Políticas públicas para educação profissional inclusiva: acesso de muitos, permanência de alguns e êxito de poucos

 

Access by many, permanence by some and success by few:

People with disabilities at EPTNM

 

Acceso de muchos, permanencia de algunos y éxito de pocos:

personas com discapacidad en la EPTNM

 

Renilza Carneiro Disconci

Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS, Brasil

renilzadisconci.aluno@unipampa.edu.br

 

Maria Salete Boing

Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS, Brasil

mariaboing.aluno@unipampa.edu.br

 

Solange Emilene Berwig

Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS, Brasil

solangeberwig@unipampa.edu.br

 

Recebido em 04 de maio de 2023

Aprovado em 17 de novembro de 2023

Publicado em 21 de dezembro de 2023

 

RESUMO

O artigo aborda as políticas públicas de ações afirmativas voltadas ao acesso de pessoas com deficiência (PcDs) à educação profissional técnica de nível médio (EPTNM), com o objetivo de discutir o papel da assistência estudantil na permanência e êxito junto aos estudantes que ingressam na EPTNM através da lei de reserva de cotas para PcDs nos institutos federais do Rio Grande do Sul. A metodologia utilizada fundamentou-se em método dedutivo, pesquisa bibliográfica e documental, em confronto com a análise de legislação pertinente às políticas de ações afirmativas. Os resultados apontam que o universo das políticas de ações afirmativas, sobretudo para PcDs, apresenta-se como um campo de estudo ainda em construção e que o fortalecimento de políticas que visem a permanência e o êxito desses sujeitos é ferramenta essencial nessa trajetória.

Palavras-chave: Educação profissional técnica de nível médio; Ações afirmativas; Pessoas com deficiência.

 

ABSTRACT

The article approaches the public policies of affirmative actions aimed at the Access of people with disabilities (PcDs) to technical professional education of secondary level (EPTNM), with the objective of discussing the role of student assistance in the permanence and success with students who enter in EPTNM through the quota reservation law for PwDs in the federal institutes of Rio Grande do Sul. The methodology used was based on the deductive method, bibliographical and documental research, in comparison with the analysis of legislation pertinent to affirmative action policies. The results indicate that the universe of affirmative action policies, especially for PwDs, is a field of study still under construction and that the strengthening of policies aimed at the permanence and success of these subjects is an essential tool in this trajectory.

Keywords: Middle-level technical professional education; Affirmative actions; Disabled people.

 

RESUMEN

El artículo aborda las políticas públicas de acciones afirmativas dirigidas al acceso de las personas con discapacidad (PcDs) a la educación técnico profesional de nivel medio (EPTNM)), con el objetivo de discutir el papel de la asistencia estudiantil en La permanencia y el éxito de los estudiantes que ingresaren la EPTNM a través de la ley de reserva de cuotas para PcD en los institutos federales de Rio Grande do Sul. La metodología utilizada se basó en el método deductivo, la investigación bibliográfica y documental, en comparación con el análisis de la legislación pertinente a las políticas de acción afirmativa. Los resultados indican que el universo de las políticas de acción afirmativa, especialmente para las PcD, es un campo de estúdio aún en construcción y que el fortalecimiento de políticas dirigidas a la permanencia y el éxito de estos sujetos es una herramienta fundamental en esa trayectoria.

Palabras clave: Educación profesional técnica de nivel médio; Acciones afirmativas; Personas con deficiência.

 

Introdução

            O debate acerca da inclusão, do acesso, permanência e êxito das pessoas com deficiência na educação profissional e tecnológica e, por conseguinte, do papel das políticas públicas de ações afirmativas nesse contexto configuram-se como temas de grande relevância para reflexão e pesquisas acadêmicas.  Porém, conforme constatado na pesquisa, há escassez de estudos que tenham como objeto as interfaces a inclusão das pessoas com deficiência na Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) na Rede Federal de Ensino, por meio das ações afirmativas ou cotas, bem como, a atuação da Assistência Estudantil (AE) no processo de permanência e êxito destes estudantes.

Desta forma, com objetivo de contribuir com a discussão e reflexão sobre educação inclusiva, este estudo faz uma abordagem sobre as políticas públicas de ações afirmativas na educação profissional técnica de nível médio (EPTNM) voltadas ao acesso, a permanência e o êxito de pessoas com deficiência (PcD). Com o objetivo de discutir o papel da assistência estudantil junto aos estudantes que ingressam na EPTNM através da lei de reserva de cotas para pessoas com deficiência em consonância com a lei de nº lei n. 13.409, de 28 de dezembro de 2016, especificamente nos institutos federais do Rio Grande do Sul. A metodologia da pesquisa fundamentou-se em método dedutivo, pesquisa bibliográfica e documental, em confronto com a análise de legislação pertinente às políticas de ações afirmativas.

O ponto inicial centra-se na problematização sobre como as políticas de acesso e ações afirmativas contribuem para a inclusão das pessoas com deficiência na educação profissional técnica de nível médio. Para o alcance deste objetivo, a discussão se ampara nas seguintes proposições: 1) Analisar o teor da lei nº 13.409/16 quanto às ações afirmativas ou cotas para pessoas com deficiência, no caso da educação profissional tecnológica; 2) Conhecer a forma como estão estruturadas as políticas de assistência estudantil dos institutos federais do Rio Grande do Sul e analisar a contribuição das ações da Política de Assistência Estudantil para o ingresso, a permanência e o sucesso dos/as estudantes cotistas com deficiência da EPTNM.

A referência normativa sobre o direito das pessoas com deficiência será a lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, a qual define como pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Tem por objetivo assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. O marco filosófico compreende a deficiência a partir das relações sociais estabelecidas em tempos e espaços diversos, ou seja, uma condição pessoal biopsicossocial que em interação com o meio social vivencia impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, de ordem socioambientais, psicológicos e pessoais, o que pode levar a limitação no desempenho de atividades, e, a restrição de participação.

Quanto à norma legal sobre ações afirmativas ou cotas, no caso da educação profissional tecnológica a lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que altera a lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino.

Diante das características e o propósito desta pesquisa, elegeu-se os institutos federais do Rio Grande do Sul como local de referência para a investigação sobre o papel da assistência estudantil junto aos estudantes com deficiência que frequentam a educação profissional técnica de nível médio. A referência normativa será o Decreto 7.234/2010 que institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), no qual encontram-se os objetivos que visam mitigar as dificuldades vivenciadas pela população estudantil em vulnerabilidade.

 

Percurso metodológico

A metodologia adotada na pesquisa fundamenta-se em método dedutivo, revisão bibliográfica, documental e análise de legislação. A análise das produções acadêmicas levantadas visa identificar o tratamento das pesquisas na abordagem da política pública de ações afirmativas para pessoas com deficiência (PcDs) na Educação Profissional e Tecnológica de Nível Médio (EPTNM).

Para o desenvolvimento deste estudo realizou-se uma busca avançada no Portal de periódicos Capes através do acesso CAFE utilizando os seguintes filtros: busca em qualquer (autor, assunto e título) como descritores definimos os seguintes termos: políticas públicas de ações afirmativas, pessoas com deficiência e educação profissional e tecnológica; tipo de material: artigos; idioma qualquer um; o período pesquisado foi dos últimos cinco anos, ou seja de  2018 até a data da busca que foi realizada em 11/04/2023.

Na busca inicial foram elencados 12 artigos referentes aos descritores pesquisados. De posse desse material foi realizada a etapa de refinamento dos artigos encontrados através da leitura dos títulos e dos resumos priorizando os que tivessem como objeto de estudo políticas públicas para pessoas com deficiência no âmbito da educação profissional e tecnológica. Para a seleção dos artigos a serem analisados utilizou-se como critérios: 1. Estar relacionado diretamente com a temática pessoas com deficiência (PcDs) e educação profissional e tecnológica (EPT). 2. Tratar-se de estudos sobre políticas públicas voltadas para inclusão de pessoas com deficiência na educação formal. Foram descartados 5 artigos que não tratavam especificamente de relatos sobre pessoas com deficiência, mas abordavam políticas de educação profissional em contextos diversos. Restaram, assim 7 artigos para análise conforme quadro a seguir:

Quadro 1 – Relação de artigos selecionados para análise

Título do artigo

Autor(es)/ano

IES autores

01

O estado do conhecimento sobre inclusão da pessoa com deficiência na educação profissional e tecnológica

Freitas, 

Cavalcante

(2022)

IFAM

IFRN

02

Inclusão escolar de estudantes com transtorno do espectro autista (TEA) na educação profissional e tecnológica: desafios e possibilidades

Kokkonem, 

Barbosa, Batista

(2022)

IFRO

03

Os percursos da inclusão e da formação profissional de pessoas com deficiência na rede federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica

Cabral, Mota,

 Gomes

(2022)

IFBA

04

Assistência estudantil e ações afirmativas:

um estudo das condições materiais e simbólicas

Silva, Santos, 

Reis (2021)

UFMGUFOP UFU

05

A rede EPT na perspectiva inclusiva: uma revisão sistemática da literatura sobre formação continuada docente

Volante, Costa, Cordeiro

(2021)

IFPR IFAC IFMT

06

Pessoas com deficiência (PcDs) egressas de uma formação profissional

Minayo, Demo, 

Silva (2020)

FIOCRUZ,UnB,UNIS

07

Educação inclusiva e educação profissional: um estudo de estado da arte no banco de teses e dissertações da Capes

Cunha, Mota, Miranda

(2020)

IFMG

Fonte: elaborado pelas autoras (2023)

Quanto a pesquisa documental realizada no intuito de conhecer os documentos norteadores das políticas de assistência estudantil dos institutos pesquisados, realizou- se busca nos sítios eletrônicos das instituições, as quais possuem os documentos publicados. Dois deles organizaram o documento em formato de resolução e um em formato de regulamento, conforme descrito na seção sobre a configuração das políticas de AE nos institutos federais do Rio Grande do Sul.

 

Políticas públicas de educação inclusiva: ações afirmativas para pessoas com deficiência na EPT

O Brasil, pode ser definido como uma nação rica que convive com a pobreza e alimenta os mecanismos (re)produtores da desigualdade e da injustiça social. Sendo que neste contexto, figuram as políticas públicas como instrumento normativo que visa combater as desigualdades sociais que estão presentes em toda a sociedade, por meio de intervenções nos mais diversos âmbitos da sociedade, com vistas à criação de mecanismos de combate à desigualdade e à injustiça social.

Na formulação das políticas públicas na educação brasileira, o Estado tem a responsabilidade de ofertar educação pública, de forma objetiva e sistematizada, com metas e planejamento. A política educacional, apesar de situar-se de forma mais abrangente na intervenção social, por tratar-se de bem essencial a qualquer sociedade humana, é parte das políticas públicas e, como “[...] toda política pública é uma forma de regulação e intervenção na sociedade” (SILVA, 2001, p. 37).

No Brasil, políticas públicas de educação são “constituídas e constituintes de um projeto dentro de uma sociedade cindida em classes, frações de classes e grupos sociais desiguais” (FRIGOTTO, 2007, p.2). Nesse sentido pode-se inferir que a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, enquanto política pública de educação, cujo programa principal são os institutos federais, são, por um lado, um programa que sofre com a imposição das regras do mercado neoliberal para servir ao projeto de classe dominante, ou seja, uma educação funcional ao sistema, como educação restrita à técnica e funcional alinhada com o mercado de viés neoliberal.

Por outro lado, observa-se que os institutos federais são também um projeto emancipatório em todas as áreas e profissões, na medida em que se comprometem com atividades no sentido da universalidade da educação, em especial na constituição da educação profissional. Trata-se, assim, de instituição cujo “[...] seu papel social está visceralmente vinculado à oferta do ato educativo que elege como princípio a primazia do bem social” (BRASIL, 2010, p.18). Representa, desta forma, uma política educacional que contribui para situar historicamente essa possibilidade, na perspectiva da emancipação humana e da importância da educação nesse processo.

Embora recente, essa instituição se destaca na formação técnica e profissionalizante uma vez que oferece diferentes níveis e modalidades de ensino e, principalmente pela verticalização, interiorização e integração do ensino, constitui espaço relevante para desenvolver atividades emancipatórias.

Prova disso reside na legislação segmentada no âmbito dos institutos federais sobre ações afirmativas ou cotas, a lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que altera a lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino.

 Essa norma legal representa uma das garantias mais relevantes no campo educacional, uma vez que apresenta a reserva de vagas às pessoas com deficiência garantindo meios para o acesso à educação profissional para este grupo de pessoas que convive há séculos com a marginalização e a segregação.

Observa-se, portanto, a convergência de dois campos de atuação para as políticas públicas com grande relevância, a formação para o trabalho e a educação da pessoa com deficiência. Significativamente porque este grupo que sofreu historicamente grandes negligências em relação aos aspectos educacionais e, tem na possibilidade de inserção nas relações de trabalho, um fator de muita importância para a aproximação das condições que configuram meios ou mecanismos para a inclusão social.

Considerados mecanismos de inclusão social, as ações afirmativas, enquanto políticas públicas buscam amparar os grupos que sofrem discriminação étnica, racial, de gênero, religiosa e ou pessoas com deficiência, com o intuito de combater as desigualdades sociais que estão presentes em toda a sociedade.

Conforme explicita Barbosa (2001, p.4):

 

As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. (BARBOSA, 2001. p.4)

 

Coerentemente com tal proposição, observa-se que ao comprometerem-se com o sistema de reserva de vagas para pessoas com deficiência, os institutos federais assumem a ideia de que todos têm direito à equidade e igualdade. Igualdade ao não sofrer discriminação pelas diferenças, e equidade respeitando essas diferenças e propiciando acessibilidade e oportunidades para que tenham oportunidades de crescimento educacional, profissional, econômico e cultural.

Para Ladeira e Silva (2018, p. 221), as ações afirmativas buscam “remediar um passado discriminatório de forma especial e temporária". A finalidade é acelerar o processo de igualdade, por isso são criadas políticas compensatórias, destinadas a grupos em vulnerabilidade”. Dito isso, é preciso deixar claro que o objetivo principal das ações afirmativas é desconstruir um certo modo negativo e por vezes até marginalizado de se olhar para determinados grupos ou pessoas dentro da sociedade. Há que combater a ideia preconceituosa de que cotas são privilégios.

No caso das pessoas com deficiência, as ações afirmativas estão longe de configurar privilégio. Um dos fatores mais relevantes que tornam as ações afirmativas importantes para mudar a realidade social das pessoas com deficiência, é a correlação entre deficiência e pobreza. Trata-se, sim, de uma reparação por anos de desigualdades que esse grupo de pessoas sofre socialmente. São medidas que possuem amparo na lei para que práticas de discriminação positiva sejam implementadas a fim de diminuir desigualdades históricas, ou seja, uma norma que estabelece critérios de reconhecimento de diferenças existentes entre pessoas sem deficiência e pessoas com deficiência, e que há muito ficam a margem da sociedade, em questão de acesso a oportunidades de educação e emprego.

Para se ter uma ideia da relevância das cotas para pessoas com deficiência na educação profissional, dados estatísticos resultantes do Censo escolar de 2021 demonstram o crescimento significativo de matrículas de pessoas com deficiência, em todas as etapas da Educação Básica e comprovam a dimensão que a Educação Inclusiva ocupa hoje na Educação Básica.

O relatório técnico do Censo Escolar, referente ao ano de 2021, apresenta uma análise técnica de dados entre os anos de 2017 e 2021, quanto ao crescimento da matrícula de alunos com deficiência em escolas regulares, indicando que “[...] número de matrículas da educação especial chegou a 1,3 milhão em 2021, um aumento de 26,7% em relação a 2017. Quando avaliado o aumento no número de matrículas entre 2017 e 2021, percebe-se que as de ensino médio são as que mais cresceram, um acréscimo de 84,5%.” (BRASIL, 2022, p. 37).

Ações afirmativas comprometidas com inclusão escolar de alunos com deficiência, são consideradas essenciais na constituição de atitudes positivas para valorizar a diferença e a heterogeneidade, o colocar-se no lugar do outro e ser favorável à educação inclusiva. Políticas públicas de inclusão, como o caso das cotas, é uma variável a ser considerada no crescimento exponencial da matrícula de alunos com deficiência na EPT, cujo percentual apresenta-se em plena expansão.

Dados do censo escolar demonstram que em 2017, o percentual de alunos incluídos era de 90,8% e, em 2021, passou para 93,5%. O percentual de alunos com deficiência, matriculados em classes comuns, apesar da variação, tem aumentado gradualmente para todas as etapas de ensino. Com exceção da EJA, as demais etapas da educação básica apresentam mais de 90% de alunos incluídos em classes comuns em 2021. A maior proporção de alunos incluídos é observada na educação profissional subsequente/concomitante, com inclusão de 99,5%. (BRASIL, 2022, p. 38).

Entretanto, a inclusão das pessoas com deficiência na EPT suscita um olhar para muito além de dados técnicos quantitativos em processos de matrículas na educação profissional. É preciso considerar pensar a

 

inclusão das Pessoas com Deficiência na EPT, com vistas à formação omnilateral dos sujeitos, para que, para além dos dispositivos legais, possam ser concretizadas e implementadas ações, que não apenas as estruturais, de inclusão para, com isso, assegurar o acesso e a permanência desses sujeitos no e para além do mundo do trabalho (CARVALHO; CAVALCANTI, 2020, p. 13).

 

A inclusão suscita a compreensão de que se trata de um movimento e, como tal, não permanece em um nível individual. Como um caminho contínuo para mais diversidade, requer questionamentos e possivelmente mudanças nas estruturas institucionais envolvidas na constituição dos critérios de exclusão.

 

[...] as mudanças na situação de exclusão ou inclusão da pessoa com deficiência na educação profissional exigem ajustes nas políticas para inserção desses sujeitos na sociedade como um todo.  [...] torna-se imprescindível maior investimento nas políticas públicas educacionais, contemplando-se inclusive a formação para o trabalho. (LOPES CABRAL; MOTA; GOMES; 2022, p. 7).

 

Embora a política de ações afirmativas, instaurada por meio da lei nº 13.409 de 28 de dezembro de 2016, venha provocando nas conjunturas locais dos institutos federais o aumento do acesso de pessoas com deficiência, observa-se certa dificuldade na implementação das condições de acessibilidade que este grupo de pessoas necessitada. Para Braga e Dal Prá (2021), seria motivo de preocupação quanto às condições para

 

[...] estabelecer programas e profissionais de apoio para essas pessoas junto a uma estrutura física adequada. Se o crescimento não for acompanhado de condições mínimas estruturais e de serviços de permanência, limitar-se-á a permanência por um discurso ideológico de acesso e de dados quantitativos que carrega consequências drásticas para a constituição dos sujeitos históricos, principalmente para a classe trabalhadora e para a construção de uma educação gratuita de qualidade que de fato se vincula, em termos de proteção social, às necessidades básicas dos trabalhadores e ao direito à educação. (BRAGA; DAL PRÁ, 2021, p. 15).

 

Portanto, é preciso superar mecanismos, estruturas de poder e tradições que impedem a participação das pessoas com deficiência na educação, uma vez que esta foi estipulada como obrigação do Estado. Conquistada a ampliação do acesso por meio das cotas, existe ainda o debate sobre as condições de permanência desses estudantes.

É fato que pessoas com deficiência convivem com o marcador social da vulnerabilidade social, ou extrema pobreza. Sobre isso, Demo (2006, p. 7) faz a seguinte reflexão:

 

Na pobreza não encontramos só o traço da destruição material, mas igualmente a marca da segregação, que torna a pobreza produto típico da sociedade, variando seu contexto na história conhecida e reproduzindo-se na característica de repressão do acesso às vantagens e oportunidades sociais.

 

Pensar a educação como direito e na igualdade de acesso nos leva a um aprofundamento histórico de como a educação foi ofertada à população que agora tem acesso à educação profissional, por meio da lei de cotas e permanência no ensino, por meio do PNAES. Essas são conquistas dos menos favorecidos para a condição de acesso e permanência na educação profissional.

As ações afirmativas têm gerado, no bojo acadêmico, uma gama de discussões sobre sua efetividade no combate e diminuição das desigualdades, bem como sua eficácia enquanto política que propõe a inclusão social. Discussões pertinentes, porque a inclusão como diversidade vivida e valorizada positivamente não é um estado final estático, mas um processo constante. A inclusão também significa que a diversidade se reflete de forma mais clara em todos os níveis sociais e institucionais.

Desta forma a discussão pretendida considera a ação afirmativa “[...] todo programa, público ou privado, que tem por objetivo conferir recursos ou direitos especiais para membros de um grupo social desfavorecido, com vistas a um bem coletivo”. (FERES JÚNIOR, et al; 2018, p. 13). Como condição para a justiça social, a política de acesso por cotas deve ser acompanhada por uma política de permanência que enseje a conclusão dos cursos no tempo previsto e com uma formação de qualidade.

 

Democratização do acesso na educação profissional: o papel da assistência estudantil

A ampliação do ingresso de pessoas com deficiência através da política de ações afirmativas na EPTNM é cada vez maior, conforme mostram dados estatísticos do Censo Escolar 2021 (BRASIL, 2022, p. 37), o que gera uma grande demanda por políticas que garantam, além do acesso, a permanência e o êxito desses estudantes.

O jovem sujeito que chega à unidade escolar da RFEPCT traz consigo uma forma de viver (Ethos) e enxergar a realidade (Eîdos) como resultado da relação com seu espaço e tempo de vida, suas experiências e expectativas. Essa condição é equivalente a determinada capacidade de (res)significar aquilo que lhe acontece ou não acontece conforme lhes permitem os recursos objetivos e subjetivos (materiais e imateriais) de que dispõe. É portador de uma história própria. É feito e efeito das condições nas quais foi possível estar e ser.

Por conseguinte, cresce ainda mais a necessidade do fortalecimento de uma política de AE que considere as especificidades desses novos sujeitos ingressantes através dessa política que busca a democratização da educação.

A política de AE faz parte de um processo de lutas pelo direito à educação e esteve muito atrelada às ações de assistência social, vista como ato de caridade como forma de garantir apoio aos estudantes mais pobres, numa visão assistencialista e que previa somente auxílios de ordem financeira. Nessa mesma direção, a EPT também teve sua origem numa perspectiva assistencialista como forma de amparar os órfãos e aos “desvalidos da sorte”, numa tentativa de atender aqueles que não tinham condições sociais satisfatórias e que se encontravam na contra ordem dos bons costumes (RAMOS, 2014, p.24).

É nesse contexto que o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), através do Decreto 7234/2010 traça alguns objetivos no intuito de mitigar as dificuldades vivenciadas pela população estudantil em vulnerabilidade. Dentre esses objetivos destaca-se: i) a democratização das condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal; ii) minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão do ensino superior; e iii) reduzir as taxas de evasão e contribuir para a inclusão social pela educação. O documento contempla ainda a prestação de assistência estudantil em dez áreas: moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e auxílio a estudantes com condições especiais como deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades e superdotação (BRASIL, 2010).

Percebe-se que ao longo dos anos e conforme o contexto vivido pelo país a EPT assim como a assistência estudantil adquirem novas configurações para atender as demandas e necessidades do público alvo, do processo educacional vigente e do mercado de trabalho.  Sendo assim, a política de assistência estudantil na EPT atua sob dois grandes desafios: melhorar as condições de permanência dos estudantes em situação economicamente desfavorável que apresentem problemas com transporte, moradia, alimentação e que necessitem trabalhar para auxiliar no sustento da família e, desenvolver uma formação voltada para o princípio da formação integral, articulando os conhecimentos da educação profissional ao ensino médio, conforme orienta o Decreto 5.154/2004.

Conforme destacam Oliveira e Silva (2018), o PNAES e a Lei de cotas se alinham em relação a inclusão de PcDs como público alvo o que evidencia o poder deste segmento nas políticas sociais de acesso e permanência com vistas ao sucesso acadêmico e a inserção no mundo do trabalho em se tratando de estudantes da EPTNM.

O PNAES orienta em linhas gerais a implementação das ações no âmbito das instituições federais de ensino, porém garante autonomia às instituições para a organização de suas políticas e/ou regulamentos de assistência estudantil próprios. Prova disso, é que os 3 (três) institutos pesquisados atendendo ao propósito de contemplar suas especificidades definiram critérios, metodologias e estratégias para sua implementação e desenvolveram regulamentação específica sobre a assistência estudantil.

No Instituto Federal Farroupilha, a regulamentação interna referente à política de assistência estudantil preconizada pelo PNAES foi realizada a partir da aprovação da Resolução Consup 012/2012 que dispunha sobre os programas, serviços, projetos e ações de assistência estudantil a serem ofertadas pela instituição. A Política de Assistência Estudantil do IFFar compreende as diretrizes, objetivos e princípios que compõem a oferta dos serviços, programas, projetos e ações na instituição e trata-se de um direito de todos os estudantes matriculados.

 As ações de assistência estudantil voltadas à saúde, cultura, esporte e lazer e apoio didático-pedagógico são para todos os estudantes, ou seja, se constituem em programas de acesso universal. Já os auxílios financeiros se destinam aos estudantes mais vulneráveis, identificados por meio de avaliação socioeconômica, configurando-se como programas seletivos. Ainda, vale destacar que cada campus do IFFar possui em sua estrutura organizacional uma Coordenação de Assistência Estudantil (CAE), composta por uma equipe multiprofissional que, articulada com os demais setores da instituição, trata dos assuntos relacionados ao acesso, à permanência, ao êxito e à participação dos estudantes no espaço escolar. (IFFAR,2012).

Os auxílios financeiros aos estudantes têm como finalidade propiciar condições favoráveis à permanência dos alunos no IFFar. São destinados aos estudantes que comprovam a situação de vulnerabilidade socioeconômica e apresentam renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio e cumpram com os demais pré-requisitos estabelecidos em regulamento e edital específico (IFFAR, 2022).

No que se refere ao apoio pedagógico e auxílio a estudantes com condições especiais como deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades e superdotação o IFFar possui uma coordenação de ações inclusivas (CAI) e ainda os Núcleos de apoio a pessoas com necessidades educacionais específicas (NAPNEs) em cada campi. As ações da CAI são voltadas para as temáticas de inclusão, diversidade e não-violência. Os NAPNEs são compostos por equipe multidisciplinar constituída por educador (a) especial, monitores e intérpretes de libras (conforme demanda), pedagogos (as), profissionais da saúde, docentes e técnicos administrativos em educação que desejem participar do núcleo e que possuam afinidade com a temática.

Além desses, a CAI (reitoria) possui o Núcleo de Elaboração e Adaptação de Materiais Didático-Pedagógicos - NEAMA, onde atuam duas servidoras revisoras de texto Braille e uma servidora tradutora intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras). O NEAMA tem como atribuições produzir e desenvolver materiais adaptados e tecnologia assistiva. Conforme destacam Freitas e Cavalcante (2022), para garantir equidade no processo de ensino e aprendizagem é preciso se preocupar com as adaptações pedagógicas, sejam elas métodos, técnicas ou recursos ou ainda no próprio currículo ofertado a esses estudantes.

Nesse sentido, Silva et al. (2021), trata dessas duas perspectivas de atendimento da AE como suportes materiais e simbólicos, destacando que para que se consolide o verdadeiro processo de democratização da educação é necessário se avaliar se as ações ofertadas asseguram a permanência do público estudantil ingressante pela política de ações afirmativas.

No Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), a política de AE está regulamentada através da Resolução Consup 086/2013 que representa o conjunto de princípios e diretrizes que estabelecem a organização, as competências e o modo de funcionamento dos diferentes órgãos da Assistência Estudantil para a implantação de ações que promovam o acesso, a permanência e o êxito dos estudantes em consonância com o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Decreto nº 7234/2010), com o Projeto Pedagógico Institucional e com o Plano de Desenvolvimento Institucional.

As ações de AE encontram-se separadas nas seguintes áreas estratégicas: Ações de acesso e ações de permanência, conforme segue: I. acesso: a. participação nas discussões institucionais relacionadas aos processos de ingresso; b. comunicação, divulgação e publicização dos programas, oferecidos pela Assistência Estudantil, modos de habilitação, obtenção e manutenção dos mesmos. II. Permanência, com ações que contemplem: a. moradia estudantil; b. alimentação; c. transporte; d. apoio aos estudantes pais; e. atenção à saúde; f. material escolar; g. materiais para inclusão digital. III. acompanhamento acadêmico, compreendendo ações de caráter psicológico, pedagógico e social, numa perspectiva interdisciplinar; IV. ações de Cultura, Lazer, Esporte e Inclusão Digital; V. apoio à participação em eventos relacionados à formação de estudantes, que se enquadram na condição de usuários da Assistência Estudantil.

A Assessoria de Assistência Estudantil é o órgão que faz parte da Pró-Reitoria de ensino e possui a função de planejar, implementar e acompanhar a Política de Assistência Estudantil do IFRS, em conjunto com o Grupo de Trabalho Permanente de Assistência Estudantil do Instituto, de forma integrada aos demais órgãos da Assistência Estudantil. Está prevista na Resolução a realização de avaliação de impacto das ações da AE que devem abarcar a trajetória acadêmica de seu público-alvo. Entende-se como público-alvo aqueles que estiverem regularmente matriculados em um curso presencial no IFRS.

A instituição conta com a Assessoria de Ações Afirmativas, Inclusivas e Diversidade, que é o órgão responsável pelo planejamento e coordenação das ações relacionadas à política de inclusão. Tem como finalidade promover a cultura da educação para a convivência, a defesa dos direitos humanos, o respeito às diferenças, a inclusão, permanência e saída exitosa de pessoas com necessidades educacionais específicas para o mundo do trabalho, a valorização da identidade étnico-racial, a inclusão da população negra e da comunidade indígena, em todos os setores, combate à homofobia, buscando a remoção de todos os tipos de barreiras e formas de discriminação. Atualmente todos os campi possuem Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas – NAPNEs institucionalizados.

No Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul) a política de AE está organizada através de Regulamento que foi revisto e readequado em 2015.  A política de AE é gerida pelo Departamento de Gestão de Assistência Estudantil (DEGAE), que é subordinado à Pró-reitoria de Ensino e é o órgão responsável por orientar, assessorar e acompanhar projetos e atividades relacionados à assistência estudantil, respeitando a autonomia de cada campus, juntamente com a Câmara de AE. Em que pese os princípios, diretrizes e objetivos terem sido revistos para acompanharem as transformações sociais ocorridas desde sua implantação em 2010, permanecem focados no acesso, permanência e êxito dos estudantes em vulnerabilidade social.

Assim como nos demais IFs pesquisados a estrutura da política segue o que é previsto no documento norteador que é o PNAES, porém percebe-se que no IFSul estão previstos alguns objetivos específicos diferenciados, como: I- consolidar um sistema de informações sobre os projetos de assistência estudantil por meio da implantação de um banco de dados, disponibilizado aos profissionais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense que atuam na área, resguardando dados pessoais dos usuários; II- propor um sistema de avaliação do Programa de Assistência Estudantil, por meio da adoção de indicadores quantitativos e qualitativos.

Conforme descrito no regulamento compete à Coordenadoria de Acompanhamento da Política de Assistência Estudantil (CAPAE), pôr em prática esses objetivos específicos acima citados, além de: I – acompanhar e apoiar o desenvolvimento das ações e dos projetos de assistência estudantil junto aos campus; II – propor instrumentos que permitam pesquisar, sistematicamente, a realidade socioeconômica e educacional dos usuários do Programa de Assistência Estudantil (PAE); III – gerir e acompanhar a execução  financeira e os recursos orçamentários destinados à assistência; IV – organizar o banco de dados do PAE.

O público alvo dos benefícios também apresenta uma diferença em relação aos demais institutos pesquisados, pois traz em seu cap. IV, art.13, parágrafo único a seguinte informação: Estudantes com perfil socioeconômico, que se inscreverem para acessar os benefícios da Política de Assistência Estudantil, que já possuam um curso técnico e/ou uma graduação, não farão jus aos auxílios quando matriculados no mesmo nível de ensino.

O regulamento traz o atendimento a todas as áreas previstas no PNAES assim como os outros dois institutos pesquisados, porém salienta no cap. IX, Art. 30, §1º: Os Campus priorizarão as ações de auxílio alimentação, auxílio moradia e auxílio transporte, identificada a demanda entre os seus estudantes. Ainda segue descrito no regulamento que demais as ações serão atendidas à medida em que aquelas a que se referem o parágrafo 1º forem supridas, ou seja o acompanhamento biopsicossocial-pedagógico independe do atendimento integral dos benefícios a que se refere o parágrafo primeiro. Fica evidente que a prioridade é o atendimento às necessidades de cunho financeiro, ou conforme Silva et al. (2021) suportes materiais, apesar da constatação de que o atendimento integral ao estudante requer muito além de auxílio socioeconômico, principalmente quando se trata de estudantes com deficiência.

O IFSul possui um Departamento de Educação Inclusiva (DEPEI) que tem como finalidade proporcionar uma Educação Inclusiva compreendendo-a como um conjunto de princípios e procedimentos implementados pela Gestão de cada Câmpus, adequando a sua realidade com o segmento social para que aluno algum seja excluído dos processos de ensino, pesquisa e extensão e, por consequência, do mundo do trabalho. Ainda, proporcionar ou ampliar habilidades funcionais atendendo às especificidades de pessoas com deficiência, no âmbito do IFSul.

Cada campus possui os Núcleos de Atendimento a Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE), tendo por finalidade promover a cultura da educação para a convivência, aceitação da diversidade e, têm como objetivos a quebra de barreiras arquitetônicas, educacionais e atitudinais na instituição.

Importante salientar que o IFSul sinaliza para a avaliação da política de AE que, segundo o regulamento, sofrerá avaliação de processo a cada dois anos, e a cada quatro anos, será objeto de avaliação de impacto (IFSul, 2015, p.18).

Constata-se então que a implementação da Política de Assistência Estudantil nos IFs adquire configurações específicas, sem deixar de seguir o que é contemplado no PNAES, porém definem estratégias e elaboram suas próprias resoluções e/ou regulamentos, adequando as suas realidades e público atendido. Para alguns estudiosos como Imperatori (2017), Gomes e Passos (2018) e Lima (2023), reside aqui um problema quanto a avaliação do PNAES no contexto de sua implementação, pois ainda não há um instrumento avaliativo pluralista cujo objetivo seja analisar essa política pública.

 

Considerações finais

A luz da análise bibliográfica foi possível constatar que as produções relativas à temática da pesquisa nos últimos cinco anos ainda são bastante escassas, apesar de o tema ter demandado debate e estudos em função de que cada vez mais estudantes com deficiência estão logrando espaço nas instituições de ensino.

Dentre os artigos analisados, no que se refere à concepção de educação profissional inclusiva, percebe-se haver o consenso no entendimento da escola como um lugar para a participação de todos, que se formata sob a base de um movimento de orientação inclusiva que pensa em uma escola democrática para uma sociedade democrática, que compreende o educando enquanto pessoa humana singular.

Por conseguinte, ao referir-se à pessoa com deficiência na educação profissional, enquanto sujeito singular, defende a ideia de educação que se compõe apoiada numa concepção emancipatória do indivíduo, cujo desafio maior centra-se em repensar sua organização com vistas ao acolhimento da diversidade de seus estudantes. Nessa perspectiva, identificou-se como uma lacuna a necessidade de estudos que se aprofundem nas questões que considerem as especificidades dos sujeitos e que abordam temas como adaptações curriculares, avaliação pelo prisma da inclusão, assim como formação de docentes numa concepção inclusiva.

Em relação às políticas de ações afirmativas, o estudo indica haver resultados que já podem ser notados a princípio, quando se observa, por exemplo, o aumento expressivo no número de matrículas de pessoas com deficiência na modalidade de educação profissional. Dados que comprovam uma transformação no cenário da formação das pessoas com deficiência para o mundo do trabalho, havendo por parte dos institutos federais, enquanto entidades promotoras de inclusão e transformadoras da realidade social, o compromisso com as políticas públicas de ações afirmativas e sua respectiva disseminação, de forma a contribuir significativamente para a inclusão social e para a redução da desigualdade de oportunidades e no reconhecimento da capacidade de trabalho das pessoas com deficiência e vida produtiva para sua própria subsistência.

No que se refere a atuação da política de AE na EPTNM fica evidente que as ações de suporte material (financeiro) são priorizadas em detrimento ao atendimento de suporte simbólico (apoio pedagógico, atendimento individualizado ao aluno, recuperações paralelas de aprendizagem). Tal constatação confirma a necessidade de um realinhamento da política de AE, considerando as especificidades dos novos sujeitos inseridos através da política de ações afirmativas para que seja de fato uma ferramenta que promova a permanência e consequentemente o êxito desses estudantes.

Embora os artigos analisados indiquem que as ações da RFEPCT convergem com o que define a lei nº 13.409/2016 no que se refere ao cumprimento de cotas para acesso das pessoas com deficiência à EPTNM, em relação às concepções e ações político-pedagógicas indicam haver uma lacuna em termos de políticas de inclusão que contemplem de maneira assertiva e consistente a acessibilidade arquitetônica, de comunicação, metodológica, atitudinal e programática que fundamente a tríade acesso, permanência e êxito educacional.

Os espaços educacionais da EPT necessitam organizar-se na perspectiva do acolhimento da demanda diversificada, respeitando e criando possibilidades, no sentido da equidade e para a convivência com as diferenças, e, sobretudo, reconhecendo sua riqueza. Urge a criação de oportunidades de aprendizagem flexíveis que permitam a continuidade e a progressão pelas fases da educação e garantam a relevância da aprendizagem para a vida e o trabalho.

É necessário melhorar o nível de recursos na EPT inclusiva e concentrar-se na qualidade do ensino para dissociar os resultados do contexto cultural, socioeconômico dos alunos e a condição de pessoa com deficiência entre outras coisas, e prevenir o abandono escolar e desemprego juvenil. A política deve comunicar claramente que é possível desenvolver sistemas educacionais de alta qualidade e equitativos, por meio de uma única estrutura legislativa e política para todos os alunos como base para a prática baseada em direitos.

Diante desse contexto, impõe-se o desafio de continuar. Continuar a discussão como uma forma de resistência. Aprofundar o estudo do campo da Educação Profissional de pessoas com deficiência, posicionando-se criticamente, repensando práticas educativas, pautando-se pelos princípios da dignidade da pessoa humana.

 

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