Vivências de surdos na Educação Básica: da dependência à autonomia
Experiences of deaf students in Basic Education: from dependence to autonomy
Experiencias de sordos en la Educación Básica: de la dependencia a la autonomía
Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém, PA, Brasil
higorpereira40@gmail.com
Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém, PA, Brasil
hilda.rosario@ufra.edu.br
Recebido em 25 de maiode 2023
Aprovado em 16 de maio de 2023
Publicado em 06 de 06 2023
RESUMO
Esta pesquisa é de cunho qualitativo e, a partir da aplicação da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) – na perspectiva de Strauss e Corbin – teve como objetivo analisar as percepções de estudantes surdos sobre seu processo de escolarização ao narrarem suas experiências na Educação Básica. Esta investigação se justifica tendo em vista que, no Brasil, apesar de existirem leis e políticas públicas que reconhecem o direito linguístico da população surda quanto à Língua Brasileira de Sinais (Libras) e à uma educação bilíngue, ainda existem barreiras e dificuldades para os surdos terem acesso a uma educação de qualidade, como a escassez de currículo e práticas pedagógicas contextualizadas com suas necessidades educativas especiais. Foram coletados relatos de quatro pessoas surdas, com idades entre 20 e 25 anos, a partir de rodas de conversa realizadas em 2019, promovidas pelo Núcleo de Educação e Diversidade na Amazônia/NEDAM-UFRA, em Belém-PA. Como resultados, obteve-se as macros categorias ‘Escolas e perspectivas de aprendizagem’, ‘Preencher as lacunas da aprendizagem’ e ‘Da dependência à busca pela autonomia’, para explicar o fenômeno ‘Vivência de surdos na Educação Básica’. Os dados demonstraram que a escola regular foi o ambiente em que as maiores dificuldades foram experenciadas pelos estudantes surdos, no qual o tipo de acessibilidade oferecido foi determinante para a criação de estratégias. Grande parte das dificuldades afetou o contato dos estudantes com a Libras, o aprendizado da língua portuguesa assim como a autonomia e independência destes sujeitos – tendo impacto, também, na formação de suas identidades.
Palavras-chave: Pesquisa qualitativa; Inclusão educacional; Surdos.
ABSTRACT
This research has a qualitative nature and, through the application of Grounded Theory (GT) – in Strauss and Corbin's perspective – aims to analyze the perceptions of deaf students about their schooling process when narrating their experiences in Basic Education. This investigation it's justified considering that, in Brazil, there are laws and public policies that recognize the linguistic right of the deaf population to access Brazilian sign language (BSL) and to access bilingual education, although there are still barriers and difficulties for the deaf people have access to quality education, for instance, the lack of curriculum and pedagogical practices contextualized with their special educational needs. Reports from four deaf people, aged between 20 and 25, were collected from conversation circles held in 2019, promoted by the Núcleo de Educação e Diversidade na Amazônia/NEDAM-UFRA, at Belém-PA. About the results, the macro categories 'Schools and learning perspectives', 'Filling the learning gaps', and 'From dependence to the search for autonomy' were obtained to explain the 'Experience of the deaf in Basic Education' phenomenon. The data reveal regular school as the environment where the greatest difficulties were experienced by deaf students, which the type of accessibility offered was decisive for the creation of strategies. A large part of the difficulties affected the students' contact with BSL, the learning of the Portuguese, and affected the autonomy and independence of these persons – also had an impact on their identity formation.
Keywords: Qualitative research; Educational inclusion; Deaf.
RESUMEN
Esta investigación cualitativa, basada en la aplicación de la Grounded Theory (GT) – en la perspectiva de Strauss y Corbin – tuvo como objetivo analizar las percepciones de los estudiantes sordos sobre su proceso de escolarización cuando narran sus experiencias en la Educación Básica. Esta investigación se justifica considerando que, en Brasil, aunque existan leyes y políticas públicas que reconozcan el derecho lingüístico de la población sorda en cuanto a la Lengua de Signos Brasileña (Libras) y una educación bilingüe, aún existen barreras y dificultades para que los sordos tengan acceso a una educación de calidad, como la escasez de currículos y prácticas pedagógicas contextualizadas con sus necesidades educativas especiales. Se recogieron relatos de cuatro personas sordas, con edades entre 20 y 25 años, de círculos de conversación realizados en 2019, promovidos por el Núcleo de Educação e Diversidade na Amazônia/NEDAM-UFRA, en Belém-PA. Como resultado se obtuvieron las macrocategorías 'Escuelas y perspectivas de aprendizaje', 'Llenar las brechas de aprendizaje' y 'De la dependencia a la búsqueda de la autonomía', para explicar el fenómeno 'Experiencia de las personas sordas en la Educación Básica'. Los datos mostraron que la escuela regular fue el ámbito en el que mayores dificultades experimentaron los alumnos sordos, en el que el tipo de accesibilidad ofrecida fue determinante para la creación de estrategias. La mayor parte de las dificultades afectaron el contacto de los estudiantes con Libras, el aprendizaje de la lengua portuguesa, así como la autonomía e independencia de estos sujetos, repercutiendo también en la formación de sus identidades.
Palabras clave: Investigación cualitativa; Inclusión educativa; Sordos.
Introdução
A lei 10.436/2002 reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua nacional e o Decreto 5.626/2005 a regulamenta e a insere como disciplina no currículo da Educação Básica e na formação de professores. Apesar disso, essa língua permanece sendo estigmatizada no cenário educacional inclusivo e os surdos usuários de Libras ainda enfrentam obstáculos no acesso à informação e à educação, pois os conteúdos curriculares ignoram suas especificidades e suas necessidades educativas especiais, negando-lhes o acesso a uma educação de qualidade (RIBEIRO; SILVA, 2017).
Quadros (2019) destaca que, por bastante tempo, a língua de sinais do Brasil esteve submetida ao português, por esta última ser uma língua oral e escrita — fenômeno este conceituado como fonocentrismo[1] — excluindo, assim, a Libras e os sujeitos surdos das relações socioculturais. Além disso, a pesquisadora ressalta que, geralmente, as escolas se organizam tomando como base a língua portuguesa, inclusive, as escolas específicas para surdos, visto que grande parte dos professores são falantes nativos desta língua oral. A problemática é acentuada fora das instituições educacionais, pois a maioria dos ouvintes desconhece ou ainda desvaloriza a língua de sinais e, por consequência, desvaloriza seus falantes, o que provoca consequências negativas para a vida dos surdos.
O cenário de privações de direitos e negação da Libras contradiz as disposições da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), que garante o acesso inclusivo a locais, serviços e informações para todas as pessoas, com ou sem deficiência, de maneira segura e autônoma. No caso das pessoas surdas, a lei assegura a acessibilidade comunicacional diante dos obstáculos diários enfrentados por esses indivíduos ao acessar, emitir ou receber qualquer tipo de informação no país (BRASIL, 2015). Por sua vez, o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 garante às pessoas surdas, como parte do público com deficiência, o acesso à Educação Básica com o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e serviços especializados para promover sua inclusão. Para isso, o Plano estabelece como estratégia a oferta de educação bilíngue, ou seja, o ensino da Libras como primeira língua e a modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, tanto em escolas e classes bilíngues quanto em escolas inclusivas (BRASIL, 2014).
No entanto, as dificuldades de estudantes surdos acessarem a língua sinalizada do Brasil iniciam no seio familiar, visto que muitas crianças surdas nascem em famílias ouvintes e possuem a oportunidade de aprender essa língua somente quando chegam à escola – processo oposto ao que ocorre com crianças ouvintes falantes do português – o que ressalta a pertinência do ensino da Libras como primeira língua no contexto escolar (QUADROS, 2019).
Em uma perspectiva socioantropológica, a língua de sinais é reconhecida como uma língua legítima e a pessoa surda é considerada um membro de uma comunidade com sua própria cultura (SKLIAR, 2004). Portanto, é fundamental que as práticas pedagógicas adotadas para esses alunos promovam um maior contato com a língua de sinais, tanto no ambiente escolar regular quanto nas escolas especiais e no AEE. Dessa forma, os estudantes surdos poderão se reconhecer como parte de uma comunidade sinalizante e ter uma experiência educacional mais enriquecedora.
O debate sobre o multiculturalismo nos confronta com a realidade de sujeitos historicamente excluídos, os quais têm resistido e continuam a afirmar suas identidades na sociedade contemporânea (MOREIRA; CANDAU, 2013). Entre esses sujeitos, encontram-se os surdos. As tensões e relações de poder resultantes das diferenças culturais não devem ser negligenciadas, mas, sim, incorporadas ao currículo e à formação docente. Isso possibilitará a problematização e reflexão sobre os mecanismos discriminatórios ou silenciadores da pluralidade cultural, os quais negam voz às diversas identidades, reprimindo manifestações e conflitos culturais (MOREIRA; CANDAU, 2013).
Estas práticas silenciadoras estão presentes em muitas escolas onde o currículo comum homogeneíza as diversidades culturais, massifica e valoriza apenas a perspectiva monolíngue ouvinte com o predomínio de práticas baseadas na oralidade (PRATES; LINO, 2021). Desse modo, este debate tem ganhado espaço no campo das discussões acerca da educação de surdos, pois a compreensão da multiculturalidade ou da interculturalidade pressupõe o intercâmbio cultural entre os sujeitos envolvidos, sem hierarquizações, bem como, mudanças nas perspectivas socioculturais, políticas e epistemológicas (PEREIRA; SEHNEM, 2019).
Candau (2008, p.15) ressalta a importância de se romper com o caráter monocultural da escola e enfatiza a “necessidade de construir práticas educativas em que a questão da diferença e da interculturalidade se façam presentes”. Sobretudo, é importante que as práticas pedagógicas tenham em vista as vivências, as experiências, a história, a língua e a cultura dos sujeitos surdos (PINHEIRO; ROSA, 2020), rompendo com o status quo.
Trabalhar nessa perspectiva pode ser compreendido, à luz da visão de Freire, como um caminho para promover a pedagogia crítica que busca a igualdade de direitos, a libertação e a transformação social (OLIVEIRA; MARCONDES; SANTOS, 2020). Isso implica em reconhecer e valorizar as diferenças, humanizar os indivíduos diversos e permitir que os estudantes surdos alcancem a desalienação, ou seja, se libertem de opressões e estigmas e se tornem agentes ativos na construção de sua própria aprendizagem e desenvolvimento.
Surge, então, a relevância de se conhecer como os alunos surdos experienciam a Educação Básica e as relações no contexto escolar, uma vez que essa etapa educacional é fundamental para a aquisição da linguagem, socialização e, por consequência, para a construção de suas identidades e de sua inserção nas comunidades surdas e ouvintes, sem negligenciar que a identidade “é formada ao longo do tempo, não como algo inato, nem pré-definido, estando sempre incompleta, em processo contínuo de formação” (HALL, 2019, p.117).
Destarte, ao levantar questionamentos sobre as percepções de estudantes surdos adultos acerca do seu processo de escolarização na Educação Básica, o estudo apresentado possui como objetivo, a partir dos pressupostos do Interacionismo Simbólico (IS) e da aplicação da Teoria Fundamentada nos Dados, analisar as percepções de estudantes surdos sobre seu processo de escolarização, por meio da identificação das estratégias, dos condicionantes e das consequências, ao narrarem suas experiências na educação básica.
A escolha deste paradigma teórico e metodológico baseia-se na premissa de que o IS, abordado por Flick (2009), enfoca os significados subjetivos atribuídos pelos indivíduos às suas atividades e ambientes. Trata-se, portanto, de uma análise de caráter social e psicossocial que busca compreender como os sujeitos atribuem significado ao mundo em que vivem (TAROZZI, 2011).
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, cujo delineamento adotado foi a abordagem qualitativa a partir da aplicação da Grounded Theory (GT) ou Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). Segundo essa teoria, analisam-se as causas e condições de ocorrência do fenômeno (sua estrutura), as ações ou estratégias implementadas pelos participantes (o processo) e os resultados ou consequências dessas ações. Sendo que as ações “são respostas das pessoas ou grupos a questões, problemas, acontecimentos ou fatos”, assim como revisões que ocorrem dentro das próprias pessoas (STRAUSS; CORBIN, 2008, p.128).
Na perspectiva de Strauss e Corbin (2008), o processo de análise (codificação) de dados se dá de três formas, aberta, axial e seletiva. Nesse sentido, o processo de amostragem ao invés de buscar a representatividade de características específicas de uma população, busca a representatividade de conceitos, daí sua qualificação como teórica. Pois segundo Strauss e Corbin (2008):
estamos procurando fatos e incidentes que sejam indicativos de fenômenos e não estamos considerando pessoas ou locais em si, cada observação, entrevista ou documento pode se referir a exemplos múltiplos desses fatos. (p.207).
Deste modo, a cada etapa da análise, a amostragem assume um caráter diferente, tendendo a se tornar mais objetiva e focada na medida em que a pesquisa progride. Assim, a coleta não iniciou com um número definido de participantes, mas sim com um perfil: ser surdo, ter concluído a Educação Básica e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.
O instrumento utilizado foi um roteiro com questões organizadas em três grandes temáticas: experiências educativas na educação escolar; práticas educativas; e experiências com as diferenças, lutas e resistências.
A coleta dos dados foi feita a partir de duas rodas de conversa realizadas pelo Núcleo de Educação e Diversidade na Amazônia/NEDAM-UFRA, no campus Belém, no auditório do Instituto Ciberespacial/ICIBE, entre setembro e dezembro de 2019.
Os sujeitos participantes foram identificados de P1 a P4, com vistas a preservar suas identidades conforme os preceitos éticos. De modo geral, as rodas de conversa totalizaram aproximadamente 3h 5’ de áudio-gravação. As perguntas foram realizadas em Libras e os participantes fizeram seus relatos em Libras, com interpretação simultânea por Tradutores Intérpretes de Libras/Português (TILS2), em que o registro foi feito em áudio. Após cada entrevista realizada, o conteúdo em áudio foi transcrito através do software InqScribe3 e analisado manualmente.
Ao se iniciar o processo de codificação aberta, procedeu-se a microanálise, na qual os conteúdos das falas foram codificados, inicialmente, linha a linha para então proceder-se a análise a partir da identificação dos incidentes. O objetivo aqui foi isolar um parágrafo ou seguimento (código) e nomeá-lo para, posteriormente, classificá-lo conforme suas propriedades e dimensões. Já na codificação axial, foi possível classificar e organizar as conexões emergentes entre as categorias, identificando-se: as causas e condições de ocorrência do fenômeno (sua estrutura), as ações ou estratégias implementadas pelos participantes (o processo) e os resultados ou consequências dessas ações. Então, a partir dessa organização, na codificação seletiva escreveu-se o enredo para a definição da categoria central (fenômeno).
Quadro 1 – Representação dos processos de codificação aberta e axial
MICROANÁLISE |
CODIFICAÇÃO ABERTA |
CODIFICAÇÃO AXIAL |
Códigos |
Categoria Provisória |
Categoria |
Preconceito da mãe com a língua de sinais |
Preconceito linguístico |
Perspectiva e orientação familiar |
Pesquisando imagens na internet para compreender a Língua Portuguesa |
Experiências de aprendizagem |
Experiências de Aprendizagem da língua portuguesa |
Tendo melhor desempenho nas atividades práticas da disciplina de artes |
Experiências de Aprendizagem de disciplinas práticas |
Fonte: Autores (2022)
Esse estudo respeitou os aspectos éticos e as implicações legais da Resolução nº 466/2013 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, sendo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa (Parecer Nº 4.615.079).
Resultados e discussão
Participaram do estudo quatro pessoas surdas, conforme a caracterização no Quadro 2.
Quadro 2 - Perfil dos participantes da pesquisa.
Participante (código) |
Identidade de gênero |
Idade |
Ano de conclusão do ensino médio |
Nível de escolarização / ano de ingresso |
Sinalizante |
P1 |
mulher cisgênero |
21 anos |
2016 |
Ensino Superior / 2017 |
Sim |
P2 |
mulher cisgênero |
19 anos |
2018 |
Ensino Superior / 2019 |
Sim |
P3 |
homem cisgênero |
25 anos |
2015 |
Ensino Superior / 2017 |
Sim |
P4 |
mulher cisgênero |
20 anos |
2018 |
Ensino Superior / 2019 |
Sim |
Fonte: Autores (2022).
Todos os entrevistados participavam da comunidade surda, utilizavam a Libras como meio de comunicação e cursavam Licenciatura em Letras-Libras, sendo três deles estudantes da mesma instituição.
Os códigos obtidos pelo intenso trabalho de microanálise, como explicado na seção anterior, resultaram em diversas categorias, visando a sua classificação, a identificação e explicação dos fenômenos envolvidos no processo de escolarização da pessoa surda na Educação Básica. A organização desses dados abriu possibilidades de analisá-los por diversos ângulos, permitindo focar e, ao menos, tentar se aprofundar na compreensão de fenômenos específicos. Os resultados que aqui são apresentados, visam explicar o fenômeno Vivência de surdos na Educação Básica. As macros categorias e subcategorias que o compõem estão descritas na Figura 1, distribuídas sob os rótulos Condição, Estratégia e Consequência, conforme a TFD.
Figura 1 – Macros categorias e subcategorias que compõem o fenômeno Vivência de surdos na Educação Básica, conforme os rótulos, condição, ação e consequência.
Fonte: Autores (2022).
Escola e perspectivas de aprendizagem
Os principais condicionantes identificados nessa pesquisa foram: o Tipo de escola (causal), Acessibilidade (interveniente), Perspectiva e orientação familiar (interveniente), Ter outros surdos na escola (interveniente) e Estratégia de professores (interveniente).
Ao considerar que as condições do tipo causal provocam a ocorrência de determinado fenômeno (STRAUSS; CORBIN, 2008), a mudança de um tipo de escola para outro (escola especializada versus escola regular/inclusiva) se mostrou impactante para todos os entrevistados dentro do seu processo de escolarização, independente da série em que se encontravam no momento em que ingressaram na escola regular, sendo esta última o contexto em que as maiores dificuldades foram vivenciadas e as principais estratégias criadas a fim de superá-las. Isso ocorreu visto que passaram a ser considerados minoria linguística e cultural dentro desse ambiente em detrimento de uma maioria ouvinte (CAVALCANTE, 2017).
Associadas a esta causal, temos as condições do tipo interveniente — que ampliam ou restringem a ocorrência de um fenômeno (STRAUSS; CORBIN, 2008) — como, por exemplo, a condição Acessibilidade. Essa condição diz respeito à oferta, ou não, da acessibilidade no espaço da escola regular e ao tipo de acessibilidade que era oferecido. Em muitos relatos, a acessibilidade linguística por meio do TILS é destacada como fundamental para que os alunos considerassem haver acessibilidade e inclusão dentro desses espaços, como é possível observar no Quadro 3, afinal ele é o profissional responsável pela mediação simbólica e ampliação das esferas de comunicação na escola (RIBEIRO; SILVA, 2017).
Quadro 3 – Representação da subcategoria Acessibilidade.
Escola e perspectivas de aprendizagem |
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Acessibilidade |
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P1, entrevista realizada em 12-09-19 |
P3, entrevista realizada em 17-12-19 |
“Na escola que eu estudei não havia intérprete, então não havia inclusão. Acredito que na 5ª série até o ensino médio eu não vivenciei de fato uma inclusão” |
“[eu] era de escola pública e nessa escola eu percebia que a minha presença levantava-se a bandeira da inclusão [..] mas dentro dessa sala não havia um espaço adaptado, por exemplo, não havia a presença de intérprete de Libras. Isso desde o ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio.” |
Fonte: Autores (2021).
Infelizmente os dados demonstram o pouco contato de estudantes surdos com a Libras no espaço escolar “inclusivo”, diferentemente do que prevê documentos como a LBI (2015) e a Lei de Libras (2002), que asseguram a esse grupo social o direito a uma educação bilíngue, sendo o intérprete apenas um dos responsáveis por proporcionar o contato do aluno com a Libras (LACERDA, 2017). No entanto, é válido considerar que o termo inclusão, por vezes, é compreendido, no Brasil, como apenas a inserção de alunos surdos na escola de ouvintes, sem necessariamente a presença de TILS (QUADROS, 2019) ou da adaptação do espaço escolar e dos currículos para a efetiva inclusão, o que afeta negativamente as suas experiências enquanto indivíduos surdos.
Por outro lado, as políticas linguísticas do Brasil e os manuais publicados pelo Ministério da Educação, desde meados de 2002, abordam a educação bilíngue como necessária para capacitar os estudantes a utilizar as duas línguas – sinalizada e escrita – no cotidiano escolar e social, ressaltando a importância do contato destes alunos com profissionais fluentes em Libras para a sua plena aquisição como primeira língua (BENTES; BENTES, 2019). Assim, a inclusão dos alunos surdos requer mudanças que ultrapassam a sua convivência nos mesmos espaços que os ouvintes.
A perspectiva e orientação da família, por sua vez, se mostra como fundamental para determinar as exigências que ela fará às instituições educacionais acerca da escolarização destes alunos, como o cumprimento dos seus direitos linguísticos. A princípio, cabe a família — geralmente ouvinte — a difícil decisão acerca da modalidade de comunicação que a criança adotará (oral-auditiva ou gesto-visual), no entanto, em sua maioria, desconhecem a língua de sinais e os direitos linguísticos dos surdos (PARTELLI, MENGALES, 2019).
Essa perspectiva pode estar diretamente relacionada ao processo de aceitação ou de rejeição da condição de deficiência da criança surda que, como expõe Rosário, Medeiros e Silva (2022) ao investigarem o exercício da parentalidade por pais de pessoas em condição de deficiência, é influenciado positivo ou negativamente pelo discurso do profissional responsável por apresentar o diagnóstico, o qual, muitas vezes, é pautado no viés biomédico e pode contribuir para a aquisição tardia da linguagem por parte da criança (QUADROS, 2019). As diferentes perspectivas parentais, podem ser visualizadas no Quadro 4.
Quadro 4 - Representação da subcategoria Perspectiva e orientação familiar.
Escola e perspectivas de aprendizagem |
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Perspectiva e orientação familiar |
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P1, entrevista realizada em 12-09-19 |
P2, entrevista realizada em 12-09-19 |
“[...] minha mãe tinha muito preconceito com a Libras. Ela pensava, ah! se ela for usar a Libras no futuro ela vai ficar muito preguiçosa não vai querer oralizar [..] Eu não gosto por exemplo quando o fono falou: se ela aprender libras ela vai ficar preguiçosa, não deixa ela ir pra escola de surdos, ela precisa ficar com pessoas normais” |
“Eu sou a única surda na família sim, mas a minha família me aceita do jeito que eu sou, da forma como eu me comunico, algumas pessoas da minha família sabem um pouquinho de libras né, alguns sinais, então a gente consegue se comunicar, né, de forma muito simples.” |
Fonte: Autores (2021).
Os relatos analisados revelaram que ter outros surdos na escola se mostrou essencial para que a instituição e os professores buscassem estratégias para prover acessibilidade a esses alunos. P2 e P4, que estudaram em uma escola particular, relatam que além da solicitação da família por TILS à escola, no espaço também havia outros alunos surdos. Na escola pública em que P3 estudou, essa condição foi importante para que alguns professores demonstrassem preocupação com a aprendizagem dos alunos surdos e desenvolvessem estratégias para facilitar a compreensão dos conteúdos.
Além disso, conviver no espaço escolar com indivíduos que compartilham das mesmas características funcionais, fortalece os processos de constituição das identidades (PRATES; LINO, 2021). Os surdos enquanto grupo social, com identidade e cultura própria necessitam, portanto, do contato entre pares no espaço escolar (ter outros surdos na escola), pois é fundamental para que as redes de interação sejam formadas e a língua de sinais seja adquirida pela interação, somente assim, de fato, experienciarão a educação (QUADROS, 2019). Desse modo, a Libras configura-se como um importante artefato cultural para as pessoas surdas e, em uma perspectiva intercultural da educação, necessita ser valorizada e se fazer presente nos espaços escolares para que assim seja possível a promoção de uma educação plural e democrática para o alunado ouvinte e surdo (SANTIAGO et al., 2019).
Identificou-se também, como condição interveniente, tentativas de inclusão desses alunos — ou, ao menos, tentativas de facilitar a compreensão dos conteúdos — por professores de três áreas de conhecimento: matemática, química e biologia. Dentre as estratégias de professores (Quadro 5), se destacaram: dedicar tempo da aula para explicar somente para os alunos surdos; utilizar sinais em Libras para auxiliar na explicação dos conteúdos; explicar de forma simples e calma para os alunos surdos com auxílio de intérpretes; utilizar desenhos para explicar conteúdos e; utilizar a apontação como suporte durante as explicações. Porém, não houve menção dos participantes sobre estratégias pedagógicas inclusivas de outros docentes, além desses, que tivessem marcado positivamente sua escolarização, como é mencionado por P3: “são poucos professores, poucos personagens que acabam aparecendo dentro dessa memória e onde eu consigo visualizar algumas estratégias desses profissionais com relação a questão da minha inclusão”.
Fica evidente que, em sua maioria, foram estratégias criadas de maneira espontânea no dia a dia da sala de aula, sem seguir fundamentações teóricas, ou foram frutos das interações com o TILS, mas que exploravam a visualidade dos alunos surdos. De acordo com Santiago et al. (2019), os surdos possuem experiências visuais como estratégia para compreender e se manifestar no mundo. Sob esta perspectiva, Gomes e Sousa (2020) destacam a relevância da pedagogia visual na educação de surdos, pois esta prática toma como base a visualidade para o processo de ensino-aprendizagem e contribui para a estruturação de metodologias adequadas às necessidades desses estudantes – caso as metodologias utilizadas estejam descontextualizadas das necessidades visuais, dificuldades e barreiras serão geradas no processo de aquisição do conhecimento.
Quadro 5 – Representação da subcategoria Estratégias de professores.
Escola e perspectivas de aprendizagem |
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Estratégias de professores |
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P2, entrevista realizada em 12-09-19 |
P3, entrevista realizada em 17-12-19 |
P4, entrevista realizada em 17-12-19 |
“[...] na disciplina de matemática era um pouco mais tranquilo porque a professora tentava algumas estratégias né, apontando mais pro quadro, era mais visual e aí eu conseguia entender... aprender muitas coisas.” |
“Então era um momento que ele explicava para os ouvintes e depois retornava para os surdos e a gente levava esse conhecimento para a nossa casa, então ele dedicava um momento muito a mais para nós que somos surdos porque sabia da nossa dificuldade, então por exemplo ele tinha essa preocupação de não explicar de frente para o quadro porque ele sabia que não íamos compreender” |
“agora o professor de biologia ele, eram dois professores na verdade, [...] aí eles ficavam preocupados "os alunos surdos entenderam?", aí o intérprete falava "não, eles não entenderam professor", aí ele chamava os surdos e ia fazendo uns riscos em formas geométricas pra entender, mas ele tentava explicar de forma bem básica pra ficar bem acessível pra gente.” |
Fonte: Autores (2021).
A partir do exposto, concorda-se com Rocha e Silva (2019) ao considerarem imprescindível que os professores percebam os surdos como diferentes e não deficientes, focando suas práticas na maneira como esses alunos aprendem, explorando o seu campo visual e suas especificidades e, assim, desenvolvendo um trabalho educacional diferenciado.
De modo geral, entende-se que essas condições tiveram grande influência na experiência educacional desses sujeitos que resultou em diversas dificuldades em sala de aula, exigindo que refletissem sobre elas e criassem estratégias que lhes permitissem superar as dificuldades impostas na Educação Básica para progredirem em sua escolarização.
Preencher as lacunas da aprendizagem
Como apresentado, a passagem dos alunos surdos entrevistados pela escola regular foi permeada por muitos desafios, principalmente pelas barreiras linguísticas e pela carência de acessibilidade. O aprendizado da língua portuguesa (que é a língua majoritária na maioria das escolas do Brasil) quando é afetado, impacta negativamente a compreensão e o acesso a materiais e conteúdos e dificulta a interação social no espaço escolar, pois a comunicação em geral acontece por meio dela, seja na modalidade oral ou escrita. Esta língua demanda mais esforço dos estudantes surdos (QUADROS, 2019), por isso grande parte das estratégias referem-se a questões linguísticas.
P2 e P4, logo após ingressarem na escola regular, descrevem a busca e a solicitação por acesso a TILS em sala de aula (solicitar TILS) como estratégia para a tentativa de cumprimento dos seus direitos linguísticos e de acessibilidade, o que culminou em suas saídas da escola pública para ingressarem em uma escola da rede privada, onde tinham acesso a esses profissionais em sala de aula. P2 relata: “eu reclamava muito com a minha mãe [...] aí a minha mãe me matriculou em uma escola particular”.
Em decorrência dos TILS serem profissionais responsáveis por realizar a mediação linguística entre alunos surdos e professores (FERREIRA et al., 2021) e por conectá-los com os conteúdos e com os acontecimentos em sala de aula, surge, então, uma outra estratégia: utilizar TILS como ferramenta de aprendizagem. Os dados apontam que eles também foram solicitados para auxiliar as alunas na realização de atividades e trabalhos escolares, principalmente em aspectos relacionados ao português. Por isso, conclui-se que eles assumem, em muitos casos, responsabilidades que deveriam ser dos professores (LACERDA, 2017).
Com a falta de apoio familiar e o olhar da escola para a inclusão, P2 não teve contato com a Libras e com TILS na Educação Básica, utilizando a Oralização e a leitura labial como estratégia para estabelecer a comunicação com os membros da comunidade escolar, como os colegas e professores, nem sempre conseguindo um bom êxito.
É importante ressaltar que as barreiras de comunicação impedem que o mundo ouvinte e o mundo surdo entrem em contato, afetando a participação social desses estudantes. Logo, os TILS possuem importância também para mediar o contato dos surdos com a cultura ouvinte e vice-versa (NUNES, PORTELA, 2017). Este intercâmbio cultural é fundamental para romper com o caráter monocultural da educação, o qual é excludente e silencia as pessoas surdas (SANTIAGO et al., 2019)
Quadros (2019) considera que, para além dos tradutores e intérpretes, estudantes surdos também carecem do contato com professores surdos no espaço escolar. Eles serão referência da comunidade surda para os alunos e seus familiares, bem como, a representação da experiência surda. São os adultos surdos que passarão a herança linguística e cultural para a criança. Hall (2019) afirma ser a representação cultural requisito para que os sujeitos se tornem mais suscetíveis a adquirirem novas identidades, colocando em declínio uma carência real da cultura. No caso dos indivíduos surdos, esse contato pode alterar a sua identificação vinculada à deficiência e à incapacidade.
A criação de uma rede de apoio se revelou a partir da análise dos dados, em que, de forma imediata, os alunos utilizavam a estratégia Pedir ajuda para colegas (surdos ou ouvintes) para sanarem dúvidas que surgiam durante as aulas ou em momentos de estudo, como é apresentado por P1 sobre suas dificuldades com a leitura e a escrita: “Eu primeiro pergunto para uma pessoa depois eu vejo no dicionário”. Pedir ajuda muitas vezes se fez necessário para compreender o que se passava em sala de aula, seja pela falta de acessibilidade linguística ou pela precariedade dela. Sobre essa relação com os colegas ouvintes, P3 explica: “eles tentavam de uma forma bem devagar resumir o conteúdo e explicar aquilo que estava se passando em sala de aula”.
No entanto, foi a família a instância identificada como a principal auxiliadora no processo de escolarização destes sujeitos na Educação Básica. Pedir ajuda para familiares foi uma estratégia utilizada pelos alunos em diversas fases da sua jornada educacional, eram os familiares mais próximos (e com quem conseguiam se comunicar) que os ajudavam nos estudos e na realização das tarefas escolares, preenchendo, muitas vezes, déficits deixados pela escola. O Quadro 6 ilustra tal realidade.
Quadro 6 – Representação da subcategoria Pedir ajuda para familiares.
Preencher as lacunas da aprendizagem |
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Pedir ajuda para familiares |
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P2, entrevista realizada em 12-09-19 |
P4, entrevista realizada em 17-12-19 |
“[...] a minha irmã sempre me auxiliava nisso e isso me ajudou no meu processo de alfabetização. Na verdade, eu aprendi mais em casa com a minha irmã [...] em relação a aprender a gramática, enfim, de escrever, eu também aprendi em casa com a minha irmã” |
“Comecei também a aprender alguns aspectos da língua portuguesa e a minha avó, minha tia e a uma amiga também, foram pessoas muito importantes nesse processo de ensino-aprendizagem que elas começaram a me ensinar o português, então foram me estimulando nesse processo” |
Fonte: Autores (2021).
Em busca de conhecer e se aprofundar mais na língua portuguesa, praticar a escrita e a leitura de forma autônoma na internet, por meio de livros e da escrita de redações e atividades escolares também foram estratégias adotadas pelos alunos. P4 considerou que esse processo foi marcado por momentos angustiantes: “dentro da escola comecei a praticar, fui praticando, [...] e em alguns momentos eu até chorei, por conta de me sentir angustiada nesse processo, e demorou bastante até”. P2, por exemplo, utilizava a internet para buscar imagens que representassem os significados de palavras que ela almejava compreender: “tenho acesso às imagens e aí eu vou refletindo sobre os sentidos que estão no texto”. O anonimato e o espaço para erros ortográficos e sintáticos possibilitado pela internet também contribuíram para que se sentisse mais confiante na prática da escrita e desejasse aprender mais. Quanto a isso, Quadros (2019) destaca que o avanço da tecnologia tem possibilitado aos surdos a utilização do português para a interação nas redes sociais, em que esta língua passa a ter sentido real de usos em suas vidas.
Outros participantes utilizavam a internet para encontrar equivalências semânticas entre palavras do português e da Libras. Segundo Bernieri-Souza e Vasconcelos (2021) as tecnologias da informação e comunicação (TICs) favorecem a aprendizagem da língua portuguesa pelos surdos, uma vez que esses artefatos tecnológicos permitem ao professor, explorar o uso de imagens nas atividades, corrigir a produção textual dos alunos através da interação entre eles, assim como produzir videoaulas bilíngues, tornando-se grandes aliados na educação de surdos.
Nessa seção, observa-se que, em grande parte, as estratégias buscaram atender as necessidades visuais desses indivíduos, bem como, pouco envolveram os professores da escola regular (da sala de aula regular e da sala de AEE) envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, Rocha e Silva (2019) afirmam que uma boa prática pedagógica deve possibilitar a troca de experiências e de saberes, como ainda, deve-se explorar o campo visual dos alunos surdos, porém há uma constante queixa destes alunos acerca do distanciamento que sentem em relação aos professores.
Da dependência à busca pela autonomia
A língua portuguesa pode ser considerada no presente estudo como uma grande barreira para os surdos que tiveram seus relatos analisado, visto que sem acessibilidade adequada, sem práticas e estratégias pedagógicas eficazes, a experiência de aprendizagem da língua portuguesa foi diretamente afetada de forma negativa, gerando um sentimento negativo sobre a língua portuguesa. P3 considerou que: “A maioria dos surdos eles não suportam a língua portuguesa, por falta [...] de não terem a base linguística”. A base linguística deveria ser formada a partir da Libras, como prevê o Decreto no 5.626/2005, em uma educação sob perspectiva bilíngue, na qual sejam utilizadas estratégias de ensino específicas para os alunos surdos e adotados procedimentos específicos de avaliação do desenvolvimento das duas línguas. (BERNARDINO; PEREIRA, 2019).
Essa relação vivenciada com o português revelou um sentimento negativo sobre si, em que os participantes demonstraram já terem se sentido angustiados e incapazes de dominar a língua mencionada. “Nesse momento de escrita eu me sentia muito angustiada porque o português é uma barreira [...], e em alguns momentos eu até chorei, por conta de me sentir angustiada nesse processo” é o que destaca P4 em relação ao seu processo de aquisição dessa língua. Nesse cenário, trabalhar a autoestima das pessoas surdas em sua escolarização traz contribuições eficazes para que se sintam parte da sociedade, para que se façam respeitados dentro de suas limitações e especificidades e para a promoção do seu empoderamento (SANTOS; MORALES, 2020).
Fruto das dificuldades vivenciadas em situações diárias, que os colocam em posição de desvantagem em relação aos ouvintes e perpetuam os estigmas sobre incapacidade e deficiência, identificou-se, através da aplicação da TFD, a existência de uma relação de dependência de surdos com ouvintes (Quadro 7).
Quadro 7 – Representação da subcategoria Dependência de ouvintes para a realização das tarefas escolares.
Da dependência à busca pela autonomia |
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Dependência de ouvintes para a realização das tarefas escolares |
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P2, entrevista realizada em 12-09-19 |
P3, entrevista realizada em 17-12-19 |
P4, entrevista realizada em 17-12-19 |
“[...] nos dias de prova eu sempre precisava de um acompanhamento com alguma pessoa porque sozinha eu tinha muita dificuldade então geralmente quem me acompanhava era a minha irmã porque ela traduzia pra Libras o que tava escrito na prova e eu conseguia entender.” |
“[...] então a maioria dos ouvintes, né, não passavam pelos mesmos sofrimentos que eu passava. E isso se criava essa cultura de que surdos eram pessoas incapazes, né, dentro desses espaços onde eu frequentava.” |
“[...] por exemplo, no 1º e no 2º ano, as redações eu não fazia, dava para minha tia fazer e eu levava para a escola.” |
Fonte: Autores (2021).
Ainda assim, algumas estratégias somaram de forma positiva em suas trajetórias, lhes permitindo progredir de série e ingressar no ensino superior, trazendo para suas vidas mais independência e autoconfiança. Gonçalves, Nascimento e Lobato (2015) investigaram as representações sociais de jovens surdos moradores do arquipélago do Marajó - PA sobre seu futuro acadêmico e profissional e concluíram que, apesar dos entraves que os surdos vivenciam em sua escolarização, a escolha de uma profissão é algo desejado por esses estudantes para que alcancem mais autonomia e liberdade financeira.
Quanto a esse aspecto, todos os participantes surdos dessa pesquisa encontravam-se inseridos no ensino superior e cursando a graduação em Letras-Libras e manifestaram, em seus dizeres, o desejo de atuar no ensino de surdos. Essa escolha profissional pode estar muito associada à sua condição cultural, linguística e de surdez, revelando o desejo de construir uma carreira profissional para contribuir com a formação de seus pares (GONÇALVES; NASCIMENTO, LOBATO, 2015).
Por meio do incentivo de amigos e familiares e como resultado de seus esforços, através da prática da leitura, da escrita e da criação de estratégias que lhes possibilitaram decifrar — por meio de recursos visuais — os códigos do português, sem tanta participação da escola e de professores, ocorreu a ampliação do vocabulário desses alunos e até mesmo a sua alfabetização, ainda que na adolescência para P2.
Ao refletirem sobre a realidade da educação de surdos no Brasil, os participantes do estudo se posicionaram a favor do respeito à diversidade surda, não obstante, os perfis dos entrevistados demonstram esta diversidade de identidades. Enquanto P1 teve a sua educação pautada no viés oralista, foi impedida de ter contato com outros surdos e aprendeu a Libras somente no ensino superior, P2 desde muito cedo foi inserida na comunidade surda e estimulada a adquirir a Libras como primeira língua, havendo também um esforço de seus familiares ouvintes para compreender as necessidades visuais dela e para aprender a língua de sinais.
Por outro lado, P1 considera-se capaz de estar na comunidade surda e na comunidade ouvinte por causa da oralização e por ser a única pessoa surda da família, diz: “Eu transito nesses dois mundos”. Essa não é a mesma forma que os demais se entendem enquanto surdos, para muitos a oralização ou o uso de aparelho auditivo foi uma prática imposta pelos familiares, mas sempre privilegiaram o uso da Libras (Quadro 8).
Essas informações coadunam-se com os dados de Prates e Lino (2021) que revelaram em seu estudo a importância da interação da criança surda com adultos surdos, mais evidente no espaço da escola bilíngue. Afinal, trata-se de uma identidade que se inicia pela condição de surdez e vai se constituindo por outros marcadores culturais como presencialidade (interação surdo-surdo), temporalidade (o olhar) e lutas pelas causas surdas que representam a forma de ser surdo, uma das possíveis posições que o sujeito surdo ocupa, e não a única (CHIELLA, 2015) já que as identidades são provisórias e definidas historicamente (HALL, 2019).
Quadro 8 – Representação da subcategoria Identidades surdas
Da dependência à busca pela autonomia |
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Identidades surdas |
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P3, entrevista realizada em 17-12-19 |
P4, entrevista realizada em 17-12-19 |
“Minha experiência com meu pai com a minha mãe eles eram muito assim na questão da..., eu era obrigado a oralizar. Inclusive, até tentaram adquirir uma tecnologia assistiva como um aparelho auditivo para tentar solucionar essa questão e promover a comunicação [...] e disse que a gente quanto surdo, nós poderíamos nos desenvolver por meio da Língua de Sinais e que essa tecnologia ela provoca uma sensação estranha, uma dor de cabeça muito forte, então assim por opção eu não quis mais usar o aparelho auditivo e quebrei” |
“Aqui em Belém eu moro com a minha avó [...] e quando eu vim morar com ela eu tive muita dificuldade a gente brigava bastante porque às vezes eu entendia errado o que ela falava [...] então ela pediu que eu fosse ao Fonoaudiólogo, eu comecei a praticar e eu falava "que eu não quero” e ela insistia, minha família dizia "não você oralizar, sim" eles não sabiam o que era a Língua de Sinais, eu tive que ter bastante paciência, eu sofri bastante nesse processo” |
Fonte: Autores (2021).
A Libras, nesse contexto, foi percebida como fundamental para o desenvolvimento e aprendizado de alunos surdos, visto que é sua língua de conforto e possibilita o acesso às informações, aos conteúdos e principalmente ao aprendizado da língua portuguesa como segunda língua. Essa centralidade da Libras (RIBEIRO; SILVA, 2017; PRATES; LINO, 2021) se faz importante para ambos os contextos, escola bilíngue e escola comum, e é crucial na aprendizagem e desenvolvimento da pessoa surda.
Logo, as oportunidades de ensino-aprendizado serão concretizadas na vida dos surdos na medida em que a família reconhece a surdez do seu filho como uma condição que o torna diferente e não inferior aos ouvintes; tem acesso e orientação acerca dos direitos das pessoas surdas, de modo a buscá-los, e as práticas pedagógicas possuem foco nas necessidades visuais desses alunos (RIBEIRO; SILVA, 2017; QUADROS, 2019; ROCHA; SILVA, 2019; PRATES; LINO, 2021).
Considerações finais
A pesquisa teve como principal objetivo analisar as percepções de estudantes surdos sobre seu processo de escolarização ao narrarem suas experiências na Educação Básica, em um contexto amazônico, e o alcançou de maneira satisfatória. Ressaltou, por meio dos relatos analisados, a importância da perspectiva e orientação familiar e seus impactos na educação e aquisição da linguagem de estudantes surdos. Ressaltou ainda, a relevância de a escola se articular em respeito à especificidade visual dos alunos surdos, evidenciando o importante papel da Libras para a formação da identidade desses sujeitos e como língua de instrução.
Constatou-se que a escola regular foi o contexto em que os alunos surdos vivenciaram as suas principais dificuldades de acesso ao conhecimento, devido à escassez de acessibilidade linguística, o que evidencia o fracasso das instituições na promoção da educação inclusiva, intercultural e que valoriza a diversidade. Dessa forma, dentre os efeitos provocados, o aprendizado do português foi bastante comprometido e afetou negativamente o seu desenvolvimento escolar, suas experiências com essa língua e os tornou mais dependentes dos ouvintes.
Para muitos surdos, a escola é o ambiente em que poderá ter contato com a comunidade surda e com a Libras e, através dela, poderá ter o seu pleno desenvolvimento, aprender o português e conquistar autonomia e independência. Por isso, este espaço necessita prover a reestruturação de currículos, práticas inclusivas e a acessibilidade linguística que estes indivíduos têm direito. Compartilhamos a ideia de que a escola para ser bilíngue e inclusiva precisa ter a participação de mais personagens surdos para que, assim, ocupem os mesmos espaços que os ouvintes. E, mais do que isso, os surdos como grupo social carecem do contato entre pares e, no caso de estudantes da Educação Básica, precisam também do contato com adultos surdos para que a bagagem histórica, cultural e linguística possa ser compartilhada e adquirida por meio da experiência visual. Os anos passados na Educação Básica, o acesso à direitos e o acesso à cidadania demonstram ser cruciais para a formação das identidades surdas, ou seja, na maneira como os sujeitos surdos se percebem e se posicionam no mundo.
Nesse sentido, os apontamentos deixados pelo trabalho em tela para pesquisas futuras, se dá na sugestão de realizar pesquisas que exploram a temática com mais participantes ou alterar o delineamento metodológico, abordando relatos de professores ou a própria coleta de dados in loco para melhor compreender as experiências de estudantes surdos nas instituições de Educação Básica.
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Notas
[1] De acordo com a autora (QUADROS, 2019), trata-se da exaltação das línguas orais por serem possíveis de serem faladas e escritas. Desse modo, a língua oral privilegiada (no caso do Brasil, o português) é colocada à frente de todos os tipos de relações e exclui as línguas sinalizadas.
2 Sigla utilizada de acordo com Ferreira et al. (2021).
3 Software utilizado para realizar transcrições de áudio e vídeo de forma manual, disponível na versão paga e gratuita, que tem como público-alvo pesquisadores e jornalistas.
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Modalidade do artigo: Relato de pesquisa ( X ) Revisão de Literatura ( )