http://dx.doi.org/10.5902/1984686X70863

Pessoas com deficiência: percepção sobre acessibilidade em uma universidade pública no estado do Amazonas

People with disabilities: perception of accessibility in a public university in the state of Amazonas

Personas con discapacidad: percepción de la accesibilidad en una universidad pública del estado de Amazonas

Tania Lucia Viana de Souza

Mestra pela Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil

E-mail: tlsouza@uea.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4690-047X

Marco Aurélio Marques Ferreira

Professor doutor da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil

E-mail: marcoaurelio@ufv.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9538-1699

Juliana Maria de Araújo

Doutoranda na Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil

E-mail: juliana.m.araujo@ufv.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2004-3062

Joab Grana Reis

Professora doutora da Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil

E-mail: jgreis@uea.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8560-1830

Recebido em 29 de junho de 2022

Aprovado em 04 de outubro de 2022

Publicado em 25 de outubro de 2022

RESUMO

Este estudo objetivou desvendar a percepção da comunidade acadêmica da Universidade do Estado do Amazonas – UEA quanto ao acesso para pessoas com deficiência (PcD), identificando as variáveis que influenciam nas condições de acessibilidade às PcDs, e descrever as características de acessibilidade percebidas pela comunidade na UEA. Para realização da pesquisa, foram utilizados os seguintes métodos: como ferramenta para coleta de dados foi aplicado um questionário com questões semiestruturadas numa escala de Classificação Likert; para análise dos dados, a estatística descritiva para caracterizar os respondentes; na segunda etapa, utilizou-se principalmente do Alpha de Cronbach e Regressão Linear Múltipla. Os resultados revelaram que a nota de acessibilidade da UEA é influenciada pela percepção dos respondentes em relação aos recursos humanos e infraestrutura do campus, mas não pelo seu conhecimento e familiaridade com o tema e nem pela satisfação com as ações de promoção da acessibilidade. Além disso, a idade, escolaridade, gênero e o fato de ser uma pessoa com deficiência não afetam a nota de acessibilidade da instituição. Quanto à resposta ao problema da pesquisa, foi possível identificar e analisar que o cumprimento das leis de acessibilidade no momento é parcial, tendo em vista que apenas parte das necessidades já são atendidas, faltando apenas ajustes na estrutura já existente na UEA.

Palavras-chave: Acessibilidade; Percepção; Pessoa com Deficiência; Ensino Superior.

ABSTRACT

This study aimed to unravel the perception of the academic community of the Universidade do Estado do Amazonas - UEA, regarding access for people with disabilities (PwD), by identifying the variables that influence the accessibility conditions for PwDs and describing the accessibility characteristics perceived by the community at the UEA. To carry out the research, the following methods were used: as a tool for data collection, we used a questionnaire with a semi-structured question on a Likert rating scale; for data analysis: descriptive statistics to characterize the respondents; in the second stage, Cronbach's Alpha and Multiple Linear Regression were mainly used. The results revealed that UEA’s accessibility score is influenced by the respondents’ perception of human resources and campus infrastructure, but not by their knowledge and familiarity with the topic, nor by their satisfaction with accessibility promotion actions. In addition, age, education, gender and the fact of being a person with a disability do not affect the institution’s accessibility score. As for the answer to the research problem, it was possible to identify and analyze that compliance with accessibility laws at the moment is partial, given that only part of the needs is already met, lacking only adjustments in the existing structure at the UEA.

Keywords: Accessibility; Perception; Disabled Person; University Education.

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo desentrañar la percepción de la comunidad académica de la Universidade do Estado do Amazonas - UEA sobre el acceso de las personas con discapacidad (PcD), identificando las variables que influyen en las condiciones de accesibilidad de las PcD. Para llevar a cabo la investigación se utilizaron los siguientes métodos: como herramienta de recolección de datos se utilizó un cuestionario con pregunta semiestructurada en escala de calificación tipo Likert; para el análisis de datos, estadísticas descriptivas para caracterizar a los encuestados; en la segunda etapa se utilizó principalmente Alfa de Cronbach y Regresión Lineal Múltiple. Los resultados revelaron que el puntaje de accesibilidad de la UEA está influenciado por la percepción de los encuestados sobre los recursos humanos y la infraestructura del campus, pero no por su conocimiento y familiaridad con el tema, ni por su satisfacción con las acciones de promoción de la accesibilidad. Además, la edad, la educación, el género y el hecho de ser una persona con discapacidad no afectan el puntaje de accesibilidad de la institución. En cuanto a la respuesta al problema de investigación, fue posible identificar y analizar que el cumplimiento de las leyes de accesibilidad en el momento es parcial, dado que solo una parte de las necesidades ya están cubiertas, faltando solo ajustes en la estructura existente en la UEA.

Palabras clave: Accesibilidad; Percepción; Persona con discapacidad; Enseñanza superior.

Introdução

Como o advento dos alunos com deficiência ao ensino superior tem sido cada vez mais perceptível, não só nas instituições brasileiras, mas também mundialmente, surgem as necessidades de atenção da instituição de ensino superior nas efetivações das políticas públicas educacionais que devem estar voltadas para a eliminação de todas as formas de discriminação. Não obstante, ainda há dúvidas quanto ao preparo das instituições de ensino superior para o acolhimento desse público.

Conforme Dechichi, Silva e Gomide (2008), a inserção dos alunos com deficiência no ensino superior revelou uma demanda emergencial, que se refere à necessidade do debate acerca dos aspectos educacionais necessários para atendimento deste grupo, oferecendo condições de acesso e permanência nas universidades. Desse modo, não se busca garantir somente o ingresso do aluno à instituição de ensino superior, mas também sua permanência através da criação de subsídios que garantam seu sucesso ao longo do curso. Assim, o acesso implica um processo de mudança e está diretamente relacionado à criação de condições legais e direitos igualitários (MANZINI, 2008).

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU, 2016), o número de pessoas com algum tipo de deficiência no mundo é estimado em 1 bilhão, cerca de 15% da população mundial. No Brasil, o último Censo do IBGE, realizado em 2010, aponta que, dentre uma população de pouco mais de 190 milhões de habitantes, cerca de 24% declararam ter algum tipo de deficiência. Portanto, seriam mais de 45 milhões de PcDs (IBGE, 2010). Diante desta realidade, vemos que as políticas públicas de acessibilidade e inclusão são extremamente importantes e necessárias, já que as PcDs englobam uma parcela considerável da população brasileira.

Contudo, nem sempre a acessibilidade é garantida às PcDs. Entende-se que a acessibilidade é um processo dinâmico, que envolve o desenvolvimento tecnológico e social, modificando-se conforme as necessidades exigidas pela época e pela humanidade (TORRES et al., 2002). Souza (2010) afirma que não basta a reserva de vagas, o desafio agora é adequar a universidade às condições efetivas para que todos os alunos tenham direito e acesso de fato aos cursos oferecidos. Consoante a isto, também as pesquisas de Manzini et al. (2003), Pellegrini (2006), Parreira (2007), Miranda e Silva (2008), Oliveira e Manzini (2008) e Souza (2010) apontam que a falta de acessibilidade ainda é rotineira no cenário universitário brasileiro.

Mediante as narrativas dos autores acima, podemos constatar que as instituições de ensino superior apresentam diversas barreiras para atender às exigências que têm emergido quando o estudante com deficiência ingressa na universidade e essa realidade se materializa de forma muita diversa no país. É necessária uma preparação em todas as perspectivas para a eliminação de barreiras físicas, sociais, atitudinais, pedagógicas e curriculares, entre outras, a fim de que, de fato, aconteça o ingresso, a permanência e sucesso acadêmico de forma equitativa. Atentando também à formação continuada e na especialização dos futuros docentes que atuam e atuarão com este público.

Com isso, muito se tem articulado sobre os direitos e as necessidades das pessoas com deficiência, principalmente quando se trata das acessibilidades oferecidas a esse público. É imprescindível que as pessoas com deficiência tenham o devido acesso à sociedade como um todo. Por conta disso, devemos nos atentar ao que ainda impede ou dificulta a presença ou permanência delas no meio social. É também importante salientar que estas pessoas possuem os mesmos direitos constitucionais que qualquer outro cidadão.

Em face do exposto, podemos afirmar que são diversos os desafios a serem superados pelas IES. Para esse artigo, decidimos por conhecer a percepção da comunidade acadêmica da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) quanto à questão da acessibilidade para pessoas com deficiência. Assim, a presente pesquisa tem como objetivo principal conhecer a percepção das pessoas com deficiência, identificando as variáveis que influenciam nas condições de acessibilidade à PcD e descrevendo as características de acessibilidade percebidas pela comunidade da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). O estudo busca saber qual a percepção e o grau de satisfação da comunidade acadêmica da UEA, quanto às condições de acessibilidade oferecida pela instituição, quanto aos impactos e consequências dos decretos regulatórios das leis vigentes, sua importância e possíveis melhorias na estrutura arquitetônicas existentes na UEA para a garantia ao direito à acessibilidade da pessoa com deficiência.

Referencial teórico

Inclusão e Acessibilidade para Pessoas com Deficiência

A inclusão social é definida como um apanhado de medidas que são voltadas para indivíduos excluídos do meio social, quer seja por alguma deficiência física ou mental, pela etnia, orientação sexual, gênero, ou mesmo pelo poder aquisitivo. Segundo a perspectiva radical da inclusão educacional, o objetivo principal das escolas e universidades é fortalecer as habilidades de socialização e mudar o pensamento estigmatizado sobre as deficiências ou transtornos. A diversidade é vista como valor em si mesmo e como oportunidade de aprendizagem e convivência que beneficia a todos.

Sassaki (2003) acredita que a inclusão social é a forma pela qual a sociedade se adapta para poder inserir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais ou que sofram qualquer tipo de discriminação e, simultaneamente, capacitá-las para assumirem os seus papeis. Sassaki (1997) fala ainda que a ideia de integração dos PcDs surgiu para derrubar a prática da exclusão social a que foram submetidas as pessoas deficientes por vários séculos. A exclusão ocorria em seu sentido total, ou seja, as pessoas portadoras de deficiência eram excluídas da sociedade para qualquer atividade porque eram consideradas inválidas, sem utilidade para a sociedade e incapazes para trabalhar, características atribuídas indistintamente a todos que tivessem alguma deficiência.

Quando se trata de acessibilidade, a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (2004) define acessibilidade, por meio da norma NRB 9050, como a possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaços, mobiliários, equipamentos urbanos e elementos. A mesma norma define o termo acessível como espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado, utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida (ABNT, 2004).

Porém, o termo acessibilidade deve refletir algo mais concreto, palpável (MANZINI, 2005). O conceito de acessibilidade se sedimenta em situações que podem ser vivenciadas nas condições concretas da vida cotidiana, ou seja, acessível é algo que pode ser observado, implementado, medido, legislado e avaliado. Dessa forma, pode-se criar condições de acessibilidade para que as pessoas possam ter acesso a determinadas situações ou lugares. A inclusão social deve ser vista, medida e interpretada tendo como referencial o próprio meio social e não somente as condições de acessibilidade. Tais condições, presentes na estrutura física das instituições, como escolas e universidades, devem estar relacionadas às políticas inclusivas das estruturas administrativas, que devem refletir uma atitude de luta contra a exclusão.

Portanto, a inclusão social constitui um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. Para incluir, a sociedade deve ser modificada a partir do pressuposto de que ela precisa ser capaz de atender às necessidades de todos os seus membros. Já a acessibilidade deve ser observada e tida como prioridade e como um pilar primordial no seio da sociedade, não somente com condições de acessibilidade presentes nas estruturas arquitetônicas das instituições, mas também com políticas de inclusão estruturais administrativas da sociedade como um todo.

A percepção no contexto da acessibilidade

Segundo Baldanza et al. (2013, p. 219), “perceber seria a capacidade de interpretar o mundo externo e tudo que se encontra no ambiente da organização pode ser percebido pelos indivíduos e consequentemente poderá influenciar na forma como o mesmo vê a organização”. Logo, a percepção sofre influência interna e externa devido à dinâmica dos estímulos percebidos por cada realidade social.

Para Banov (2009), a percepção ocorre quando os estímulos físicos são captados pelos sentidos e transformados em interpretações psicológicas. Logo, perceber seria a capacidade de interpretar o mundo externo, sendo que tudo que se encontra no ambiente da organização pode ser percebido pelos indivíduos e, consequentemente, poderá influenciar na forma de como eles veem a organização.

A autora ainda afirma que o processamento das informações do ambiente pelo indivíduo envolve a organização, armazenamento e a recuperação da informação. Neste processo, uma das partes importantes às quais os gestores devem estar atentos é que a “significação de objetos, contextos, acontecimentos e pessoas, indispensável nas relações humanas, são decorrentes do processamento das informações que chegam ao cérebro, cheias de falhas e distorções.” (BANOV, 2009, p. 56-57).

Nesse viés, a inclusão e a percepção de acessibilidade de PcDs no campo universitário se reforça quando se somam as ações, as leis e a estrutura, de modo que o conjunto destes fatores construa uma concepção de deficiência diferente daquela existente na sociedade, que desconhece as políticas públicas voltadas para esse público e cria estereótipos acerca da limitação física do mesmo. Assim, a percepção é entendida como a captação de informações e conhecimentos do mundo exterior, e como um hábito com suas próprias características (KOBATA et al., 2015).

Caracterização da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Normatizações das Políticas de PcD na UEA

A UEA é uma instituição pública reconhecida nacional e internacionalmente, tornando-se protagonista no crescimento regional, nos processos de interiorização de seus cursos e em projetos de desenvolvimento social (PDI UEA, 2017/2021). No campo da extensão universitária, é a maior universidade multicampi do país. Possui importantes variedades de ações, programas e projetos. Todos esses visando à promoção da política institucional de extensão universitária e ao atendimento das necessidades da sociedade, por meio do conhecimento científico e tecnológico. Soma-se a isso o apoio e o incentivo às ações de apoio à comunidade universitária da UEA, que busca a integração e o bem-estar dos alunos e dos servidores (PDI UEA, 2017/2021).

A UEA surge como uma instituição pública que visa proporcionar ensino superior e desenvolver o conhecimento científico na região amazônica, impactando na cultura, no ambiente social e formando profissionais capacitados para atender o mercado de trabalho nos mais variados seguimentos, como: saúde, tecnologia, educação, cultura, dente outros. Neste sentido, a UEA compreende a necessidade de desenvolver políticas públicas de acolhimento de grupos que até então eram marginalizados pela sociedade por ter certas limitações físicas, o que as classificam como pessoas com deficiência. A fim de reduzir essas diferenças, a universidade vem implementando em sua estrutura vagas destinadas a essa classe de pessoas para a melhoria da acessibilidade para o ingresso e formação no ensino superior.

Além disso, a UEA, através do seu Conselho Universitário, criou a Resolução nº 010/2011, concebendo assim o Programa de Inclusão e Acessibilidade para Pessoas com Deficiência da Universidade do Estado do Amazonas – PIAPNE/UEA. Os artigos 1 ao 9° tem como objetivo propiciar o acesso e a permanência qualificada das pessoas com deficiência, por meio da redução de barreiras arquitetônicas, comunicacionais, informacionais, atitudinais e curriculares. Também trata das orientações a serem implantadas no âmbito da sede e de todos os campi do interior.

Recentemente foi criada, por meio da Portaria n° 697/2019-GR/UEA, a Comissão para a Articulação da Política Institucional de Inclusão dos Discentes com Necessidades Educacionais Especiais da UEA, para fortalecer ações para a implantação políticas públicas voltadas para garantia da acessibilidade. Para o ingresso, destacamos a Resolução de nº 015/2020 – GR/UEA, que institui as Normativas da Política de Ingresso dos Discentes com Necessidades Educacionais Especiais da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Criou-se, ainda, a Portaria nº 0432/2020 - GR/UEA - Comissão de Políticas para a Pessoa Surda, no âmbito da Universidade do Estado do Amazonas. Assim, dados os marcos temporais dos documentos que estão sendo produzidos, podemos identificar um movimento recente de regulamentações de ações no âmbito da universidade quanto ao ingresso e permanência de estudantes com deficiência.

Metodologia

Conforme discutido, este estudo tem como objetivo compreender a percepção da comunidade acadêmica acerca das condições de acessibilidade à pessoa com deficiência (PCD) na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Para atender ao objetivo proposto, foram aplicados remotamente 352 questionários à comunidade acadêmica da UEA, contemplando os seguintes grupos: docentes, técnicos administrativos e discentes PcDs e não PcDs. O questionário foi aplicado por meio da ferramenta Google Forms no período de 02 a 15 de novembro de 2021.

O questionário foi composto por uma seção de caracterização dos respondentes, buscando apreender seu perfil pessoal e seu conhecimento acerca da temática, além de questionamentos dispostos em escala tipo Likert. Para formar esta seção, fez-se uso da escala tipo Likert de 5 pontos, variando entre muito ruim (1) a muito bom (5) e incluindo a opção de indiferente (3). Em todos também foi apresentada a opção “desconheço/não consigo opinar”. Para a seção “Satisfação com a Infraestrutura do Campus” fez-se uso de uma escala de 5 pontos, variando entre péssimo (1) a excelente (5), com a opção de neutralidade ou indiferença (3). Além disso, foi solicitado a cada respondente que atribuísse uma nota de 1 a 10 para as condições de acessibilidade na UEA, como forma de capturar a percepção geral da comunidade acadêmica.

Tratamento dos dados

Consta na Figura 1 as etapas do tratamento de dados, que se inicia com a caracterização dos respondentes através da evidenciação das estatísticas descritivas. Em seguida, procedemos com a utilização do Alpha de Cronbach para formação e validação dos constructos do questionário, confirmando a confiabilidade das dimensões previamente definidas. O procedimento, que é utilizado por vários autores na área de ciências sociais aplicadas, visa confirmar a captura do constructo por intermédio das variáveis utilizadas. O Alpha de Cronbach consiste em uma medida entre 0 e 1 que avalia a consistência da escala, tendo geralmente 0,60 como limite inferior de aceitabilidade (HAIR JR et al., 2009).

Figura 1 - Etapas do tratamento de dados

Fonte: Elaborada pelos autores (2022)

Posteriormente, foi empregada a técnica de Análise de Cluster não hierárquica em cada constructo. Para isso, foram calculados os valores médios para cada constructo, uma vez que o número de questões em cada um deles era variável, impossibilitando a construção de uma escala somada. A análise de Cluster objetiva, por meio de algoritmos de máquina, o agrupamento de objetos por similaridades e dissimilaridades e, portanto, tem como produto final grupos de indivíduos que guardam características similares e podem ser analisados de forma conjunta (FERREIRA; ABRANTES; PEREZ, 2008).

Nesta etapa, optamos pela formação de 3 grupos, possibilitando a alocação das médias em alta, média e baixa. Como medida de distância foi utilizada a quadrática euclidiana e Ward enquanto método de agrupamento, este último com o intuito de resultar em grupos de tamanhos aproximadamente iguais (HAIR JR et al., 2009).

Formados os grupos, foi realizada a caracterização de cada um deles em termos de perfis dos respondentes. Para análise da diferença entre as médias, foi utilizado o teste Anova, indicado para comparação entre médias quando se tem três ou mais grupos (DANIELS; MINOT, 2020). Além disso, foram empregados testes Qui-quadrado para examinar as associações entre os grupos de constructos.

Por fim, fizemos uso da técnica de regressão linear múltipla, cuja equação se deu por:

Sendo:

 se refere ao intercepto;

 são os coeficientes das variáveis independentes no modelo;

 se refere ao termo de erro aleatório;

 i representa o respondente da pesquisa.

A variável dependente no modelo (“acessib”) consistia em uma nota atribuída pelos respondentes às condições gerais de acessibilidade na UEA, variando no intervalo de 1 a 10, correspondendo, portanto, a uma variável métrica. Em termos de variáveis independentes, no modelo foram incluídas, além dos constructos que serão discutidos adiante, a variável referente ao gênero do respondente (“gênero” – variável dummy onde 0 é feminino e 1 é masculino), a escolaridade (variável categórica variando de forma crescente entre 1-Ensino Médio Incompleto e 8-Doutorado Completo), a idade do respondente, além de este se considerar Pessoa com Deficiência (“considera_pcd” – variável dummy onde 1 é sim e 0 é não).

Para validação dos pressupostos do modelo de regressão, foram executados o teste VIF (para diagnóstico de multicolinearidade entre as variáveis independentes), Teste de White (análise da homocedasticidade dos resíduos) e Teste de Shapiro-Wilk (análise da normalidade dos resíduos). Além disso, para mensurar a força da associação entre as variáveis, foi calculado o coeficiente beta, eliminando a interferência da unidade de medida das variáveis sobre a magnitude do efeito.           

Resultados e discussão

Caracterização dos respondentes

Constam, na Tabela 1, as estatísticas descritivas que evidenciam o perfil médio dos respondentes da pesquisa. Em relação ao gênero, cerca de 40% dos respondentes eram do sexo masculino, com aproximadamente 31 anos e escolaridade variando entre ensino superior incompleto a completo. Dos respondentes, 5% se consideravam pessoa com deficiência, sendo mais frequente a deficiência física e a intelectual. Além disso, os questionários foram, em sua grande maioria, aplicados a discentes (249), docentes (71) e técnico-administrativos (24).

Tabela 1 – Estatísticas descritivas das variáveis

VARIÁVEL

OBS

MÉDIA

DESVIO-PADRÃO

MIN

MAX

Gênero

352

0,40

0,49

0,00

1,00

Idade

349

31,13

11,71

18,00

64,00

Escolaridade

352

3,82

1,59

2,00

8,00

Considera_PCD

352

0,05

0,21

0,00

1,00

Acessib

352

5,74

1,96

1,00

10,00

Definição_deficiência

352

0,91

0,28

0,00

1,00

Definição_Acessibilidade

352

0,90

0,29

0,00

1,00

Fonte: Elaborada pelos autores (2022).

No que se refere à nota auferida para as condições de acessibilidade da UEA, obteve-se média de 5,74, evidenciando que, na percepção dos respondentes, há um bom nível de acessibilidade, podendo a instituição ainda avançar neste quesito. Quando se segrega a nota por somente indivíduos que se consideram PcD, a média é de 6,05 (desvio-padrão de 2,43), significando que as percepções são similares entre os respondentes com e sem deficiência. Contudo, reforça-se que existe uma margem de respondentes PcDs que não conseguem perceber a acessibilidade de forma significativa para seu acesso aos ambientes da universidade, transmitindo um descontentamento quanto às condições de acessibilidade.

Aproximadamente 90% dos respondentes afirmaram estar cientes a respeito das definições de deficiência e de acessibilidade. Assim, os respondentes se consideram bastantes conhecedores da temática, o que pode ser fruto dos debates sobre a necessidade de inclusão e da garantia de condições satisfatórias de permanência das pessoas com deficiência nas instituições públicas de ensino.

De fato, há um aprimoramento das políticas educacionais voltadas às pessoas com deficiência desde a década de 1990 que trazem importantes debates sobre o tema e promovem grandes mudanças para que os indivíduos com deficiência tenham garantido o seu espaço (GARCIA; BACARIN; LEONARDO, 2018). No entanto, ainda existem inúmeros obstáculos para a efetividade de tais políticas no ensino superior, o que enseja o debate sobre o tema com o intuito de descontruir barreiras ainda existentes (ALMEIDA JÚNIOR; FERNANDES, 2016).

Conforme Pletsch (2020), a acessibilidade pedagógica, arquitetônica e nos transportes merece cuidadoso debate nas instituições federais de ensino superior. Guerreiro (2012) acrescenta que a acessibilidade não se refere apenas à estrutura física de uma instituição de ensino, pois envolve também a comunicação, o transporte, os recursos didáticos e tecnológicos. Para Calado (2006, p.17-18), “as diferenças restritivas derivadas da inadequação do ambiente às PcDs são importantes fatores relacionados a sua segregação, especialmente as chamadas barreiras arquitetônicas e ambientais”.

Nesse viés, Bassei e Cavasini (2015, p.04) aduzem que “outros aspectos citados são as dificuldades para fazer o planejamento e adaptação das atividades e utilização de métodos de ensino adequados para atender às diferentes necessidades dos alunos com deficiência”. Com isso, o ambiente de ensino requer condições favoráveis para atender os PcDs e metodologias que facilitem o aprendizado e contribuam com a diminuição das diferenças de oportunidades, preservando a identidade social do cidadão com limitações de acessibilidade.

Manzini (2005, p. 32) reforça que “as condições de acessibilidades presentes na estrutura física das instituições, como escolas e universidades devem estar relacionadas às políticas inclusivas das estruturas administrativas, que devem refletir uma atitude de luta contra a exclusão”. Para que isso ocorra de forma efetiva, os atores das políticas públicas, tais como políticos e sociedade civil, precisam garantir, disseminar e apoiar as políticas que garantam ações e as práticas dos direitos constitucionais e legais conquistados por essa parcela da sociedade.

Formação e validação dos constructos e análise das relações entre eles

Conforme consta no Quadro 1, foi utilizado o Alpha de Cronbach para a análise da confiabilidade dos constructos previamente definidos. Com exceção do primeiro, cujo valor foi bastante próximo de 0,60, os demais se mostraram com valores muito superiores ao mínimo necessário para validação, indicando que os constructos são capazes de refletir com confiabilidade o fenômeno e possuem alto grau de consistência interna.

Quadro 1 – Formação e validação dos constructos

CONSTRUCTO

QUESTIONAMENTOS

ALPHA DE CRONBACH

Políticas Públicas, leis e regimento de acessibilidade

Qual o seu grau de conhecimento das Políticas Públicas de Acessibilidade da UEA para as pessoas com deficiência?

0,5734*

Na sua percepção, a UEA implementa as ações propostas no Plano de Desenvolvimento Institucional PDI-UEA?

Qual seu grau de familiaridade sobre a Lei de Inclusão das Pessoas com Deficiência, Lei 13.146/2015 (LBI)?

Política para promoção de acessibilidade na UEA

Qual seu grau de satisfação quanto à promoção do ingresso, o acesso e permanência de discentes, professores e técnicos administrativos com deficiência e demais pessoas e comunidade em geral na UEA?

0,8061

Qual o seu nível de satisfação quanto aos trabalhos da Comissão de Articulação da Política Institucional de Inclusão dos Discentes com necessidades Educacionais Especiais da UEA, no que se refere à acessibilidade na comunicação e informação?

Qual o seu grau de satisfação com as ações implantadas pela UEA?

Recursos de acessibilidade

Você está satisfeito com os recursos tecnológicos de acessibilidade que você já identificou nas unidades UEA?

0,8372**

Quanto aos recursos de acessibilidade que você utiliza, qual seu grau de satisfação? (Libras, Braile, Literaturas Inclusivas, Tecnologias Assistivas...).

Qual seu nível de satisfação em relação aos materiais e equipamentos tecnológicos e sobre eles serem adequados para acessibilidade das pessoas com deficiência?

Você está satisfeito com os recursos tecnológicos de acessibilidade que a UEA oferece?

Recursos Humanos

Qual seu nível de satisfação em relação aos recursos de apoio humanos oferecidos tais como tutor, intérprete, profissional do atendimento educacional especializado e outros disponibilizados pela UEA?

0,7754

Na sua percepção, quanto você identifica que os professores estão familiarizados com a Lei de Inclusão das Pessoas com Deficiências, Lei 13.146//2015 (LBI) e qual seu nível de satisfação?

Qual o seu nível de satisfação quanto aos serviços de apoio para estudantes, docentes e/ou funcionários PCDs da UEA?

Infraestrutura do campus UEA

Em sua opinião, como é o acesso aos prédios da UEA (Ex. rampas, elevadores, banheiros, corredores, salas refeitórios e estacionamentos). Estão devidamente sinalizados para as PCDs?

0,7781

Considerando os aspectos de acessibilidade, de forma geral, como você classifica a acessibilidade nas salas de aula da UEA? (alargamento de porta, mesas ou cadeiras acessíveis para o usuário de cadeira de roda...).

Considerando os aspectos de acessibilidade da biblioteca e suas salas de estudo, qual sua percepção?

Considerando os aspectos de acessibilidade dos banheiros, qual sua percepção? (barras de apoio na bacia sanitária e mictório; torneira adequada ao usuário com deficiência física, lavabos com entrada para cadeira de rodas e altura).

Fonte: Elaborada pelos autores (2022).

* Apesar do Alpha de Cronbach não atingir o valor de 0,60, ele é satisfatoriamente próximo deste valor. Devido à importância do constructo para a realização das demais análises, optou-se por mantê-lo.

**Por se tratar de questões que envolvem o efetivo contato com os recursos existentes, houve somente 21 respondentes.

Validados os constructos, procedeu-se a criação da escala de médias para cada um deles, conforme a Tabela 2. Isso possibilitou a atribuição de uma nota média para cada constructo, conforme as respostas dos questionários.

Tabela 2 - Caracterização dos constructos

CONSTRUCTO

OBSERVAÇÕES

MÉDIA

DESVIO-PADRÃO

MIN

MAX

Políticas públicas, leis e regimento de acessibilidade

352

3,59

1,14

1,33

6,00

Política para promoção de acessibilidade na UEA

352

3,88

1,37

1,00

6,00

Recursos de acessibilidade

21

3,35

1,16

2,00

6,00

Recursos humanos

352

3,94

1,42

1,00

6,00

Infraestrutura dos campi UEA

352

2,75

0,87

1,00

5,00

Fonte: Elaborada pelos autores (2022).

Podemos perceber que, em termos de valores de média, não há muitas diferenças entre os constructos. Além disso, os valores de desvio-padrão são inferiores aos valores médios, indicando que não há muita variabilidade entre as respostas, ou seja, não há grande heterogeneidade nos dados.

Prosseguindo a análise, empregamos a técnica de análise de Cluster para cada constructo, onde se fez a divisão em três clusters possibilitando a formação de grupos com médias alta, baixa e média. Ademais, utilizou-se o teste Anova para verificar se as notas e os perfis de respondentes variavam de acordo com cada grupo, conforme a Tabela 3.

Tabela 3 –Resultados dos testes Anova para cada constructo

Constructo 1: Políticas públicas, leis e regimento de acessibilidade

Grupo

Média do constructo

Média atribuída para as condições de acessibilidade da UEA

Idade

Escolaridade

1

3,60

6,19

31,62

3,87

2

2,53

5,43

30,48

3,75

3

5,05

5,71

31,52

3,82

p-valor Anova

0,00***

0,01**

0,69

0,81

 

Constructo 2: Política para promoção de acessibilidade na UEA

Grupo

Média do constructo

Média atribuída para as condições de acessibilidade da UEA

Idade

Escolaridade

1

6,00

5,34

32,07

4,17

2

4,42

6,44

30,65

3,67

3

2,50

5,11

31,31

3,84

p-valor Anova

0,00***

0,00***

0,72

0,14

 

Constructo 3: Recursos de acessibilidade

Grupo

Média do constructo

Média atribuída para as condições de acessibilidade da UEA

Idade

Escolaridade

1

2,22

4,12

33,75

3,50

2

3,55

6,22

29,33

3,89

3

5,19

8,00

33,50

3,50

p-valor Anova

0,00***

0,02**

0,66

0,81

 

Constructo 4: Recursos humanos

Grupo

Média do constructo

Média atribuída para as condições de acessibilidade da UEA

Idade

Escolaridade

1

5,47

6,00

30,31

3,77

2

2,23

5,09

31,94

3,90

3

3,87

6,07

31,27

3,77

p-valor Anova

0,00***

0,00***

0,55

0,76

 

Constructo 5: Infraestrutura do campus

Grupo

Média do constructo

Média atribuída para as condições de acessibilidade da UEA

Idade

Escolaridade

1

2,57

5,63

30,92

3,81

2

1,49

3,39

31,81

4,11

3

3,93

7,39

31,21

3,65

p-valor Anova

0,00***

0,00***

0,88

0,24

*** Significante a 1%. ** Significante a 5%.

Fonte: Elaborada pelos autores (2022).

A Anova indicou que as médias de cada constructo eram, de fato, diferentes, evidenciando a existência de três grupos de notas: alta, média e baixa. Na sequência, percebeu-se que as notas dadas pelos respondentes à acessibilidade da UEA eram diferentes em cada agrupamento para todos os constructos da análise. Assim, os constructos guardam relação com a percepção da acessibilidade como um todo por parte dos respondentes.

No entanto, a Anova também evidenciou que não havia diferenças estatisticamente significativas em relação à idade e escolaridade dos respondentes em nenhum dos grupos ou constructos. Dessa forma, escolaridade e idade não estão relacionadas à percepção dos respondentes sobre as dimensões acerca da acessibilidade na UEA.

A análise dos grupos permite identificar que a percepção dos respondentes sobre cada um dos constructos influenciou na nota de acessibilidade informada. Para todas as dimensões analisadas, o grupo de menor média para o constructo também era o grupo com menor nota de acessibilidade. Dessa forma, a insatisfação do respondente com as dimensões analisadas está relacionada com a atribuição de uma menor nota de acessibilidade à instituição.

De modo inverso se destaca, para os constructos 3 e 5, o fato de que o grupo com maior média para o constructo (grupo 3) também possuía a maior nota média para a acessibilidade. Dessa forma, a percepção acerca da acessibilidade na instituição é maior quanto maior for a satisfação com a infraestrutura e com os recursos tecnológicos e de acessibilidade identificados e utilizados na instituição. Através do teste Qui-quadrado, se verificou também que os agrupamentos de constructos guardam relação entre si, conforme a tabela 4.

Tabela 4 - Testes Qui-quadrado entre os constructos

 

CONSTRUCTO 1

CONSTRUCTO 2

CONSTRUCTO 3

CONSTRUCTO 4

CONSTRUCTO 5

Constructo 1

-

 

 

 

 

Constructo 2

0,000***

-

 

 

 

Constructo 3

0,129

0,076*

-

 

 

Constructo 4

0,000***

0,000***

0,219

-

 

Constructo 5

0,011**

0,000***

0,326

0,000***

-

*** Significante a 1%. ** Significante a 5%. * Significante a 10%.

Fonte: Elaborada pelos autores (2022).

O teste Qui-quadrado evidenciou que não existe relação entre a satisfação com os materiais e tecnologias existentes (constructo 3) e a percepção acerca dos recursos humanos (constructo 4) e de infraestrutura (constructo 5), bem como com o grau de conhecimento acerca das políticas de acessibilidade e nível de familiaridade com a legislação da área (constructo 1). Por outro lado, a familiaridade e conhecimento sobre o tema tem relação direta com a percepção acerca das ações desenvolvidas na UEA (constructo 2), com a satisfação com os recursos humanos (constructo 4) e com a infraestrutura do campus (constructo 5).

Neste sentido, os respondentes conseguem assimilar as atuações da universidade voltadas ao público PcD, indicando que a percepção é um ponto relevante para que sintam que as ações têm impactos em toda a comunidade UEA. Ligado a isso o critério vinculado a recursos humanos e estrutura física ganham espaço por serem o principal meio de percepção da conquista dos direitos que norteiam o tema acessibilidade.

Portanto, o nível de conhecimento sobre a temática está relacionado com a percepção dos respondentes sobre a acessibilidade geral da UEA em suas diversas dimensões. Isso pode influenciar na elaboração de políticas públicas que tenham como objetivo aumentar o nível de conhecimento da população sobre as PcDs, propiciando maior familiaridade e, consequentemente, maior inclusão e acessibilidade.

Regressão linear múltipla

Por fim, os dados foram submetidos a uma regressão linear múltipla, visando identificar relações entre as variáveis. É importante ressaltar que o constructo 3 não foi incluído nesta etapa por possuir somente 21 observações. O Teste F confirmou a significância geral do modelo a um nível de significância de 1%. Além disso, o R2 ajustado era de 0,4344, revelando que mais de 43% das variações na nota de acessibilidade da UEA eram explicadas pelas variações das variáveis independentes do modelo. Constam, na tabela 5, os resultados encontrados.

Tabela 5 - Resultados da regressão linear múltipla

VARIÁVEL

COEFICIENTE

ERRO-PADRÃO

P-VALOR

COEFICIENTE BETA

Constructo 1

-0,048

0,073

0,511

-0.028

Constructo 2

-0,072

0,073

0,323

-0.051

Constructo 4

0,130

0,070

0,065*

0.095

Constructo 5

1,436

0,098

0,000***

0.638

Gênero

0,229

0,164

0,164

0.057

Idade

-0,003

0,009

0,699

-0.022

Escolaridade

-0,060

0,071

0,396

-0.048

Considera_pcd

-0,173

0,370

0,640

-0.019

Constante

1,977

0,431

0,000

-

*** Significante a 1%. ** Significante a 5%. * Significante a 10%.

Fonte: Elaborada pelos autores (2022).

Os resultados revelaram que a nota de acessibilidade da UEA é influenciada pela percepção dos respondentes em relação aos recursos humanos e infraestrutura do campus, mas não pelo seu conhecimento e familiaridade com o tema e nem pela satisfação com as ações de promoção da acessibilidade. Além disso, a idade, escolaridade, gênero e o fato de ser uma pessoa com deficiência não afetam a nota de acessibilidade da instituição, por transcender que esses fatores não impactam de forma considerável o tema acessibilidade na UEA.

Esses efeitos a respeito da percepção ficam intrinsicamente vinculados com a assimilação da existência de recursos humanos voltados a atender o público PcD, ou seja, quanto maior o grau de satisfação no atendimento por parte dos recursos humanos, mais os respondentes percebem a existência da acessibilidade, igualmente isso é sentido quando a infraestrutura fica visível. Considera-se que nota foi determinada, principalmente, por esses fatores, em detrimento dos demais, já que o grau de conhecimento sobre o tema é indiferente mesmo com os esforços da UEA em promover movimentação com objetivo de aguçar o interesse ou gerar conhecimento no campo da acessibilidade no âmbito acadêmico.

Dessa forma, a nota geral para as condições de acessibilidade é influenciada positivamente pelas capacidades institucionais, refletidas pelo investimento em recursos humanos qualificados e infraestrutura física existente. A inclusão do coeficiente Beta no modelo indicou, inclusive, que a infraestrutura é a variável de maior magnitude de influência sobre a nota de acessibilidade, ou seja, é a dimensão que mais influencia na percepção sobre as condições de acessibilidade da UEA. Logo, o investimento na forma de acesso e sinalização dos prédios, além da acessibilidade nos banheiros, salas de aulas e biblioteca, é a principal forma de se aumentar a percepção de satisfação dos usuários quanto à acessibilidade da instituição.

Para Castro (2014, p. 191), é importante destacar o que pode ser considerado como os três grandes desafios para essas universidades: romper as barreiras ainda existentes, principalmente as atitudinais; prever e prover as condições de acessibilidade (física, comunicacional e pedagógica); e criar alternativas para evitar práticas excludentes por parte dos professores. Percebemos que com a superação desses desafios as instituições de ensino superior terão condições de oferecer o acesso à tão almejada acessibilidade.

 Pletsch (2017) entende que ampliar a acessibilidade ao ensino superior exige não só mais investimentos financeiros, mas também pesquisas que privilegiem o tema e suas dimensões frente às políticas de inclusão. Sem pesquisas empíricas que analisem como essa política educacional se traduz e sob quais formas no ensino superior, não há como identificar e problematizar as experiências bem ou malsucedidas, assim como as reais demandas colocadas para efetivar tal processo.

Diante do exposto pelos autores, é imprescindível que haja a eliminação das barreiras que impedem o engajamento dos PcDs e sua independência e permanência no convívio social. Apontam ainda  a necessidade de investimentos, não só para infraestrutura física e recursos humanos, mas também em pesquisas que estudam a temática,  para que estas reais necessidades do público PcD no contexto da educação superior sejam bem-sucedidas.

No entanto, além da importância da infraestrutura e do investimento em recursos humanos, a literatura também evidencia outros aspectos importantes para a inclusão efetiva das pessoas com deficiência nas instituições de ensino. Siems-Marcondes (2017) chama a atenção para o fato de que a acessibilidade depende também das relações humanas estabelecidas, pois tem o poder de favorecer a construção de estratégias para a inclusão das pessoas com deficiência. Assim, o investimento isolado em recursos tecnológicos pode não favorecer a acessibilidade se não for acompanhado do estabelecimento de relações de acolhimento por parte dos professores e gestores.

Esta alegação é reforçada pelo estudo de Ziliotto, Burchert e Carvalho (2021), que afirmaram que apesar de a infraestrutura física oportunizar as condições de aprendizado dos alunos, outros quesitos ainda eram incipientes de adaptação, tais como o site da instituição, os e-mails institucionais enviados, dentre outros. Ademais, Santos e Gomes (2020) destacam, também, barreiras de linguagem (falta de conhecimento de Libras), insensibilidade e falta de respeito por parte da comunidade acadêmica, além de dificuldade de comunicação dentro da própria universidade.

Portanto, os resultados evidenciam que a capacidade institucional é importante para a percepção do nível de acessibilidade de uma organização, principalmente em termos de infraestrutura e de profissionais qualificados. Porém, de acordo com a literatura, esta capacidade não se restringe a estes aspectos, englobando também a linguagem, comunicação e integração das pessoas com deficiência. Isso denota a importância de se compreender os aspectos que influenciam na acessibilidade e sua relação com a capacidade institucional, motivando mais estudos sobre a temática.

Conclusão

No que se refere à resposta ao problema da pesquisa, foi possível identificar e analisar que o cumprimento das leis de acessibilidade na UEA é parcialmente atendido, indicando a demanda de ajuste na estrutura já existente. Ao mesmo tempo, as diversas percepções do público-alvo, obtidas através das respostas aos questionários, demonstram que grande parte dos usuários está satisfeita com a estrutura física existente e com o atendimento dos servidores durante a realização das suas atividades.

Porém, assim como as questões do cumprimento da legislação em vigor, algumas situações pontuais ainda precisam ser ajustadas, contudo, o grau de satisfação encontrado é positivo. No que se refere à análise geral, em relação ao grau de satisfação por parte dos usuários a pesquisa aponta que a maioria dos respondentes considera satisfatórias as condições de estrutura física que a universidade oferece e o atendimento que recebem também está dentro dos padrões, levando em consideração as limitações que possui. Isso evidencia que é possível aos PcDs desempenhar suas atividades rotineiras de forma eficiente e eficaz.

Esse estudo serviu para que fossem identificados os problemas existentes na UEA no que se refere ao acesso e às diversas limitações de seus usuários nas suas dependências. Não obstante, não tivemos o objetivo, nessa pesquisa, de esgotar as investigações referentes à essa temática, visto que esses processos de ajustes necessários devem sempre ser verificados; não unicamente através de pesquisas acadêmicas, mas com verificações constantes in loco de todas as estruturas existentes e identificadas nesta pesquisa. Para que a legislação seja seguida e, consequentemente, torne-se um hábito da instituição primar pelo bem-estar do público acadêmico PcD, é preciso compreender as necessidades especiais como uma oportunidade de humanização do ambiente acadêmico para todos.

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