Alfabetização de adolescentes com síndrome de Down

Literacy of adolescents with Down syndrome

Alfabetización de adolescentes con síndrome de Down

 

Cristiano Pedroso

ADID – Associação para o Desenvolvimento Integral do Down, São Paulo – SP, Brasil.

crispedroso06@gmail.com

 

Rose Dantas Nunes Sandes

ADID – Associação para o Desenvolvimento Integral do Down, São Paulo – SP, Brasil.

rose.dantas@adid.com.br

 

Bruna Biazoli de Oliveira

ADID – Associação para o Desenvolvimento Integral do Down, São Paulo – SP, Brasil.

brunabiazoli@adid.com.br

 

Elizete Sinesia Leal Pereira

ADID – Associação para o Desenvolvimento Integral do Down, São Paulo – SP, Brasil.

elizeteleal19@gmail.com

 

 

Recebido em 26 de agosto de 2024

Aprovado em 28 de agosto  de 2024

         Publicado em 26 de junho de 2025

 

RESUMO

A síndrome de Down (SD) é a anomalia genética mais comum, ocorrendo em aproximadamente 1 a cada 800 nascimentos vivos, com uma incidência que aumenta conforme a idade materna. Como principal causa de deficiência intelectual, a SD está frequentemente associada a dificuldades no aprendizado e no desenvolvimento de habilidades adaptativas. Este estudo documental analisou dados de prontuários de uma instituição filantrópica em São Paulo, examinando o desempenho em leitura, escrita e matemática de 39 adolescentes e adultos com SD, com idades entre 13 e 19 anos. Utilizou-se o método de tarefas Match-to-Sample (MTS) para avaliar o progresso dos participantes ao longo de dois anos. A análise estatística, incluindo o teste de Friedman, revelou uma melhora significativa nas habilidades escolares, com diferenças significativas observadas para português (χ²(2) = 19,414, p < 0,001) e para matemática (χ²(2) = 12,903, p = 0,002). Os modelos MTS se mostraram ferramentas eficazes na mensuração quantitativa do desempenho em análises de medidas repetidas, fornecendo uma base sólida para futuras intervenções educacionais.

Palavras-chave: Tarefas Match-to-Sample; síndrome de Down; Alfabetização

 

 

ABSTRACT

Down syndrome (DS) is the most common genetic anomaly, occurring in approximately 1 in every 800 live births, with an incidence that increases with maternal age. As the leading cause of intellectual disability, DS is often associated with learning difficulties and challenges in developing adaptive skills. This documentary study analyzed data from the records of a philanthropic institution in São Paulo, examining the performance in reading, writing, and mathematics of 39 adolescents and adults with DS, aged between 13 and 19 years. The Match-to-Sample (MTS) task method was used to assess the participants' progress over two years. Statistical analysis, including the Friedman test, revealed significant improvements in academic skills, with significant differences observed for Portuguese (χ²(2) = 19.414, p < 0.001) and for mathematics (χ²(2) = 12.903, p = 0.002). The MTS models proved to be effective tools for quantitatively measuring performance in repeated measures analyses, providing a solid foundation for future educational interventions.

Keywords: Match-to-Sample tasks; Down syndrome; Literacy

 

 

RESUMEN

El síndrome de Down (SD) es la anomalía genética más común, ocurriendo en aproximadamente 1 de cada 800 nacimientos vivos, con una incidencia que aumenta con la edad materna. Como la principal causa de discapacidad intelectual, el SD está frecuentemente asociado con dificultades de aprendizaje y desafíos en el desarrollo de habilidades adaptativas. Este estudio documental analizó datos de los registros de una institución filantrópica en São Paulo, examinando el desempeño en lectura, escritura y matemáticas de 39 adolescentes y adultos con SD, con edades entre 13 y 19 años. Se utilizó el método de tareas Match-to-Sample (MTS) para evaluar el progreso de los participantes a lo largo de dos años. El análisis estadístico, incluyendo la prueba de Friedman, reveló mejoras significativas en las habilidades académicas, con diferencias significativas observadas en portugués (χ²(2) = 19,414, p < 0,001) y en matemáticas (χ²(2) = 12,903, p = 0,002). Los modelos MTS demostraron ser herramientas efectivas para la medición cuantitativa del desempeño en análisis de medidas repetidas, proporcionando una base sólida para futuras intervenciones educativas.

Palabras clave: Tareas Match-to-Sample; síndrome de Down; Alfabetización

 

 

 

Introdução

       

A síndrome de Down (SD) é a condição genética mais prevalente na população, ocorrendo em aproximadamente 1 a cada 800 nascimentos vivos, com variações associadas à idade materna. A SD é a principal causa de deficiência intelectual, frequentemente acompanhada por dificuldades no aprendizado e nas habilidades adaptativas ao longo do desenvolvimento, exigindo, portanto, a implementação de sistemas de apoio adequados (Capone & Chicoine, 2019).

Pesquisas focadas no gene DYRK1A, localizado no cromossomo 21, indicam que durante a neurogênese, o processo de formação neurológica, a hiperexpressão deste gene na trissomia do cromossomo 21 provoca alterações estruturais significativas em áreas do córtex pré-frontal. Estas modificações estão intimamente relacionadas à deficiência intelectual observada em indivíduos com SD (Dierssen, 2012). Segundo Schwartzman et al. (1999), a associação entre alterações estruturais do córtex pré-frontal, em relação ao volume em comparativo com a população controle, as alterações cognitivas mensuradas por instrumentos psicométricos e dificuldades na aquisição de habilidades escolares, como a leitura, escrita e matemática, são amplamente expostas na literatura científica.

As tarefas Match-to-Sample (MTS) surgiram em pesquisas da década de 70 (Sidman, 1971), para realizar comparações entre pareamentos e equivalências de estímulos, utilizando referenciais do behaviorismo. Essas tarefas foram inicialmente aplicadas em estudos de análise do comportamento para investigar como indivíduos aprendem a discriminar entre diferentes estímulos e como essas discriminações podem levar à formação de classes de equivalência. Um dos pesquisadores pioneiros nessa área foi Murray Sidman, cujo trabalho ajudou a estabelecer a base para o uso das tarefas MTS na investigação de processos de aprendizagem, como leitura, escrita e habilidades matemáticas. A partir destes trabalhos iniciais, autores como Sidman (1971), Prado e DeRose (1999), DeRose, Souza e Hanna (1996) e Perez & Carvalhães (2006), demonstraram a viabilidade do uso das tarefas Match-to-Sample no desenvolvimento da alfabetização e dos conhecimentos de matemática aplicada.

As tarefas MTS são procedimentos baseados na análise do comportamento, em que um estímulo modelo é apresentado e o participante deve escolher, entre várias opções, o estímulo que corresponde ao modelo. Em português, as MTS são utilizadas para ensinar discriminações condicionais entre palavras faladas, escritas e seus significados, promovendo a formação de classes de equivalência que facilitam o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. Em matemática, as MTS ajudam os alunos a estabelecerem relações entre números, quantidades e operações, permitindo a generalização de conceitos matemáticos fundamentais e a melhoria no desempenho em resolução de problemas (Sidman, 1971; Prado e DeRose, 1999).

Para o ensino do português, as tarefas MTS são usadas para promover a generalização de habilidades de leitura e escrita, ao relacionar estímulos visuais (como palavras escritas) com estímulos auditivos (como palavras faladas) e seus significados, conforme descrito por Sidman (1971) e expandido por Prado & De Rose (1999). Esse processo de formação de equivalência de estímulos é crucial para o desenvolvimento de repertórios de leitura funcionais. Em matemática, as tarefas MTS permitem que os alunos relacionem diferentes representações de conceitos matemáticos, como associar números a quantidades ou operações a seus resultados, facilitando a compreensão e a aplicação de conceitos abstratos, conforme demonstrado em estudos como os de De Rose et al. (1996) e Perez & Carvalhães (2006).

Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no Brasil, espera-se que uma criança adquira conhecimentos de leitura e escrita de palavras entre o primeiro e o segundo ano do Ensino Fundamental I. Já os conhecimentos matemáticos, que envolvem a capacidade de realizar operações como adição e subtração, são desenvolvidos até o final do terceiro ano do Fundamental I. Em pessoas com deficiência intelectual, incluindo aquelas com síndrome de Down, é esperado um tempo maior para a aquisição desses conceitos, o que demanda atendimento especializado em contraturno escolar para a otimização do processo educacional.

Essa relação entre a sala regular e o modelo da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, com a frequência de alunos com deficiência na sala comum e o apoio em contraturno, levanta reflexões importantes sobre como sistematizar um processo que seja positivo do ponto de vista socioemocional, mas eficaz para o desenvolvimento das habilidades escolares elementares. Na década de 80, Freire (1987) contribuiu com as discussões sobre políticas educacionais, destacando a relação docente/discente. As relações de poder estabelecidas, a metodologia baseada em condicionamentos, memorização e aprendizagem passiva foram criticadas pelo autor, influenciando a formação intelectual dos educadores.

A LDB de 1996 (Brasil, 1996) foi influenciada pelas críticas de Paulo Freire, destacando a educação reflexiva e emancipatória, que defende a educação como um processo de conscientização, em que os educandos são vistos como sujeitos ativos na construção do conhecimento, em vez de receptores passivos. Estes avanços, do ponto de vista da perspectiva humana e de sujeito, proporcionaram uma maior conscientização sobre o papel da educação, que vai além do desenvolvimento de um currículo básico e visa formar cidadãos críticos.

Nessa perspectiva, metodologias como a MTS, dentro do referencial do behaviorismo, perderam espaço nos polos educacionais, por serem consideradas próximas a um treinamento e distantes de um desenvolvimento crítico. Apesar de demonstrarem resultados e possibilidades de contribuir com o desenvolvimento, principalmente no campo da educação especial, essas metodologias têm sido menos utilizadas na prática do magistério. O problema central é que, segundo a revisão sistemática e meta-análise de Dalgaard et al. (2022), apesar de anos de inclusão e da maior participação das pessoas com deficiência na escola regular, os indicadores quantitativos não demonstram que este processo tenha otimizado e melhorado o desempenho em conhecimentos básicos para essa população.

Os resultados do PISA (Programme for International Student Assessment) 2022 destacam os desafios persistentes enfrentados pelo Brasil em termos de desempenho educacional, especialmente no Ensino Fundamental I. O país obteve pontuações abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em leitura, matemática e ciências, refletindo as dificuldades na alfabetização e na construção de habilidades básicas. O fraco desempenho em leitura, com média de 410 pontos, comparado aos 476 da média geral da OCDE, evidencia que muitos alunos não alcançam os níveis mínimos de proficiência, o que impacta negativamente seu desenvolvimento acadêmico e oportunidades futuras. O Brasil ficou entre as últimas posições no ranking.

Diante desses desafios, torna-se evidente a necessidade de combinar diferentes técnicas, especialmente aquelas com resultados baseados em evidências, unindo uma visão política e ética sobre o tipo de cidadão que queremos formar e quais são os conhecimentos elementares que devem ser transmitidos. Protocolos como as tarefas MTS podem ser complementares e potencialmente eficazes nesse contexto.

O objetivo deste estudo documental foi avaliar se adolescentes inseridos em um programa de contraturno de uma instituição especializada de São Paulo conseguiram ampliar seus conhecimentos em leitura, escrita e matemática ao longo de um período de dois anos, utilizando as tarefas MTS como indicadores quantitativos dos progressos.

 

Método

        O presente estudo constitui uma pesquisa documental, realizada com dados quantitativos extraídos de prontuários de uma organização da sociedade civil (OSC) localizada no bairro do Brooklin, em São Paulo. A pesquisa foi conduzida em conformidade com os pressupostos estabelecidos pelas resoluções do Comitê de Ética da Universidade de São Paulo (USP) N. 466, de 12 de dezembro de 2012, e N. 510, de 07 de abril de 2016, com o devido consentimento da instituição para a realização do estudo.

Os dados analisados provêm de 39 adultos e adolescentes com síndrome de Down, com idades variando de 13 a 19 anos, sendo a média de idade de 16 anos. Os participantes ingressaram em um projeto na adolescência, com duração de dois anos, frequentando atividades no contraturno escolar, de segunda a sexta-feira, com carga horária diária de 4 horas, em grupos de até 10 participantes. O objetivo do programa foi a otimização dos desempenhos em língua portuguesa e matemática aplicada.

Pesquisa documental com uso de fontes secundárias é uma abordagem metodológica que se baseia na análise de materiais já existentes, previamente coletados para outras finalidades. Esses materiais, chamados de fontes secundárias, podem incluir documentos administrativos, relatórios de pesquisa, arquivos governamentais, estatísticas, livros, artigos científicos, registros institucionais, entre outros. Ao contrário da pesquisa de campo, em que os dados são obtidos diretamente pelo pesquisador, a pesquisa documental se apoia em dados que foram produzidos e organizados por outras pessoas ou instituições (Gil, 2002).

Essa modalidade de pesquisa é particularmente útil em estudos exploratórios e descritivos, onde o objetivo é reunir, organizar e analisar dados existentes para gerar novas interpretações ou responder a questões de pesquisa específicas. Segundo Cellard (2010), uma das vantagens da pesquisa documental com fontes secundárias é o acesso a informações já sistematizadas e, muitas vezes, de difícil obtenção por métodos diretos, o que permite ao pesquisador economizar tempo e recursos. No entanto, é importante que o pesquisador considere as limitações desses dados, como o viés potencial de quem os coletou originalmente e as restrições quanto à sua aplicabilidade para novas investigações.

Além disso, a pesquisa documental requer um processo rigoroso de seleção e análise crítica das fontes, garantindo que os documentos utilizados sejam confiáveis, relevantes e adequados ao contexto do estudo. Como enfatiza Bardin (2011), o uso de fontes secundárias demanda um exame detalhado da origem dos dados, da metodologia utilizada na coleta original e do contexto em que os documentos foram produzidos, para assegurar que as interpretações feitas pelo pesquisador sejam válidas e fundamentadas. Dessa forma, a pesquisa documental com uso de fontes secundárias é uma ferramenta valiosa para a construção de conhecimento, desde que realizada com critério e rigor metodológico.

 

Instrumentos

O presente modelo de pesquisa documental baseou-se em fontes secundárias, utilizando dados brutos exclusivamente quantitativos, fornecidos pela instituição em formato de planilha Excel, sem identificação dos participantes.

Os dados provêm de avaliações em português e matemática, utilizando modelos de tarefas Match-to-Sample, conforme referenciado em Sidman (1971) e Prado & DeRose (1999). A instituição adotou um modelo de quantificação dos processos em três momentos distintos: 2022, 2023 e 2024, seguindo os modelos apresentados nas figuras 01 e 02 abaixo.

 

Figura 01 – Tarefa Match-to-Sample para leitura e escrita

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptado de Sidman (1971)

 

 

Para quantificação dos desempenhos em leitura e escrita, a instituição utilizou a seguinte legenda: Relações B<->B (imagens); C’<->C’ (Letras); C<->C (palavras); B<->C’ (imagem/letra); B<->C (imagem/palavra); A<->B (palavra ditada/ imagem); A<->C’ (letra ditada/letra escrita); A<->C (palavra ditada/ palavra escrita); C (sem pareamento externo). Sistema de pontuação (0= não realiza; 1= em transição; 2= realiza).  TOTAL de pontuação: 18 pontos.

 

Figura 02 – Tarefas Match-to-Sample para matemática básica

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptado de Prado & DeRose (1999)

 

Para quantificação dos desempenhos em matemática básica a instituição utilizou a seguinte legenda: B<->D (número impresso/contagem); C<->D (conjunto/contagem); A<->C (ditado/ conjunto); A<->B (ditado/ número impresso); C<->B (conjunto/número impresso); B<->C (número impresso/ conjunto). Sistema de pontuação (0= não realiza; 1= em transição; 2= realiza).  TOTAL de pontuação: 12 pontos.

 

Os dados foram posteriormente tratados e analisados por meio de modelagem estatística descritiva e inferencial, utilizando o software IBM SPSS Statistics, versão 20. Para a análise inferencial, foram empregadas as técnicas não paramétricas de Friedman, após verificação das distribuições dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk.

 

Procedimento

        A análise dos dados foi conduzida utilizando a planilha fornecida pela instituição, processada com o software IBM SPSS Statistics, versão 20. Um nível de significância alfa de 0,05 ou menor foi adotado como critério estatístico. As informações foram organizadas e apresentadas em tabelas, gráficos ou descritas textualmente, sendo aplicadas análises de diferenças para explorar as relações entre as variáveis estudadas.

          No teste de Friedman, utilizado para comparar três ou mais amostras relacionadas, a hipótese nula (H0) postula que não há diferenças significativas entre as medianas das amostras comparadas, implicando que todas as amostras são provenientes da mesma distribuição. A hipótese alternativa (𝐻1), por outro lado, sugere que pelo menos uma das medianas das amostras difere das demais, indicando a presença de uma diferença significativa entre as condições testadas.

 

Resultados

       

        Com a coleta dos dados por meio do modelo de pesquisa documental, as variáveis foram tratadas para a apresentas em modelo descritivo, conforme Tabela 01 e Gráfico 1, e análise inferencial posterior.

Como pode ser observado na exposição abaixo, os participantes demonstraram pequenas evoluções do ponto de vista descritivo, mas com significância estatística, indicando que a metodologia de apoio escolar, em formato de contraturno, utilizando tarefas Match-to-Sample, pode ser uma ferramenta promissora no trabalho com esta população.

Embora não tenha sido realizado um grupo controle, o que impede a verificação da real eficácia da metodologia, podemos confirmar a hipótese alternativa (𝐻1), cuja premissa era que os participantes apresentariam desempenhos diferenciados ao comparar períodos temporais distintos para a avaliação.

 

Tabela 01 – Dados descritivos dos desempenhos em tarefas Match-to-Sample para português (PORT) e matemática (MAT)

Tabela

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Autores

 

        É importante destacar que nos dados de 2022, apenas 2 atendidos (5%) apresentavam desempenhos totais (pontuação 18), indicando já estarem alfabetizados ao ingressarem no programa. 10 atendidos (25%) apresentavam em 2022 desempenhos máximos nas tarefas Match-to-Sample para matemática (pontuação 12). Para estes casos o objetivo institucional era a manutenção das conquistas já realizadas, o que ocorreu.

 

Figura 03 – Boxplot das distribuições de pontuações para português e matemática nas tarefas Match-to-Sample

Gráfico, Gráfico de caixa estreita

Descrição gerada automaticamenteGráfico, Gráfico de caixa estreita

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Saída IBM SPSS versão 20

 

       

          O teste de Friedman foi realizado para avaliar as diferenças nos desempenhos ao longo dos três anos (2022, 2023 e 2024) nas avaliações de português. O resultado indicou uma diferença significativa entre as condições (χ²(2) = 19,414, p < 0,001). Para determinar o tamanho do efeito, foi utilizado a formula proposta por Field (2013), com o valor do qui-quadrado (χ²) obtido no teste de Friedman e o número de observações (N = 39), aplicando-se a fórmula r = √(χ²/N(k-1)), onde k é o número de condições comparadas. O cálculo resultou em um tamanho do efeito de r = 0,499, que representa um efeito médio, sugerindo uma variação substancial nos desempenhos de português ao longo dos anos analisados.

          O mesmo procedimento foi realizado para os desempenhos em matemática. O teste de Friedman também foi realizado para avaliar as diferenças nos desempenhos em matemática ao longo dos três anos (2022, 2023 e 2024). O resultado indicou uma diferença significativa entre as condições (χ²(2) = 12,903, p = 0,002). O tamanho do efeito observado foi de r = 0,407, que representa um efeito médio, sugerindo uma variação significativa nos desempenhos de matemática ao longo dos anos analisados.

          Também foi verificado os alunos com desempenhos máximos na primeira e última avaliação. O objetivo foi discriminar a porcentagem dos que chegaram já com domínio básico da leitura, escrita e matemática, e a quantidade que adquiriu estes desempenhos totais. Ver figura 04.

 

Figura 04 – Porcentagem de desempenhos totais nas tarefas Match-to-Sample (MTS)

Fonte: Autores

         

 

Discussão

 

Segundo os dados analisados na pesquisa documental, 5% dos participantes ingressaram no programa com competências de escrita espontânea ou sob ditado, e esse número aumentou para 48%. É importante destacar que a variabilidade na expressão da síndrome de Down, especialmente nos aspectos cognitivos e nos desafios para a aprendizagem, apresenta uma base multifatorial, envolvendo aspectos neurológicos relacionados ao grau de acometimento (Dierssen, 2012). Dessa forma, é esperado que os progressos educacionais sejam multicausais, e que fatores orgânicos e ambientais, tanto no ambiente físico quanto social, contribuam para resultados variados.

Apesar dos diferentes resultados e indicadores de sucesso acadêmico, a constatação de progresso aponta para a necessidade de técnicas robustas de acompanhamento. É por meio de um retrato fidedigno da educação, somado à análise exploratória de dados, que podemos aprofundar o entendimento sobre o ensino e a aprendizagem, além de refletir sobre metodologias fundamentadas em evidências. Embora os modelos Match-to-Sample (MTS) estejam inseridos em um arcabouço behaviorista, conforme Sidman (1971), a presente pesquisa documental identificou a viabilidade da utilização desses modelos como uma forma de acompanhar a aquisição de habilidades escolares básicas, estabelecendo correlações com processos cognitivos sob a ótica da neurociência, e até mesmo articulando-os com modelos construtivistas, por meio de técnicas de pareamento de estímulos, a partir da personalização de imagens e conteúdo.

 

No campo da deficiência intelectual, a fundamentação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) em contraturno escolar, conforme estabelecido pela Lei nº 9.394/1996 e suas alterações introduzidas pela Lei nº 13.146/2015, baseia-se na premissa de que pessoas com deficiência intelectual podem necessitar de mais tempo para a aquisição de conhecimentos conceituais, além de requererem apoio especializado. Como o tempo se apresenta como uma variável relevante, juntamente com a correlação organismo/ambiente, podemos conjecturar que, mesmo para aqueles que não atingiram a escrita espontânea ou sob ditado, mas que, ainda assim, apresentaram melhorias em seus desempenhos, o tempo de estímulo escolar pode ter sido um fator contribuinte. Embora o presente estudo documental não permita a identificação precisa do sucesso metodológico devido à ausência de um grupo controle, ele destaca a viabilidade das tarefas MTS como uma ferramenta pedagógica promissora no âmbito da educação especial.

A mesma lógica aplica-se à identificação dos desempenhos em matemática. No início do programa, 25% dos participantes já apresentavam pontuações máximas nas tarefas MTS, e esse número aumentou para 64%. Dalgaard et al. (2022) realizaram uma meta-análise sobre os efeitos da inclusão escolar em pessoas com deficiência. A pesquisa destacou que, embora a inclusão seja uma conquista importante, os benefícios em termos de aproveitamento escolar para crianças com deficiência não foram estatisticamente significativos, sugerindo que a inclusão, por si só, pode não ser suficiente para melhorar o desempenho acadêmico dessas crianças. Esse estudo contribui para o debate sobre a eficácia metodológica no trabalho com pessoas com deficiência. Embora as conquistas da inclusão representem avanços importantes nas políticas educacionais, elas não eliminam a necessidade de pesquisas sobre a eficácia metodológica na otimização das habilidades escolares.

Nesse sentido, propõe-se que os modelos MTS, originados na década de 1970, ainda possam ser contemporâneos e úteis como ferramentas quantitativas para a mensuração do progresso, além de servirem como estratégia metodológica para o desenvolvimento de habilidades escolares (Sidman, 1971; DeRose et al., 1996; Prado & DeRose, 1999; Perez & Carvalhães, 2006). Esses processos não necessariamente se opõem a modelos mais construtivistas, como proposto por educadores como Freire (1987). Quando consideramos o desenvolvimento de conhecimento, que envolve a assimilação e compreensão de fatos, conceitos e princípios, permitindo a construção de uma base cognitiva aplicável em diferentes contextos, vemos a educação como um caminho reflexivo e de construção de um cidadão com competências para criar relações lógicas e críticas em seu contexto sócio-histórico, a partir de uma bagagem de conhecimentos que representam o percurso da história da humanidade. Esse processo geralmente exige reflexão, análise e a integração de novas informações ao repertório já existente do indivíduo.

 

Por outro lado, o condicionamento pode ser entendido como um processo mais automatizado, baseado na repetição e na formação de associações entre estímulos e respostas, muitas vezes sem a necessidade de entendimento consciente. O condicionamento, seja clássico ou operante, é uma forma de aprendizado que se manifesta por meio de comportamentos moldados por consequências ou reforços, focando mais na resposta imediata a estímulos específicos do que na reflexão ou generalização de conhecimentos.

A construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que adota um referencial pautado no construtivismo, fundamenta-se em pesquisas e reflexões que ressaltam a importância da aprendizagem por meio da interação social, da crítica, da contextualização e do significado. A base do modelo construtivista é a ideia de que abordagens centradas exclusivamente na transmissão de conhecimento transformam a aprendizagem e o próprio aluno em agentes passivos, com baixa capacidade crítica. Outro aspecto importante de crítica aos modelos behavioristas, especialmente aqueles derivados de teorias cognitivas como as Piagetianas, é que modelos behavioristas podem não considerar adequadamente os aspectos do desenvolvimento dos alunos, o que pode levar à introdução de conteúdos ou expectativas inadequadas para determinado estágio de desenvolvimento, resultando em subprodutos emocionais negativos e uma experiência escolar desfavorável.

No entanto, os resultados observados na presente pesquisa documental ressaltam a necessidade de expandir pesquisas de caráter experimental, visando a observar indicadores quantitativos de progresso que possam ser associados a elementos qualitativos.

Dessa forma, conjectura-se que o modelo MTS pode ser utilizado de forma sinérgica com os formatos previstos na BNCC, especialmente como suporte no atendimento educacional especializado. A aplicação dos modelos apresentados por Sidman (1971), DeRose et al. (1996), Prado & DeRose (1999) e Perez & Carvalhães (2006), alinhada aos cuidados previstos pelas teorias construtivistas, como a consideração das fases do desenvolvimento e do desempenho neuropsicológico subjacente, pode ser de grande valia para os desafios educacionais atuais. Quando combinados com reflexões críticas, interações e outras experiências, esses modelos podem viabilizar a aquisição de habilidades escolares básicas, que, por sua vez, permitem uma ação crítica através das ferramentas de linguagem e da manipulação de grandezas no mundo.

Hanushek & Woessmann (2015) realizaram uma reflexão sobre o quanto o desempenho escolar e o progresso educacional dos indivíduos tendem a aumentar as chances de continuidade dos estudos, o que, por sua vez, eleva a probabilidade de obter empregos de maior qualidade e remuneração. Além disso, a educação contribui para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais, que são fundamentais para o bem-estar geral e para a integração social, melhorando a qualidade de vida em diversos aspectos.

Como a educação básica no Brasil vem passando por avaliações internacionais, como o Programme for International Student Assessment (PISA), construído pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que utiliza técnicas de avaliação como a Teoria de Resposta ao Item (TRI), construções de avaliações para balizar o conhecimento de conteúdo dos alunos, juntamente com capacidade crítica, podem ser desenvolvidos. Ou seja, é possível para alunos com dificuldades de aprendizagem a utilização de formatos que facilitem a aquisição de conhecimentos básicos, como a MTS, sendo utilizado formas de controle posteriori para balizar a competência crítica, ou mesmo o uso funcional dos conteúdos escolares, como utilização na deficiência da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidades e Saúde (CIF), no campo de atividades e participações.

A reflexão sobre os achados da pesquisa documental é que a MTS pode ser uma ferramenta complementar e não substitutiva, contribuindo com técnicas, referenciais e métodos descritos na BNCC e nos atuais referenciais da educação básica.

 

Considerações Finais

          De acordo com os resultados observados, identificou-se que, com auxílio do modelo de tarefas Match-to-Sample, para desenvolvimento de habilidades escolares em leitura, escrita e matemática básica, os atendidos com síndrome de Down apresentaram evoluções significativas, destacando o potencial da ferramenta para o trabalho com esta população.

          As limitações deste estudo documental são principalmente relacionadas à ausência de um grupo controle, o que impede a realização de comparações mais precisas sobre a eficácia das tarefas Match-to-Sample (MTS) no desenvolvimento de habilidades escolares em adolescentes com síndrome de Down. A falta de um grupo comparativo torna difícil isolar o impacto das tarefas MTS dos demais fatores que influenciam o aprendizado, como o apoio familiar, o ambiente escolar e as intervenções pedagógicas complementares. Além disso, o estudo não considerou variáveis que poderiam enriquecer a análise, como o tempo de exposição às atividades, a variabilidade no grau de comprometimento intelectual entre os participantes e o impacto de fatores socioeconômicos na evolução dos resultados educacionais.

Outra limitação importante é o uso exclusivo de dados quantitativos. Embora esses dados forneçam uma visão objetiva sobre o desempenho dos participantes, eles não capturam as nuances subjetivas do processo de aprendizagem, como a motivação dos alunos, o envolvimento nas atividades e a percepção dos educadores sobre o progresso dos estudantes. A inclusão de dados qualitativos, por meio de entrevistas ou observações, poderia fornecer uma compreensão mais holística dos efeitos das tarefas MTS e das dinâmicas de aprendizagem no contexto do contraturno escolar.

Dada a natureza exploratória deste estudo, novas pesquisas são necessárias para aprofundar a compreensão sobre o impacto das tarefas MTS na educação de adolescentes com síndrome de Down. Estudos futuros devem considerar a implementação de um desenho experimental com grupo controle, o que permitiria uma análise comparativa mais robusta dos efeitos dessa metodologia. Além disso, seria relevante ampliar o período de acompanhamento dos participantes, possibilitando uma análise longitudinal que investigue os efeitos das tarefas MTS ao longo do tempo, tanto em termos de consolidação das habilidades escolares quanto em relação ao desenvolvimento socioemocional.

Outro aspecto que merece atenção em pesquisas futuras é a adaptação das tarefas MTS para diferentes contextos educacionais e faixas etárias. A investigação de como essas tarefas podem ser ajustadas para atender às necessidades de diferentes grupos de alunos, com variados níveis de deficiência intelectual e estilos de aprendizagem, pode contribuir para a criação de intervenções mais personalizadas e eficazes. Além disso, estudos que explorem a combinação das tarefas MTS com outras metodologias pedagógicas podem revelar abordagens integradas que potencializem o desenvolvimento educacional e cognitivo de pessoas com síndrome de Down.

         

 

Referências 

 

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