Um olhar às narrativas dos pais de crianças com TEA: compreendendo os sentimentos e os desafios na busca por um atendimento adequado

A look at the narratives of parents of children with ASD: understanding the feelings and challenges in the search for adequate care

Una mirada a las narrativas de padres de niños con TEA: comprendiendo los sentimientos y desafíos en la búsqueda de una atención adecuada

 

Luiza Pessi Rossetti

Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil

luizapessirossetti2@gmail.com

 

Leni DiasWeigelt

Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil

lenid@unisc.br

 

Micila Pires Chielle

Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil

micila@unisc.br

 

Vera Elenei da Costa Somavilla

Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil

veras@unisc.br

 

Recebido em 14 de julho de 2022

Aprovado em 09 de outubro de 2023

Publicado em 06 de dezembro de 2023

 

RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, considerado um problema de saúde pública devido diagnóstico crescente mundialmente. O presente estudo buscou analisar, através das narrativas produzidas pelos pais de crianças com TEA, os sentimentos e as repercussões do diagnóstico na família, bem como as condutas tidas como adequadas em relação atendimento prestados pelos profissionais de saúde. Trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva, de caráter qualitativo, desenvolvida em um município no interior do estado do Rio Grande do Sul, onde foram aplicadas entrevistas com 13 pais de crianças com TEA. Os dados foram coletados entre março e maio de 2022, nas residências e no local de trabalho dos entrevistados. Para a análise dos dados utilizou-se o método de Análise de Conteúdo, emergindo quatro categorias temáticas: reações e sentimentos diante de um diagnóstico, o TEA e as repercussões familiares e sociais, narrativas dos pais referentes aos atendimentos prestados pelos profissionais de saúde, condutas profissionais consideradas ideais. Os resultados indicaram que o diagnóstico impacta de diversas maneiras na vida dos familiares, despertando diferentes sentimentos, requerendo alterações na rotina e na vida social, pois a família acaba centrando suas atividades conforme as demandas da criança. Dentre as dificuldades enfrentadas, destaca-se a falta de acolhimento e apoio nos serviços de saúde, dificuldades de acesso às terapias e a escassez de profissionais especializados. Conclui-se que o cuidado efetivo a pessoa com TEA e sua família ainda possui fragilidade e os profissionais devem ser capacitados para as demandas desta condição que vem aumentando.

 

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Saúde; Família.

 

ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder,
considered a public health problem due to increasing diagnosis worldwide
. The present study sought to analyze, through the narratives produced to parents of children with ASD, the feelings and repercussions of the diagnosis on the family, as well as the behaviors considered appropriate in relation to care provided by health professionals. This is a descriptive exploratory research, of a qualitative nature, developed in a municipality in the interior of Rio Grande do Sul, where interviews were applied with 13 parents of children with ASD. Data were collected between March and May 2022, in houses or work theirs. For data analysis, the Content Analysis method was used, emerging four thematic categories: reactions and feelings in the face of a diagnosis, ASD and family and social repercussions, parent’s narratives regarding the care provided by health professionals, behaviors professionals considered ideal. The results indicated that the diagnosis impacts the lives of family members in different ways, arousing different feelings, requiring changes in routine and social life, as the family ends up focusing its activities according to the demands presented by the child. Among the difficulties faced by the participants, the lack of reception and support in the health services, difficulties in accessing therapies, in addition to the shortage of specialized professionals, stand out. It is concluded that effective care for the person with ASD and their family is still fragile and professionals must be trained for the demands of this increasing condition.

 

Keywords: Autism Spectrum Disorder; Health; Family.

 

RESUMEN

El Trastorno del Espectro Autista (TEA) es un trastorno del neurodesarrollo, considerado un problema de salud pública debido a su creciente diagnóstico a nivel mundial. El presente estudio buscó analizar, a través de las narrativas producidas por padres de niños con TEA, los sentimientos y repercusiones del diagnóstico en la familia, así como las conductas consideradas apropiadas en relación al cuidado brindado por los profesionales de la salud. Se trata de una investigación exploratoria, descriptiva, de carácter cualitativo, desarrollada en un municipio del interior del estado de Rio Grande do Sul, donde se realizaron entrevistas a 13 padres de niños con TEA. Los datos fueron recolectados entre marzo y mayo de 2022, en los hogares y lugares de trabajo de los entrevistados. Para el análisis de los datos se utilizó el método de Análisis de Contenido, surgiendo cuatro categorías temáticas: reacciones y sentimientos ante un diagnóstico, TEA y repercusiones familiares y sociales, narrativas de los padres sobre los cuidados brindados por los profesionales de la salud, conductas consideradas ideales por los profesionales. Los resultados indicaron que el diagnóstico impacta la vida de los miembros de la familia de diferentes maneras, despertando diferentes sentimientos, requiriendo cambios en la rutina y la vida social, ya que la familia termina enfocando sus actividades de acuerdo con las demandas del niño. Entre las dificultades enfrentadas destacan la falta de acogida y apoyo en los servicios de salud, las dificultades para acceder a terapias y la falta de profesionales especializados. Se concluye que la atención efectiva a las personas con TEA y sus familias aún es frágil y se debe capacitar a los profesionales para atender las demandas de esta condición, que viene en aumento.

 

Palabras clave: Trastorno del Espectro Autista; Salud; Familia.

 

 

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, do qual inclui uma pluralidade de comportamentos, os quais caracterizam-se por prejuízos na comunicação, reciprocidade e interação social, padrões repetitivos e estereotipia de comportamento e restrição de interesses em atividades (American Psychiatric Association - APA, 2014). O termo “espectro” é utilizado pela variada gama de suporte em que a condição necessita, sendo dividida em níveis, conforme a gravidade: no nível 1, a pessoa apresenta capacidade de falar, mas a interação social é reduzida, exigindo apoio para evitar que os déficits causem prejuízos notáveis; no nível 2, a pessoa exige apoio substancial, pois as capacidades de fala e interação social são mínimas; já no nível 3, exige apoio muito substancial, pois não há interação social e nem fala, podendo ser associado a muitas limitações (APA, 2014; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). A etiologia ainda não é bem definida, estudos sugerem que muitos fatores predispõem uma criança a desenvolver o TEA, incluindo ambientais e genéticos (Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, 2022).

Os primeiros estudos sobre a condição surgiram em 1943, descritos por Leo Kanner, médico austríaco, em um trabalho no qual intitulou “Autistic Disturbances of  Affective Contact” - Distúrbios Autistas de Contato Afetivo, em que descreveu crianças que apresentavam comportamentos estereotipados, ecolalia, repetição de sons e movimentos e pouco interesse social (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017).

            Nos últimos anos, os casos de TEA têm aumentado significativamente em todo o mundo (CASTRO; FERREIRA, 2022). Conforme dados da OPAS (2022), em média uma a cada 160 pessoas têm TEA no mundo, sendo que em alguns países que possuem maior controle epidemiológico, essa prevalência é significativamente maior, como nos Estados Unidos, onde estima-se uma prevalência de um em 59 indivíduos (KARPUR et al., 2019). No Brasil, estudos apontam que uma a cada 367 pessoas têm TEA (CAMPOS, 2019), valor semelhante a dados da China, onde encontra-se uma a cada 400 (WANG; CAO; BOYLAND, 2019). As taxas de TEA também variam por raça e gênero: pessoas do sexo masculino são diagnosticadas quatro vezes mais frequentes (APAS, 2014; CAMPOS, 2019).

            Para os familiares, o momento do diagnóstico de TEA geralmente é difícil, pois é perpassado com tristeza, choro e inaceitação, oriundos do desconhecimento sobre o  transtorno, das incertezas que pairam diante da situação e do desapontamento sobre as perspectivas idealizadas para a criança, além disso, a rotina da família tende a ser reestabelecida conforme os horários e necessidades da criança (BONFIM et al., 2020). Desta forma, compreende-se que a família necessita de uma rede de apoio bem estruturada, composta pela parte social, familiar e de saúde.

            O papel que a família desempenha no desenvolvimento de uma criança com TEA é crucial e indiscutível. É o primeiro e mais significativo ambiente de socialização e de interação da criança, onde ela é compreendida e aceita. Isso é fundamental para o desenvolvimento da autoestima e confiança da mesma, pois é no seio familiar que ela encontrará o suporte que necessita.

            Os profissionais de saúde, por sua vez, exercem papel importante desde o reconhecimento dos primeiros sinais do transtorno, até a continuidade do tratamento, devendo estar aptos a confortar a família, fornecer informações técnicas e atender as suas necessidades de modo geral (BONFIM et al., 2020).

Para tanto, o cuidado à pessoa com espectro autista no Brasil é assegurado através de diretrizes e protocolos instrutivos, instituídos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e com base nos seus princípios, para garantir a atenção integral à saúde da pessoa com TEA. Atualmente existem dois documentos oficiais para a orientação às equipes ao cuidado e qualificação do mesmo, instituídos a partir da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012), que são: Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) (BRASIL, 2014) e a Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2015). Além deles, os direitos são assegurados através da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015). Nestes documentos estão explícitos como devem ocorrer os cuidados, desde o momento do diagnóstico até a terapêutica adotada, bem como os sinais e sintomas apresentados por faixa-etária.

            Embora o acesso à assistência integral à saúde, em igualdade com as demais pessoas, seja garantido por lei, dados apontam para a discriminação e negligência nos serviços de saúde, sendo que a falta de conhecimento sobre o TEA e atitudes equivocadas dos profissionais de saúde são os principais obstáculos encontrados no acesso aos serviços (OPAS, 2022).

            Tendo em consideração o elevado e crescente número de crianças diagnosticadas com TEA e a importância de ter profissionais capacitados para atender neste contexto, justifica-se este trabalho como uma ferramenta para suporte aos profissionais que desejam aprofundar os conhecimentos sobre os cuidados às crianças diagnosticadas com este transtorno e suas famílias, com base nos relatos de experiências vivenciadas pelos mesmos.

            Diante do exposto, esta pesquisa teve como questão norteadora: na visão dos pais, como está sendo o atendimento prestado pelos profissionais de saúde às crianças com TEA e suas famílias? Desta forma, o objetivo geral do estudo foi investigar nas narrativas produzidas pelos pais de crianças com diagnóstico de TEA, os sentimentos e as repercussões do diagnóstico na família, bem como as condutas tidas como adequadas em relação ao atendimento prestado pelos profissionais de saúde à família.

 

Metodologia

A presente pesquisa é de caráter exploratório, descritivo com abordagem qualitativa, desenvolvida em um município localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul. Teve como cenário de estudo uma associação de pais e familiares de pessoas com TEA do referido município, a qual objetiva promover o bem-estar, o desenvolvimento pessoal, a efetivação dos direitos e a inclusão familiar, escolar e social das pessoas com TEA, sendo uma organização sem fins lucrativos, que acolhe estas crianças e seus familiares.

Compuseram a amostra do estudo pais e mães de crianças com TEA, as quais deveriam possuir entre 0 e 12 anos no momento da entrevista. Os critérios de inclusão foram: ser associados à organização, residir na cidade do estudo e ser o responsável pelos cuidados da criança. Quanto aos critérios de exclusão: ser genitor menor de idade de crianças com TEA.

Como instrumento para a coleta de dados, optou-se por utilizar uma entrevista semiestruturada, contendo questões sobre o perfil dos participantes e questões abertas que direcionassem ao objetivo deste estudo.

O convite para participação na pesquisa foi realizado, aos indivíduos, em um encontro mensal da associação. Na ocasião, foram agendadas as entrevistas, conforme a disponibilidade e preferência dos participantes. Sendo assim, os dados foram coletados nas residências e no local de trabalho dos mesmos, entre março e maio de 2022. Para a continuidade da coleta, ocorreu a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, para a manutenção do anonimato dos sujeitos, solicitou-se aos mesmos que escolhessem o nome de uma flor para codificar os dados. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas no Microsoft Office Word. Foi ofertada a possibilidade de os participantes receberem a transcrição por e-mail, mas nenhum solicitou. Utilizou-se o método de saturação dos dados, o qual, conforme Bardin (2011), não prejudica o resultado final do estudo.

Para a análise dos dados, utilizou-se o método de Análise de Conteúdo, seguindo as etapas de pré-análise com leitura compreensiva dos textos transcritos; exploração do material, buscando alcançar o núcleo de compreensão por meio da elaboração de categorias de análise; e, agrupamento de trechos de depoimentos significativos, culminando com o tratamento dos resultados obtidos e interpretação dos dados (BARDIN, 2011). Após a organização do material, emergiram três categorias temáticas de análise, articuladas com os objetivos, questão norteadora e achados da pesquisa, sendo elas: reações e sentimentos diante de um diagnóstico, o TEA e as repercussões familiares e sociais, narrativas dos pais referentes aos atendimentos prestados pelos profissionais de saúde, condutas profissionais consideradas ideais.

            Em respeito aos preceitos éticos da Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que rege pesquisa com seres humanos (BRASIL, 2012), este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), sob o parecer número 5.163.860 em 14 de dezembro de 2021.

 

Resultados e discussão

Foram abordados 31 pais de crianças com TEA, destes, seis não se enquadraram nos critérios de inclusão, três recusaram-se a participar e nove não demonstraram interesse na pesquisa, compondo assim, uma amostra com 13 participantes.

Quanto ao perfil dos entrevistados, prevaleceu a participação de mães de crianças com TEA, a maioria casadas, que têm um único filho (Quadro 1).

 

Quadro 1 – Perfil dos pais entrevistados

Indivíduo

Relação

Idade

Estado civil

Ocupação

N° de filhos

Margarida

Mãe

43

Divorciada

Artesã

1

Tulipa

Mãe

40

Casada

Do lar

2

Girassol

Pai

48

Divorciado

Autônomo

3

Orquídea

Mãe

41

Casada

Do lar

1

Rosa

Mãe

38

Casada

Cabeleireira

1

Lírio

Mãe

49

União estável

Do lar

2

Hortência

Mãe

49

Solteira

Do lar

6

Azaleia

Mãe

43

Casada

Contadora

1

Ipê

Mãe

32

Casada

Enfermeira

1

Camélia

Mãe

38

Casada

Analista contábil

1

Jasmin

Mãe

45

Casada

Professora

1

Violeta

Mãe

33

União estável

Autônoma

1

Onze horas

        Mãe

40

Casada

Professora

1

Fonte: dados da pesquisa (2022)

 

Em relação às crianças, constatou-se maior prevalência do sexo masculino, sendo a maioria diagnosticada aos 3 anos. Todos os pais referiram que os filhos fazem tratamento, seja medicamentoso, terapias ou ambos. Dentre os acompanhamentos com profissionais, foram citadas consultas com fonoaudiólogo, neuropediatra, terapeuta ocupacional, psicólogo, psicopedagogo, além de natação e equitação (Quadro 2).

 

Quadro 2 – Dados das crianças com TEA (continua)

Progenitor

Sexo

Idade

Idade diagnóstico

Nível TEA informado

Faz tratamento?

Margarida

F

5

4

Não informado

Sim

Tulipa

F

6

5

Leve

Sim

Girassol

M

5

3

Moderado

Sim

Orquídea

F

8

3

Leve

Sim

Rosa

M

7

3

Não informado

Sim

Lírio

M

10

3

Moderado

Sim

Hortência

M

6

5

Não informado

Sim

Azaleia

F

7

3

Leve

Sim

Ipê

M

4

2

Leve

Sim

Camélia

M

2

2

Não informado

Sim

Jasmin

M

11

3

Moderado

Sim

Violeta

M

3

2

Indefinido

Sim

Onze horas

M

4

2

Não informado

Sim

Fonte: dados da pesquisa, 2022                      

 

Reações e sentimentos diante de um diagnóstico

            A primeira categoria trazida para esta discussão, refere-se às reações e sentimentos vivenciados pelos pais na busca de um diagnóstico até a sua devida confirmação. Inicialmente os entrevistados relatam o surgimento de dúvidas, devido ao comportamento peculiar apresentado por suas crianças, já nos primeiros meses de vida. Diante dessa situação, iniciou-se a busca incansável por respostas. Recorreram aos profissionais de saúde, livros, noticiários e na internet, onde relataram pesquisar pelos sinais e sintomas, tentando comparar ao que seu filho apresentava. É possível observar na fala de Rosa: “Eu digitava no Google tudo que ele fazia e batia com autismo e eu desconfiei”. A maioria relatou que os primeiros sinais foram relacionados ao atraso na fala e no desenvolvimento, além da presença de padrões restritivos e repetitivos de comportamento:

Quando ele tinha um ano e meio eu desconfiei, quando olhei uma reportagem na TV, eu achava que ele tinha algumas coisas, não falava, quando chamava ele não olhava, ele caminhava na ponta dos pés e a questão da fala foi a mais acentuada (Orquídea).

 

Ela não sentava com 6 meses, ela só brincava com as mãozinhas, ela também, quando começou a alimentação, que já começou atrasada, ela não conseguia comer alimentos sólidos, só liquidificados. Ela não para quieta, ela fica se sacudindo ou caminhando ou girando no meio da sala (Tulipa).

Os resultados corroboram com o estudo brasileiro realizado por Machado, Londero e Pereira (2018), em que participaram familiares de crianças com TEA, onde evidenciou-se que o atraso na fala e no comportamento são os aspectos apresentados pelas crianças com maior frequência. A partir desta evidência, os mesmos iniciam a busca por diagnóstico médico.

Ao receberem o diagnóstico, os participantes deste estudo relataram reações diversas. Foi evidenciado o sofrimento, sobretudo das mães, oriundos de incertezas e medos que pairam no momento do diagnóstico sobre os caminhos futuros que a situação percorrerá. Percebe-se que, imediatamente, inicia-se a construção do conhecimento sobre o transtorno, o que ameniza este sentimento de preocupação.

 

Para meu marido foi tranquilo, pra ele não mudou nada, mas eu tive aquela parte de luto, chorei bastante e tive muito medo de não saber como fazer [...] eu me assustei muito, porque vou ter que aprender, comecei a estudar, estudar, estudar, eu não parava, aí me angustiou bastante não saber lidar com ela (Margarida).

 

Foi bem difícil, foi um balde de água fria pra todos, principalmente pra mim, porque a gente não aceita. Quando tu planeja um filho tu quer que ele venha perfeito, aí acontece isso, então os primeiros pensamento é como vai ser o futuro quando nós não estivermos mais aí. Mas aí com o tempo (ele) foi fazendo as terapias, e vimos que no tempo dele ele vai evoluindo devagarinho (Lírio).

 

            Estes achados se assemelham com estudos brasileiros realizados, como os de Bonfim e colaboradores (2020), em que traz que o momento do diagnóstico geralmente é difícil e perpassado com sentimentos de tristeza, choro e inaceitação, provenientes do desconhecimento sobre o TEA, das incertezas que pairam diante da situação e do desapontamento sobre as perspectivas idealizadas. Para Machado, Londero e Pereira (2018), a tristeza e o sofrimento estão relacionados à perda da criança idealizada durante a gestação.

Em uma pesquisa realizada na China sobre o planejamento futuro de pessoas com diagnóstico de TEA, encontrou-se que a maioria dos cuidadores preferem não planejar o futuro, que embora considerem a família como um local ideal para se desenvolver e realizar este planejamento, encontram barreiras que os impedem disso, como o medo e as incertezas que o transtorno traz (GHOSH, 2022). Esta incerteza futura corrobora com o estudo brasileiro de Weissheimer e colegas (2021), em que os achados apontaram para uma preocupação dos pais sobre as perspectivas futuras da criança.

Em contrapartida, algumas mães relataram sentirem-se aliviadas após o diagnóstico, justificando-se por estarem exaustas física e mentalmente, pelo longo período que passaram à procura de respostas para os problemas e particularidades apresentadas por seus filhos. O diagnóstico, recebido como resposta, facilita o tratamento dos seus filhos e anula o sentimento de impotência ao não saber como lidar com o filho, como percebe-se na narrativa de Rosa:

Claro que tu não fica feliz com um diagnóstico de deficiência, mas eu me senti aliviada. Eu tive um alívio porque eu sabia o que era desde o início, pra mim eu tava achando que eu era louca, que eu não sabia ser mãe, e pro meu marido foi um baque, até hoje ele tem certa dificuldade em aceitar isso, mas pra mim foi um alívio porque sabia que tinha alguma coisa e eu não tava sendo uma péssima mãe.

 

Em outras pesquisas brasileiras, como na de Mapelli e colaboradores (2018), onde participaram 15 famílias de crianças com autismo, o alívio é apresentado como um dos sentimentos vivenciados pelos participantes no momento do diagnóstico e elencado de forma positiva, pois é capaz de reconfortar e ressignificar algumas expressões que podem causar adoecimento às famílias. Corrobora também com a pesquisa de Riccioppo, Hueb e Bellini (2021), onde o alívio foi descrito pelas famílias, as quais se desesperavam por não saber o que a criança tinha.

Não obstante, houveram relatos em que o diagnóstico não causou impacto negativo no seio familiar. Percebe-se relação direta deste fato com um maior nível de instrução e conhecimento em relação ao TEA. "O diagnóstico não teve impacto, porque fomos descobrindo aos poucos. Nunca romantizamos a doença, é um problema que precisamos não resolver, mas administrar isso” (Girassol).

Em um estudo realizado na França, os resultados apontaram a necessidade de as famílias adquirirem conhecimento sobre o TEA, pois quanto maior o conhecimento que um indivíduo adquire sobre uma determinada doença, suas respectivas formas de tratamento e prognósticos futuros, maior é a aceitação que o mesmo apresenta, ou seja, os sentimentos negativos vivenciados pelos familiares no ato do diagnóstico são intensificados pelo desconhecimento acerca do assunto (COLOMBET et al., 2022).

 

O TEA e as repercussões familiares e sociais

            O diagnóstico de TEA em uma família requer mudanças na rotina das mesmas, visto que ela passa a ser adaptada conforme as necessidades da criança, que precisa de tempo destinado às terapias e um cuidador em período integral, que saiba manejar a criança. Desta forma, encontramos, sobretudo mães que mudaram suas rotinas de trabalho para dar conta de cuidar dos seus filhos, como relatam Rosa e Lírio, respectivamente: “Eu tive que parar de trabalhar pra poder cuidar dele porque ninguém conseguia”. “Eu trabalhava fora há anos e depois que tive ele, não trabalhei mais, porque é muita correria, essas coisas das terapias, então fiquei só cuidando dele”.

Estudos nacionais e internacionais confirmam que é muito comum os pais de crianças com deficiência deixarem de trabalhar para cumprir com as demandas das mesmas. A chegada de uma criança com autismo atinge toda a estrutura familiar, necessitando de mudanças, aprimoramento e conhecimento, para fortalecer e reestruturar os familiares frente ao problema existente, já que as atividades diárias da família são voltadas às necessidades da criança (PRENDEVILLE; KINSELLA, 2019; EBADI et al., 2021).

Como resultado deste compromisso que geralmente recai sobre as mães, as mesmas sentem-se sobrecarregadas, deixando de lado sua própria vida, suas atividades laborais, seu autocuidado, atividades físicas e de lazer, como informa Lírio: Eu jogava vôlei, era meu hobbie preferido, mas isso foi se perdendo”. Além disso, elas relatam ser cobradas pelos seus maridos por deixarem sua aparência de lado, como narra Margarida: “Meu marido me cobra isso, coisas que eu tinha cuidado comigo, por exemplo coisas de estética, ficou de lado”.

            Além da falta de tempo para o autocuidado, as mães podem ficar à mercê de necessidades financeiras, pois não possuem renda, então dependem do auxílio financeiro provindo dos pais das crianças para custear os gastos. Somado a isso, a relação marido-mulher foi desestruturada com frequência nas narrativas destas famílias, como menciona Rosa: eu já não tinha mais vida, era só pra ele (criança), a gente (ela e marido) entrou numa crise e se separou”. Tudo isso são fatores estressores que podem levar às mulheres a um sofrimento psíquico.

A dificuldade financeira foi evidenciada na revisão sistemática realizada por Guckert e Belaude (2022), bem como a figura materna como centralizadora do cuidado. O abandono matrimonial é comum após um diagnóstico de deficiência e os conflitos conjugais podem ser frutos da mudança de rotina, como justifica Sandin, S e colaboradores in Marques e outros (2021):

O redimensionamento das atividades cotidianas reflete também no empobrecimento das vivências sociais, com perdas de amizades; em conflitos conjugais, com aumento de discussões entre o casal que, por vezes, culmina em divórcio, justificados pela falta de colaboração aos cuidados do filho, no que diz respeito à divisão dos papeis de gênero; no comprometimento das carreiras profissionais, o que repercute no orçamento familiar, em razão dos gastos em tratamentos com psicólogos, neuropediatras e fonoaudiólogos (SANDIN S. et al., 2014 apud MARQUES et al., 2021, p. 5).

            Por outro lado, alguns pais optaram por fortalecer ainda mais sua união para enfrentar com excelência os desafios que o transtorno trouxe, buscando forças e apoiando-se um no outro, como alega Ipê: “graças a Deus eu e meu marido somos muito parceiros, eu acredito que ajude muito”. É nítido que o caminho percorrido é perpassado de forma mais leve, pois as atividades são divididas entre ambos, sem sobrecarga de apenas um membro.

Quando os pais, na criação de uma criança com deficiência, conseguem dividir igualmente os papéis, as adaptações necessárias no cotidiano tornam-se mais fáceis de acontecer, além de auxiliar de maneira mais clara no enfrentamento da nova realidade (PEREIRA; TONÚS, 2021). O processo de aceitação é difícil para todos os membros, mas o sucesso depende da maneira que cada indivíduo vai reagir às dificuldades e à mudança na dinâmica familiar (MARQUES et al., 2021).

Além do apoio do cônjuge, neste estudo houveram pais que referiram ser fundamental o apoio recebido da família externa para o enfrentamento da situação. Em contrapartida, há relatos de dúvidas dos familiares quanto ao diagnóstico, principalmente nos casos de TEA nível 1, em que os sintomas são leves, onde elencam os comportamentos apresentados pela criança como próprios da personalidade, colocando os pais como maus educadores, como narra Camélia: “Muita gente da minha família até hoje não acredita, eles dizem ‘mas ele é normal’, ‘ele não tem cara’, ‘tu tem certeza?’ e todas aquelas coisas […]”. Também encontramos relatos de que houve abandono pela família maior, pois a mesma possui resistência em aceitar o diagnóstico, como relata Violeta: “A gente perdeu o contato com praticamente toda a família dele (do pai) depois do diagnóstico. Eles literalmente cortaram o vínculo”. Estas lacunas no apoio foram narradas em tom de sofrimento e certa mágoa, pois a família é a base e onde espera-se encontrar as forças nos momentos de fragilidade.

A ausência de compreensão do restante da família é apresentada em outras pesquisas brasileiras (BONFIM et al., 2020), onde não relacionam o TEA como um transtorno capaz de gerar adoecimento. Para Mapelli e colaboradores (2018), muitos familiares evitam relações próximas pois possuem dificuldades na aceitação das crianças com suas particularidades.

Quanto às repercussões na vida social da família fica claro que houveram reestruturação, resultando em um maior isolamento. Neste estudo, foi apontado como causa os próprios sintomas de TEA, em que um dos seus eixos é caracterizado por déficit persistente na interação social, tornando inviável que a família frequente determinados locais, por exemplo onde há muitas pessoas ou muito barulho.

O isolamento social de famílias que algum integrante possui alguma doença, é apontado pela literatura como frequente e multifatorial. Em um estudo realizado na Espanha com pais de crianças com TEA, revelou que a causa primária do isolamento foi devido a discriminação social (RECIO et al., 2020). No estudo brasileiro de Bonfim e outros (2020), foi devido ao comportamento estereotipado das crianças com TEA, entendidos como inadequados e não manejados de forma correta pelos pais. Também podem ser devido a ambientes físicos não inclusivos, sofrimento diante do diagnóstico, medo, insegurança e falta de conhecimento da população sobre o transtorno (CASTRO; FERREIRA, 2022).

 

Narrativas dos pais referentes aos atendimentos prestados pelos profissionais de saúde

Quando indagados sobre a qualidade do atendimento prestado pelas equipes de saúde, encontramos opiniões divergentes e variadas. Alguns pais relataram terem sido muito bem atendidos, conforme a expectativa criada, como narra Tulipa: “Sempre fui bem atendida, eu levei o diagnóstico no posto de saúde, a enfermeira me deu encaminhamento e me orientou. Fui bem encaminhada”. Além disso, referiram que o atendimento melhorou com a implementação da acessibilidade, como vemos no relato de Lírio: “Chego lá (no serviço), mostro a carteirinha e digo que ele é autista, então logo ele é atendido, não precisa esperar, a gente é muito bem atendido”.

Em contrapartida, encontramos pais que referiram terem tido péssimas experiências no serviço de saúde, elencando a demora para receber o atendimento e o despreparo profissional como motivos principais. Os pais que foram melhores atendidos fazem uso do serviço particular ou convênios, onde concentra-se a maior parte dos especialistas, enquanto as maiores queixas foram relacionadas aos atendimentos através do Sistema Único de Saúde (SUS), estando relacionados a falta de conhecimento sobre o TEA, falta de respeito ao atendimento prioritário, dúvidas dos profissionais quanto ao diagnóstico e até ao recebimento de orientações profissionais que pioram o quadro do transtorno na criança.

O atendimento é péssimo, o pessoal é muito despreparado. Pela rede básica é tudo muito demorado, sempre tem uma fila interminável. As poucas vezes que precisei de qualquer coisa na rede básica, no momento que eu disse que ele era autista, ou as pessoas duvidam, ou não dão o tratamento diferenciado pra ele. Pra fazer uma vacina por exemplo, ele tem muito medo, eu tento conversar com ele, porque sei que a conversa geralmente vai pra um lado bom e aí eu falei pro profissional que ele tem bastante medo e a pessoa ‘ah, mas tu é grande, não pode tá chorando’ falando meio gritando assim, eu expliquei e ela falou ‘ele não parece ser autista, será que não é coisa da tua cabeça?’ esse tipo de comentário assim. Pela rede privada a gente vai pelos profissionais indicados, que são bons mesmo. O resto é complicado, eu encaro as vezes pra não pagar, mas é complicado (Ipê).

 

O doutor que ele tinha aqui era muito prestativo, mas não conseguiu acertar a medicação. Um dia ele mesmo falou que tinha que passar a bola pra outro. A gente foi atrás de uma psicóloga pelo SUS, mas elas não entendiam nada de TEA [...], tudo o que ela orientava, piorava. Aí eu consegui uma psicóloga particular, aí ela começou a dar uma luz pra gente, ela é especialista nisso (Rosa).

 

A fragilidade no conhecimento de profissionais de saúde sobre o TEA, sobretudo no setor público, aliada a demora na espera por atendimento, faz com que os usuários busquem outras vias de tratamento (NEVES et al., 2020). A OPAS (2022) reitera que um dos obstáculos encontrados pelos indivíduos com o transtorno ao acessar os serviços de saúde é a falta de conhecimento, aliada a condutas equivocadas dos profissionais. Estudos realizados por Campos e colaboradores (2021), que buscaram analisar a qualificação dos profissionais a respeito do TEA no Brasil, encontraram que 40% dos participantes não tiveram proximidade com a temática durante a graduação, demonstrando que há falhas desde a formação profissional, sendo de suma relevância a educação continuada para minimização de falhas (SILVA et al., 2022).

A demora para fechar o diagnóstico foi outra queixa trazida pelos pais, haja vista que consideram muito tempo transcorrido em sofrimento, sem respostas e sem saber como tratar as atividades atípicas apresentadas pelas crianças. Neste estudo os diagnósticos foram dados entre 2 e 5 anos. Conforme a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (2019), o diagnóstico no Brasil ocorre em média aos 6 anos. A seguir o relato de Camélia, onde faz referência a esta queixa: “Queria que ele tivesse sido diagnosticado antes. Acho que a pediatra falhou, a gente já tinha suspeita com um ano e três meses”.

Contudo, isso mostra falta de conhecimento dos pais e dos profissionais de saúde, bem como a falta de diálogo entre ambos, pois o diagnóstico definitivo só é recomendado a partir dos 3 anos de idade da criança (BRASIL, 2015). Essa situação é trazida por autores como lamentável, mas que investigações científicas na busca por um diagnóstico mais primário ainda estão sendo realizadas (SBP, 2019). O debate estudantil é apontado por Campos e colaboradores (2021) como meio para encontrar soluções para a situação.

Conforme achados deste estudo, esta demora para fechar o diagnóstico é frequentemente associada a dualidade em diagnósticos. É comum os profissionais confundirem os sinais do autismo a outras condições médicas, como distúrbios na audição e na linguagem e “esquecem” do autismo. Este fato é apresentado como gerador de estresse às famílias que procuram por respostas, pois as fazem percorrer por muitas esferas da atenção em saúde na busca de diversas especialidades profissionais para resolução do caso.

Com o diagnóstico estabelecido, todos os participantes deste estudo disseram ter sido direcionados a terapias que atendessem a demanda apresentada pela criança, por exemplo para fonoaudióloga, caso a criança apresente problema na fala. Contudo, a literatura nos traz que, com o diagnóstico, a criança deve ser encaminhada para receber assistência de uma equipe multiprofissional, composta por psicólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, neurologistas, entre outros, independente dos sintomas apresentados (SANTOS; MELO; NUNES, 2021).

 

Condutas profissionais consideradas ideais

            Esta categoria pretende trazer a maneira que os pais gostariam de ser atendidos pelos serviços de saúde, baseando-se em sua experiência e nas condutas que os mesmos consideram adequadas. Em relação a isso, quando questionados sobre a maneira que gostariam de terem sido atendidos também há respostas diversas, sobressaindo a necessidade de mais profissionais com especialização em TEA, pois em suas experiências percorreram um longo caminho até encontrar um atendimento qualificado, que melhorasse as condições dos seus filhos.

   Quanto às condutas profissionais que consideram adequadas, os entrevistados relataram que gostariam que os profissionais de saúde tivessem mais empatia e sensibilidade diante da situação e escutassem o que os pais têm a dizer, afinal são eles que convivem com as crianças, conhecem suas particularidades e sabem como manejar uma situação que os envolve, como expõe Ipê: “Gostaria que os profissionais tivessem mais de sensibilidade, estudassem mais sobre isso ou no mínimo escutassem a mãe e perguntassem o que fazer pra ajudar”.

Ao cuidarem de pessoas com TEA, concordante com os desejos apresentados neste estudo, a literatura traz que os profissionais devem carregar empatia e aplicar diferentes estratégias de cuidado (MAGALHÃES et al., 2020). De acordo com Neves e colegas (2020), os profissionais de saúde, primeiramente devem “começar a entender o que são os transtornos do espectro do autismo, como as pessoas com TEA, se comunicam, se comportam, como se sentem e como percebem o mundo ao seu redor” (p.10), para então saber manejar a situação. Contudo, Magalhães e colaboradores (2020) em sua pesquisa, revelaram que barreiras de cuidado a crianças com TEA são enfrentadas pelos profissionais, como a falta de tempo e falta de diretrizes que coordenem a prática.

   Havendo maior número de profissionais qualificados, entende-se que facilitaria o acesso às terapias de qualidade, sendo elas consideradas, por unanimidade dos pais, como prioridades das crianças. Como trazem os resultados, a maioria deles fazem muitas terapias e julgam toda a estimulação importante para o desenvolvimento das crianças, relatando que perceberam avanço no desenvolvimento a partir do momento que iniciaram as terapias e quando, por algum motivo, param de realizar, notam atraso no desenvolvimento do filho.

Outro ponto percebido durante a coleta de dados e elencado como ideal, foi uma forte necessidade de acolhimento para esses pais, onde eles possam dividir as suas angústias, relatar os problemas e encontrar uma solução. Houveram choros e semblantes entristecidos durante algumas falas. Hortência, em sua fala, exemplifica a situação: “Se mais gente fizesse o que tu tá fazendo agora, escutar os pais, o atendimento seria bem diferente”.

Junto com a necessidade de escuta, foi apontado por eles um anseio por atendimento profissional psicológico aos pais. Como abordado anteriormente, é um momento que gera muito sofrimento para a família, que muitas vezes não entende sobre o TEA, não sabe como prosseguir após isso e precisa de alguém que os oriente e os apresente o caminho a trilhar, pois muitos entram até em depressão e crises após o diagnóstico, como alega Rosa:

[...] Lá no início quando eu estava sozinha, até os 3 anos dele, eu bem dizer não tinha o pai dele comigo, eu toquei sozinha, eu fiquei com depressão, eu fiquei mal, eu perdi 20 kg, eu não dormia porque ele (criança) também não dormia, eu estava assim a ponto de… Eu olhava pra sacada do apartamento e pensava: meu Deus, eu vou terminar com isso, só que sabe como é uma mãe né, vem aquela força maior.

Estudos brasileiros apontam que os pais necessitam de suporte emocional para enfrentarem os desafios empregados pelo TEA, bem como suporte profissional para saberem como agir com a criança (MACHADO; LONDERO; PEREIRA, 2018). Aguiar e Pondé (2020) ressaltam que os pais precisam ser cuidados, necessitam de suporte emocional e receberem informações técnicas de qualidade, para que consigam prestar o cuidado integral e efetivo aos seus filhos.

Com isso entende-se que há necessidade de que o atendimento seja centrado na família, pois percebe-se que os profissionais focam na criança diagnosticada, mas a família precisa se reestruturar, entender e conviver com aquela criança também precisa de suporte, afinal a criança está em tratamento e a família, em especial os pais, ficam desassistidos. Das falas emergiu a necessidade, então, de uma equipe multiprofissional pronta e preparada para dar as orientações após o diagnóstico. A fala de Margarida resume todas as necessidades apontadas pelos pais:

Falta apoio, de ver a gente como uma família inteira, como um todo, não é só a criança que tá passando por um problema, ela tem TEA e não vai mudar, tá fazendo as terapias, mas e a família inteira que precisa ser reestruturada? Quantos casos que o pai abandonou a família e a mãe tem que abandonar o emprego, tem que abandonar tudo pra cuidar do filho, e quem cuida desta mãe? acho que poxa a vida, chegou uma criança que tem TEA, vamos abraçar, vamos cuidar desta mãe, do pai, orientar, vai ser assim, assado, ofertar um curso pra pais, ter uma equipe completa, um psicólogo, neuro, fisio, fono, imagina!! Tu recebe a informação, passa pelo luto, e tem que correr atrás de tudo ainda, porque se tu não fizer ninguém vai fazer. É muito sofrimento.

   A capacitação de pais através de cursos, como idealizado pelos pais neste estudo, é apontado por Lopes, Murari e Kienen (2021) como uma ferramenta que, além de aproximar as famílias dos serviços de saúde, ela é capaz de reduzir a sobrecarga psíquica dos pais, já que adquirem estratégias para resolução dos problemas dos filhos, contribuindo para o empoderamento dos mesmos.

 

Considerações finais

   O cuidado às pessoas com TEA, embora seja um direito garantido por políticas públicas, ainda possui fragilidades no que tange a efetivação dos cuidados. Com este trabalho foi possível fazer uma escuta aos familiares de crianças com TEA e entender a concepção deles diante da vivência do transtorno no seio familiar. Através disso, compreendeu-se que foi um longo percurso percorrido por eles, desde a suspeita até a confirmação do diagnóstico e uma luta diária para conquistar os direitos.

   O diagnóstico despertou diferentes sentimentos nos familiares, incluindo tristeza, surpresa, angústia, alívio por receberem alguma resposta e também a desesperança, é evidenciada pela perda da criança idealizada. Os membros da família mais afetados foram as mães, as quais sentem-se sobrecarregadas pelas demandas apresentadas pelas crianças, fazendo com que abandonem os seus trabalhos. Além disso, após o diagnóstico, ocorreram muitas mudanças na família, fazendo com que os integrantes adaptassem sua rotina conforme as necessidades das crianças, deixando de frequentar certos locais, emergindo sentimento como de desamparo e depressão.

   Após receberem o diagnóstico, relataram realizar a busca incessante pela construção do conhecimento sobre o TEA, em meios formais e informais, incluindo com os profissionais de saúde. Porém, relataram que muitos profissionais são despreparados para o atendimento das demandas apresentadas pelas crianças. Além de carecerem de conhecimento, culminando em atitudes impróprias, os profissionais necessitam aprimorar suas características humanas, ofertando um atendimento mais empático, mais sensível e mais respeitoso, buscando fortalecer a família, que é o pilar da criança. 

   Percebeu-se que os atendimentos particulares são prestados de forma mais adequada pelos profissionais, pois é onde encontram-se mais especialistas e profissionais experientes em atendimento a pessoas com TEA. Os pais consideram adequado, sobretudo a oferta de uma equipe multidisciplinar para atendimento a toda a família, pois a mesma precisa ser reestruturada e passa por sofrimento, necessitando de apoio psicológico, seja através de atividades em grupo ou acolhimento individual e também de instruções de como prosseguir com os cuidados.

   Embora existam políticas públicas bem estruturadas que garantem o acesso dos usuários aos serviços, igualdade de condições e cuidados qualificados às pessoas com TEA, existem fragilidades na sua implementação, longas e demoradas filas, que atrasam o acesso às terapias, sendo elas consideradas prioridades nos cuidados às crianças.

Espera-se que este trabalho possa sensibilizar os profissionais que atendem as crianças com TEA e suas famílias, a partir do acolhimento, da escuta qualificada e condutas que atendam às necessidades específicas desta população, elencadas a partir da análise das narrativas dos pais que vivem o contexto, contribuindo para o bem estar desta população e a plena efetivação dos seus direitos, bem como a busca por qualificação e conhecimento a respeito do TEA.

 

Referências

AGUIAR, Marcia Cristina Maciel; PONDÉ, Milena Pereira. Autismo: impacto do diagnóstico nos pais. Jornal brasileiro de psiquiatria. v. 69, n. 3, jul-set. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/CQ5SdxNGKyCBHsjZVfH8dqx/?format=pdf&lang=en.  Acesso em: 28 maio 2022.

 

American Psychiatric Association. Manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

 

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 4.ed. Lisboa: Edições 70, 2011.

 

BRASIL, Lei Nº 12.764, de 27 de Dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Brasília-DF, 27 dez. 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 28 maio 2022.

 

BRASIL, Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília-DF, 06 jul, 2015. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=13146&ano=2015&ato=c4aUTW65UNVpWT495. Acesso em: 02 nov. 2021.

 

BRASIL, Ministério da Saúde. Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_atencao_pessoas_transtorno.pdf. Acesso em: 30 abr. 2022.

 

BRASIL, Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_pessoa_autismo.pdf. Acesso em: 30 abr. 2022.

 

BRASIL, Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, aprova e regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília-DF, 12 de dezembro de 2012. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html. Acesso em: 29 mai. 2022.

 

BONFIM, Tassia de Arruda. et al. Vivências familiares na descoberta do Transtorno do Espectro Autista: implicações para a enfermagem familiar. Revista Brasileira de Enfermagem. v. 73, n. 6, out-dez. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/cpkwQJQP8kccvs8zN4LgHCH/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 maio 2022.

 

CAMPOS, Rodrigo Carneiros. Transtorno do Espectro Autista – TEA. Atualização Técnica Unimed, 2019. Disponível em: https://www.acoesunimedbh.com.br/sessoesclinicas/wordpress/wpcontent/uploads/2019/04/Sess%C3%B5es-Cl%C3%ADnicas_Espectro-Autista_.pdf. Acesso em: 30 abr. 2022.

 

CAMPOS, Thalita Ferreira. et al. Análise da importância da qualificação dos profissionais de saúde para o manejo do Transtorno de Espectro Autista (TEA). Research, Society and Development, v. 10, n. 6, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15667. Acesso em: 29 maio 2022.

 

CASTRO, Mariana Ribeiro de; FERREIRA, Karla Patrícia Martins. Ambientes físicos inclusivos a crianças com Transtorno do Espectro Autista: uma revisão de literatura. Revista Educação Especial. v. 35, 2022. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5902/1984686X68331. Acesso em: 29 maio 2022.

 

COLOMBET, Claire. et al. Self-reported needs of caregivers of people with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders. Abril, 2022. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10803-022-05499-x. Acesso em: 04 maio 2022.

 

EBADI, Mahsa. et al. Living under psychosocial pressure: Perception of mothers of children with autism spectrum disorders. Journal of Child and Adolescent Psychiatric Nursing, v. 34, mar. 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jcap.12310. Acesso em: 05 maio 2022.

 

GHOSH, Subharati. Parents planning for the long-term future of adults with ASD in India: “But that’s a maybe. It’s still a maybe”. Journal of Autism and Developmental Disorders. 18 abril, 2022. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10803-022-05545-8. Acesso em: 04 maio 2022.

 

GUCKERT, Suelen Bernardo; BELAUNDE, Aline Megumi Arakawa. Aspectos relacionados a sobrecarga do cuidador de uma criança com Transtorno do Espectro Autista: uma revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 11, n. 6, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v11i6.28818. Acesso em: 29 maio 2022.

 

KARPUR, Arun. et al. Health Disparities among Children with Autism Spectrum Disorders: Analysis of the National Survey of Children’s Health 2016. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 49, dez. 2019. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10803-018-3862-9. Acesso em: 28 abr. 2022.

 

LOPES, Victória Druzian; MURARI, Silvia Cristiane; KIENEN, Nádia. Capacitação de pais de crianças com TEA: revisão sistemática sob o referencial da Análise do Comportamento. Revista Educação Especial, v. 34, 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5902/1984686X43768. Acesso em: 29 maio 2022.

 

MACHADO, Mônica Sperb; LONDERO, Angélica Dotto; PEREIRA, Caroline Rubin Rossato. Tornar-se família de uma criança com Transtorno do Espectro Autista. Contextos Clínicos, v. 11, n. 3, set-dez. 2018. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/contextosclinicos/article/view/ctc.2018.113.05/60746523. Acesso em: 05 maio 2022.

 

MAGALHÃES, Juliana Macêdo. et al. Asistencia de enfermería al niño autista: revisión integrativa. Enfermería Global, v. 19, n. 58, abr. 2020. Disponível em: https://revistas.um.es/eglobal/article/view/356741/280421. Acesso em: 28 maio 2022.

 

MAPELLI, Lina Domenica. et al. Criança com transtorno do espectro autista: cuidado na perspectiva familiar. Escola Anna Nery, v. 22, n. 4, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ean/a/zxYG5PMyxpVZf4YJSfjgyYg/?format=pdf. Acesso em: 29 maio 2022.

 

MARQUES, Valéria Gomes. et al. Transtorno do espectro autista: o impacto na dinâmica familiar e as habilidades no cuidado. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 10, p. e9036, 16 out. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e9036.2021. Acesso em: 29 maio 2022.

 

 

NEVES, Keila do Carmo. et al. Welcoming the person with autistic spectrum disorder: a challenge for Nursing care. Research, Society and Development, v. 9, n. 8, 2020. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/6742/6039. Acesso em: 05 maio 2022.

 

Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Transtorno do Espectro Autista, 2022. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista. Acesso em: 20 maio 2022.

 

PEREIRA, Dyuly de Freitas; TONÚS, Daniela. Mudanças nos papéis ocupacionais de mães, pais e cuidadores após o nascimento de uma criança com deficiência. Revista Ocupación Humana. v. 22, n. 1, jan.-jun, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.25214/25907816.1145. Acesso em: 29 maio 2022.

 

PRENDEVILLE, P.; KINSELLA, W. The Role of Grandparents in Supporting Families of Children with Autism Spectrum Disorders: A Family Systems Approach. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 49, p. 738-749, set. 2019. Disponível em: http://dx-doi.ez127.periodicos.capes.gov.br/10.1007/s10803-018-3753-0. Acesso em: 20 maio 2022.

 

RECIO, Patrícia. et al. Perceived discrimination and self-esteem among family caregivers of children with autism spectrum disorders (ASD) and children with intellectual disabilities (ID) in Spain: The mediational role of affiliate stigma and social support. Research in Developmental Disabilities, v. 105, p. 1-8, out. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103737. Acesso em: 20 maio 2022.

 

RICCIOPPO, Maria Regina Pontes Luz; HUEB, Maria Regina Pontes Luz; BELLINI, Marcella. Meu filho é autista: percepções e sentimentos maternos. Revista da SPAGESP, v. 22, n. 2, p. 132-146, 2021. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v22n2/v22n2a11.pdf. Acesso em: 29 maio 2022.

 

SADOCK, Benjamin J.; SADOCK, Virginia; RUIZ, Pedro. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica. 11. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2017.

 

SANTOS, Ayrtton Anacleto Lima dos; MELO, Maria Emília Ferraz Almeida de; NUNES, Denyse Brito. Rede de assistência à saúde da criança autista sob a ótica das mães. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.7, n.7. Jul. 2021. Disponível em: https://www.periodicorease.pro.br/rease/article/view/1815/755. Acesso em: 04 maio 2022.

 

SILVA, Larissa Oliveira. et al. A atuação do enfermeiro em crianças e adolescentes com o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista. Revista Eletrônica Acervo Enfermagem. v. 18, e10152, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reaenf.e10152.2022. Acesso em: 29 maio 2022.

 

Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de orientação – Transtorno do Espectro do Autismo. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento, n. 5, 2019. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Ped._Desenvolvimento_-_21775b-MO_-_Transtorno_do_Espectro_do_Autismo.pdf. Acesso em: 29 maio 2022.

 

WANG, Bo; CAO, Futao; BOYLAND, Joyce Tang. Addressing Autism Spectrum Disorders in China. New Directions for Child and Adolescent Development, n. 163, p. 137-162, jan. 2019. Disponível em: https://doiorg.ez127.periodicos.capes.gov.br/10.1002/cad.20266. Acesso em: 20 maio 2022.

 

WEISSHEIMER, G. et al. Demandas de informações das famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Revista Brasileira de Enfermagem. v. 74, n. 5, p. 1-9, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0642. Acesso em: 29 maio 2022.

 

 

Modalidade do artigo: Relato de pesquisa ( x )  Revisão de Literatura (  )

 

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)