Significações da coordenação de curso sobre o processo formativo de professores em Educação Especial

 

Meanings of course progression on the training process of teachers in Special Education

 

 Significados de la progresión del curso en el proceso de formación de docentes en Educación Especial

    

 

Raíssa Matos Ferreira

Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

raissamatos16@gmail.com.

 

Neiza de Lourdes Frederico Fumes

Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

neizaf@yahoo.com.

 

Recebido em 11 de maio de 2024

Aprovado em 04 de outubro de 2024

Publicado em 12 de janeiro de 2025

 

RESUMO

Este estudo aborda a formação inicial em cursos de Licenciatura em Educação Especial.  Trata-se da apresentação crítico-reflexiva de alguns resultados da tese de doutorado da primeira autora deste estudo. Teve como objetivo principal apreender as significações da coordenação de curso sobre o processo formativo de professores em Educação Especial. Esta pesquisa contou com a participação voluntária de uma coordenadora de um curso de Licenciatura em Educação Especial vinculado à uma Instituição de Ensino Superior (IES) federal na modalidade presencial. Para tanto, a entrevista semiestruturada foi o instrumento de pesquisa utilizado. A aplicação deu-se através de gravação de áudio e imagem, via plataforma do Google Meet. No que se refere à produção de dados, utilizamos      os Núcleos de Significação. Pontuamos que, na etapa de produção dos dados, estávamos vivenciando o período pandêmico da COVID-19. Acerca disso, tornou-se um recorte analítico envolvendo as implicações desse período na formação dos professores. Quanto à interpretação dos dados, utilizamos algumas categorias do Materialismo Histórico-Dialético      e da Psicologia Sócio-Histórica     . As categorias utilizadas nesta análise foram: trabalho, totalidade e historicidade, mediação e contradição, sentido e significado. Os principais resultados apontam que, possivelmente, as disciplinas didático-metodológicas são mais priorizadas, enquanto as disciplinas teórico-políticas são secundarizadas durante o processo de ensino-aprendizagem de licenciandos, com base na formação por competências. Concluímos que a atuação do Núcleo Docente Estruturante (NDE) é fundamental na formação de professores, pois pode potencializar a transversalidade, perpassando o conceito de interseccionalidade no decorrer da produção de ações pedagógicas inclusivas dentro do curso ao longo da formação de professores.

 

Palavras-chave: Educação Especial; Materialismo Histórico-Dialético; Psicologia Sócio-Histórica.

 

 

ABSTRACT

This study addresses initial training in Degree courses in Special Education. This is a critical-reflexive presentation of some results from the doctoral thesis of the first author of this study. Its main objective was to understand the meanings of course coordination on the training process of teachers in Special Education. This research included the voluntary participation of a coordinator of a Degree course in Special Education linked to a federal Higher Education Institution (HEI) in person. To this end, the semi-structured interview was the research instrument used. The application took place through audio and image recording, via the Google Meet platform. With regard to data production, we used the      Meaning Nuclei. We noted that, at the data production stage, we were experiencing the COVID-19 pandemic period. In this regard, it became an analytical approach involving the implications of this period for teacher training. Regarding data interpretation, we used some categories from Historical-Dialectical Materialism      and Socio-Historical Psychology      . The categories used in this analysis were: work, totality and historicity, mediation and contradiction, meaning and meaning. The main results indicate that, possibly, didactic-methodological disciplines are more prioritized, while theoretical-political disciplines are secondary during the teaching-learning process of undergraduate students, based on competency-based training. We conclude that the role of the Structuring Teaching Center (NDE) is fundamental in teacher training, as it can enhance transversality, permeating the concept of intersectionality in the course of producing inclusive pedagogical actions within the course throughout teacher training.

 

Keywords: Special Education; Historical-Dialectical Materialism; Socio-Historical Psychology.

 

 

RESUMEN

Este estudio aborda la formación inicial en los grados de Educación Especial. Esta es una presentación crítico-reflexiva de algunos resultados de la tesis doctoral del primer autor de este estudio. Su principal objetivo fue comprender los significados de la coordinación de cursos en el proceso de formación de profesores de Educación Especial. Esta investigación contó con la participación voluntaria de un coordinador de una Licenciatura en Educación Especial vinculada a una Institución de Educación Superior (IES) federal de manera presencial. Para ello, la entrevista semiestructurada fue el instrumento de investigación utilizado. La aplicación se realizó mediante grabación de audio e imagen, a través de la plataforma Google Meet. En cuanto a la producción de datos, se utilizó el      Núcleos de Significado. Observamos que, en la etapa de producción de datos, estábamos atravesando el período de pandemia de COVID-19. En este sentido, se convirtió en un enfoque analítico involucrado en las implicaciones de este período para la formación docente. En cuanto a la interpretación de los datos, utilizamos algunas categorías del Materialismo Histórico-Dialéctico      y de la Psicología Sociohistórica (PSH). Las categorías utilizadas en este análisis fueron: obra, totalidad e historicidad, mediación y contradicción, sentido y significado. Los principales resultados indican que, posiblemente, las disciplinas didáctico-metodológicas sean más priorizadas, mientras que las disciplinas teórico-políticas sean secundarias durante el proceso de enseñanza-aprendizaje de los estudiantes de pregrado, basado en una formación basada en competencias. Concluimos que el papel del Centro Estructurante de Enseñanza (NDE) es fundamental en la formación docente, ya que puede potenciar la transversalidad, permeando el concepto de interseccionalidad en el proceso de producir acciones pedagógicas inclusivas dentro del curso a lo largo de la formación docente.

 

Palabras clave: Educación Especial; Materialismo Histórico-Dialéctico; Psicología Sociohistórica.

 

Introdução

 

Este artigo apresenta alguns dos resultados da tese de doutorado da primeira autora deste estudo acerca das múltiplas conjunturas que envolvem a Educação Superior, a formação de professores da/para a Educação Especial e a pandemia de COVID-19. Em relação a isso, faz-se necessário refletirmos sobre os aspectos relacionados às políticas de expansão e democratização da Educação Superior, considerando o acesso e a permanência de universitários em instituições.

Oliveira e Mendes (2017) realizaram um estudo que teve como objetivo identificar, descrever e analisar os cursos de licenciatura em Educação Especial em IES públicas e privadas. Uma das justificativas do estudo direciona o leitor a compreender o porquê da baixa produção acadêmico-científica envolvendo a formação inicial, pois o foco crescente está direcionado à formação continuada. Nesse sentido, as autoras reafirmam a importância da continuidade de estudos voltados para a análise dos cursos de licenciatura em Educação Especial.

Além disso, Torres e Mendes (2018) contribuem conosco ao refletirem sobre a formação de professores, afirmando que:

O fato é que anualmente nossas universidades formam professores que muitas vezes desconhecem o fato de que terão seguramente alunos do PAEE em suas turmas. Esses professores que desconhecem as leis e os direitos desses estudantes poderão continuar questionando a presença dos alunos PAEE na escola ou inviabilizando que eles tenham acesso ao currículo. Eles continuaram reclamando, e com razão, pois não foram preparados para ensinarem tais alunos e não poderão contribuir para a construção de 146 uma escola mais inclusiva, mais justa e menos desigual (Torres; Mendes, 2018, p. 18).

 

Diante disso, concordamos com as autoras. Este estudo teve      como objetivo principal apreender as significações da coordenadora de um curso de licenciatura em Educação Especial sobre o processo formativo de professores em Educação Especial. Pontuamos que, na etapa de produção dos dados, o mundo ainda vivenciava as diversas implicações nas áreas da Educação e Saúde, em decorrência do período pandêmico da COVID-19, e doe isolamento e do distanciamento social. Enfocando no âmbito nacional, especificamente, atingimos o terrível marco histórico de mais de 700 mil vidas ceifadas após três anos, conforme os dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2023a).

Em relação à magnitude deste período de crise sanitária e humanitária, trazemos para o diálogo a seguinte reflexão de Saviani     , envolvendo a lógica capitalista, pois trouxe implicações nas vivências de estudantes em diversas dimensões de todos os níveis e modalidades de ensino,      ‘’com efeito, as crises são inerentes ao capitalismo. Mas as crises com as quais o capitalismo convive são crises parciais, conjunturais, relativas a determinados aspectos que podem ser controlados, sem chegar a colocar em questão a totalidade da forma social capitalista’’ (Saviani, 2020, p. 02). Ainda em termos de implicações no campo educacional, Souza e Dainez (2020) afirmam que o período pandêmico agravou as questões políticas envolvidas no desfinanciamento, privatização e filantropia relacionadas à Educação Especial.

Acerca disso, Netto (2011) também contribui com as nossas discussões referente à importância de apreender as mediações e as contradições ao longo desse processo, considerando o trabalho da coordenadora. Para tanto, Netto (2011) chama-nos atenção sobre a totalidade concreta, viabilizando modos de compreensão sobre as diversas conjunturas que constituem uma sociedade burguesa, principalmente, como há movimentos contraditórios que sustentam sua continuidade, pois sem estes movimentos contraditórios, as totalidades que compõem a totalidade concreta são consideradas inertes.

 Assim, é necessário direcionarmos os olhares para as relações que são construídas nesse processo, pois há um sistema de mediações internas e externas vinculadas às totalidades. Ademais, ao retomar as discussões Marx e Engels (2007) sobre trabalho, Netto (2011, p. 13) afirma que ‘’para ambos, o ser social - e a sociabilidade resulta elementarmente do trabalho, que constituirá o modelo da práxis - é processo, movimento, que se dinamiza por contradições, cuja superação o conduz a patamares de crescente complexidade e novas contradições impulsionam a outras superações’’.

Nesse sentido, Lessa e Tonet (2011, p. 21) também explicitam que ‘’o trabalho é o processo de produção da base material da sociedade pela transformação da natureza. É, sempre, a objetivação de uma prévia ideação e a resposta a uma necessidade concreta. Da prévia ideação à sua objetivação: isto é o trabalho’’. Portanto, os autores pontuam que o processo de objetivação resulta em alguma transformação da realidade. Diante disso, este estudo apresenta algumas reflexões acerca das condições objetivas e subjetivas presentes em meio às mediações e contradições ao longo do trabalho realizado pela coordenadora.

 

Método

 

Nesta pesquisa, utilizamos os procedimentos de produção e análise de dados a partir do Materialismo Histórico-Dialético     e da Psicologia Sócio-Histórica     . A Psicologia Sócio-Histórica      que se baseia      nas proposições advindas da Teoria Sócio-Histórica de Vygotsky que se fundamenta na filosofia, teoria e método do Materialismo Histórico-Dialético     . Considerando isso, utilizamos a entrevista semiestruturada on-line, como instrumento de produção de dados, que atendeu aos critérios éticos da pesquisa analisada e aprovada pelo Comitê de Ética sob o CAAE 50470721.2.0000.5013.

De acordo com Freitas (2002, p. 29), a entrevista semiestruturada na perspectiva da PSH:

[...] não se reduz a uma troca de perguntas e respostas previamente preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem, portanto, dialógica. Os sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da situação concreta em que se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, depende de com quem se fala. Na entrevista é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e social.

 

Considerando o ‘’[...] depende de com quem se fala’’ (Freitas, 2002, p. 29), optamos por convidar a coordenadora de um curso vinculado à uma Instituição de Ensino Superior (IES) federal na modalidade presencial. Acerca da escolha por entrevistar uma participante, consideramos importante ressaltar que a epistemologia materialista histórico-dialética tem como pressuposto a compreensão dos fenômenos em sua processualidade e totalidade, no desvelamento de sua concretude, considerando as condições subjetivas e objetivas envoltas à dialética singular-particular-universal (Pasqualini; Martins, 2015).

Nesse sentido, as autoras afirmam que em cada processo de análise é considerado os polos singular, particular e universal. O universal está relacionado à totalidade social em que o participante de pesquisa encontra-se inserido, ou seja, a relação singularidade-particular é constituída e expressa dentro da totalidade da sociedade capitalista (Pasqualini; Martins, 2015).   Sendo assim, ao entrevistar a participante e conhecer a sua singularidade estamos acessando elementos da totalidade que ela está inserida.

A coordenadora aceitou voluntariamente participar da nossa pesquisa, e ao longo deste estudo foi identificada por um nome fictício, denominado Miraci, cumprindo os critérios éticos em relação à identificação de sujeitos de pesquisa. O aceite para participar da entrevista ocorreu no dia 27 de outubro de 2022, via e-mail. Posteriormente, optamos pela gravação de áudio e imagem, e a entrevista semiestruturada foi realizada no dia 09 de novembro de 2022, via plataforma do Google Meet, com a duração de 48min47s.

Quanto aos procedimentos de análise de dados, utilizamos os Núcleos de Significação elaborados por Aguiar e Ozella (2006), Aguiar e Ozella (2013) e      Aguiar, Soares e Machado (2015). Segundo os autores, este procedimento está fundamentado na Teoria Sócio-Histórica de Vygotsky e conforme, este autor, ‘’a palavra desprovida de significado não é palavra, é um som vazio. Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da palavra. É a própria palavra vista no seu aspecto interior’’ (Vigotski, 2009, p. 398).

Considerando isto, Aguiar e Ozella (2013, p. 304) salientam que:

Ao discutir significado e sentido, é preciso compreendê-los como sendo constituídos pela unidade contraditória do simbólico e do emocional. Dessa forma, na perspectiva de melhor compreender o sujeito, os significados constituem o ponto de partida: sabe-se que eles contêm mais do que aparentam e que, por meio de um trabalho de análise e interpretação, pode-se caminhar para as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou seja, para as zonas de sentido. Afirma-se, assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz ante uma realidade.

 

Nessa direção, estes autores pontuam que é necessário seguirmos algumas etapas, especificamente, três etapas principais, como: o levantamento de pré-indicadores, sistematização de indicadores e sistematização dos Núcleos de Significação a partir de alguns critérios: similaridade, complementaridade e/ou contraposição (Aguiar; Ozella, 2006; Aguiar; Ozella, 2013; Aguiar; Soares; Machado, 2015).

Assim, dois núcleos foram obtidos a partir dos dados da entrevista semiestruturada on-line, e neste artigo apresentamos o Núcleo 2: ‘’O que é preciso fazer como coordenação de curso para mantê-los nessa formação?’’: as potencialidades e os desafios durante o processo formativo de professores em Educação Especial sob o olhar da coordenação de curso.

Ressaltamos que ao longo da apresentação da análise deste núcleo, optamos por descrever explicitamente alguns pré-indicadores advindos da entrevista com a coordenadora e todas as vezes em que ela dizia o nome da instituição/localização, utilizamos a letra X para que não fosse identificada. Quanto às categorias do Materialismo Histórico-Dialético      e Psicologia Sócio-Histórica     utilizadas na análise, destacamos: trabalho, totalidade e historicidade, mediação e contradição, sentido e significado. Considerando isso, apresentamos os resultados e discussões, a seguir.

 

Resultados e discussão

 

Núcleo 2: “O que é preciso fazer como coordenação de curso para mantê-los nessa formação?’’: as potencialidades e os desafios durante o processo formativo de professores em Educação Especial sob o olhar da coordenação de curso

 

Neste Núcleo 2, apresentamos os pré-indicadores da coordenadora sobre o curso, envolvendo as potencialidades e desafios ao longo da formação de professores, principalmente, considerando o período pandêmico. A Coordenadora Miraci relatou que atuou na Educação Básica em uma escola para surdos por 15 anos. Posteriormente, buscou a realização de outros cursos ao longo de suas vivências, até o processo de entrada na instituição X, como docente. Nos próximos pré-indicadores, ela compartilha conosco sobre o processo de reformulação da matriz curricular do curso, relatando:

Então, o curso precisa contemplar aquela Resolução 02 de 2015. Começa a acontecer as primeiras discussões para essa reforma curricular. Então, durante esse período teve um período que eu não fazia parte do NDE (Coordenadora Miraci).

Daí eu fui convidada a ser coordenadora substituta, daí eu entro no NDE e começo acompanhar as discussões, mas de fato já estava finalizando esse processo e, daí teve a finalização e a aprovação dessa reforma curricular em 2020 (Coordenadora Miraci).

Em 2020, a gente começa a rodar um novo PPC e foi todo pensado, todo organizado, completamente estudado pelo NDE (Coordenadora Miraci).

Esse NDE tem a representação de cada uma das áreas. Então, tem a representação de um professor da área de deficiência intelectual, da área da surdez, de um professor da área do Espectro Autista, da Superdotação (Coordenadora Miraci).

 

A partir do exposto, a sujeito de pesquisa afirma sobre a necessidade da matriz curricular de curso contemplar a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação inicial em nível superior (cursos de Licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda Licenciatura) e para a formação continuada (Brasil, 2015).

A coordenadora informou que, antes de entrar na instituição X, em 2016, houve um período em que o Núcleo Docente Estruturante (NDE) já estava no processo de reforma curricular, porém ela ainda não participava do NDE. Segundo a coordenadora, este núcleo é formado pelos professores de diferentes áreas do curso e pelo coordenador do curso. Depois de ser convidada para ser coordenadora substituta, começou a integrar o NDE e acompanhar as discussões. A reforma curricular foi aprovada em 2020.

Com isso, ressaltamos que a viabilização de espaços de diálogo entre corpo docente e discente é primordial, principalmente, contando com a participação do NDE do curso, como enfatizado pela coordenadora:

O nosso currículo então, foi aprovado em 2020, e logo em dezembro de 2020, vem a lei, aquela, as orientações 02/2020. Então, as orientações é preciso organizar então novamente o PPC para contemplar (Coordenadora Miraci).

 

Como veio a… O período da pandemia, essa… Esse período, esse período, esse prazo foi prorrogado, prorrogado, prorrogado… 2 anos para gente fazer essa reforma. Então, nesse período, o nosso PPC de 2020 tá andando na primeira turma (Coordenadora Miraci).

 

O curso conta muito com o apoio do NDE. Então, ele é um forte aliado do curso para pensar todas essas questões pedagógicas, porque a gente precisa pensar num curso de formação para professores, né, professores para Educação Especial. Então, nós estamos assim… A relação com o NDE é uma relação de muita parceria, de muita coletividade. Nós temos bastante orgulho, não temos problemas de pedidos de, temos bastante orgulho do nosso NDE, porque é bastante ativo, não temos problemas, por exemplo, de pedidos, algum professor pedir para ser substituído, isso nunca aconteceu comigo durante o período que eu estou como coordenadora, digo eu, como coordenação, né (Coordenadora Miraci).

 

Então, o NDE já faz, já fez esse estudo, estamos contemplando a carga horária exigida pela legislação, os grupos, as disciplinas. São n alterações, então que vai ter que ser feito um ato de ajuste. O NDE sempre vem nas reuniões que a coordenação convoca (Coordenadora Miraci).

 

Diante disso, pontuamos que ela refere-se à resolução que estava em vigência em nosso país logo no início do período pandêmico, a saber: a CNE/CP nº 2, de 10 de dezembro de 2020 (Brasil, 2020), que institui as Diretrizes Nacionais orientadoras para a implementação dos dispositivos da Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, que teve como objetivo estabelecer as normas educacionais excepcionais a serem adotadas pelos sistemas de ensino, instituições e redes escolares, públicas, privadas, comunitárias e confessionais, no decorrer do estado de calamidade que foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

A coordenadora complementou, afirmando que o NDE já tinha verificado que seriam poucas alterações, pois a carga horária exigida pela legislação, os grupos e as disciplinas já estavam sendo contempladas. Além disso, a Coordenadora Miraci relatou sobre a organização e estrutura da matriz curricular e os desafios enfrentados:

Então, no nosso curso de Educação Especial aqui na X, nós formamos os profissionais, os professores para a Educação Especial na área da deficiência intelectual para as dificuldades para aprendizagem, pra surdez, para atuar na surdez, para trabalhar também na deficiência visual. Nós temos também professores que trabalham com disciplinas específicas para o Transtorno do Espectro Autista. Nós temos também blocos de disciplinas para formação desse professor, né, principalmente, para esses professores especialistas em Altas Habilidades/Superdotação (Coordenadora Miraci).

 

A disciplina de Fundamentos da Educação Especial faz a primeira apresentação no primeiro semestre sobre todas as áreas (Coordenadora Miraci).

 

Então, essa disciplina que é Estratégias Metodológicas, ela antecede o primeiro estágio, tá. O primeiro estágio que é lá no 8º semestre que é o estágio de Espaço Especializado (Coordenadora Miraci).

 

Então, num semestre eles têm a disciplina de estágio e estratégias que vão observar, vão conhecer o espaço, vão fazer pequenas intervenções e daí lá no 8º semestre vem o estágio em Espaço Especializado (Coordenadora Miraci).

 

Acerca do relato acima, faz-nos relembrar sobre as discussões relacionadas ao modo como a formação de professores é delineada. Para discutir sobre isso, trazemos as contribuições de Bueno (1999), no qual afirma sobre a formação especialista e generalista:

O problema não reside na oposição entre especialistas e generalistas. Se por um lado a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular adquira algum tipo de especialização para fazer frente a uma população que possui características peculiares, por outro, exige que o professor de Educação Especial amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características (Bueno, 1999, p. 24).

 

Nesse sentido, é pertinente considerar o limbo conceitual e as implicações voltadas para essas terminologias frente à formação de professores, que foram constituindo-se repletas de ambiguidades. Diante disso, pensar sobre o modo como as matrizes curriculares estão organizadas é fundamental para refletir sobre atual formação por competências preconizada no país, identificando quais são as disciplinas teórico-políticas e as disciplinas didático-metodológicas, e refletindo, caso estejam sendo contempladas, se há alguma predominância de disciplinas didático-metodológicas em comparação com as disciplinas teórico-políticas, principalmente.

Conforme o relato da coordenadora, há blocos de disciplinas específicas no decorrer da formação, contemplando as categorias da deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA), e é na disciplina de Fundamentos da Educação Especial que acontece a primeira apresentação sobre todas as áreas. Ela também afirma sobre a disciplina de Estratégias Metodológicas, que envolve a observação e a realização de intervenções, além do Estágio Especializado. Considerando isso, destacamos a afirmação de Michels (2017, p. 37), a seguir:

O fato de a proposta de formação de professores para a Educação Especial se organizar pela deficiência (biológica ou psicológica) dos alunos secundariza o fazer pedagógico. Com esta centralidade no biológico e no psicológico, o ensino especial opera por uma desqualificação do que seria seu papel central: o processo pedagógico.

 

Nessa direção, concordamos com a autora, e ressaltamos a importância de coordenadores e o NDE em encontrarem meios de rompimento, superação de um modelo curricular baseado por competências e habilidades, que não contemple as disciplinas teórico-políticas nas matrizes curriculares. Pensando sobre isso, é válido ressaltar que a disciplina de Fundamentos da Educação Especial logo no início do curso, compreendemos como imprescindível, assim como de outras áreas, como a Filosofia, Sociologia e Antropologia, que correspondem às disciplinas teórico-políticas, para que os futuros professores possam aproximar-se de discussões relacionadas às concepções de educação, Educação Especial, deficiência, inclusão, entre outros.

Ainda sobre os desafios enfrentados frente às questões           pedagógicas     , a coordenadora também enfatiza que:

Outro desafio é nas questões pedagógicas, né. Vê qual é a necessidade deles de discussões para sua formação, por exemplo no semestre passado uma turma solicitou discussões que envolvem o capacitismo. Na nossa matriz curricular, nós não temos nenhuma discussão, nenhuma disciplina que trate sobre isso, porque é uma discussão muito nova (Coordenadora Miraci).

 

Então, nós estamos já em contato com professores, já tem uma nova professora lá do curso de História, que vai vir se unir à nós, professores da Educação Especial. Vamos fazer uma parceria para que seja pensada uma disciplina com uma ementa para ser registrada essa disciplina para ser ofertada no próximo semestre e que trate sobre o racismo. Para fazer isso, [...] a gente tem que ter uma relação estreita com os alunos. Tanto pra pensar na questão da organização funcional do curso, como eu te disse, né (Coordenadora Miraci).

 

Precisa ser todo organizado no turno da manhã para que eles possam trabalhar no turno da tarde e da noite. Essa demanda toda das questões pedagógicas que vão colaborar na sua formação nessas temáticas que nos perpassam, como eu te falei sobre capacitismo, sobre as questões raciais. Elas precisam ser trazidas, elas precisam ser discutidas (Coordenadora Miraci).

 

Como que a gente faz isso? A gente tá tentando fazer como disciplina complementar de graduação concentrada no turno da noite. Então, são desafios que nos coloca numa posição de olhar atento, né, olhos de águia, sabe? Ficar todo o tempo olhando, observando, conversando, ouvindo os alunos, também, os professores para que a gente consiga qualificar cada vez mais a formação, hã… de professores para a Educação Especial, né. Eu acho que é isso (Coordenadora Miraci).

 

Estes pré-indicadores permitem-nos elencar alguns elementos de análise que são primordiais para discutir sobre os desafios relacionados às questões pedagógicas. No que se refere à temática capacitismo, a coordena destaca que não há disciplinas na matriz curricular relacionadas à temática, porque trata-se de uma discussão muito nova.

Acerca das discussões sobre o capacitismo, pontuamos o conceito, a seguir, pois acreditamos que é de fundamental importância que a coordenação do curso construa modos de viabilizar o aprendizado voltado para essa temática, assim como das interseccionalidades, proporcionando aos licenciandos a construção de reflexões críticas que envolvem questões relacionadas ao gênero, sexismo, machismo, misoginia, raça/etnia, racismo, deficiência, classicismo, vivências LGBTQIAPN+, LGBTQIAPN+fobia, ética do cuidado e conceito de corponormatividade.

Segundo Gesser, Block e Mello (2020), há relações entre o capacitismo e esses outros sistemas de opressão, como o sexismo, o racismo, a LGBTQIAPN+fobia e o classicismo. Por isso, faz-se necessário incluir disciplinas na matriz curricular que abordem essas questões e a coordenação de curso tem-se atentado junto aos licenciandos em relação a isso, como apontado no trecho da fala ‘’Essa demanda toda das questões pedagógicas que vão colaborar na sua formação nessas temáticas que nos perpassam, como eu te falei sobre capacitismo, sobre as questões raciais. Elas precisam ser trazidas, elas precisam ser discutidas’’.

Diante disso, apresentamos o conceito de interseccionalidade a partir de Gesser, Block e Mello (2020, p. 22):

O conceito de interseccionalidade, proveniente do campo das ciências sociais e humanas, foi introduzido por autoras feministas negras como forma de se contrapor ao que elas denominavam de ‘’feminismo branco’’, o qual foi criticado por não situar e não viabilizar o fato de que a transversalidade das questões de gênero com as de raça, sexualidade, classe social e outras formas de discriminação corroborava a produção de diferentes formas de opressão. Em outras palavras, as feministas negras queriam mostrar que a experiência de ser mulher negra e pobre era diferente da experiência de ser mulher branca e de classe média. Esse conceito tem sido intensamente incorporado nos estudos de gênero e, mais recentemente, nos estudos de deficiência. Ademais, ele tem contribuído para a ampliação do potencial analítico e político desses dois campos de estudos, bem como para a qualificação das políticas sociais.

 

Portanto, apreendemos a importância e a necessidade de cursos em Licenciatura em Educação Especial elaborarem as suas matrizes curriculares com disciplinas sobre isso, potencializando a transversalidade ao longo do curso ao abordar sobre as práticas pedagógicas inclusivas, perpassando o conceito de interseccionalidade nessas discussões voltadas para os diversos sistemas de opressão. No que tange ao conceito de capacitismo, como um desses sistemas de opressão, Mello (2016, p. 3267) salienta:

[...] passemos a adotar no Brasil a tradução de ableism para capacitismo na língua portuguesa, por duas razões principais: a primeira é a demanda de urgência para visibilizar uma forma peculiar de opressão contra as pessoas com deficiência e, por consequência, dar maior visibilidade social e política a este segmento; a segunda deriva do próprio postulado da teoria crip, ou seja, para desconstruir as fronteiras entre deficientes e não deficientes é necessário explorar os meandros da corponormatividade de nossa estrutura social ao dar nome a um tipo de discriminação que se materializa na forma de mecanismos de interdição e de controle biopolítico de corpos com base na premissa da (in)capacidade, ou seja, no que as pessoas com deficiência podem ou são capazes de ser e fazer.

 

Diante do exposto, observamos que a discussão sobre o capacitismo tornou-se secundarizada em disciplinas deste curso, possivelmente, por tratar-se de um modelo curricular que prioriza o desenvolvimento de competências e habilidades voltadas para a atividade docente fundamentada no modelo médico-psicológico, contemplando as especificidades de todas as categorias da deficiência, TEA e Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD).

Refletindo sobre isso, ao final de nossa entrevista semiestruturada, perguntamos para a coordenadora, se ela considera que a X tem preparado os licenciandos para uma formação crítica, apesar dos diversos desafios, e que compartilhasse sobre a relação entre os egressos e a coordenação de curso. Nesse sentido, a sujeito de pesquisa afirma que:

Há muitos desafios. O papel da coordenação do curso é ter um olhar muito próximo aos acadêmicos, porque o olhar junto a esses acadêmicos e toda a demanda que tem no campo da Educação Especial precisam ser olhados por nós (Coordenadora Miraci).

 

Eles são acadêmicos que precisam trabalhar. Hoje, nós temos uma realidade completamente diferente que tínhamos seis ou sete anos atrás onde acadêmicos tinham      condições de se dedicar ao curso de forma integral. Hoje, não se tem mais. Eles precisam sim estar no estágio remunerado ou realmente estarem trabalhando para conseguirem se manter no curso de graduação, numa universidade (Coordenadora Miraci).

 

Então, a coordenação do curso tem muitos desafios e hoje a gente vive não só somente aqui na X, mas acredito que de forma geral nas instituições do Brasil todo e em todo território nacional. Há a questão da evasão. Por que que tá acontecendo a evasão? Por que o nosso jovem hoje não tá conseguindo permanecer na universidade? (Coordenadora Miraci).

 

O que é preciso fazer como coordenação de curso para mantê-los nessa formação? Então, esse é um dos grandes desafios que atualmente eu vejo, porque nesse período pós-pandemia todos nós estamos enfrentando muitas dificuldades para nos manter, né (Coordenadora Miraci).

 

Miraci destaca sobre o papel da coordenação junto ao corpo discente, principalmente, nas mobilizações em prol da reorganização da matriz curricular, considerando os múltiplos cenários envoltos e as necessidades do alunado. Por exemplo, ao afirmar que “Há a questão da evasão. Por que tá acontecendo a evasão? Por que o nosso jovem hoje não tá conseguindo permanecer na universidade?’’, faz-nos refletir e trazer para o diálogo uma proposição de Tonet (2013), que aponta que: “[...] cada objeto não é apenas uma síntese específica de universalidade, particularidade e singularidade, mas também o resultado de um determinado processo histórico e social’’ (Tonet, 2013, p. 114).

Nesse sentido, pontuamos acerca da importância de pesquisadores debruçarem-se no estudo sobre o processo de evasão de universitários, considerando os possíveis contextos sócio-históricos envolvidos. Em relação à evasão em cursos de Licenciatura brasileiros, a base de Indicadores de Fluxo da Educação Superior disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apresenta as taxas de desistência acumulada, taxa de conclusão acumulada, taxa de permanência e o número de matrículas em cursos de graduação com percentuais de participação por sexo em resumos técnicos, que são preocupantes. Nessa direção, consideramos pertinente pontuar alguns dados estatísticos, conforme o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior (2021), saber:

Os cursos com total de concluintes superior ao total de cursos de todos os graus (40%) são: Pedagogia (49%), Artes (43%), Geografia (43%), História (41%) e Biologia (40%). Os cursos em que a taxa de desistentes é igual ou superior à taxa do correspondente a de todos os graus acadêmicos (59%), por sua vez, são: Física (72%), Matemática (68%), Química (67%), Filosofia (64%), Língua Estrangeira (63%), Sociologia (62%), Língua Portuguesa (60%) e Educação Física (59%) (Brasil, 2023b, p. 38).

 

Em 2021, os cinco cursos de graduação com maior participação feminina, independentemente do número absoluto de matrículas, são: Estética e Cosmética (98,2% de participação feminina, representado por 66.514 matrículas), Podologia (96,8%; 8.270), Educação especial formação de professor (93,7%; 8.063), Psicopedagogia (92,1%; 8.625) e Pedagogia (91,7%; 724.003) (Brasil, 2023b, p. 38).

 

Posto isto, observamos      que o curso de Licenciatura em Educação Especial não está entre os cursos com o total de concluintes superior, e os cursos com taxa de desistentes igual ou superior à taxa do correspondente a de todos os graus acadêmicos nos resultados desta avaliação do INEP. Porém, observamos que este curso consta em um dos resultados ao destacarem que é um dos cursos com maior participação de pessoas do sexo feminino, como apontado ‘’[...] Educação especial formação de professor (93,7%; 8.063)’’ (Brasil, 2023b, p. 38). Diante desses dados recentes, destacamos o seguinte trecho: ‘’O que é preciso fazer como coordenação de curso para mantê-los nessa formação? Então, esse é um dos grandes desafios que atualmente eu vejo, porque nesse período pós-pandemia todos nós estamos enfrentando muitas dificuldades para nos manter, né’’.

Nesse sentido, também faz-se necessário rememorar as implicações do período período pandêmico. Em 2020, ainda neste período, no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), Saviani (2020, p. 02) fez os seguintes apontamentos:

Diante dessa situação, uma primeira diferenciação a ser feita é que, tratando da conjuntura atual, devemos observar que, se a crise sanitária representada pela pandemia do Coronavírus é uma crise conjuntural, ou seja, própria do momento atual e que deve passar, permitindo a continuidade da vida humana, a crise que afeta a sociedade capitalista é de outro teor.

 

Diante disso, o autor reconhece a crise sanitária ocasionada pela pandemia do Coronavírus, mas salienta que esta crise não compromete a sobrevivência do sistema capitalista subsidiado por tantas contradições. Assim, Netto (2011) também nos atenta para a dinamicidade da práxis nesse processo, no qual trata-se de um movimento dialético que está envolto de diversas contradições, compondo uma totalidade social, e ao tomarmos a educação como fenômeno de estudo, direcionamos olhares crítico-reflexivos ao analisar os processos de reconfiguração do capital, principalmente, quais são as forças que sustenta-o e como realizam isto.

Nessa direção, trazemos para o diálogo as proposições de Mészáros (2008), pois faz-nos refletir sobre os modos como a Educação Superior pública foi duramente atingida no decorrer do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), devido aos muitos ataques à ciência brasileira ao passo que diversos processos de resistência ocorreram. Ao discutirmos sobre as múltiplas configurações de crises estruturais do capitalismo, este autor chama-nos atenção para o desmonte da Educação Superior, sobretudo, de instituições públicas de excelência pelo fato de que:

Quanto mais ‘avançada’ a sociedade capitalista, mais unilateralmente centrada na produção de riqueza reificada como um fim em si mesma e na exploração das instituições educacionais em todos os níveis, desde as escolas preparatórias até as universidades – também na forma da ‘privatização’ promovida com o suposto zelo ideológico pelo Estado – para a perpetuação da sociedade de mercadorias (Mészáros, 2008, p. 80).

 

Nesse sentido, faz-nos pensar no avanço do projeto político e econômico neoliberal e as suas influências nesse processo de privatização e mercantilização da Educação de modo geral. Pensando sobre isso, questionamos como é a relação da coordenação com os egressos, e Miraci relatou:

Então, a nossa relação com os egressos, ela é muito ativa. Nós organizamos eventos, inclusive que nós chamamos egressos que estão atuando em diferentes lugares pra saber o que vocês estão fazendo, como vocês estão fazendo, quais são os enfrentamentos, o que o campo tá exigindo desse profissional (Coordenadora Miraci).

 

Porque uma grande maioria dos acadêmicos que se formam em Educação Especial, eles continuam e sempre vai ter trabalho. Sempre! Porque é uma área onde tem ainda muita carência desse profissional, estudando no âmbito da pós-graduação, no mestrado, doutorado, e quando nós formamos as turmas, eu não posso te garantir, que 100% vai estar no campo de atuação, mas eu posso te garantir que o profissional da Educação Especial sempre vai ter trabalho (Coordenadora Miraci).

 

Por que? Porque tem muita demanda ainda de trabalho, ele ainda pode selecionar, ele quer trabalhar, porque… porque tem um campo muito grande, que tá precisando desse profissional e, eu acredito sim que eles são muito críticos (Coordenadora Miraci).

 

A partir do primeiro trecho da fala da coordenadora, no qual ela salienta que a relação com os egressos é muito ativa, acreditamos que é fundamental resgatarmos os pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, com base em Saviani (2011), reafirmando a sua importância durante o processo de formação de professores, pois pode contribuir na produção de instrumentos teóricos e práticos voltados para prática docente, viabilizando potencialidades no processo de escolarização de estudantes ao passo que fomenta caminhos para enfrentar os desafios frente a diversas realidades.

Quanto ao pré-indicador: “Porque tem muita demanda ainda de trabalho, ele ainda pode selecionar, ele quer trabalhar, porque… porque tem um campo muito grande, que tá precisando desse profissional e, eu acredito sim que eles são muito críticos’’, chamamos atenção para as contribuições deste autor relacionadas à construção articulada entre o compromisso técnico e o compromisso político ao longo da formação de professores. Ao afirmamos sobre isto, partimos de um pressuposto que desconsidera totalmente as forças que ainda alimentam a dicotomia histórica entre educador-técnico versus educador-político.

A partir dos pré-indicadores, continuamos repensando as relações entre educação e política realizadas por Saviani (2011). Concordamos quando este autor reafirma a necessidade de pautarmos o nosso saber/fazer profissional no cerne de uma prática pedagógica comprometida eticamente e politicamente. Nesse sentido, também pontuamos o seguinte trecho, no qual Miraci afirma que ‘’eu posso te garantir que o profissional da Educação Especial sempre vai ter trabalho’’.

Acerca disso, é fundamental que as discussões voltadas para a formação inicial continuem sendo viabilizadas, principalmente, para repensar as dicotomias reproduzidas entre os perfis de profissionais da Educação Especial e os modelos formativos respaldados pela política de educação especial, que tem como foco a formação continuada, assim trazemos para o diálogo as proposições de Silva, Baptista e Jesus (2023     , p. 16):

Podemos afirmar que a multiplicidade que se articula à forma de evocar um perfil profissional e ao trabalho do professor de educação especial associa-se a uma definição pouco objetiva que pode ser encontrada na política. Essa “indefinição” não pode ser lida como ausência de política, mas como a própria política, pois, quando se deixa aberto o caminho para tantos formatos, emerge uma pluralidade que corre o risco de fragilizar e reproduzir o que há de mais antigo e simplificador – movimento que podemos observar a partir daquilo que vem sendo ofertado hoje em termos de diversidade formativa com relação à área.

 

Diante disso, concordamos com as autoras, pois as consequências dessa ‘’indefinição’’ detalhadamente planejada para que alimente a tendência reprodutiva do modelo curricular por competências nos cursos, que visa o ensino de técnicas e métodos específicos para o trabalho com estudantes com deficiência, TEA e AH/SD voltados para a prática no AEE. Ainda sobre isso, Miraci traz as seguintes reflexões sobre a formação inicial de professores:

Eles precisam olhar pro contexto lá da escola e dizer: gente, eu preciso trabalhar capacitismo. Como que eu faço? Né! Olha, eu tô lá fazendo estágio em tal escola e vi questões que envolvem, né, questões raciais, de gênero. Como que eu como Educadora Especial vou fazer uma inserção trazendo essa temática? Como que a gente faz? (Coordenadora Miraci).

 

A gente tenta se mobilizar como instituição formadora de tal forma que a gente precisa garantir essa qualificação, né. Essa formação pra eles. Então, eu acho que esse olhar, o papel desse educando, né. Quem é essa criança? Né! O olhar que se deve ter sobre a aprendizagem dessa criança (Coordenadora Miraci).

 

Eu acho que o segredo é não estar rígido, porque o professor rígido, uma formação rígida, com um curso rígido, a gente não consegue crescer, a gente não consegue evoluir, não consegue se aproximar de determinados lugares, por exemplo, da Educação Básica (Coordenadora Miraci).

 

O primeiro trecho da fala de Miraci desperta-nos atenção para as possíveis dificuldades que podem surgir nesta prática, por isso as dúvidas são pertinentes, assim como é comum a reprodução de discursos de despreparo sinalizado pelos docentes, como afirmado por Jesus (2013, p. 1):

[...] o discurso do “não-saber-lidar”, não estar preparado para “trabalhar com a diversidade dos alunos”. Essas falas são reiteradas por um número significativo de docentes, que atuam em diferentes níveis e em diversos espaços. No que tange a trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais, o discurso é recorrente e hegemônico. Duas questões se colocam: como chegamos a constituir esse discurso de negação e, se os docentes “não estão preparados”, o que é necessário para tal?

 

Ao final destas palavras, a autora traz dois questionamentos que chama-nos atenção, e relacionamos que, possivelmente, a origem desse discurso de negação está diretamente relacionado com as polarizações voltadas para o perfil profissional e modelo de formação brasileiros postos pela política nacional de Educação Especial, principalmente, reitera a desqualificação de professores e, como ‘’solução’’ investem em matrizes curriculares com mais disciplinas didático-metodológicas do que disciplinas teórico-políticas, priorizando o esvaziamento teórico durante uma formação.

Em meio a isso, ainda vivenciamos as consequências de uma onda de conservadorismo e negacionismo nos últimos anos, que influenciam na prática docente em contextos educacionais. No que se refere a esse cenário, Duarte (2022, p. 70) colabora conosco ao refletir que:

A visão de mundo de uma parcela significativa da população brasileira encontra-se fortemente influenciada por ideias e valores obscurantistas, chamados mais comumente de “conservadores”. Mas o que o obscurantismo pretende, de fato, conservar? Não é o patrimônio cultural da humanidade, não é a natureza, não é a dignidade da vida humana. Analisando o que está por detrás da retórica beligerante do obscurantismo, o que se verifica é que os defensores dessa visão de mundo não pretendem nem mesmo conservar o que eles chamam de valores da tradicional família cristã. O que eles tentam conservar é uma cultura da violência, da ignorância, da opressão e do preconceito.

 

Nesse sentido, as palavras de Duarte (2022) direcionam-nos com muita preocupação ao que ainda estamos vivenciando neste pós-pandemia advindos de uma cultura enraizada pela violência, ignorância, opressão e preconceito, que inviabiliza o processo de ensino-aprendizagem voltado para a emancipação humana. Por fim, destacamos o recorte do último trecho de fala da coordenadora:

Eu acho que o segredo é não estar rígido, porque o professor rígido, uma formação rígida, com um curso rígido, a gente não consegue crescer, a gente não consegue evoluir, não consegue se aproximar de determinados lugares, por exemplo, da Educação Básica (Coordenadora Miraci).

 

Acerca disso, a coordenadora sugere que os professores não foquem em uma formação rígida, pois inviabiliza o próprio crescimento como docente. Nessa direção, apreendemos que a coordenação deste curso busca promover um espaço de diálogo com os egressos, viabilizando as possíveis mudanças na matriz curricular do curso direcionada à formação de professores, iniciando e/ou aprofundando o debate de algumas temáticas cada vez mais visibilizadas por alguns grupos sociais, que seguem na luta pela garantia de seus direitos em nossa sociedade.

 

Considerações finais

 

Em suma, este estudo teve como objetivo apreender as significações da coordenação de curso sobre o processo formativo de professores em Educação Especial. Assim, as condições subjetivas e objetivas do trabalho da coordenação de curso em tempos pandêmicos a partir do Materialismo Histórico-Dialético      e Psicologia Sócio-Histórica     foram discutidas. Segundo a coordenadora, há blocos de disciplinas específicas que contemplam as categorias da deficiência, TEA e AH/SD, citando o Estágio Especializado também.

Nesse sentido, possivelmente, o curso orientado pelo modelo curricular prioriza o desenvolvimento de competências e habilidades, ainda que haja um movimento de construção de espaços de escuta aos licenciandos e egressos ao longo dos processos vivenciados, apresentando modos de promover uma formação crítico-reflexiva. Considerando o trabalho de todos os envolvidos, por exemplo, reiteramos a importância do NDE nesta instituição, pois demonstra priorizar a construção coletiva de ações de práticas pedagógicas inclusivas dentro do curso junto a outros cursos, visando potencializar a transversalidade, perpassando o conceito de interseccionalidade, com discussões voltadas para os diversos sistemas de opressão e violências.

Por fim, foi possível conhecer as realidades envoltas às potencialidades e desafios que precisaram enfrentar. Torcemos que este estudo possa ampliar os olhares de pesquisadores voltados para as temáticas discutidas e que outros pesquisas possam ser realizadas, priorizando analisar como os cursos de Licenciatura brasileiros estão organizados, como as matrizes curriculares estão estruturadas, a relação com o NDE, assim como a relação com o corpo discente, a comunidade acadêmico-científica em geral, trabalhando em prol do avanço do conhecimento, da construção de práticas pedagógicas inclusivas para garantir os direitos das pessoas com deficiência, TEA e AH/SD em nosso país.

 

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