Índice de potencial esportivo: uma abordagem científica para detecção de talentos na escola

Sports potential index: a scientific approach to talent detection at school

Índice de potencial deportivo: una aproximación científica a la detección de talentos en la escuela

 

Francisco Zacaron Werneck

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

francisco.zacaron@ufjf.br

Luciano Miranda

Colégio Militar de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

lujumm@yahoo.com.br

Emerson Filipino Coelho

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

emerson.filipino@ufjf.br

Jorge Roberto Perrout de Lima

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

jorge.perrout@ufjf.br

 

Recebido em 14 de setembro de 2023

Aprovado em 16 de setembro de 2023

Publicado em 19 de junho de 2024

 

RESUMO

O talento esportivo é uma manifestação de altas habilidades e deve ser identificado para ser promovido. O objetivo deste estudo foi criar um índice de avaliação do potencial esportivo de escolares. 1064 estudantes de ambos os sexos de 13 a 17 anos de um colégio militar realizaram uma bateria de testes multidimensional. Os professores avaliaram os seus alunos quanto aos aspectos intangíveis e a expectativa de sucesso esportivo no futuro. O Índice de Potencial Esportivo foi composto pelo somatório dos valores percentis dos seguintes indicadores: força, velocidade, resistência aeróbica, competência percebida, aspectos intangíveis e potencial avaliado pelo professor, com variação de 0 a 100. 11,2% dos meninos (n=70) e 9,4% das meninas (n=40) foram identificados como talentos esportivos (Índice>75). A consistência interna do índice (r>0,70) e a estabilidade do diagnóstico 12 e 24 meses após a primeira avaliação (ICC>0,75) foram elevadas. Os escolares selecionados para os Jogos da Amizade (validade de construto) e aqueles que conquistaram medalhas (validade de critério) apresentaram maior Índice de Potencial Esportivo quando comparados aos não selecionados e não medalhistas. Diante dos resultados, concluiu-se que o Índice de Potencial Esportivo é válido e fidedigno para a estimativa do potencial esportivo de escolares de 13 a 17 anos de ambos os sexos, constituindo uma ferramenta científica inovadora, útil e de fácil aplicação na prática para a identificação de talentos esportivos na escola.

Palavras-chaves: Talento; Superdotação; Escolares.

 

ABSTRACT

Sporting talent is a manifestation of high abilities and must be identified to be promoted. The objective of this study was to create an evaluation index of the sporting potential of schoolchildren. 1064 students of both sexes aged 13 to 17 years, from a military school, performed a battery of multidimensional tests. Teachers evaluated their students regarding intangible aspects and the expectation of sporting success in the future. The Sports Potential Index was composed by the sum of the percentile values of the following indicators: strength, speed, aerobic resistance, perceived competence, intangible aspects, and potential evaluated by the teacher, with a range from 0 to 100. 11.2% of the boys (n=70) and 9.4% of the girls (n=40) were identified as sporting talents (Index>75). The index's internal consistency (r>0.70) and diagnostic stability 12 and 24 months after the first assessment (ICC>0.75) were high. Students selected for the Friendship Games (construct validity) and those who won medals (criterion validity) had a higher Sports Potential Index when compared to non-selected students and non-medalists. In view of the results, it was concluded that the Sporting Potential Index is valid and reliable for estimating the sporting potential of schoolchildren between 13 and 17 years old of both sexes, constituting an innovative, useful and easily applied scientific tool in practice for the identification of sports talents at school.

Keywords: Talent; Giftedness; Schoolchildren.

 

RESUMEN

El talento deportivo es una manifestación de altas capacidades y debe identificarse para poder ser promocionado. El objetivo de este estudio fue crear un índice de evaluación del potencial deportivo de los escolares. 1064 estudiantes de ambos os sexos, con edades entre 13 y 17 años, de una escuela militar, realizaron una batería de pruebas multidimensionales. Los profesores evaluaron a sus alumnos respecto a aspectos intangibles y la expectativa de éxito deportivo en el futuro. El Índice de Potencial Deportivo estuvo compuesto por la suma de los valores percentiles de los siguientes indicadores: fuerza, velocidad, resistencia aeróbica, competencia percibida, aspectos intangibles y potencial evaluado por el docente, con un rango de 0 a 100. El 11,2% de los niños (n=70) y el 9,4% de las niñas (n=40) fueron identificados como talentos deportivos (Índice>75). La consistencia interna del índice (r>0,70) y la estabilidad diagnóstica a los 12 y 24 meses de la primera evaluación (CCI>0,75) fueron altas. Los estudiantes seleccionados para los Juegos de la Amistad (validez de constructo) y los que ganaron medallas (validez de criterio) tuvieron un Índice de Potencial Deportivo más alto en comparación con los estudiantes no seleccionados y no medallistas. A la vista de los resultados, se concluyó que el Índice de Potencial Deportivo es válido y confiable para estimar el potencial deportivo de escolares de 13 a 17 años de ambos os sexos, constituyendo una herramienta científica innovadora, útil y de fácil aplicación en la práctica para la identificación de talentos deportivos en la escuela.

Palabras clave: Talento; Superdotación; Niños de escuela.

 

Introdução

A importância da Educação Física escolar como primeira etapa no processo de identificação e desenvolvimento de talentos esportivos tem sido destacada por vários pesquisadores (Faber et al., 2022; Pion, 2015; Miranda et al., 2019; Prieto-Ayuso et al., 2020; Xiang et al., 2022). O talento esportivo é uma das manifestações das altas habilidades e deve ser descoberto para ser desenvolvido da melhor maneira e o mais cedo possível. A escola é a base do sistema esportivo de grandes potências olímpicas e, por isso, é nela que este processo deve começar (Digel, 2002; Platonov, 2018). Uma Educação Física escolar de qualidade é uma condição importante para o sucesso esportivo de qualquer país (Fisher, 2008), uma vez que possibilita o desenvolvimento de múltiplos indicadores de potencial dos alunos, para além do domínio motor (Bailey & Morley, 2006).

Embora a importância da Educação Física escolar seja destacada, ainda existe um desconhecimento relacionado a como conduzir o processo de identificação de talentos no contexto escolar (Croston & Hills, 2017; Prieto-Ayuso et al., 2020). Tradicionalmente, a busca por talentos é feita com a aplicação de baterias de testes, visando o diagnóstico motor das crianças (Bailey & Morley, 2006; Bianco et al., 2015; Melo et al., 2016; Lidor; Coté & Hackfort, 2011). Os talentos motores podem ser definidos como crianças e adolescentes capazes de apresentar desempenho superior atípico, geralmente igual ou superior ao percentil 98 (P98), em um ou mais testes de velocidade, força, agilidade e resistência (Gaya; Torres & Cardoso, 2014). Mas o potencial esportivo não pode ser reduzido apenas ao desempenho motor atual, embora este pareça ser o indicador mais óbvio (Bailey & Collins, 2013).

No Brasil, a Estratégia Z-Celafiscs (Matsudo; Rivet & Pereira, 1987) e, posteriormente  o PROESP – Projeto Esporte Brasil (Gaya; Silva & Cardoso, 2002) foram os primeiros modelos científicos voltados para a detecção de talentos esportivos. Estes modelos utilizam princípios da Lei das Probabilidades, onde se espera que menos de 5% das pessoas na população possuam elevado potencial (talento) em um domínio específico. Apesar dos avanços metodológicos obtidos, tais modelos precursores utilizaram predominantemente medidas antropométricas e indicadores físico-motores. A análise de potencial nestes modelos considerava o desempenho atual nos testes e de forma univariada, identificando em qual ou quais indicadores o indivíduo apresentava resultado maior que a média da população de referência.   

Outros autores têm sugerido a utilização de índices, que incorporem diversos indicadores de talento motor na avaliação do potencial físico-motor de escolares (Bianco et al., 2016; Roth et al., 2019). O uso de uma combinação de testes permite a medida e a avaliação de vários indicadores do potencial esportivo e pode ajudar a planejar os programas de desenvolvimento e a cultivar o talento esportivo (Tabacchi et al., 2019). O pressuposto é de que jovens que apresentam o maior número de requisitos necessários para o bom desempenho numa modalidade esportiva provavelmente terão maior chance de sucesso futuro (Papić; Rogulj & Plestina, 2009; Pion et al., 2015).

Considerando a natureza multidimensional e dinâmica do talento esportivo, na prática os professores necessitam de ferramentas para estimar de maneira válida e fidedigna o potencial esportivo dos seus alunos. Para isso, a evidência científica mostra que se deve conjugar medidas objetivas, por meio da aplicação de baterias de testes, juntamente com o conhecimento e a experiência prática dos treinadores, ou seja, a avaliação subjetiva de potencial feita pelos treinadores, chamada de “olho do treinador” (Werneck & Coelho, 2020).

Dentro desta perspectiva, foi criado o Projeto Atletas de Ouro®. Desde 2015, este projeto vem sendo realizado no Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF), onde se aplica uma bateria de testes multidimensional contendo diversos indicadores do potencial esportivo, incluindo a maturação biológica e a percepção subjetiva dos professores-treinadores. A partir de um algoritmo, criou-se o Gold Score – índice de potencial esportivo – e um sistema informatizado foi desenvolvido para gerar laudos individualizados e relatórios contendo todas as informações coletadas (Werneck; Coelho & Miranda, 2022). Em seguida, índices específicos para avaliação de potencial foram desenvolvidos, tais como o Gold Score Judo (Ribeiro, 2022) e o Gold Score Athletics (Van Keulen et al., 2024). No entanto, visando uma maior viabilidade de aplicação prática do protocolo Atletas de Ouro na escola, foi necessário reduzir o número de testes priorizando os mais simples, porém mantendo a validade e a fidedignidade do índice. Portanto, o objetivo deste estudo foi criar um índice de avaliação do potencial esportivo para escolares de 13 a 17 anos, de ambos os sexos, e testar as suas propriedades psicométricas.

 

Método

Amostra

Participaram deste estudo longitudinal-misto 1064 escolares (437 meninas e 627 meninos) avaliados no período de agosto de 2015 a junho de 2017. Por conveniência, os participantes foram recrutados no Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF) – estabelecimento de ensino público federal para escolares do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e do ensino médio. Os 10 professores da Seção de Educação Física do CMJF (41,0 ± 8,0 anos de idade e 12,5 ± 9,8 anos de experiência), especialistas em diferentes modalidades (futebol, voleibol, handebol, basquetebol, corrida de orientação, natação, esgrima, triatlo militar e atletismo) realizaram a avaliação dos aspectos intangíveis e do potencial esportivo dos seus alunos. Os critérios de inclusão foram: idade entre 13,0 e 17,9 anos, estar matriculado e regularmente frequentando as aulas no CMJF e estar presente no dia da coleta dos dados. Foram excluídos os escolares que não entregaram o TCLE assinado pelo responsável ou que se recusaram a participar, além dos que apresentaram qualquer condição física ou clínica que interferisse na realização dos testes. O consentimento dos responsáveis legais e o assentimento dos escolares foram obtidos antes da participação no estudo. Esta pesquisa é parte integrante do “Projeto Atletas de Ouro: Avaliação Multidimensional e Longitudinal do Potencial Esportivo de Jovens Atletas”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (CAAE: 32959814.4.1001.5150).

 

Procedimentos

Os escolares foram submetidos anualmente à bateria de testes do Projeto Atletas de Ouro® que compreende um protocolo de avaliação multidimensional do potencial esportivo de escolares e jovens atletas (https://www.youtube.com/watch?v=xQUKP8Zawgk&t). Conforme estudos anteriores (Miranda et al., 2019; Miranda et al., 2020), os testes foram aplicados em três dias distintos, durante a aula de Educação Física, com duração aproximada de 90 minutos. Os dados foram coletados de segunda a sexta-feira entre 09h00min e 12h30min. A avaliação foi feita por profissionais devidamente treinados, sendo selecionados avaliadores fixos para cada teste. No primeiro dia, foi realizada uma palestra no auditório do CMJF, em que foi explicado o protocolo de testes e a coleta dos questionários, sob a supervisão dos professores de Educação Física. No segundo dia, foram realizados as medidas antropométricas e os testes físico-motores, no ginásio do CMJF. No terceiro dia, foi realizado o teste de corrida vai-e-vem de 20 metros para avaliação da resistência cardiorrespiratória. Neste teste, cada avaliador ficou responsável por controlar a distância percorrida, o estado físico e a motivação de três alunos simultaneamente. Os procedimentos de medida da bateria de testes do Projeto Atletas de Ouro® estão descritos em Werneck, Coelho e Ferreira (2020).


 

Indicadores Antropométricos

Foram realizadas medidas da massa corporal (balança antropométrica digital com precisão de 0,05 kg (Welmy®, São Paulo, Brasil), estatura (estadiômetro (Sanny®, São Paulo, Brasil), com precisão de 0,1 cm), envergadura e dobras cutâneas (tríceps e perna - adipômetro científico (Sanny®, São Paulo, Brasil). O percentual de gordura corporal foi estimado, através da equação de Slaughter et al. (1988). Durante estas medidas, os escolares estavam com traje de Educação Física e descalços.

 

Indicadores Físico-Motores

Para avaliação da força explosiva de membros superiores, utilizou-se o teste arremesso de medicine-ball, com uma bola de 2kg. Foi considerado o melhor resultado de duas tentativas. A velocidade de deslocamento foi avaliada pelo teste corrida de velocidade de 20 metros, a partir do tempo obtido em sprint máximo, mensurado por sistema de células fotoelétricas (Multi-Sprint Full®, Hidrofi®t, Belo Horizonte, Brasil). Foi considerado o melhor resultado de duas tentativas. A resistência aeróbica foi avaliada pelo teste de corrida vai-e-vem de 20 metros (Léger). O ritmo da corrida foi estabelecido por um sinal sonoro, com uma velocidade inicial de 8,5 km/h, sendo acrescido 0,5 km/h a cada intervalo de 1 minuto.

 

Competência Motora

Para a avaliação da competência percebida foi aplicada uma escala de Sheldon e Eccles (2005) adaptada por Werneck, Coelho e Ferreira (2020). Os escolares deveriam responder a duas questões, em uma escala Likert de 5 pontos (1-Ruim a 5-Excelente): como eles se percebiam com relação ao seu desempenho esportivo e de que maneira se percebiam quando comparados a outros alunos da mesma categoria etária. O escore final foi o somatório das respostas, variando de 2 a 10 pontos.

 

 

“Olho do treinador”

Para avaliação do potencial esportivo dos escolares, foi solicitado aos professores de Educação Física que atribuíssem uma classificação subjetiva em relação à expectativa de sucesso que depositavam em cada um dos seus alunos. Eles avaliaram o potencial do aluno para o desempenho esportivo no futuro, de acordo com uma escala Likert de 5 pontos: 1-Ruim; 2-Razoável; 3-Bom; 4-Muito Bom; 5-Excelente. Estudos anteriores demonstram a validade desta avaliação para estimativa do potencial esportivo feita pelos treinadores (De Paula et al., 2020; Vidigal et al., 2022) e para predizer a progressão na carreira de jovens atletas (Figueiredo et al., 2009).

 

Intangíveis

Para a avaliação dos aspectos intangíveis do potencial esportivo foi utilizado o Intangibles Checklist proposto por Brown (2001) e adaptado para a língua portuguesa e uso no Brasil por Werneck, Coelho e Ferreira (2020). O instrumento é uma lista contendo 10 qualidades intangíveis que caracterizam o atleta raro e talentoso, contendo os seguintes itens: compensa suas deficiências pela sua grande determinação, influencia positivamente a equipe/grupo, conhece os atalhos para a vitória; é um atleta que decide as partidas/competições; extrai o melhor do(s) companheiro(s); antecipa-se às situações; é treinável; tem capacidade de adaptação às situações; melhora a cada vez que é submetido a novas exigências/desafios; possui fome de vitória/ instinto matador. Os treinadores deveriam responder aos itens, de acordo com uma escala Likert de 5 pontos (1-Ruim a 5-Excelente). O escore final varia de 10 a 50 pontos, a partir do somatório dos itens. O instrumento apresentou evidência de validade de conteúdo, validade de construto, validade de critério (preditiva) e fidedignidade (consistência interna e estabilidade teste-reteste) satisfatórias (Werneck; Coelho & Ferreira, 2020).

 

 

 

Maturação Somática

A maturação biológica foi avaliada pelo percentual atingido da estatura adulta prevista (%EAP). O %EAP foi estimado através do método Khamis e Roche (1994), que utiliza a idade cronológica, a estatura atual e a massa corporal do avaliado, além da estatura dos pais biológicos. A partir de dados de referência, por faixa etária e sexo, estimou-se a estatura adulta prevista e foram obtidas as classificações do estágio maturacional (atrasado, normomaturo ou avançado).

 

Índice de Potencial Esportivo

Neste estudo, criamos um índice para quantificar o potencial esportivo dos escolares chamado Índice de Potencial Esportivo, que combina dados objetivos (força, velocidade e resistência) e dados subjetivos (percepção de competência do indivíduo, intangíveis e olho do treinador). Esse índice foi baseado em estudos anteriores do nosso grupo de pesquisa tanto com escolares (Werneck; Coelho & Miranda, 2022; Ribeiro, 2022; Van Keullen et al., 2024) quanto com jovens atletas (Ribeiro Júnior et al., 2021). A escolha dos indicadores para composição do índice foi baseada em um modelo parcimonioso que contemplasse a performance em testes objetivos, a percepção de competência do escolar e a avaliação de potencial feita pelo professor-treinador.

O primeiro passo para o cálculo do índice foi calcular o escore Z das variáveis que compõem o índice, de acordo com os procedimentos da Estratégia Z-Celafiscs (Matsudo; Oliveira & Araújo, 2007). A estatística Z permite diagnosticar, em termos percentuais, o quanto um indivíduo se afasta da média populacional em determinada característica. O percentil 98, por exemplo, normalmente utilizado como critério para classificação de talentos motores, corresponde ao escore Z = 2,0, ou seja, o indivíduo encontra-se a dois desvios-padrão acima da média ou entre os 2% melhores da população. Para o cálculo do escore Z da força de arremesso de medicine-ball, velocidade de 20m, distância percorrida no teste de Léger, competência percebida e intangíveis, utilizou-se a média e o desvio-padrão (dados normativos) publicados por Miranda et al. (2024). O escore Z do teste de corrida de 20m foi invertido, de tal forma que maiores valores representassem melhor desempenho. Em seguida, de acordo com a distribuição Normal padronizada, os escores Z foram convertidos para o valor percentil (P) correspondente. Para a variável potencial esportivo avaliado pelo treinador, as classificações ruim, regular, bom, muito e excelente foram arbitrariamente consideradas como sendo os percentis 20, 40, 60, 80 e 100, respectivamente. Assim, o Índice de Potencial Esportivo é um somatório dos percentis dos indicadores avaliados. A premissa é que quanto maior o percentil do escolar nos preditores de talento, maior será o seu potencial esportivo. Portanto, o Índice de Potencial Esportivo varia de 0 a 100, sendo obtido por uma equação linear, composta por três indicadores objetivos (força, velocidade e resistência) e três indicadores subjetivos (competência percebida do aluno e intangíveis e potencial esportivo avaliado pelo professor-treinador). O critério adotado para classificação dos alunos como Talento Esportivo foi o P(90) do Índice de Potencial Esportivo que equivale a uma pontuação >75.

 

Índice de Potencial Esportivo = [P(Arremesso Medicineball 2kg) + P(Velocidade 20m) + P(Teste Léger) + P(Competência Percebida) + P(Intangíveis) + P(Potencial Esportivo)] / 6

 

Análise Estatística

 Os dados foram descritos por meio da média ± desvio-padrão, mínimo e máximo (variáveis quantitativas), frequência absoluta e porcentagens (variáveis qualitativas). As análises foram realizadas separadamente por sexo. Para testar diferenças entre os escolares atletas e não atletas, utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes. O pressuposto de normalidade dos dados foi validado pelos valores de assimetria e curtose; e o pressuposto de igualdade de variâncias, pelo teste de Levene. Para testar a associação entre variáveis qualitativas, utilizou-se o teste do Qui-Quadrado (X2). Foram considerados jovens atletas, os escolares que estavam praticando alguma modalidade esportiva pelo menos 2x/sem, sob a orientação de um treinador e que já haviam disputado competições pelo menos ao nível estadual. Os demais foram classificados como não atletas.

A consistência interna do Índice de Potencial Esportivo foi medida pelo coeficiente de correlação Alpha de Cronbach. Utilizou-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) para a análise da estabilidade do Índice de Potencial Esportivo nos intervalos de 12 meses e 24 meses após a primeira avaliação. Para testar a estabilidade da classificação dos alunos como talento esportivo (índice > 75 vs. índice ≤ 75) no baseline vs. 12 meses e 24 meses, utilizou-se o teste de McNemar. O teste de correlação produto-momento de Pearson foi usado para tesar a relação entre variáveis quantitativas.

A validade de construto e a validade de critério foram avaliadas pelo teste t de Student para amostras independentes. Para a avaliação da validade de construto foram considerados os grupos: alunos selecionados vs. não selecionados para os Jogos da Amizade, tendo como referência o ano de realização da avaliação. Para avaliação da validade de critério (validade preditiva) foram considerados os grupos: alunos medalhistas vs. não medalhistas nos Jogos da Amizade, tendo como referência o ano de realização da avaliação. Os Jogos da Amizade é uma competição escolar anual de nível nacional que reúne os 15 colégios militares do Sistema Colégio Militar do Brasil. Os alunos do CMJF selecionados para disputarem esta competição representam em torno de 10% do total de alunos da escola.

O tamanho do efeito (TE) foi calculado pelo d de Cohen. O TE constitui um meio de determinar se uma diferença entre duas médias possui uma relevância prática. De acordo com Cohen (1992), o TE pode ser classificado como pequeno (d < 0,50), médio (0,50 ≤ d < 0,80) ou grande (d ≥ 0,80). Por fim, utilizou-se a razão de chances (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC95%) para estimar a chance de um aluno(a) considerado talento esportivo ser medalhista nos Jogos da Amizade. A análise dos dados foi realizada usando o IBM SPSS Statistics para Windows, versão 24.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA). Em todas as análises, o nível de significância adotado foi de 5%, ou seja, os resultados foram considerados estatisticamente significantes quando p < 0,05.

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta a comparação dos indicadores do potencial esportivo e do Índice de Potencial Esportivo entre os escolares atletas e não-atletas. Os escolares atletas eram praticantes de atletismo, basquetebol, esgrima, futebol, handebol, lutas, natação, corrida de orientação e voleibol. Os atletas do sexo masculino apresentaram maior tamanho corporal, menor porcentagem de gordura, maior desempenho físico-motor, maior competência percebida, foram mais bem avaliados pelos treinadores e apresentaram maior índice de potencial esportivo comparados aos não atletas. A magnitude das diferenças foi grande no indicador de resistência aeróbica (d > 0,80) e pequena a moderada para os demais indicadores (0,19 ≤ d ≤ 0,78). As meninas atletas apresentaram tamanho e composição corporal similar às não atletas, porém tiveram maior desempenho físico-motor, maior competência percebida, foram melhor avaliadas pelos treinadores e apresentaram maior índice de potencial esportivo comparadas às não atletas. Nas meninas, as diferenças observadas na resistência aeróbica, nos aspectos intangíveis e no Índice de Potencial Esportivo foram grandes (d > 0,80). Não houve diferenças estatisticamente significantes no status de maturação biológica entre atletas e não atletas. 

O Índice de Potencial Esportivo na amostra apresentou aderência a distribuição normal de probabilidade – Figura 1. A média e o desvio-padrão (mínimo – máximo) dos meninos foi de 53,1 ± 17,3 (6,2 – 94,2) e das meninas foi de 51,2 ± 17,7 (11,0 – 91,1). Nos meninos, observou-se uma correlação positiva e estatisticamente significante entre o Índice de Potencial Esportivo e o escore Z do %EAP (r = 0,14; p = 0,001; n = 554), sugerindo que meninos avançados biologicamente teriam maior potencial esportivo. Porém, sob o ponto de vista prático, o percentual de explicação da maturação sobre o potencial esportivo nos meninos foi pequeno (r2 = 0,02%). Isto significa que apenas 2% da variância no potencial esportivo seria explicada pela maturação somática. Nas meninas, não foi observada correlação estatisticamente significante entre a maturação e o potencial esportivo (r = -0,09; p = 0,07; n = 390), sugerindo que o potencial esportivo das meninas independe da sua maturação biológica.


Tabela 1: Comparação de indicadores multidimensionais do potencial esportivo e do Índice de Potencial Esportivo de escolares atletas e não atletas de 11 a 17 anos.

Indicadores

Masculino

 

 

Feminino

 

Atletas              (n = 109)

Não Atletas              (n = 518)

p-valor

d

Atletas        (n = 45)

Não Atletas              (n = 392)

p-valor

 d

 

Idade cronológica (anos)

15,9 ± 1,3

15,3 ± 1,4

<0,001

0,50

15,5±1,6

15,0±1,3

0,01

0,38

 

Antropométricos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Massa Corporal (kg)

66,7 ± 14,3

63,1 ± 14,2

0,02

0,25

54,7±8,0

55,1±11,1

0,84

0,04

 

Estatura (cm)

174,5 ± 8,8

170,3 ± 8,6

<0,001

0,49

162,0±5,8

160,9±5,9

0,26

0,18

 

Envergadura (cm)

180,4 ± 9,9

174,1 ± 9,5

<0,001

0,66

163,9±5,9

163,1±7,4

0,52

0,11

 

Gordura Percentual (%)

14,9 ± 6,1

16,2 ± 6,7

0,04

0,19

22,2±4,2

23,1±5,6

0,29

0,16

 

Físico-Motores

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Arremesso Medicine Ball (m)

5,43 ± 1,05

4,89 ± 1,05

<0,001

0,51

3,60±0,46

3,44±0,54

0,06

0,29

 

Velocidade 20 m (s)

3,30 ± 0,24

3,45 ± 0,30

<0,001

0,50

3,74±0,22

3,91±0,33

0,001

0,51

 

Corrida vai-e-vem 20m (m)

1481,4 ± 454,6

1153,0 ± 396,4

<0,001

0,83

922,5±265,8

718,5±249,8

<0,001

0,82

 

Maturacionais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estatura Adulta Prevista EAP (cm)

180,5 ± 7,2

179,9 ± 6,8

0,40

0,09

165,0±5,8

164,4±5,4

0,51

0,11

 

EAP (%)

96,6 ± 3,3

94,7 ± 4,1

<0,001

0,46

98,2±1,4

97,8±1,8

0,24

0,22

 

EAP (Z-score)

0,44 ± 0,51

0,38 ± 0,61

0,38

0,10

-0,91±0,97

-0,79±1,03

0,49

0,11

 

Status Maturacional

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Atrasado

0,0 %

2,2 %

 

 

42,1 %

42,0 %

 

 

 

Normomaturo

86,2 %

83,5 %

0,34

-

57,9 %

53,1 %

0,37

-

 

Avançado

13,8 %

14,3 %

 

 

0,0 %

4,8 %

 

 

 

Competência Motora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Competência Percebida

7,8 ± 1,3

6,9 ± 1,5

<0,001

0,64

7,3±1,2

6,5±1,7

0,003

0,55

 

“Olho do treinador”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Potencial Esportivo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruim

0,0 %

1,5 %

 

 

0,0 %

3,3 %

 

 

 

Regular

7,3 %

13,5 %

 

 

4,4 %

20,7%

 

 

 

Bom

33,0 %

45,4 %

<0,001

-

28,9 %

 49,5 %

<0,001

-

 

Muito Bom

35,8 %

30,3 %

 

 

51,1 %

20,4 %

 

 

 

Excelente

23,9 %

9,3 %

 

 

15,6 %

6,1 %

 

 

 

Intangíveis

36,1 ± 9,9

30,1 ± 8,7

<0,001

0,69

35,4±8,7

27,5±8,5

<0,001

0,93

 

Índice de Potencial Esportivo

63,8 ± 16,0

50,8 ± 16,7

<0,001

0,78

65,9±12,4

49,5±17,4

<0,001

0,94

 


Figura 1 – Histograma do Índice de Potencial Esportivo de escolares do sexo masculino (n = 627) e feminino (n = 437).

 

A consistência interna, considerando os seis indicadores que constituem o Índice de Potencial Esportivo, foi moderada tanto nos meninos (r = 0,72) quanto nas meninas (r = 0,73). A estabilidade do Índice de Potencial Esportivo em ambos os sexos foi moderada a alta, após 12 meses e 24 meses (CCI > 0,75) – Tabela 2.

 


Tabela 2 – Estabilidade do Índice de Potencial Esportivo após 12 meses e 24 meses em escolares de 13 a 17 anos do sexo masculino e feminino.

Baseline

Pós 12 meses

Baseline

Pós 24 meses

Masculino

52,4 ± 16,8

52,7 ± 17,7

 

52,9 ± 17,0

52,4 ± 20,1

CCI (IC95%)

Amostra (n)

0,80 (0,72 – 0,85)

179

 

0,78 (0,70 – 0,84)

157

Feminino

48,1 ± 15,9

49,2 ± 18,0

 

48,1 ± 15,4

48,5 ± 18,9

CCI (IC95%)

Amostra (n)

0,77 (0,67 – 0,84)

109

 

0,78 (0,67 – 0,86)

71

(Média ± desvio-padrão; CCI: Coeficiente de correlação intraclasse; IC: intervalo de confiança de 95%).

 

 

 

A validade de construto e a validade de critério foram satisfatórias, tanto no masculino quanto no feminino, sendo observado que os escolares selecionados e medalhistas apresentaram maior Índice de Potencial Esportivo quando comparados aos escolares não selecionados e não medalhistas (Tabela 3). Sob o ponto de vista prático, as diferenças observadas foram grandes para os selecionados (d ≥ 0,80) e média para os medalhistas (0,50 ≤ d < 0,80) – Tabela 3.

 

Tabela 3 – Comparação do Índice de Potencial Esportivo entre escolares selecionados vs. não selecionados (validade de construto) e medalhistas vs. não medalhistas (validade de critério) nos Jogos da Amizade.

Amostra

Critério de Avaliação

p-valor

d

 

 

Selecionados

Não Selecionados

 

 

 

Masculino

69,1 ± 12,6

(n = 95)

50,2 ± 16,4

(n = 532)

<0,001*

1,15

 

Feminino

69,1 ± 15,1

(n = 59)

48,4 ± 16,3

(n = 378)

<0,001*

1,27

 

 

 

 

 

 

 

 

Medalhistas

Não Medalhistas

 

 

 

Masculino

74,0 ± 13,3

(n = 33)

66,4 ± 11,5

(n = 62)

0,005*

0,66

 

Feminino

76,4 ± 12,2

(n = 13)

67,0 ± 15,3

(n = 46)

0,047*

0,61

 

(*diferença estatisticamente significante, p<0,05; d: tamanho do efeito calculado pelo d de Cohen).

 

            Com base no valor de corte para o percentil 90, foram considerados talentos esportivos aqueles escolares com Índice de Potencial Esportivo > 75. Assim, 11,2% dos meninos (n = 70) e 9,4% das meninas (n = 41) foram classificados como Talentos Esportivos. A chance de um menino classificado como talento esportivo ser medalhista nos Jogos da Amizade foi 3,76 vezes maior (IC95%: 1,53 – 9,23; p = 0,003) quando comparado aos meninos não talentos esportivos. A chance de uma menina classificada como talento esportivo ser medalhista nos Jogos da Amizade foi 2,19 vezes maior (IC95%: 0,63 – 7,62; p = 0,21) quando comparado às meninas não talentos esportivos.

Foi observada estabilidade na classificação dos alunos como talentos esportivos. Nos meninos, após 12 meses, 93,8% dos não talentos e 52,9% dos talentos esportivos mantiveram as suas classificações (p = 0,81); em 24 meses, o percentual de alunos que manteve a sua classificação como não talento foi de 90% e entre os classificados como talento foi de 52,9% (p = 0,28). Nas meninas, após 12 meses, 94,2% das não talentos e 60,0% das classificadas como talento esportivo mantiveram as suas classificações (p = 0,29); em 24 meses, o percentual de alunas que manteve a sua classificação como não talento foi de 91,1% e entre as classificadas como talento foi de 50,0% (p = 0,11).

Não houve correlação entre a classificação de talento esportivo (sim ou não) e a classificação da maturação biológica (atrasado, normomaturo ou avançado) tanto nos meninos (X2 = 1,402; p = 0,49) quanto nas meninas (X2 = 1,897; p = 0,39).

 

Discussão

Neste estudo, criou-se um Índice de Potencial Esportivo multidimensional formado por indicadores objetivos e subjetivos, que permite detectar talentos esportivos na escola. O índice apresentou propriedades psicométricas satisfatórias em relação à consistência interna, estabilidade, validade de construto e validade preditiva. Cerca de 10% dos meninos e meninas foram identificados como talentos esportivos, tomando como base valores do índice de Potencial Esportivo > 75. Esta classificação de potencial dos alunos mostrou-se estável após dois anos do diagnóstico, principalmente entre os não talentos, e não se correlacionou com a maturação biológica.

A criação do Índice de Potencial Esportivo corrobora estudos anteriores que desenvolveram modelos de identificação de talentos para escolares, tais como o Sport Interactive no Reino Unido (Abbott & Collins, 2002), o Sport Talent na Croácia (Papić; Rogulj & Plestina, 2009) e o Flemish Sports Compass na Bélgica (Pion, 2015). Além disso, nós buscamos uma alternativa para simplificar o Gold Score, índice proposto inicialmente pelo Projeto Atletas de Ouro® (Werneck; Coelho & Miranda, 2020), visando aplicação em larga escala, sem perda dos critérios de autenticidade científica. Originalmente, o Gold Score foi criado com 26 indicadores, enquanto o presente índice possui apenas seis. Na prática, isto facilita a sua aplicação, uma vez que demanda a realização de menos testes de campo (apenas três), os quais não requerem material sofisticado, e um questionário aplicado ao aluno e outro ao professor-treinador.

    Para obtermos maior assertividade na predição de talentos, deve-se avaliar o desempenho e a condição atual do escolar através de baterias de testes, mas deve-se também, considerar o que se espera em relação ao seu desenvolvimento futuro. Sabe-se que testes medem o fenótipo presente (desempenho atual) enquanto os professores-treinadores têm a capacidade de estimar o fenótipo futuro (potencial de sucesso). Neste sentido, a concepção multidimensional e holística do talento esportivo, adotada no presente estudo, é um dos diferenciais da proposta. O Índice de Potencial Esportivo conjuga três dimensões: a bateria de testes (quem o aluno é), o aluno (o que ele pensa que é) e o professor-treinador (quem ele pensa que o aluno pode vir a ser). Essas informações devem ser analisadas conjuntamente para uma melhor compreensão do potencial esportivo dos alunos (Werneck; Coelho & Miranda, 2022). Os resultados do presente estudo sustentam a tese de que o talento esportivo é identificável e mensurável, podendo ser estimado por meio de uma equação linear simples que contemple os principais fatores e indicadores do potencial esportivo.
    A validade de construto do Índice de Potencial Esportivo ficou evidenciada quando se observou que os escores dos escolares selecionados para a equipe principal da escola eram maiores do que os escores dos escolares que não haviam sido selecionados. Observou-se, também, que o Índice de Potencial Esportivo apresentou validade preditiva uma vez que os escores dos escolares medalhistas eram maiores que os escores dos escolares não medalhistas. Este resultado corrobora os resultados encontrados pelo nosso grupo de pesquisa em relação ao Gold Score (Werneck; Coelho & Miranda, 2022), o Gold Score Judo (Ribeiro, 2022) e o Gold Score Athletics (Van Keulen et al., 2024). 

Sob o ponto de vista prático, o presente estudo criou uma ferramenta científica válida e de fácil aplicação para estimativa do potencial esportivo na Educação Física escolar com implicações no processo de identificação e desenvolvimento de talentos, que pode auxiliar os professores-treinadores em suas tomadas de decisão. Não se sabe ainda qual é o melhor método para identificação de talentos, mas a evidência científica tem mostrado que, para avaliar o potencial esportivo e selecionar jovens para níveis mais elevados de rendimento, deve-se utilizar o conhecimento científico (baterias de testes) e o conhecimento dos treinadores (olho do treinador) de forma interdisciplinar, dinâmica e longitudinal (Fransen & Güllich, 2019; Sieghartsleitner et al., 2019).

O Índice de Potencial Esportivo permite identificar alunos com elevado potencial para os esportes, sendo útil na orientação dos alunos para os esportes mais adequados ao seu perfil, na seleção de atletas para as equipes que irão representar a escola em competições esportivas e, por fim, no treinamento esportivo dos alunos-atletas. Além disso, como instrumento educativo, o índice fornece feedback individualizado aos alunos-atletas sobre as suas potencialidades. Esta informação deve inclusive chegar aos pais, para que possam conhecer o potencial esportivo dos seus filhos, estimulá-los para a prática de esportes e estabelecerem metas realistas para eles.

Em relação a maturação biológica, verificou-se que ela apresentou uma correlação fraca com o Índice de Potencial Esportivo e não influenciou na classificação de talento esportivo. Este resultado mostrou que ao combinar diferentes indicadores do potencial esportivo, sobretudo utilizando valores normativos dos teste físico-motores e levando em conta a avaliação de potencial feita pelos professores-treinadores e a percepção de competência do avaliado, minimiza-se o viés maturacional. No Projeto Atletas de Ouro®, avaliamos a maturação biológica por meio do BioFit® - software que estima indicadores do status e do timing de maturação somática, classifica o estágio maturacional, prevê a idade do pico de velocidade de crescimento e a estatura adulta de crianças e adolescentes. O BioFit® está disponível gratuitamente em: https://webneves.com.br/labespee/biofit/, sendo uma ferramenta útil a todos os envolvidos na iniciação esportiva (Werneck & Coelho, 2024).

Como limitações do estudo, destaca-se que os valores normativos utilizados como critério de referência de classificação dos alunos nos testes foram baseados na amostra de escolares da própria escola. Portanto, em relação aos testes motores, deve-se ter cautela na generalização dos resultados para outras amostras. Assim, novos estudos com populações de alunos de escolas públicas municipais e estaduais bem como em escolas privadas, assim como em população de jovens atletas devem ser realizados a fim de atualizar e diferenciar os pontos de corte dos testes. Ressalta-se também que a validade preditiva do presente estudo foi feita tendo como critério a conquista de medalhas em uma competição nacional de nível escolar independentemente do tipo da modalidade que o atleta conquistou a medalha. De modo geral, os modelos de detecção de talentos apresentam maior assertividade em modalidades individuais comparadas as coletivas (Pion, 2015). Em razão do pequeno tamanho amostral, não foi possível no presente estudo estratificar a análise preditiva pelo tipo de modalidade esportiva. Sendo assim, estudos futuros com delineamento longitudinal e multivariado devem investigar a validade preditiva do Índice de Potencial Esportivo, levando-se em conta a maturação biológica e outras possíveis variáveis explicativas.

As dificuldades relacionadas à detecção do talento esportivo são inerentes ao próprio tema. Analisando a carreira desportiva de atletas das regiões sul e sudeste do Brasil, Cafruni, Marques e Gaya (2006) confirmaram a tese de que nem sempre a alta performance esportiva nas etapas de formação garante o sucesso na etapa adulta. A alta performance em competição, segundo os autores, passa a ser um importante preditor de sucesso a partir da terceira etapa da preparação desportiva de longo prazo, que em termos de faixa etária varia conforme a modalidade. Isso significa que se deve ter cautela no uso e na interpretação de avaliações prognósticas do talento esportivo nas primeiras etapas de formação. Com relação ao Índice de Potencial Esportivo, novos estudos poderão contribuir para um melhor entendimento da sua capacidade preditiva, permitindo inclusive a constante adaptação do modelo proposto.

O Índice de Potencial Esportivo do presente estudo refere-se a uma avaliação holística do potencial do aluno e apesar de não ser específico para nenhuma modalidade esportiva, deve-se levar em conta que os talentos esportivos identificados apresentam um perfil provavelmente compatível com determinada modalidade, uma vez que na avaliação feita pelo professor-treinador ele é perguntado para qual modalidade o aluno teria maior chance de sucesso futuro. Assim, cabe verificar a validade deste índice aplicado a diferentes modalidades e aperfeiçoá-lo atribuindo pesos diferenciados aos indicadores de acordo com a modalidade esportiva. Considerando que o índice contempla as três principais qualidades físicas (força, velocidade e resistência) e a avaliação de potencial feita pelo treinador, sugere-se a criação de índices específicos para modalidades em que estas qualidades são determinantes para o desempenho, podendo agregar ainda a informação relativa a estatura adulta prevista, para modalidades em que a estatura é um determinante de sucesso.

Por fim, o Índice de Potencial Esportivo não deve servir apenas para encontrar os alunos com melhor escore, mas ser utilizado como instrumento avaliativo que permita oferecer aos alunos as melhores condições para se desenvolverem no limite dos seus potenciais (Abbott & Collins, 2002). Sendo assim, independente do resultado obtido no momento da avaliação, o mais importante é motivar os alunos para a prática de esportes e a busca de melhoria constante, independentemente de ele ter ou não potencial para se tornar um atleta de elite. Afinal, todo jovem possui um potencial e todo e qualquer modelo diagnóstico de potencial esportivo irá apresentar riscos de identificar algum aluno com potencial de excelência que não é de fato (falso positivo) ou mesmo de não identificar um verdadeiro talento esportivo (falso negativo). Nosso estudo mostrou inclusive que os talentos esportivos de hoje podem deixar de sê-los amanhã e aqueles que não são podem vir a ser. Na prática, o talento esportivo irá revelar-se ao longo do processo de treinamento em longo prazo, de modo que a avaliação do potencial esportivo deve ser realizada sistematicamente no processo de formação esportiva.

 

 

Conclusão

Conclui-se que o Índice de Potencial Esportivo é válido e fidedigno para estimativa do potencial de escolares de 13 a 17 anos de ambos os sexos, constituindo uma ferramenta científica inovadora, útil e de fácil aplicação na prática para a identificação de talentos esportivos na escola. Nossos resultados destacaram a importância de um índice multidimensional para detecção de talentos esportivos, que combina o desempenho atual em testes de força, velocidade e resistência, a percepção de competência do aluno e o olho do treinador. Numa área tão imprevisível, onde os maus julgamentos são sempre um problema para os professores e treinadores e, principalmente, para os alunos, o Índice de Potencial Esportivo é uma ferramenta útil para minimizar o impacto de potenciais erros e a perda de potenciais talentos esportivos.


 

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