais nas intervenções infantis, tanto no contexto clínico quanto familiar, apresenta um papel importante nos desfechos finais da intervenção, sobretudo no desenvolvimento cognitivo, matemático e de linguagem. Os autores sinalizaram, ainda, as diferenças em relação aos efeitos de intervenções entre famílias em situação de vulnerabilidade e com a presença de transtornos do neurodesenvolvimento. Em termos de lacunas e limitações, o estudo versa sobre a amplitude de construtos trabalhados em intervenções infantis, que dificultam a avaliação de habilidades específicas, o pouco número de intervenções para crianças menores e a dificuldade de determinar o grau de forma de envolvimento dos pais nas intervenções encontradas.

A combinação entre intervenções neuropsicológicas e o envolvimento parental pode resultar em uma maior adesão e engajamento na participação desses programas e outros tratamentos (Chacko et al., 2017). Já no caso de intervenções com adolescentes, poucas intervenções incluem o envolvimento ou mediação parental em seu escopo e planejamento, o que reflete as diferenças de participação dos pais a depender da idade do filho, tendo uma participação maior na infância e menor na adolescência.

          Até onde se sabe, não há na literatura outra revisão com foco no mapeamento de intervenções com envolvimento parental, considerando os pais como mediadores e colaboradores das intervenções. A revisão de Macvean e colaboradores (2016) teve como foco intervenções parentais e familiares e identificou diversas lacunas, como a dificuldade em mensurar o grau de participação dos pais nas intervenções com crianças e adolescentes. Além disso, focou principalmente em desfechos relacionados à linguagem, comunicação e cognição infantil, não abordando especificamente as funções executivas e a regulação emocional. Ainda que revisões anteriores tenham tratado da cognição, não aprofundaram de forma específica as discussões sobre o papel do envolvimento parental nesses aspectos. Diante disso, o presente artigo propõe-se como uma revisão de escopo, com o objetivo de mapear, na literatura especializada — incluindo estudos experimentais e quase-experimentais —, os conhecimentos e principais discussões sobre o envolvimento dos pais em intervenções neuropsicológicas voltadas para a estimulação das funções executivas e da autorregulação emocional em crianças e adolescentes.

 

Método

Protocolo

Trata-se de uma revisão de escopo desenvolvida a partir do protocolo PRISMA-ScR para revisões de escopo (Tricco et al., 2018), considerando a seguinte pergunta de pesquisa, elaborada a partir do acrônimo PICOS (População, Intervenção,  Comparação, Desfecho, Design do Estudo): "O que se sabe sobre o envolvimento parental nas intervenções em funções executivas e autorregulação emocional na infância e adolescência?"

          Após a definição dos termos e sinônimos, considerando termos abertos e tesauros, foram definidos critérios de elegibilidade: (1) estudos empíricos, quase-experimentais ou experimentais; (2) que apresentem intervenções com foco no desenvolvimento e promoção de funções executivas e/ou autorregulação emocional em crianças e adolescentes; e (3) que tenham a participação de pais ou cuidadores como mediadores principais ou secundários das intervenções.

 

Estratégia de busca

O presente estudo foi realizado no período de novembro de 2023 a setembro de 2024. A busca inicial foi feita em 13 de novembro de 2023, em seis bases de dados eletrônicas, sendo: PubMed, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Web of Science, Scopus, PsycINFO e Scientific Electronic Library Online (SciELO), selecionadas a partir da amplitude de resultados de estudos indexados na área da saúde. Em 9 de abril de 2025, foi executada uma nova busca, visando a uma varredura atualizada nas bases de dados, mas não foram encontrados novos artigos para inclusão. As buscas foram limitadas aos campos título, resumo e palavras-chave, não sendo definidos limites em relação ao idioma e ao ano de publicação dos estudos. Para essa etapa foi utilizada a seguinte estratégia de busca, elaborada com a ajuda de um profissional bibliotecário: ("parental mediation" OR "parental involvement" OR "parental participation" OR "family mediation" OR "family involvement" OR "family participation" OR "parental care"); AND ("neuropsychological interventions" OR "neuropsychological intervention") AND ("executive functions" OR "executive function" OR "executive control" OR "executive controls" OR "inhibitory control" OR "cognitive flexibility" OR "working memory" OR "working memories" OR "operational memory" OR "short-term memories" OR "short-term memory" OR "shortterm memories" OR "shortterm memory" OR "immediate memories" OR "immediate memory" OR "immediate recall" OR "immediate recalls" OR "emotional regulation" OR "emotional regulations" OR "self-regulation" OR "self regulation" OR "emotional control" OR "emotional intelligence" OR "emotional intelligences" OR "emotional knowledge"); AND (child* OR preschool* OR infant* OR pediatric* OR paediatric* OR adolescente* OR adolescence OR adolescent* OR teen* OR youth* OR young). Foram encontrados 153 resultados, entre artigos e dissertações. Os resultados foram importados para o Rayyan, onde foram excluídos 25 duplicados.

 

Seleção dos estudos

Após a definição dos critérios de elegibilidade, deu-se início à leitura dos títulos, resumos e palavras-chave para a primeira seleção de estudos, feita por duas duplas de juízes, psicólogas que atuam e estudam desenvolvimento infantil. A partir da primeira leitura, 117 estudos foram excluídos por não cumprirem os critérios estabelecidos; nos casos de divergência entre as duplas, um terceiro juiz foi chamado para resolvê-la. Ao final da primeira seleção, totalizaram-se 11 estudos selecionados.

Os estudos foram lidos na íntegra pelos juízes de forma independente, considerando os critérios de elegibilidade estabelecidos e para extração dos dados. Na leitura integral dos artigos, foram excluídos quatro, totalizando sete artigos ao final da etapa de seleção. Dos artigos excluídos na última leitura, as divergências com os critérios estabelecidos foram relacionadas ao foco da intervenção, à não participação de pais e cuidadores na intervenção e ao delineamento não experimental.

 

Extração e síntese dos dados

Os mesmos juízes participaram da etapa de extração dos dados, considerando os estudos selecionados após a exclusão final. Dos sete estudos, foram extraídas as seguintes informações: (1) autores; (2) objetivo do estudo; (3) caracterização dos participantes; (4) método; (5) formato de participação parental; (6) formato da intervenção; (7) principais resultados.

As etapas descritas anteriormente foram executadas conforme o protocolo de Revisão de Escopo PRISMA-ScR (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews), organizadas na Figura 1.

 

Figura 1 – Fluxograma de Busca e Seleção PRISMA-ScR

Fonte: Elaborada pelas autoras

 

 

Resultados

          Após as etapas de avaliação dos estudos, considerando os critérios de elegibilidade, foram selecionados sete artigos para a extração final, sendo cinco deles desenvolvidos nos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. Dos estudos selecionados, apenas um teve enfoque em intervenção com adolescentes do Ensino Médio, sendo a amostra de desenvolvimento típico (Stormshak; Fosco; Dishion, 2010). Na intervenção infantil, a idade dos participantes variou entre 3 e 12 anos, sendo cinco estudos com amostras de crianças típicas e dois de crianças com desenvolvimento atípico, especificamente com diagnóstico de      TEA     , e um com crianças com      TOD      ou sintomas característicos de desregulação emocional.

Em termos de objetivos, conforme descrito na Tabela 1, todos os estudos buscaram avaliar os efeitos de suas respectivas intervenções. No entanto, o foco principal destes estudos divergiu da seguinte forma: quatro evidenciaram intervenções mediadas pelos pais voltadas para habilidades socioemocionais e de autorregulação emocional (Rispoli et al., 2019; Scott; O'connor, 2012; Sheridan et al., 2010; Sofronoff; Silva; Beaumont, 2017); um propôs uma intervenção centrada na família para prevenir comportamentos desadaptativos (Stormshak; Fosco; Dishion, 2010); um buscou verificar os efeitos de uma intervenção no processo de alfabetização precoce, habilidades sociais e autorregulação (Pears et al., 2015); e outro abordou aspectos da alfabetização, habilidades matemáticas e de autorregulação (Marti et al., 2018). As intervenções tiveram durações distintas, variando entre 8 semanas e 4 anos.

 

Tabela 1 – Artigos Selecionados para Revisão

Autoria

Objetivo

Participantes

Método

Sheridan et al. (2010)

Avaliar os efeitos de uma intervenção na competência socioemocional de crianças em idade pré-escolar.

Amostra típica. 220 crianças de 3 a 5 anos, sendo a maioria meninos (51%) e de etnia caucasiana. Famílias em vulnerabilidade socioeconômica.

Estudo randomizado, com grupo de intervenção e controle. Intervenção de dois anos.

Stormshak; Fosco; Dishion (2010)

Examinar os resultados de uma intervenção centrada na família para estimular o ajustamento positivo e prevenir comportamentos inadequados em jovens e a autorregulação.

Amostra típica de adolescentes do Ensino Médio. Participaram 377 famílias cujos filhos estudavam em 3 escolas públicas. 51% eram do sexo masculino. Em termos de etnia, a maioria era branca (36%).

Estudo randomizado, com grupo de intervenção e controle. Intervenção de quatro anos.

Scott; O'Connor (2012)

Avaliar se crianças com TOD e diferentes níveis de desregulação emocional são mais sensíveis a uma intervenção parental do que crianças sem esse perfil de sintomas.

Amostra típica e atípica (TOD). Participaram 112 crianças, sendo a maioria dos participantes do sexo masculino, com idade média de 5.2 anos, apresentando problemas de comportamento e conduta.

Estudo randomizado, com grupo de intervenção e controle. Intervenção de doze semanas.

Pears et al. (2015)

Examinar os efeitos de uma intervenção para transição para o jardim de infância, voltada para habilidades de autorregulação e alfabetização das crianças e parentalidade, assim como verificar o envolvimento dos pais na vida escolar das crianças.

Amostra típica. Participaram 209 famílias, em que todas as crianças apresentavam histórico de atrasos no desenvolvimento e dificuldades de comportamento. A média de idade das crianças foi de 5 anos, sendo a maioria do sexo masculino e de etnia caucasiana.

Estudo randomizado, com grupo de intervenção e controle. Intervenção de quatro meses.

Sofronoff; Silva; Beaumont (2017)

Avaliar se um programa autodirigido de treinamento de habilidades socioemocionais resulta em melhores níveis de competência social e estratégias de regulação emocional em crianças com IC-TEA.

Amostra atípica. Participaram 38 pais e 41 crianças, sendo a maioria meninos, com idade média de 9,56 anos.

Estudo não randomizado, sem grupo controle. Intervenção de oito semanas.

Marti et al. (2018)

Verificar associações entre características sociodemográficas das famílias e o nível de engajamento dos pais no desenvolvimento da intervenção. Também se verificou a relação entre o engajamento dos pais e os desfechos das crianças na pré-escola após a intervenção.

Amostra típica. Participaram 133 crianças da pré-escola, sendo a maioria meninos hispânicos/latinos e pais que aceitaram participar da avaliação. 88,24% eram mães.

Estudo não randomizado, sem grupo controle. Intervenção de um ano.

Rispoli et al. (2019)

Avaliar a viabilidade e eficácia preliminar de uma intervenção mediada pelos pais para promover habilidades de autorregulação emocional em crianças com TEA em fase pré-escolar.

Amostra atípica. Participaram 5 crianças e suas mães, com  idade      entre 3 e 6 anos, sendo a maioria do sexo masculino (4), com diagnóstico de TEA. A maioria era branca.

Estudo não randomizado, sem grupo controle.

Fonte: Elaborada pelas autoras
TEA - Transtorno do Espectro Autista
TOD - Transtorno Opositor Desafiador

          Em relação à avaliação de aspectos parentais, apenas um estudo não os avaliou de nenhuma forma (Stormshak; Fosco; Dishion, 2010). Dos seis restantes, um utilizou uma entrevista semiestruturada acerca da dinâmica parental (Scott; O'connor, 2012); três empregaram questionários específicos sobre parentalidade para avaliar níveis de estresse parental, estilos emocionais, criticismo materno, envolvimento emocional, escala de parentalidade e de envolvimento (para pais e professores) (Pears et al., 2015; Rispoli et al., 2019; Sofronoff; Silva; Beaumont, 2017); outro incluiu perguntas sobre parentalidade no questionário sociodemográfico, verificando aspectos como níveis de estimulação e suporte à autonomia da criança, nível de envolvimento em atividades educativas e qualidade da comunicação entre pais e filhos (Sheridan et al., 2010); e um considerou a frequência de participação, tempo de atividade e percepção dos pais sobre as atividades de intervenção (Marti et al., 2018).

As avaliações das crianças e adolescentes foram realizadas por meio de questionários de autorrelato (Stormshak; Fosco; Dishion, 2010); heterorrelato, respondidos pelos pais (Rispoli et al., 2019; Sofronoff; Silva; Beaumont, 2017), e em três estudos (Marti et al., 2018; Pears et al., 2015; Sheridan et al., 2010), também pelos professores; e entrevistas feitas com os pais e as crianças (Scott; O'connor, 2012). Já a participação dos pais nos estudos variou entre: sessões de aconselhamento individual (Stormshak; Fosco; Dishion, 2010); coleta de dados, avaliação e encontros de orientação parental em grupo (Pears et al., 2015; Scott; O'connor, 2012); avaliação e implementação da intervenção (Marti et al., 2018; Sheridan et al., 2010; Sofronoff; Silva; Beaumont, 2017); e avaliação das crianças, sessões de orientação e mediação da intervenção (Rispoli et al., 2019).

Acerca dos resultados individuais de cada estudo, detalhados na Tabela 2: Sheridan e colaboradores (2010) verificaram ganhos significativos nas competências interpessoais das crianças e maior interesse e participação dos pais após contato com professores treinados na intervenção, embora não houvesse diferenças significativas nas dificuldades de comportamento. No estudo de Stormshak e colaboradores (2010), foi encontrado aumento da autorregulação emocional dos adolescentes e uma diminuição dos sintomas de transtornos mentais (ex. depressão), mas os autores não conseguiram verificar fatores sociodemográficos significativos relacionados aos níveis de engajamento familiar na intervenção. Scott e O'Connor (2012) verificaram que a intervenção foi igualmente eficaz para crianças com e sem características relacionadas a desregulação emocional. Em Pears et al. (2015), a intervenção aumentou a autorregulação nas crianças e diminuiu estratégias parentais não eficazes no grupo de intervenção, com os efeitos se mostrando significativos nas dificuldades de autorregulação apenas no follow-up. Sofronoff, Silva e Beaumont (2017) identificaram resultados significativos em relação às habilidades sociais relatadas pelos pais, assim como melhorias na autoeficácia parental, comportamento infantil, níveis de ansiedade e estratégias de autorregulação emocional. No estudo de Marti et al. (2018), a maior participação dos pais foi associada a maiores ganhos em habilidades de alfabetização, matemática e autorregulação. Finalmente, no sétimo estudo, a intervenção de Rispoli e colaboradores (2019) se mostrou eficaz na diminuição da desregulação emocional das crianças e melhorou a percepção das mães em relação aos aspectos avaliados.

Tabela 2 – Detalhamento dos Artigos Selecionados

Autoria

Participação dos Pais

Formato da Intervenção

Resultados

Sheridan et al. (2010)

Participação ativa dos pais em todas as etapas da intervenção, com visitas domiciliares.

Foram realizadas cinco visitas domiciliares por ano, focadas em estratégias      de socialização e promoção de competências parentais. Os professores também procuraram afirmar as competências parentais e promover a interação pai-filho.

Ganhos significativos em competências interpessoais, aumento de comportamentos de apego com os pais, e maior engajamento e interesse dos pais. Não houve diferenças significativas nas dificuldades de comportamento.

Stormshak; Fosco; Dishion (2010)

Participação em sessões de aconselhamento, nos três níveis de intervenção do estudo.

A intervenção é composta por três níveis: o primeiro oferece um consultor de pais na escola para mediar entre família e escola. O segundo nível inclui três sessões de entrevistas motivacionais, com visita domiciliar e avaliação ecológica, resultando em feedback e orientações sobre habilidades parentais. O terceiro nível proporciona suporte especializado de consultores experientes e supervisionados para as famílias que seguem as orientações.

Não foram      encontradas diferenças significativas entre os grupos em relação à autorregulação emocional, ao engajamento escolar e depressão. A intervenção apresentou aumento da autorregulação emocional nos adolescentes, diminuição de problemas mentais, como a depressão, associado ao aumento da autorregulação.

Scott; O'Connor (2012)

Os pais participaram das entrevistas iniciais de coleta de dados sobre a criança e dinâmica familiar, assim como sessões em grupo.

Intervenção de 12 semanas, feita com os pais, na modalidade de grupo de orientação, com foco no desenvolvimento de estratégias para promoção de comportamentos desejados das crianças através de brincadeiras, elogios e recompensas, lidando com mau comportamento por meio da aplicação de consequências e limites.

A intervenção foi igualmente eficaz para ambos os grupos de pais, com crianças que tinham ou não características de desregulação emocional.

Pears et al. (2015)

Participaram dos momentos de avaliação e do grupo de pais, com foco na promoção de habilidades parentais e no maior envolvimento dos pais no processo de alfabetização e educação das crianças.

A intervenção foi realizada em dois momentos: dois meses antes da pré-escola e nos dois primeiros meses do jardim de infância. Consistiu em um grupo escolar para crianças, com 24 sessões de duas horas, focando em alfabetização precoce, habilidades sociais e autorregulação. Incluiu também um grupo de pais, com 8 sessões de duas horas a cada duas semanas, abordando estratégias de eficácia parental e envolvimento no processo de alfabetização.

Os resultados apontaram para o aumento de autorregulação nas crianças e uma diminuição em estratégias não eficazes de parentalidade para o grupo de intervenção. O efeito da intervenção nas dificuldades de autorregulação em T2 não foi estatisticamente significativo. No entanto, em T4 (follow-up), houve mudanças significativas na autorregulação dos participantes no final do jardim de infância.

Sofronoff; Silva; Beaumont (2017)

Por meio da interação online entre pesquisador/mediador e a criança, os pais participaram ativamente das atividades desenvolvidas

O formato da intervenção foi principalmente autodirigido, com os pais atuando como facilitadores principais do programa. Eles receberam treinamento por meio de um DVD e participaram de sessões semanais via Skype com suporte de um terapeuta credenciado no programa SAS, durante um período de 8 semanas.

Houve melhorias significativas nas habilidades sociais infantis relatadas pelos pais. A autoeficácia parental, o comportamento infantil, níveis de ansiedade infantil e o conhecimento de estratégias de autorregulação emocional também melhoraram significativamente.

Marti et al. (2018)

Participaram de 11 encontros voltados para estratégias de apoio ao desenvolvimento das crianças, além da participação na avaliação e de atividades para desenvolver com os filhos em casa.

Desenvolvido em contexto familiar e escolar, com o objetivo de estimular habilidades de alfabetização, matemática e autorregulação, a partir de atividades realizadas em sala de aula, livro de atividades entregue para os pais, e sessões de orientação presencial (11 encontros ao longo do ano) e digitais (site com vídeos das atividades).

A maior participação dos pais no programa foi associada a maiores ganhos nas habilidades de alfabetização, matemática e autorregulação das crianças.

Rispoli et al. (2019)

Por meio da interação mãe-filho mediada pelo intervencionista, foram fornecidas instruções para que as mães desenvolvessem as atividades diariamente.

Foram realizadas 8 sessões, com duração de 60 a 120 minutos cada, de forma presencial e domiciliar.

A intervenção foi eficaz na diminuição da desregulação emocional das crianças, considerando a avaliação pós-intervenção e a percepção das mães.

Fonte: Elaborada pelas autoras

 

Discussão

Este artigo sintetiza os achados da literatura acerca do envolvimento parental em intervenções neuropsicológicas voltadas a crianças e adolescentes. Foram identificados sete estudos que adotaram diferentes formatos de intervenção, contemplando distintos níveis de envolvimento de famílias e cuidadores. Em geral, as intervenções focaram no desenvolvimento de aspectos socioemocionais, sendo a amostra, em sua maioria, composta por crianças entre 3 e 6 anos, com desenvolvimento típico.

O envolvimento dos pais nas intervenções analisadas apresentou-se de forma diversa, incluindo participação em etapas de avaliação, sessões de treinamento de habilidades, aconselhamento e orientações para implementação e manutenção da intervenção. Contudo, como discutido por Haine-Schlagel e Walsh (2015), ainda não há um consenso sobre o conceito de participação e envolvimento parental e sua aplicação concreta em intervenções. Outra dificuldade destacada na revisão sistemática de Macvean e colaboradores (2016) foi em relação a determinar o formato e intensidade de envolvimento de pais em intervenções. Esse cenário amplia o reconhecimento e o interesse pelo fenômeno, mas também evidencia fragilidades metodológicas na avaliação dos efeitos das intervenções e na construção de instrumentos voltados ao engajamento e participação de pais em tratamentos neuropsicológicos. Além disso, Johnston, Park e Miller (2018) discutem aspectos cognitivos que podem influenciar a participação em atividades e tratamentos dos filhos — como as expectativas em relação ao tratamento e seus resultados, e os níveis de envolvimento na função parental — aproximando-se do fator cognitivo da participação parental descrito por Haine-Schlagel e Walsh (2015). No caso de crianças com desenvolvimento atípico, a participação dos pais tem sido apontada como um fator relevante para a potencialização de desfechos em habilidades sociais, emocionais e na redução de dificuldades comportamentais (Koly et al., 2021).

Nos estudos incluídos nesta revisão, embora o envolvimento parental estivesse presente em diferentes etapas das intervenções, os objetivos dos programas estavam centrados no desenvolvimento de habilidades e na redução de comportamentos desadaptativos nas crianças, sem desfechos primários voltados às habilidades parentais ou à dinâmica familiar. A participação dos pais nos tratamentos dos filhos não é recente; entretanto, a compreensão dos impactos que esse envolvimento pode gerar para pais e filhos tem ganhado destaque na literatura sobre intervenções infantis. Um exemplo desse impacto é o estudo de Shoval e colaboradores (2022), no qual a participação dos pais contribuiu para o desenvolvimento de habilidades em crianças autistas e possibilitou maior acesso dos pais a informações sobre diagnóstico e tratamento, promovendo maior segurança em relação ao processo terapêutico.

Em relação à faixa etária, a análise dos estudos revelou que cinco abordaram intervenções com crianças em idade pré-escolar (3 a 6 anos), um com crianças de até 9 anos; e apenas um com adolescentes do Ensino Médio, evidenciando que o envolvimento parental foi mais presente em intervenções infantis, especialmente para crianças mais novas. Alguns fatores podem contribuir para esse padrão, como descrito por Jeffries (2012) em seu estudo sobre o envolvimento parental na educação infantil, que discute como os pais são fundamentais para a aprendizagem de habilidades importantes, sobretudo na transição entre casa e escola vivida pelas crianças em idade pré-escolar, que demandam maior suporte nessa adaptação.

Já em relação aos programas focados na adolescência, apenas um estudo considerou a participação dos pais como fator-chave em programas de intervenção. No estudo de Fombouchet, Lannegrand e Lucenet (2024), com adolescentes, o foco da intervenção era nos problemas de comportamento, frequentemente associados à dificuldade em estratégias de regulação emocional e disfunção executiva. A adolescência é caracterizada como um período marcado por dificuldades específicas na regulação das emoções e nas interações interpessoais, principalmente em relação aos pais, além da busca por maior autonomia e aproximação com os pares. Nesse sentido, pensar em intervenções psicológicas individuais pode assegurar aspectos relacionados à autonomia, protagonismo e confiança (Morris et al., 2021).

Em uma meta-análise, Pine e colaboradores (2024) discutem que, apesar de os adolescentes não precisarem de suporte substancial dos pais para desenvolver atividades, os achados do estudo enfatizaram que intervenções com envolvimento parental promoveram maior impacto na psicopatologia do que intervenções feitas individualmente com os adolescentes. É importante ressaltar, no entanto, que a meta-análise considerou intervenções psicológicas em formato clínico, e não intervenções neuropsicológicas, sendo identificada uma lacuna importante no campo de estudos sobre intervenções neuropsicológicas e o envolvimento parental. Como discutido por Jeffries (2012), uma vez que as crianças estão inseridas no contexto escolar, o envolvimento parental tende a diminuir à medida que os filhos ficam mais velhos. Os achados deste estudo corroboram os resultados desta revisão, uma vez que a maioria dos estudos selecionados abordou intervenções com crianças pequenas, e apenas um estudo incluiu adolescentes.

Além disso, entre a maioria dos estudos, a amostra voltou-se para filhos com desenvolvimento típico, apesar das dificuldades específicas e dos maiores desfechos adversos trazidos pelas crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Acredita-se que um dos fatores relacionados ao menor número de intervenções para o público atípico esteja ligado a aspectos metodológicos de pesquisa, em que a homogeneidade da amostra é um fator importante para a avaliação das intervenções.

Considerando o perfil das crianças escolhidas para os estudos revisados, destacaram-se crianças com desenvolvimento típico em cinco estudos, o que traz importante contraste com a necessidade apontada pela literatura em relação às crianças com desenvolvimento atípico, como TDAH e TEA, as quais tendem a apresentar maior disfunção executiva, associada a desfechos negativos ao longo do tempo (Johnson, 2012; Dias e Malloy-Diniz, 2020). A necessidade de mais intervenções e de um maior nível de suporte se estende às famílias de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, sobretudo ao se reconhecer que o comportamento dos cuidadores principais é fundamental para a estimulação cognitiva das crianças, além de servirem como modelos para mudanças comportamentais e interações sociais (Zorzi e Marzano, 2020). Neste sentido, esperava-se um maior número de estudos focados no desenvolvimento atípico. Ainda que seja possível a adaptação de intervenções e recursos para esse público, é preciso considerar que crianças e famílias atípicas possuem características específicas que poderiam ser mais amparadas em programas desenvolvidos com foco em suas dificuldades e potencialidades, ou em estudos de adaptações feitas com ambos os públicos, buscando garantir maior eficácia das intervenções.

No que se refere às implicações e contribuições práticas para a educação especial, destaca-se que o envolvimento parental em intervenções neuropsicológicas pode funcionar como um elo entre o contexto clínico e o educacional, favorecendo a generalização de habilidades e a continuidade do cuidado. Esse envolvimento, quando estruturado, potencializa os efeitos das intervenções e amplia o alcance de práticas inclusivas, ao promover maior consistência entre as estratégias utilizadas em casa e na escola (Costa e Souza, 2022; Silva, 2024). Dessa forma, evidencia-se a importância da participação parental não apenas no desempenho individual da criança, mas também na construção de ambientes educativos mais responsivos e colaborativos.

Entre as principais lacunas percebidas por esta revisão de escopo, além dos aspectos relacionados às características da amostra escolhida, está a ausência de estudos desenvolvidos na América Latina, conforme os resultados da busca nas bases de dados. Entende-se que, apesar da importância dos achados do estudo, essa carência limita a generalização e representatividade dos achados, uma vez que o envolvimento parental e o acesso a intervenções são fortemente influenciados por fatores culturais, socioeconômicos e institucionais. Portanto, é essencial que futuras pesquisas considerem essa diversidade para produzir evidências mais contextualizadas e aplicáveis a realidades distintas.

Em termos de limitações do artigo, cabe mencionar que, embora não obrigatória em revisões de escopo, a ausência de avaliação metodológica dos estudos incluídos representa uma limitação, uma vez que compromete a análise crítica da robustez dos achados. Sugere-se, assim, que revisões futuras incorporem essa análise para melhor estimar o impacto das intervenções descritas e orientar decisões clínicas e educacionais mais fundamentadas.

 

Considerações Finais

A presente revisão de escopo mapeou as principais discussões e formatos de intervenções neuropsicológicas na infância e adolescência para o aprimoramento de funções executivas e autorregulação emocional com envolvimento parental. A partir dos estudos selecionados, percebeu-se que o envolvimento parental pode ser considerado dentro de diferentes formatos de intervenção, como visitas familiares, orientação em grupo, feedback, treinamento, participação na intervenção, atuação dos pais como facilitadores e orientações familiares. Além disso, houve divergências em termos de duração, variando de 8 semanas a 4 anos, bem como em suas possíveis contribuições para os desfechos das intervenções. Concluiu-se que, nos estudos revisados de intervenções com envolvimento parental, a maioria focou na faixa etária de 3 a 6 anos, com desenvolvimento típico, tendo como foco conteúdos relacionados às habilidades socioemocionais.

Considera-se que esta revisão contribui ao evidenciar os passos iniciais para discussões acerca do envolvimento parental em intervenções neuropsicológicas na infância e na adolescência. A partir dos achados é possível delimitar estratégias para fortalecer o papel de pais, já reconhecido como importante para o desenvolvimento de habilidades neuropsicológicas, aproximando as intervenções do dia a dia das famílias. Essa aproximação ainda é feita de forma intuitiva, o que denota certa fragilidade em termos metodológicos quanto à potencialização e generalização dos resultados esperados, que pode ser mitigada com protocolos de participação estruturados e maior acompanhamento da família como uma unidade para a intervenção.

 

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