Subjetividade social da escola e os desafios à inclusão

 

Social subjectivity of the school and challenges to inclusion

 

Subjetividad social de la escuela y desafíos para la inclusión

 

Maristela Rossato

Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

maristelarossato@gmail.com

 

Albertina Mitjáns Martínez

Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

amitjans49@gmail.com

 

Recebido em 08 de agosto de 2023

Aprovado em 05 de outubro de 2023

Publicado em 14 de dezembro de 2023

 

RESUMO

O artigo tem por objetivo promover uma reflexão sobre o valor da subjetividade social da escola na compreensão dos processos educativos escolares e sua contribuição aos processos de inclusão educacional. O conceito de subjetividade social será trabalhado no contexto da Teoria da Subjetividade desenvolvida por Fernando González Rey, numa perspectiva cultural-histórica. A subjetividade social pode ser definida pela produção de grupos sociais do conjunto de crenças, normatividades, valores, representações, etc. que constituem e permeiam suas ações e relações.  Ao longo do artigo são exploradas pesquisas realizadas nos últimos 20 anos que trabalharam com o conceito de subjetividade social no contexto escolar, extraindo contribuições para o enfrentamento dos desafios da consolidação inclusão educacional. Por meio da análise das pesquisas, foram identificadas 3 (três) dimensões compreensivas que auxiliam na compreensão de como a subjetividade social da escola pode atuar na consolidação de princípios, correção de distorções e superação de preconceitos aos processos de inclusão escolar. Foram destacadas as contribuições à constituição da subjetividade social da escola, o valor do reconhecimento da subjetividade social da escola e os desafios à promoção de mudanças na subjetividade social da escola.

Palavras-chave: Subjetividade social; Inclusão escolar; Educação Especial.

 

 

ABSTRACT

The article aims to promote a reflection on the value of the school's social subjectivity in understanding school educational processes and its contribution to educational inclusion processes. The concept of social subjectivity will be worked on in the context of the Theory of Subjectivity developed by Fernando González Rey, in a cultural-historical perspective. Social subjectivity can be defined by the production of social groups from the set of beliefs, normativity, values, representations, etc. that constitute and permeate their actions and relationships. Throughout the article, studies carried out over the last 20 years that worked with the concept of social subjectivity in the school context are explored, extracting contributions to face the challenges of consolidating educational inclusion. Through the analysis of the research, 3 (three) comprehensive dimensions were identified that help in understanding how the social subjectivity of the school can act in the consolidation of principles, correction of distortions and overcoming prejudices to the processes of school inclusion. Contributions to the constitution of the social subjectivity of the school, the value of recognizing the social subjectivity of the school and the challenges to promoting changes in the social subjectivity of the school were highlighted.

Keywords: Social subjectivity; School inclusion; Special Education.

 

 

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo promover una reflexión sobre el valor de la subjetividad social de la escuela en la comprensión de los procesos educativos escolares y su contribución a los procesos de inclusión educativa. Se trabajará el concepto de subjetividad social en el contexto de la Teoría de la Subjetividad desarrollada por Fernando González Rey, en una perspectiva histórico-cultural. La subjetividad social puede definirse por la producción de los grupos sociales a partir del conjunto de creencias, normatividades, valores, representaciones, etc. que constituyen y permean sus acciones y relaciones. A lo largo del artículo se exploran estudios realizados en los últimos 20 años que trabajaron el concepto de subjetividad social en el contexto escolar, extrayendo aportes para enfrentar los desafíos de consolidar la inclusión educativa. A través del análisis de la investigación, fueron identificadas 3 (tres) dimensiones integrales que ayudan a comprender cómo la subjetividad social de la escuela puede actuar en la consolidación de principios, corrección de distorsiones y superación de prejuicios en los procesos de inclusión escolar. Se destacaron los aportes para la constitución de la subjetividad social de la escuela, el valor de reconocer la subjetividad social de la escuela y los desafíos para promover cambios en la subjetividad social de la escuela.

Palabras clave: Subjetividad social; Inclusión escolar; Educación Especial.

 

 

Introdução

A Educação Especial, numa perspectiva inclusiva, requer uma escola regida por princípios democráticos, orientados à garantida do direito de todos à Educação. Este artigo tem por objetivo promover uma reflexão sobre o valor da categoria ‘subjetividade social’ na compreensão dos processos educativos escolares e sua contribuição na construção da Educação Especial numa perspectiva inclusiva.  Para a consolidação dessa proposta, faremos uma revisão de dissertações e teses que tenham trabalhado com a categoria em investigações no contexto educacional.

A defesa da democratização da Educação, como base para a consolidação da inclusão, perpassa a compreensão da garantia da educação como um direito coletivo e, nesse sentido, precisa envolver todos os públicos do espaço educativo.

Escolas inclusivas, professores inclusivos, estudantes incluídos é um convite para pensarmos em como a inclusão é um processo coletivo, efetivado por indivíduos e grupos sociais que se constituem como sujeitos da inclusão em tensionamento com a sociedade (ROSSATO; BORGES; CUNHA, 2023, p. 42)

 

Mesmo que reconheçamos que o objetivo fim da educação escolar seja a aprendizagem e desenvolvimento do estudante, toda a comunidade escolar precisa estar efetivamente envolvida no processo. Professores que não vivenciarem um ambiente inclusivo, dificilmente conseguirão ser inclusivos com seus estudantes. Ser inclusivo vai muito além do modo como as atividades são planejadas e desenvolvidas pelos estudantes, abarcando, fundamentalmente, como o princípio inclusivo está configurado individualmente e socialmente na escola. Por essa compreensão, temos como referência que a inclusão é um processo educacional que se dá num contexto escolar, distanciando-se da compreensão da inclusão escolar que remete a um processo de ‘integração’, tal como foi inicialmente definido no Brasil na década de 1990.

Para Albuquerque (2005), Dazzani (2010), Santos (2010) e Martins (2015), tornar um espaço educativo regido pelo princípio inclusivo implica em corrigir distorções histórias e superar preconceitos fundamentados na desvalorização das pessoas com deficiência, fortalecendo a dimensão democrática da escola, onde todos a todas possam assumir coletivamente o compromisso de uma educação como direito. A inclusão como princípio educativo ganha mais solidez na primeira década nos anos 2000, contudo ainda imperam muros que limitam uma configuração social onde efetivamente as ações e relações pedagógicas assim se constituam e se expressem.

Chaves e Rossato (2023; 2019), em pesquisas realizadas com crianças com diagnóstico de deficiência intelectual, destacam o valor do contexto escolar inclusivo como favorecedor da produção de sentidos subjetivos que participam dos processos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. “Os espaços sociorrelacionais foram favorecedores de produção de novos sentidos subjetivos que puderam contribuir de forma mais marcante para a mobilização da subjetividade, uma vez que as experiências propostas evidenciaram as potencialidades das participantes e o reconhecimento no contexto escolar” (ibid, 2019, p.14). Um contexto escolar inclusivo é um contexto em que a inclusão é um princípio configurado na subjetividade social desse espaço, permeando as ações e relações entre as pessoas que o integram.

 Com a construção desenvolvida neste artigo, pretendemos fazer uma reflexão em torno do valor da subjetividade social na consolidação e efetivação da inclusão como um princípio educativo, sustentado ou não por políticas públicas, e em torno de ações de enfrentamentos e resistências que ainda primam por segregações e classificações de toda ordem. Reconhecer o valor da subjetividade social, como se constitui, como se expressa, como permeia as ações e relações pedagógicas se faz essencial na efetivação de mudanças que verdadeiramente consolidem o contexto educativo como um espaço inclusivo. A seguir, apresentamos a fundamentação teórica da ‘categoria subjetividade’, sua compreensão e valor heurístico a temáticas como a inclusão educacional.

 

 

Fundamentação Teórica

Assumimos a concepção de subjetividade elaborada por González Rey (1997, 2003, 2015) que representa uma nova forma de compreensão do funcionamento humano nas condições da cultura, caraterizada pela unidade do simbólico e do emocional e na qual o social e o individual estão intimamente articulados.

A subjetividade é compreendida como a capacidade humana das emoções adquirirem um caráter simbólico, levando à formação de novas unidades qualitativas que constituem uma definição ontológica diferente dos fenômenos humanos, sejam eles sociais ou individuais; essas unidades expressam-se nos conceitos de sentido subjetivo e configuração subjetiva[1]. Partindo dessa definição, a subjetividade representa um sistema em que subjetividade social e individual configuram-se reciprocamente, superando assim a tendência reducionista de pensar a subjetividade só como um fenômeno individual, o que tem caraterizado tanto a ciência, quanto o senso comum” (MITJÁNS MARTÍNEZ, GONZÁLEZ REY, 2019, p.15).

 

A subjetividade, assim entendida, expressa a forma complexa e singular em que os indivíduos e os grupos humanos vivem suas vidas, bem como expressa as produções humanas perante as experiencias vividas. A subjetividade individual refere-se aos processos e formas da organização subjetiva do indivíduo, que incorpora, contradiz e confronta os espaços sociais de subjetivação do qual participa (GONZÁLEZ REY, 2003).  Por outro lado, a subjetividade social representa “a complexa rede de configurações subjetivas sociais na qual todo o funcionamento social acontece” (GONZÁLEZ REY, 2015, p. 13).

A subjetividade social constitui uma dimensão do social: sua dimensão subjetiva. Ela   expressa as produções subjetivas que caracterizam os espaços sociais, seja a família, as instituições, as comunidades ou outros.  Essas produções subjetivas não são uma mera soma das subjetividades individuais dos indivíduos que integram o espaço social, sendo produções que os integrantes desse espaço geram nas suas inter-relações e ações.

Subjetividade individual e subjetividade social estão profundamente articuladas. Os indivíduos, com suas subjetividades individuais, constituídas nas experiências historicamente vividas, atuam e se relacionam no espaço social, produzindo, nas ações e relações, sentidos subjetivos que, pela sua articulação, vão constituindo as diferentes configurações subjetivas que integram a subjetividade social do espaço onde acontecem (GONZÁLEZ REY, 2016; 2018; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2020). Por sua vez, a subjetividade social desse espaço participa na constituição das subjetividades individuais dos indivíduos que o integram de forma altamente singularizada. Existe, assim, um processo de mútua constituição entre subjetividade individual e subjetividade social.

A relação entre estas duas formas de subjetividade não se caracterizam como sendo uma externa à outra, não há uma relação causa-efeito entre elas. A subjetividade social e individual está configurada como dois sistemas diferentes, um social e outro individual. No entanto, cada um deles está configurado permanentemente no outro através dos sentidos subjetivos que emergem durante o processo no qual ambas as subjetividades estão simultaneamente configuradas como parte de qualquer experiencia humana. (GONZÁLEZ REY, 2016, p.183, tradução nossa).

 

No entanto, é necessário frisar que na conformação da subjetividade social de qualquer espaço social participam também processos da subjetividade social de outros espaços sociais que se configuram nele por diversas vias, entre elas, a forma em que estão constituídos nos indivíduos que participam nesse espaço. “Um aspecto importante do valor heurístico da categoria subjetividade social é a presença dos processos e configurações dominantes de uma sociedade concreta em todos os espaços sociais e institucionais dessa sociedade de forma altamente diferenciada e por meio dos sentidos e configurações subjetivas singulares desses espaços e daqueles que atuam nesses espaços sociais” (MITJÁNS MARTÍNEZ, GONZALEZ REY, 2017, p.89)

De um modo geral, as formas institucionalizadas de como se organizam os grupos sociais, à exemplo da família, das instituições religiosas, das instituições políticas, da escola, entre outros, expressam normas e formas de como estes estão constituídos em outras organizações da subjetividade social. Esse múltiplo pertencimento se dá por meio dos sentidos subjetivos produzidos pelas pessoas que os integram simultaneamente. Os sentidos subjetivos gerados no contexto da família, por exemplo, não são alheios aos sentidos subjetivos produzidos nas experiências com a religião e com a política. Por se tratar de um sistema configurado subjetivamente, a subjetividade social, assim como a subjetividade individual, possui ampla permeabilidade constitutiva. Por essa via compreensiva, reconhecemos que nenhuma forma de constituição da subjetividade social é independente de como outros grupos se organizam socialmente, bem como também não é independente das formas de organização social e institucionais mais amplas (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZALEZ REY, 2017, 2019).

As configurações subjetivas que integram a subjetividade social têm múltiplas formas de expressão. “São processos da subjetividade social as representações sociais hegemônicas, os sistemas normativos formais e informais da sociedade, os sistemas discursivos dominantes, a religiosidade, os mitos, as formas habituais de pensamento, códigos morais e emocionais de relação, expectativas dominantes e todas as formas de institucionalização” (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZÁLEZ REY, 2017, p .88).  

Como já afirmamos, as configurações da subjetividade social, nas suas múltiplas formas de expressão, participam de forma singularizada na constituição das subjetividades individuais dos indivíduos que integram o espaço social e, por isso, se expressam, de modos singulares, em suas formas de atuar e se relacionar. Isto evidencia o valor heurístico do conceito de subjetividade social, não apenas para favorecer a compreensão da complexidade do funcionamento dos grupos, instituições, comunidades, etc., mas também por favorecer a compreensão das ações e relações dos indivíduos que neles participam. 

Consideramos que a categoria subjetividade social, pelo seu valor heurístico para a compreensão da complexidade dos processos escolares, pode contribuir para a compreensão das vias que permitam a construção de uma perspectiva verdadeiramente inclusiva da educação. 

 

 

Metodologia

Visando cumprir o objetivo apresentado, para fins de consolidação das informações, foi realizada uma busca por dissertações e teses que tivessem trabalhado com a categoria ‘subjetividade social’ no contexto educativo, orientadas e defendidas nos últimos 20 anos. Pesquisou-se os currículos de 18 (dezoito) pesquisadores que integram os 2 (dois) principais grupos de referência no estudo e pesquisa da Teoria da Subjetividade, a saber: ‘Subjetividade, ensino e aprendizagem’ da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP; Grupo de Estudos e Trabalho ‘Subjetividade: teoria, epistemologia e metodologia’. Os pesquisadores de ambos os grupos estão vinculados em programas pós-graduação de 7 (sete) universidades federais e 2 (duas) privadas, em 5 (cinco) regiões do Brasil.

Foram incluídas na análise dissertações e teses que atendiam os parâmetros descritos a seguir: serem pesquisas de Mestrado ou Doutorado; terem a categoria ‘subjetividade social’ no título, resumo, palavras chaves, objetivo geral ou objetivos específicos; serem pesquisas desenvolvidas no contexto escolar; serem concluídas nos últimos 20 anos (2002 e 2022).

Nas dissertações e teses que atenderam os parâmetros apresentados anteriormente, também foram identificadas e consolidadas as contribuições dos pesquisadores relativas ao valor da categoria subjetividade social na compreensão de processos educativos escolares, numa perspectiva inclusiva.

 

 

Consolidação e discussão das informações

            Seguindo os parâmetros de busca e inclusão descritos anteriormente, foram identificadas 5 (cinco) Dissertações de Mestrado e 6 (seis) Teses de Doutorado, todas desenvolvidas na Universidade de Brasília, distribuídas entre 4 orientadores. Dentre as pesquisas identificadas com a categoria ‘subjetividade social’, foram excluídas 4 dissertações de mestrado por não atenderam o critério do contexto educacional como campo de pesquisa.

No quadro 1 temos a identificação das dissertações e teses listadas por ano da defesa, em ordem decrescente, com seus respectivos autores, títulos, orientadores, nível e universidade.

 

Quadro 1: Dissertações e Teses com interface entre subjetividade social e escola

Ano

Autor

Título

Orientador

Nível

Universidade

2022

Francisca Bonfim de Matos Rodrigues Silva

A configuração subjetiva da relação profissional dos integrantes da Equipe Especializada de Apoio à Aprendizagem-EEAA

Profª Drª Maristela Rossato

D

Universidade de Brasília - UnB

2021

Michelle de Faria Nunes

A dimensão subjetiva da relação entre psicólogo escolar e professores na atuação pedagógica e institucional

Profª Drª Maristela Rossato

M

Universidade de Brasília - UnB

2020

Lucinete Teixeira dos Santos Sampaio

Subjetividade social da escola e suas implicações na inclusão de estudantes com deficiência na EJA. 2020

Profª Drª Cristina Madeira-Coelho

M

Universidade de Brasília - UnB

2019

Andreia Dos Santos Gomes Vieira

Representações Sociais configuradas na Subjetividade Social e suas expressões no trabalho pedagógico

Profª Drª Cristina Madeira-Coelho

M

Universidade de Brasília - UnB

2019

Samantha Couto Rodrigues

O desenvolvimento subjetivo do estudante indisciplinado: ampliando olhares sobre a emergência do sujeito

Profª Drª Maristela Rossato

M

Universidade de Brasília - UnB

2018

Carolina Torres Oliveira

Subjetividade social em sala de aula e criatividade na aprendizagem

Profª Drª Albertina Mitjáns Martínez

D

Universidade de Brasília - UnB

2018

Gláucia Melasso Garcia de Carvalho

A direção escolar na constituição da subjetividade social favorecedora da inovação

Profª Drª Albertina Mitjáns Martínez

D

Universidade de Brasília - UnB

2015

Luiz Roberto Rodrigues Martins

Implicações da subjetividade social da escola na institucionalização de Políticas Públicas no Ensino Fundamental

Profª Drª Fernando González Rey

D

Universidade de Brasília - UnB

2012

Luciana de Oliveira Campolina

Inovação educativa e subjetividade: a configuração da dimensão histórico-subjetiva implicada em um processo inovador

Profª Drª Albertina Mitjáns Martínez

D

Universidade de Brasília - UnB

2010

Geandra Cláudia da Silva Santos

Os impactos dos alunos com desenvolvimento atípico na subjetividade do professor e a configuração do trabalho pedagógico

Profª Drª Albertina Mitjáns Martínez

D

Universidade de Brasília - UnB

2005

Augusto Parras Albuquerque

A subjetividade social de uma escola inclusiva: um estudo de caso

Profª Drª Albertina Mitjáns Martínez

M

Universidade de Brasília - UnB

Fonte: Autoria própria

           

Desse total de 11 pesquisas, registramos 6 (seis) com o descritor ‘subjetividade social’ no título, 9 (nove) no resumo, 5 (cinco) nas palavras chaves, 7 (sete) nos objetivos gerais e 10 (dez) nos objetivos específicos. Dentre as dissertações de mestrado a categoria subjetividade social aparece no objetivo geral em 3 (três) das 5 (cinco) pesquisas analisadas e dentre as teses de doutorado a categoria aparece em 4 (quatro) das 6 (seis) pesquisas analisadas.

Damos destaque aos objetivos, pois neles é possível perceber como os autores têm reconhecido na categoria ‘subjetividade social’ seu valor heurístico aos problemas de pesquisa de suas dissertações e teses. Nos quadros, a seguir, podemos observar como a categoria subjetividade social é central, estando em evidência tanto no objetivo geral quanto nos objetivos específicos. Também registramos pesquisas onde a subjetividade social integra um, ou mais, objetivos específicos, sem que esteja relacionada aos objetivos gerais. Nesses casos, de modo particular, fica evidente seu valor na permeabilidade que possui nas produções subjetivas individuais, utilizada pela necessidade de se reconhecer como ela atua nas ações e relações dos indivíduos, em articulação aos temas de pesquisa. Nos quadros, estão em destaque os objetivos gerais e específicos que tem a categoria ‘subjetividade social’ em sua redação.

 

Quadro 2. Objetivo geral e específicos das Dissertações de Mestrado

Autores

Objetivo Geral

 

Objetivos Específicos

NUNES, 2021

Compreender como a dimensão subjetiva da relação entre psicóloga e professoras se expressa nas ações e relações do cotidiano escolar.

-Analisar como a condição de ser professor e ser psicólogo escolar estão subjetivamente configuradas na subjetividade social da escola;

-Analisar como a dimensão subjetiva da relação entre psicóloga escolar e professoras se expressa na atuação pedagógica e institucional.

SAMPAIO, 2020

Compreender aspectos da subjetividade social da escola, constituídos em relação à inclusão de estudantes com deficiência na EJA-Interventiva

-Compreender como elementos da subjetividade individual participam no processo de inclusão dos estudantes da EJA-Interventiva;

-Compreender aspectos dificultadores e facilitadores da inclusão educacional dos estudantes da EJA-Interventiva;

-Gerar visibilidade de processos subjetivos imbricados no fenômeno de inclusão dos estudantes da EJA-Interventiva;

-Refletir sobre os desafios concretos a serem enfrentados ante a inclusão escolar dos estudantes da EJA-Interventiva.

VIEIRA, 2019

Compreender representações sociais configuradas na subjetividade social de uma escola do Distrito Federal relativas ao trabalho pedagógico

-Compreender expressões da subjetividade social escolar produzidas na relação entre os agentes escolares e o trabalho pedagógico;

-Compreender processos educativos que revelem o valor da dimensão subjetiva do trabalho pedagógico.

 

RODRIGUES, 2019

Analisar processos de desenvolvimento subjetivo em estudantes com queixa indisciplinar, inseridos em espaços socio relacionais construídos no decorrer da pesquisa

-Identificar processos da subjetividade social da instituição acerca da indisciplina escolar;

-Reconhecer processos e formações subjetivas dos estudantes, frente à subjetividade social produzida na escola sobre a indisciplina;

-Possibilitar a construção de espaços socio relacionais favorecedores da produção subjetiva dos estudantes no curso da pesquisa;

-Reconhecer possíveis reconfigurações subjetivas dos estudantes durante todo o processo de pesquisa, a fim de analisar o desenvolvimento da subjetividade.

ALBUQUERQUE, 2005

Compreender como se configura a subjetividade social da instituição escolar e suas relações com a proposta de inclusão

-Identificar como se estrutura o processo de inclusão na escola;

-Analisar como o processo de inclusão se relaciona com a subjetividade social da escola.

Fonte: Autoria própria

 

 

 

Quadro 3. Objetivo geral e específicos das Teses de Doutorado

Autores

Objetivo Geral

 

Objetivos Específicos

SILVA, 2022

Compreender a configuração subjetiva da relação dos integrantes da EEAA e sua expressão na atuação profissional

-Analisar configuração subjetiva da profissão de psicóloga e de pedagoga da EEAA;

-Analisar a configuração subjetiva social do serviço da EEAA na escola pesquisada;

-Analisar como as configurações subjetivas individuais e sociais se expressam na configuração subjetiva da relação.

OLIVEIRA, 2018

Compreender como a subjetividade social da sala de aula participa da criatividade na aprendizagem

-Caracterizar expressões da subjetividade social da sala de aula;

-Analisar a configuração subjetiva da ação de aprender criativamente, constituída por sentidos subjetivos oriundos da história de vida do aprendiz e os produzidos no curso da experiência de aprender, da ordem da subjetividade social da sala de aula e seus sistemas relacionais.

CARVALHO, 2018

Compreender as ações de direção escolar na constituição da subjetividade social favorecedora da inovação

-Caracterizar as ações da direção escolar;

-Estabelecer relações entre características das ações da direção escolar e expressões da subjetividade social favorecedora da inovação;

-Construir modelo teórico interpretativo da constituição das expressões da subjetividade social favorecedora da inovação;

MARTINS, 2015

Compreender como a subjetividade social da escola, produzida dinamicamente nas tramas relacionais entre professores, funcionários, estudantes e suas famílias, se desdobra nos processos de institucionalização das políticas públicas no âmbito do ensino fundamental.

-Compreender como se constitui a subjetividade social da escola em relação à condição social dos estudantes da escola, interpretando seus desdobramentos nos processos de institucionalização das diretrizes da Política de Gestão Democrática;

-Explicar como se constitui a subjetividade social dos professores da escola em relação à aprendizagem escolar e às diretrizes da Política de Ciclos (Bloco Inicial de Alfabetização);

-Compreender como se constitui a subjetividade social dos profissionais da escola em relação à aprendizagem de crianças com necessidades educativas especiais no contexto da Política de Inclusão Escolar;

 

CAMPOLINA, 2012

Compreender a configuração de elementos que possibilitam a inovação educativa enfocando os elementos subjetivos que participam do desenvolvimento de um projeto inovador.

-Investigar os elementos históricos e contextuais que possibilitam a implementação da inovação educativa, e simultaneamente, a articulação entre eles;

-Caracterizar os elementos da subjetividade social de espaços institucionais nos quais ocorre o projeto inovador identificando aqueles implicados no processo da inovação;

-Identificar entre os atores escolares que participam do projeto inovador, aqueles significativos para a implementação e desenvolvimento da inovação educativa, considerando as diferentes formas de implicação com a inovação inclusive formas resistentes e de não-adesão ao projeto;

-Identificar e analisar como elementos da subjetividade individual desses atores participam da inovação educativa promovida.

SANTOS, 2010

Compreender como o trabalho com alunos que têm desenvolvimento atípico, impacta a subjetividade dos professores, e como sua subjetividade individual articulada à subjetividade social da escola, participa na configuração do trabalho pedagógico realizado.

-Conhecer os principais elementos da subjetividade individual dos professores, no momento inicial do contato com os alunos que têm desenvolvimento atípico;

-Identificar os sentidos subjetivos produzidos na subjetividade individual dos professores, no estabelecimento da relação com os alunos que têm desenvolvimento atípico;

-Caracterizar as práticas educativas dos professores, analisando as possíveis mudanças ocorridas na organização e execução do trabalho pedagógico, a partir da inserção dos alunos com desenvolvimento atípico na sala de aula;

-Analisar a participação da subjetividade social da escola, na configuração do trabalho pedagógico do professor, frente ao trabalho com alunos que têm desenvolvimento atípico.

Fonte: Autoria própria

 

Nos objetivos gerais das dissertações e teses, destaca-se a predominância absoluta no uso do verbo ‘compreender’ nas redações. Chamamos atenção para esse aspecto, pois se faz coerente aos pressupostos da Epistemologia Qualitativa e Metodologia Construtivo-Interpretativa usadas em pesquisas com referência teórica da subjetividade na perspectiva cultural histórica (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017), como as que destacamos no presente artigo. Compreender um problema ou um objeto de pesquisa, sua constituição, seu funcionamento ou seu desenvolvimento, constitui um passo essencial para o delineamento de ações profissionais e sociais potencialmente mais efetivas.

A concepção da pesquisa como um processo construtivo-interpretativo, visa, fundamentalmente, o desenvolvimento de inteligibilidades ao problema pesquisa, atribuindo ao pesquisador o desafio de se deslocar da apropriação de concepções e dados, para um lugar onde é desafiado a gerar compreensões sobre o tema de estudo, por meio do desenvolvimento de um modelo teórico. A subjetividade social da escola necessita, efetivamente, ser compreendida por pesquisadores que, por meio de suas bases teóricas, possam evidenciar seu valor ao contexto educativo e à princípios tão caros socialmente, como a inclusão.

 

A categoria subjetividade social na compreensão de processos educativos escolares inclusivos

A análise das contribuições produzidas pelas dissertações e teses estudadas nos possibilitou gerar 3 (três) dimensões compreensivas, as quais discorremos a seguir: o valor da subjetividade social no processo de constituição da escola; o valor da subjetividade social na compreensão das dinâmicas escola; o valor da subjetividade social no enfretamento dos desafios à promoção de mudanças na escola.

Em primeiro lugar, o valor da subjetividade social, enquanto categoria que contribui na compreensão do processo de constituição da escola foi destacado por Silva (2022), Nunes (2021), Sampaio (2020), Vieira (2019), Oliveira (2018), Carvalho (2018), Albuquerque (2005). Dentre os aspectos relacionados sobre a constituição da subjetividade social da escola, destacam-se os de natureza histórica, cultural e social, não somente produzido pelas pessoas que integram a unidade escolar, mas também por pessoas da comunidade em que está inserida, bem como grupos e coletivos sociais que reivindicam que suas pautas estejam presentes no cotidiano escolar. Com as contribuições dos pesquisadores fica evidente como a constituição da subjetividade social é uma produção singular, de cada instituição escolar, com seus indivíduos, com sua história e com suas pautas.

A intrínseca relação com a subjetividade individual também foi relacionada na constituição da subjetividade social, tanto no tensionamento como na sua manutenção. Silva (2022), ao fazer referência a como a subjetividade individual permeia a subjetividade social, afirma que essas produções individuais “se organizam e se manifestam na ação profissional, num contexto social que também se constituiu histórica e subjetivamente, podendo essa relação se expressar como mantenedora ou tensionadora da subjetividade social” (p. 181).

Em segundo lugar, o valor da subjetividade social, enquanto categoria que contribui à compreensão das dinâmicas da escola, foi destacado nas contribuições de Silva (2022), Nunes (2021), Sampaio (2020), Vieira (2019), Oliveira (2018), Carvalho (2018), Martins (2015), Campolina (2012). Para os autores, por meio do reconhecimento e compreensão da subjetividade social da escola, é possível conhecer as representações, crenças, valores que estão constituídas e que caracterizam os diversos grupos ali existentes, bem como integram as produções subjetivas individuais.

A presença da subjetividade social nas dinâmicas relacionais da escola foi relacionada em diversas pesquisas. Para Sampaio (2020) a subjetividade social “está constituída por valores e crenças que atravessam imbricadamente o espaço inter-relacional [...] que favorecem o fortalecimento dos laços afetivos entre o grupo docente e discente com a escola” (p.139). Subjetividades sociais e individuais, embora possam ser reconhecidas separadamente, constituem uma unidade no funcionamento processual e dinâmico do cotidiano escolar, com suas contradições e tensionamentos. Reconhecer a existência de uma unidade, não representa a existência de homogeneidade, pois múltiplos microgrupos de pertencimento se constituem no universo escolar, fazendo com que essa unidade seja complexa, aberta, diversa (SILVA, 2022; SAMPAIO, 2020; MARTINS, 2015). 

Por fim, o valor da subjetividade social no enfretamento dos desafios à promoção de mudanças na escola foi apresentado como contribuição nas pesquisas de Sampaio (2020), Carvalho (2018), Martins (2015), Campolina (2012), Santos (2010), Albuquerque (2005). A emergência de indivíduos na condição de agentes e sujeitos[2], representado por pessoas que assumem protagonismo na escola, agindo com intencionalidade, comprometimento e direcionamento na criação de espaços favorecedores de trocas e encontros que coloquem a escola em lugar de destaque e valor social, foi registrado como um dos fatores favorecedores às mudanças na subjetividade social.

Para Carvalho (2018), a mudança da subjetividade social se dá pela “mobilização para a geração contínua de espaços sociais de emergência de protagonismos no seio da comunidade escolar” (p. 160) e, para Campolina (2012), a mudança se dá pela “constituição de um espaço coletivo [que] possibilita que os indivíduos impliquem elementos pessoais de modo ativo, colocando a subjetividade social na sua condição processual e dinâmica” (p. 191). Por outro lado, para Martins (2015), “a resistência às mudanças se deve à rigidez em mobilizar elementos simbólico-emocionais que produzam essas novas reconfigurações” (p. 203). A manutenção dos espaços e redes de poder é um impeditivo ao tensionamento da escola como um espaço subjetivamente configurado. A resistência às mudanças se dá pelas cristalizações da subjetividade social, mantida por interesses tanto do coletivo como de microgrupos que possuem ascendência simbólica na escola.

As 3 (três) dimensões compreensivas apresentadas anteriormente, embora não apontem diretamente aspectos relacionados à inclusão, destacam aspectos que nos auxiliam a compreender como se constituem as adesões e resistências à princípios educativos como a inclusão. Especificamente em relação à inclusão escolar, registramos contribuições das pesquisas de Martins (2015), Santos (2010) e Albuquerque (2005) que reiteram como a subjetividade social da escola atua na resistência, manutenção e abertura ao princípio inclusivo educacional.

Os autores destacam a importância do reconhecimento da emergência de estudantes, professores e demais atores escolares como agentes e sujeitos no processo educativo, abrindo caminho para que o princípio da inclusão constitua a subjetividade de todos os envolvidos nas dinâmicas relacionais da escola, de dentro ou fora da escola. Para Martins (2015), “a inclusão escolar de crianças com deficiência, mesmo amparada por dispositivos legais, enfrenta resistências pela dificuldade de operar essa inclusão em um espaço social configurado hegemonicamente para a exclusão dos estudantes considerados mais fracos” (p. 204).

Fica evidente, por meio da contribuição dos autores, que a inclusão como princípio educativo, não é algo que possa ser instituído ou declarado, mas que requer uma movimentação nas subjetividades individuais e sociais, possibilitando que se constitua como uma configuração subjetiva social amplamente significativa em toda a comunidade escolar. Albuquerque (2005), que realizou sua pesquisa em uma escola pública reconhecida pela comunidade por sua perspectiva inclusiva, ao evidenciar características dessa escola, em especial, destaca:

Podemos dizer que a subjetividade social da escola está intimamente ligada à luta por uma escola pública de qualidade e se baseia em uma atitude de respeito às pessoas que compõem o grupo; diálogo transparente sobre questões administrativas e pedagógicas da escola; de comprometimento com as propostas ratificadas pelo grupo e que, na maioria das vezes, envolvem mais trabalho do que o convencional, com envolvimento em vários projetos coletivos e com muitos encontros; abrir o espaço da sala de aula para outros profissionais (p. 139).

 

Ampliando nossas discussões, destacamos que as instituições educativas, como qualquer outra instituição ou grupo, possuem subjetividades sociais singulares, produzidas nas ações e relação dos indivíduos que a integram: professores, diretivos, alunos, funcionários, bem como pais e responsáveis que participam ativamente no contexto escolar. Elas também estão perpassadas pela subjetividade social dominante nas diferentes formas de organização do sistema educativo e da sociedade como um todo.   Essa subjetividade  social se expressa de múltiplas formas, como por exemplo, nas normas/regras de funcionamento (implícitas ou explicitas), nos valores, nas concepções sobre a escola e sua função, nas  crenças sobre onde focar o  trabalho escolar, nas exigências para professores e alunos, nas representações de aprendizagem, ensino, educação e desenvolvimento,  nas representações sobre em que consiste o processo de inclusão educacional, nas formas que tomam as relações professor-aluno, professores-diretoria, entre  outros.

A subjetividade social da escola se expressa nas subjetividades dos integrantes da comunidade escolar sempre de forma singularizada, em função, por uma parte, das suas subjetividades individuais configuradas pelas suas experiencias historicamente vividas e, por outra parte, pela forma em que subjetivam o contexto escolar e os processos que nele acontecem. Por essa via, a subjetividade social da escola participa das ações dos professores, diretivos, alunos, funcionários, etc., a maioria dos quais funcionam em coerência com ela, contribuindo para sua conformação e manutenção. Outros, pela transcendência da normatividade do espaço social, emergem como sujeitos tensionando e se confrontado com a subjetividade social dominante e atuando, implícita ou explicitamente, numa direção diferente.

A sala de aula como espaço social também possui uma subjetividade social que a caracteriza, e nela se expressa de diversas formas a subjetividade social da escola como espaço social mais abrangente. Assim, muitas das representações, crenças, valores, formas de relação, etc., expressos na subjetividade social da escola, se configuram na sala de aula e nos processos de ensino-aprendizagem que nela acontecem.  Na configuração das ações pedagógicas do professor[3] participam sentidos subjetivos diversos: os constituídos na sua história de vida, os que gera na própria ação de ensinar/educar e os que conformam a subjetividade social da escola e que se configuram na sua subjetividade de forma singular. Assim, nas ações dos professores a subjetividade social da escola se expressa de diversas e singulares formas.  

 Por exemplo, as representações dominantes sobre a deficiência e, consequentemente, sobre as (im)possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento pleno dos alunos considerados ‘deficientes’,  fazem parte da  subjetividade social de muitas escolas, e também das  subjetividades sociais de suas salas de aula, podendo se expressar  no  trabalho pedagógico do professor de diversas formas: no lugar físico que lhe é atribuído na sala a esse alunos; no relativo menor esforço e tempo que se lhes dedica em relação a outro alunos; no insuficiente  esforço  para integrá-los ao trabalho coletivo da  turma; no  sentimento de menos valia  com que são tratados; etc. 

Também, entre outros elementos, o peso que na sociedade atribui ao diagnóstico médico como verdade e o entendimento do processo de inclusão inscrito somente na ação de colocar os alunos com deficiência na sala de aula regular, se expressam na subjetividade social de muitas escolas limitando a mobilização dos professores em prol de um esforço e um trabalho pedagógico eficiente para conseguir a aprendizagem e o desenvolvimento desses alunos.  Assim, em muitas instituições escolares, a subjetividade social que as caracteriza se constitui numa barreira para o processo de inclusão entendido como o processo educativo direcionado para proporcionar oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento a todos os alunos, sem distinção de nenhum tipo.

 

 

Considerações Finais

Reconhecer o papel da subjetividade social no funcionamento de uma escola é o caminho para a abertura de brechas tanto ao seu tensionamento quanto ao seu fortalecimento, pois ela congrega os conteúdos simbólico-emocionais que sustentam sua manutenção como sistema aberto a outros sistemas sociais que ali se expressam. Muito além das políticas públicas de inclusão, amplamente necessárias ao processo de garantia de direitos em contextos democráticos, as pesquisas sobre a subjetividade social da escola têm evidenciado como essa pode dimensionar formas diversas de institucionalização dessas políticas ou impedir seu processo de implementação e seu sucesso.

Ao longo do artigo, foram destacados o valor da subjetividade social no processo de constituição da escola, o valor da subjetividade social na compreensão das dinâmicas escola e o valor da subjetividade social no enfretamento dos desafios à promoção de mudanças na escola. As análises das dissertações e teses nos possibilitaram reconhecer como a complexidade do contexto educativo pode ser melhor compreendida por meio de categorias como a subjetividade social. Embora possa parecer evidente, merece destaque que um dos aspectos com grande potência à manutenção da subjetividade social de um grupo ou coletivo é sua própria subjetividade social, por ser continuamente produzida e reproduzida pelos indivíduos nas suas ações e relações.

A compreensão da subjetividade social da escola constitui-se num elemento fundamental para compreender as possibilidades e limites reais da implementação das políticas públicas referentes à inclusão escolar. A subjetividade social, como um sistema configurado subjetivamente, atua na produção dos sentidos subjetivos produzidos pelas pessoas que o integram, fazendo com que possa haver uma recorrência do conteúdo desses sentidos subjetivos, caso não haja novos elementos constitutivos. Romper com os conteúdos cristalizados na subjetividade social da escola precisa ser um compromisso individual no coletivo, com adesões, parcerias, confrontos que tenham um horizonte inclusivo para todas as formas de educação escolar democraticamente constituídas.

O conhecimento da subjetividade social da escola torna-se um aspecto importante para o delineamento de qualquer tipo de estratégia de ação profissional em prol do processo de inclusão, seja na formação de seus professores, no trabalho com o grupo de direção, na elaboração coletiva do projeto político pedagógico, ou outras ações. Essas estratégias devem ser pensadas e elaboradas coletivamente de forma que possam ter um impacto na constituição de uma subjetividade social favorecedora do processo de inclusão.

 

Referências

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Modalidade do artigo: Relato de pesquisa (   )  Revisão de Literatura ( X )

 



[1] O sentido subjetivo é definido como uma unidade processual entre o simbólico e o emocional que emerge como fluxo de sentidos subjetivos.  As configurações subjetivas constituem uma formação autogeradora de grupos convergentes de sentidos subjetivos que marcam os estados subjetivos mais estáveis dos indivíduos no curso de uma experiência (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ 2017).

 

[2] “O conceito de sujeito representa aquele que abre uma via própria de subjetivação, que transcende o espaço social normativo dentro do qual suas experiências acontecem, exercendo opções criativas no decorrer delas, que podem ou não se expressar na ação” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p.73)

 

[3] A categoria configuração subjetiva da ação refere-se às produções subjetivas que se organizam nas ações dos indivíduos. As ações não estão determinadas a priori pelas configurações subjetivas da personalidade, nelas se configuram sentidos subjetivos constituídos na história de vida dos indivíduos e aqueles que se produzem no curso da ação em função do contexto em que a ação acontece (GONZÁLEZ REY, 2011, 2012b; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).

 

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