As interferências histórico-políticas e os avanços e retrocessos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no campo da Educação Especial

Historical-political interferences and advances and setbacks of the Law of Guidelines and Bases of National Education in the Field of Special Education

Injerencias histórico-políticas y avances y retrocesos de la Ley de Lineamientos y Bases de la Educación Nacional en materia de Educación Especial

 

Paula Cristina Stopa

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

paulacristinastopa@gmail.com

 

Adrieli Camila Soares Matheus

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

adrielicsm@hotmail.com

 

Adriana Garcia Gonçalves

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

adrigarcia@ufscar.br

 

Gerusa Ferreira Lourenço

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

gerusa@ufscar.br

 

Recebido em 02 de fevereiro de 2022

Aprovado em 03 de novembro de 2023

Publicado em 29 de novembro de 2023

 

RESUMO

Pensando na promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1961, as versões subsequentes e os impactos para a área da Educação Especial, problematizou-se como as transformações políticas ocorridas entre as décadas de 1950 e 1990 influenciaram no percurso dos diferentes documentos das versões da LDB e na construção dos capítulos destinados à área da Educação Especial. Para isso, este artigo visa, a partir de uma contextualização histórica e política à época, descrever e comparar os avanços e retrocessos contidos nos capítulos destinados à Educação Especial nos três documentos promulgados da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, por meio de uma pesquisa descritiva com análise documental e bibliográfica, o presente trabalho apresenta as transformações históricas, políticas e mudanças terminológicas ocorridas na LDB 4.024/61, LDB 5.692/71 e na LDB 9.394/96, no que se refere à Educação Especial. Os resultados apontam para o direcionamento e descompromisso do Estado com a educação dos alunos da Educação Especial. Conclui-se que as transformações histórico-políticas têm impacto direto no modo como a Educação Especial é vista no campo educacional, assim como nas terminologias utilizadas e nos serviços prestados ao público alvo.

Palavras-chave: Educação Especial; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Política; História.

 

 

ABSTRACT

Thinking about the enactment of the Law of Guidelines and Bases of National Education (LDB) in 1961, the subsequent versions and impacts for the área of Special Education, it was problematized how the political transformations that occurred between the decades of 1950 and 1990 influenced the course of the different documents of LDB versions and in the construction of chapters for the area of Special Education. For this, this article aims, from a historical and political contextualization at the time, to describe and compare the advances and setbacks contained in the chapters intended for Special Education in the three documents promulgated of the Law of Guidelines and Bases of National Education. Thus, through a descriptive research with documentary and bibliographic analysis, the present work presents the historical, political and terminological transformations that occurred in LDB 4.024/61, LDB 5.692/71 and LDB 9.394/96, with regard to Special Education. The results point to the direction and disengagement of the State with the education of special education students. It is concluded that historical-political transformations have a direct impact on the way special education is viewed in the educational field, as well as on the terminologies used and on the services provided to the target public.

Keywords: Special Education; Law of Guidelines and Bases of National Education; Politics; History.

 

 

RESUMEN

Pensando en la promulgación de la Ley de Lineamientos y Bases de la Educación Nacional (LDB) en 1961, las posteriores versiones e impactos para el área de Educación Especial, se problematizó cómo las transformaciones políticas ocurridas entre las décadas de 1950 y 1990 influyeron en el curso de los diferentes documentos de las versiones LDB y en la construcción de capítulos para el área de Educación Especial. Para ello, este artículo pretende, desde una contextualización histórica y política de la época, describir y comparar los avances y retrocesos contenidos en los capítulos destinados a la Educación Especial en los tres documentos promulgados de la Ley de Lineamientos y Bases de la Educación Nacional. Así, a través de una investigación descriptiva con análisis documental y bibliográfico, el presente trabajo presenta las transformaciones históricas, políticas y terminológicas ocurridas en LDB 4.024/61, LDB 5.692/71 y LDB 9.394/96, con respecto a la Educación Especial. Los resultados apuntan a la dirección y desvinculación del Estado con la educación de los estudiantes de educación especial. Se concluye que las transformaciones histórico-políticas tienen un impacto directo en la forma en que se ve la educación especial en el campo educativo, así como en las terminologías utilizadas y en los servicios prestados al público objetivo.

Palabras clave: Educación Especial; Ley de Lineamientos y Bases de la Educación Nacional; Política; Historia.
Introdução

Sabe-se que no campo educacional diversas Leis, Diretrizes, Normativas e Emendas foram criadas como aporte legal para garantir o direito à educação. Dentre estes documentos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) pode ser considerada um dos dispositivos norteadores da educação, com maior importância e impacto na sociedade brasileira, isto porque, este documento assume papel protagonista para nortear a educação brasileira, além de conter componentes que legitimam os direitos, deveres e pretensões educativas da população.

As mudanças propostas no cenário educacional normatizadas pela LDB e outros documentos, somaram importantes contribuições para a área educacional, mais especificamente para a modalidade de ensino da Educação Especial, favorecendo principalmente aos alunos atendidos pelas políticas de inclusão, que neste texto serão chamados Público Alvo da Educação Especial (PAEE[1]) cumprindo com a nomenclatura utilizada nos documentos atuais e vigentes, exceto quando a discussão fizer referência a terminologia utilizada no documento da época trabalhada.

Assim, para contribuir cientificamente com o tema, este texto traz como problemática de estudo as transformações políticas ocorridas entre as décadas de 1950 e 1990 que influenciaram no percurso dos diferentes documentos promulgados da LDB e na construção dos capítulos, desta lei, destinados à área da Educação Especial.

Diante disto, este artigo visa a partir de uma contextualização histórica e política à época, descrever e comparar os avanços e retrocessos contidos nos capítulos destinados à Educação Especial nos três documentos promulgados da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Partindo desta premissa, a primeira versão da LDB foi promulgada em 1961 permeada de diversos tensionamentos políticos e interesses da sociedade civil, durante o regime da Segunda República, ou como também ficou conhecida: República Populista. Esta versão refere-se à Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 que fixa a LDB. Mazzotta (1990) sinaliza a relevância deste documento, não apenas para o campo educacional, mas fortemente para a Educação Especial, uma vez que a promulgação desta lei, caracterizou-se como o pontapé inicial das ações oficiais do poder público na área de Educação Especial, pois, antes deste documento a Educação Especial se limitava a iniciativas isoladas da política educacional nacional.

A LDB 4.024/61 era composta por 120 artigos e apresentava dois artigos (88 e 89) especificamente voltados à Educação Especial contemplados no título “Educação do Excepcional”, que visava a regulamentação da educação dos indivíduos com deficiências.

Dez anos depois, em 1971, após diversas mudanças no cenário político do país, em decorrência da Ditadura Militar, é promulgada a segunda versão da LDB, a Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971. De acordo com Mendes (2010), os historiadores estabelecem na década 1970 como o período de institucionalização da Educação Especial, isso, por conta do aumento de textos legislativos, do crescimento das associações de atendimento filantrópico, bem como, dos estabelecimentos do financiamento e do envolvimento das instâncias públicas.

Devido ao crescimento fez-se necessário estabelecer as bases legais para o desdobramento da Educação Especial no Brasil. Assim, a LDB 5.692/71, contava com 88 artigos, entretanto, apenas um artigo estava voltado para a Educação Especial. Elaborada em meio a um cenário ditatorial e rodeada por interesses econômicos da época, no contexto educacional geral, esta versão da Lei criou novos níveis de ensino, o que modificou a estrutura da lei anterior e inclui o ensino de 1° e 2° grau, que a partir de então contou com oito séries anuais obrigatórias, dos sete aos 14 anos.

Foi somente 25 anos depois, em 1996, no governo recém assumido por Fernando Henrique Cardoso e, após importantes tensionamentos políticos que o país vivenciava, em especial com a redemocratização brasileira, que a LDB se reformulou e foi promulgada: a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nesta versão, vigente até os dias de hoje, a Lei apresenta 92 artigos e destes, três são destinados exclusivamente à Educação Especial, no título e capítulo V do documento.

A respeito do acompanhamento do documento em relação às transformações na concepção política a nível nacional, Cerqueira et al. (2009, p. 1) sinaliza que “[...] cada redação jurídica referente à LDB atendeu a esta concepção, desse modo, se estabeleceu a reestruturação e ‘renormatização’ do sistema educacional ao longo do tempo”. Com base nestes pressupostos, observa-se que a LDB passou por alterações importantes no decorrer dos distintos períodos políticos brasileiros, que acarretaram modificações que afetaram as ênfases dadas ao campo educacional como um todo, especialmente para a modalidade da Educação Especial.

Deste modo, no presente trabalho apresentaremos um breve panorama do contexto histórico-político vigente na época de cada versão promulgada da LDB, levando em conta decisões políticas, que influenciaram diretamente na elaboração e nas reformulações de cada uma das três versões dos documentos, com destaque aos capítulos referentes à Educação Especial.

 

Método

A presente pesquisa propõe, com base em Gil (2008), uma pesquisa de cunho descritivo, pois busca descrever o conteúdo das três versões promulgadas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, voltado à área da Educação Especial, com base no estudo desses documentos.

Quanto à análise, caracteriza-se como uma pesquisa documental e bibliográfica. Caracteriza-se como documental, uma vez que se refere aos “materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 2008, p. 51), neste caso, as três versões da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Já ao que tange a sua natureza bibliográfica, para Gil (2008) este tipo de natureza de pesquisa é desenvolvido com base em materiais já elaborados, em especial livros e artigos científicos, assim sendo, buscando investigar se havia trabalhos desenvolvidos e articulados com problemática similar à do estudo, tendo como objetivo o aprofundamento na análise das versões dos documentos da LDB.

Em decorrência disto, realizou-se uma busca na plataforma de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Utilizou-se como descritor dois conjuntos: 1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Educação Especial e, 2. LDB e Educação Especial. Estabeleceu-se como critério de inclusão para leitura dos textos: a) apenas artigos produzidos no período de 2017 e 2021; b) títulos que fizessem referência a LDB e que não limitassem nenhuma etapa de ensino ou disciplina/conteúdo didático, e c) leitura do texto na íntegra para identificar se o assunto estava relacionado a modalidade da Educação Especial.

Assim, após a leitura dos títulos dos trabalhos obteve-se para o descritor 1. dois resultados: um deles descartado por se referir a Ensino Religioso/Laico; um artigo selecionado com o título “Vinte anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Avanços e limitações na luta pela ampliação do direito à educação” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2016). Para o descritor 2. foram identificados nove resultados, sendo que destes, após a leitura dos títulos seis foram descartados por tratarem cada um dos respectivos temas: Educação Infantil; Educação Física; Alimento na escola; Ensino Superior e o último Ensino Religioso, que apareceu duas vezes; Os artigos, que foram selecionados pelo título, intitulam-se: “A gestão educacional e a qualidade educacional na LDB: medidas e padrões (nem sempre) congruentes” (SANTOS, 2018); “A nova LDB e os movimentos sociais: etapa de um longo processo” (RAMOS-DE-OLIVEIRA, 2017); “Trajetória histórico-normativa do planejamento educacional: preceitos da Constituição Federal de 1988 à LDB nº 9394/96” (SILVA; FILHO, 2016). Após a leitura dos textos, constatou-se que nenhum dos textos apresentava relação com a modalidade da Educação Especial, nos dando um alerta sobre o material a ser produzido e demonstrando escassez de produções que relacionassem a LDB e a área da Educação Especial, uma vez que as produções se referem a LDB como política relevante à área da Educação ou o impacto da Lei, nas etapas e disciplinas da Educação Básica.

 

Discussões

Buscando focar especialmente no proposto por este texto, as discussões e reflexões críticas serão realizadas separadamente para cada uma das versões da LDB, entendo que deste modo as análises do contexto histórico, político nacional e estrutural do documento citado, estariam de acordo com o que propõe o objetivo do texto, descrever e comparar os avanços e retrocessos contidos na LDB nos capítulos destinados à Educação Especial, desenvolvendo um contextualização histórica e política da época em que os três documentos foram promulgados. Assim a discussão está estruturada nos seguintes tópicos: I. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/1961; II. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 5.692/1971; III. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/1996 até os dias de hoje, e IV. Impactos da concepção de educação especial nas LDBs.

 

I. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/1961:

 

Após o Estado Novo (1937 a 1945) e as implicações postas pela Segunda Guerra Mundial, o Brasil iniciava o período da Segunda República, ou como também ficou conhecida “República Populista”, que durou de 1945 até 1964. Mendes (2010) assinala que este período governamental se caracterizou:

[...] pela ambiguidade do governo que, se por um lado reconhecia a insatisfação do povo, por outro procurava dirigir e manipular as aspirações populares. Observa-se neste período o processo da internacionalização da economia, a entrada do capital estrangeiro com as multinacionais, a influência da invasão cultural e econômica norte-americana e o agravamento da pobreza da população. (MENDES, 2010, p. 98).

 

Interposta neste contexto, a área da Educação necessitava urgentemente de mudanças e assim, surgiam grandes discussões pautadas nessa temática por parte de movimentos que defendiam a educação pública como um direito de todos. Frente a estas discussões e com vistas a atender as demandas apresentadas, iniciou-se a tentativa de implementação de um documento para a área da educação, porém, antes de entrar em vigor o documento que estava em tramitação teve dois momentos de grande relevância para a constituição do seu texto final.

O primeiro momento foi na Câmara dos Deputados e no Senado Federal onde a tramitação do documento durou treze anos, pois, por um lado, a discussão era pautada por inquietudes sobre a aprovação da Lei no âmbito nacional, uma vez que foi elaborada por uma comissão de educadores que julgavam que, a política educacional vigente na época, ainda estava pautada na Constituição de 1934 e, portanto, não acompanhava os passos da Constituição de 1946 (MENDES, 2010).

Por outro lado, o segundo momento englobava as pressões colocadas pela sociedade civil, este movimento se opunha os projetos públicos educacionais aos projetos privados. No campo da Educação Especial, por exemplo, a Sociedade Pestalozzi juntamente com a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), pressionaram o governo com a criação da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficiente Mentais. Na versão final do documento, observou-se que a Lei 4.024/61 seguiu uma espécie de compromisso com os dois momentos, por um lado tentava atender às necessidades postas pela União e por outro, atender às demandas postas pela sociedade civil, dualidade observada em vários trechos do documento.

Em meio a estes e outros tensionamentos, no governo de João Goulart (1961-1964) surge então a Lei nº. 4.024 de 20 de dezembro de 1961, assinada pelo então Ministro da Educação Clemente Mariani, que fixava a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Esta Lei surge como um instrumento normativo fundamental, para orientar o sistema nacional de educação a partir do texto constitucional de 1946, que previa a descentralização do ensino, para superar as premissas do Estado Novo (CURY, 2016). Esta primeira versão da LDB apresentava ao todo 120 artigos destinados ao campo educacional e neste entremeio, apresentava o título X, chamado “Educação de Excepcionais”, que contemplava dois artigos, a saber:

 

Art. 88. A educação de excepcionais, deve, no que fôr possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade.

Art. 89. Tôda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bôlsas de estudo, empréstimos e subvenções (BRASIL, 1961, p.15).

 

Com base no excerto, observa-se claramente a dualidade posta pelo documento, pois, no artigo 88, a utilização da frase “enquadrar-se no sistema geral de educação” (BRASIL, 1961, p. 15), mostra que a responsabilidade da educação dos excepcionais passa a ser do Estado, contrapondo, enquanto que no artigo 89, mostra a intenção de transferir a responsabilidade do atendimento especializado desse alunado às instituições de iniciativa privada, que devido ao artigo receberam investimentos do governo para operacionalizar os serviços propostos. Em decorrência disto, no ano seguinte, em 1962, o Plano Nacional da Educação destinou 5% de seus recursos para a educação de excepcionais, por meio de bolsas a essas instituições, para dar assistência a crianças excepcionais (AREND; MORAES, 2009).

No campo da Educação Especial, após a criação da LDB, observou-se um aumento de instituições privadas com viés filantrópico, aumento este impulsionado desde a década anterior pelo significativo número de instituições de ensino especial para pessoas com deficiência intelectual. Para Mendes (2010), o aumento dessas instituições de iniciativa privada resultou na necessidade de criar-se um órgão representativo, o que levou ao surgimento em 1962 da Federação Nacional das Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (FENAPAES).

Este aumento e concomitante fortalecimento, de acordo com Mendes (2010), pode ser justificado pela omissão do atendimento desta população pela esfera da educação pública, que acabou se exonerando da sua responsabilidade quando financiou com recursos exclusivos da assistência social as instituições privadas.

Mendes (2010) pontua ainda que, um acontecimento importante que se deu a partir da criação da LDB de 1961, foi com a criação do Conselho Federal de Educação (CFE) que assumiu uma postura pioneira enquanto ações oficiais do poder público no âmbito da Educação Especial, que anteriormente eram ações isoladas dentro da política educacional nacional.

Corroborando na discussão sobre os impactos da criação da LDB, Lopes (2014) sinaliza que a partir desta Lei a utilização do termo “educação de excepcionais” e outros como deficientes físicos ou mentais, portadores de deficiência e portadores de necessidades especiais, aparecem em diferentes documentos (BRASIL, 1978; 1988) em substituição a termos como retardados, incapacitados, anormais e mongolóides, utilizados neste período.

 

II. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 5.692/1971:

 

Após a criação da LDB de 1961 e nos dez anos seguintes, houve uma mudança significativa no cenário político do país, a Ditadura Militar em 1964, que neste contexto político, impôs novos percalços no âmbito educacional como a censura e a perseguição a dissidentes.

No campo educacional, no bojo do golpe civil-militar de 1964, a Constituição Federal de 1967, suprimiu a vinculação entre o financiamento da educação escolar e a porcentagem da receita oriunda dos impostos arrecadados, mas ao mesmo tempo, ampliou a obrigatoriedade do ensino primário para oito anos. O impacto sobre o salário dos docentes e carreiras foi fruto de muitas discussões e cenário de importantes debates políticos acerca do novo documento que estava prestes a vigorar no País.

Durante o Período Ditatorial, sob o governo de Emílio Garrastazu Médici, e com o Ministro da Educação, Jarbas Gonçalves Passarinho, a nova versão do documento, a Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971, apresentava apenas um artigo e mencionava os alunos com deficiência, sem especificações sobre o atendimento destinado a esses estudantes, a saber:

 

Art. 9º Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acôrdo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação(BRASIL, 1971, p. 2).

 

Para além disso, nesta Lei em seu artigo 67 houve menção de regime especial destinados a esses alunos, que citava o Decreto/Lei n° 1.044, de 21 de outubro de 1969, que dispunha sobre “tratamento excepcional para os alunos portadores das afecções” (BRASIL, 1969, p. 1),a saber:

 

Art 1º São considerados merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbitas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por:

a) incapacidade física relativa, incompatível com a freqüência aos trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das condições intelectuais e emocionais necessárias para o prosseguimento da atividade escolar em novos moldes;

b) ocorrência isolada ou esporádica;

c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado, atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma, cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a correções ortopédicas, nefropatias agudas ou subagudas, afecções reumáticas, etc. (BRASIL, 1969, p. 1)

 

Durante este período, o Conselho Federal de Educação foi extinto e deu espaço à criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Este órgão, incumbido de normatizar as leis educacionais, foi criado pelo Decreto n° 72.425 de 3 de julho de 1973, com intuito de viabilizar a ampliação e melhoria do serviço às pessoas com deficiência, e elaborou em 1974:

 

[...] o primeiro censo das instituições em funcionamento no Brasil, registrando um contingente de 96.4131 matrículas de alunos “excepcionais”, das quais 41,8% delas se encontravam no ensino privado, possivelmente em instituições filantrópicas (MENDES, 2019, p. 4).

 

Mendes (2010), expõe que a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) em 1976, com o seu Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS) concentrou as diversas instituições encarregadas pelos programas assistenciais, dentre elas a Legião Brasileira de Assistência (LBA), na qual era responsável pelo custeamento das instituições filantrópicas.

Em 1977 foi formado o Ministério da Previdência e Assistência Social que formalizou as diretrizes para o atendimento dos “excepcionais”, e apresentou o atendimento integrado juntamente com ações complementares para a Educação Especial com colaboração médico-psicossocial, passando a determinar e delimitar o público, e ainda, conceder diagnósticos, supervisão, encaminhamento e controle, o que acabou por fortalecer o caráter mais assistencial do que educacional.

Na aprovação da Emenda nº 12 à Constituição de 1967, que ocorreu em 1978, visava garantias de melhorias nas condições sociais e econômicas das pessoas com deficiência, por meio da Educação Especial gratuita. A Portaria nº 186/78 determinou que os “alunos excepcionais” deveriam receber atendimento educacional ofertado nos estabelecimentos do ensino regular, nas classes especiais ou comuns, e nas instituições especializadas com cunho educacional (MENDES, 2019).

Assim, nesta versão do documento, pôde-se observar a hegemonia e permanência dos serviços de Educação Especial, no interior de instituições especiais de caráter privado, já garantidos na versão anterior do documento e que após a vigência desta nova versão, foram reforçadas pela abertura e criação do Sinpas e do FPAS, por exemplo.

 

III. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/1996 até os dias de hoje:

 

A década de 1990 é caracterizada como o período em que a economia se tornou mundial e o conhecimento se apresentou como fator condicionante e gerador de novas desigualdades e diferenças. No quadro político brasileiro, descrito através dos percursos da LDB, com fortes influências externas, tendo em curso no mundo discussões aquecidas envolvendo o Estado de Bem Estar Social, a queda do Muro de Berlim, o fim do socialismo real, a crise do petróleo, entre outros acontecimentos, o capitalismo tomava outros rumos e questionava o Estado na condução da economia e nos direitos sociais.

A história brasileira foi fortemente marcada pelo período de repressão militar, iniciado com o golpe de 1964 e terminado em 1985 com o “Movimento das Diretas Já”, que elegeu como Presidente da República, o Deputado Tancredo Neves, após 21 anos de momentos de tensão política (MONTEIRO; GONZÁLEZ; GARCIA, 2011).

No bojo de uma luta pelo retorno à democracia, a participação civil exerceu papel fundamental na elaboração da Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”. A redemocratização do Brasil agregou fortes reivindicações de movimentos sociais, principalmente voltados à educação nacional. Almejava-se um país com maior participação civil, direitos humanos, sociais e políticos em vigor e com a participação do povo.

Diante de um país “evoluído”, no que se diz respeito às questões de liberdade de expressão e de informação, a nova educação, influenciada pelo avanço tecnológico, com o conhecimento e a informação como fortes tendências, revelava a necessidade de uma reestruturação no documento, uma vez que, as previsões legais adotadas anteriormente, estavam ganhando status de obsoletas frente às tendências do “novo” país.

Na metade da década de 80, enquanto Sarney ainda governava o País, a história da nova LDB era desenhada e acabou atravessando os governos de Collor (1990-1992) e Itamar (1992-1994), sendo aprovada somente no governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Compreendida dentro do período em que o neoliberalismo marcava fortes influências no cenário brasileiro, as primeiras ideias em relação à nova LDB anunciavam importantes disputas ideológicas, em que os direitos humanos assumiam posição de destaque nesta sociedade recém retomada pelos civis, que estavam se organizando para recomeçar o regime militar.

A nova LDB, assim conhecida, surge no cenário nacional para provocar importantes tensões políticas. Dois projetos tramitaram pelo Congresso: um advindo da Câmara dos Deputados, mais analítico e denso e, o outro oriundo do Senado, apresentou-se como uma proposta sintética. A grande discussão tinha como referência a maior ou menor intervenção do Estado na educação, seja na administração pública ou no segmento privado. Foram longos 13 anos até a aprovação, e em 1994 o governo eleito, após empossamento em 1995, optou pelo projeto proposto pelo Senado, voltada às teses da diminuição da presença do Estado em vários campos de atividade. Assim, a LDB aprovada se calca em dois eixos: flexibilidade e avaliação (CURY, 1997).

Como posto por Ramos-de-Oliveira (2017, p. 42) "[...] uma lei é sempre e simplesmente uma etapa de um processo social, pleno de lutas, avanços, recuos forçados ou estratégicos.” Assim a LDB (1996) também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, é uma Lei mais enxuta na redação, suprimindo muitos detalhes e especificações estabelecidas no primeiro projeto apresentado pela Câmara dos Deputados. Permaneceram no texto aprovado alguns princípios já consagrados sobre a gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental, possibilitando inclusive a ampliação de sua duração. Além disso, a descentralização da educação ao Estado ganha força e os sistemas de ensino passam a ser geridos pelos Municípios, que foi reforçada pela legislação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.

Na versão atual da LDB, a Educação Especial recebe um capítulo específico e está prevista como uma modalidade de ensino, ou seja, perpassa a educação infantil e estende-se ao longo da vida, no qual deve ser ofertada preferencialmente na rede regular de ensino, classes, escolas ou serviços especializados, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 1996). Nesse sentido, é importante pontuar uma alteração ocorrida do documento original, por parte da Lei nº 13.632/18, decretada por Michel Temer, que enfatiza a educação e aprendizagem ao longo da vida, pois, as versões anteriores submetiam o ensino da pessoa com deficiência apenas em sua idade escolar, ou seja, a oferta de Educação Especial aos estudantes PAEE sofre uma mudança significativa, abarcando o ensino para além da idade escolar.

Vale ressaltar ainda que, a LDB/96 estabelece em seu Artigo 59, como dever dos sistemas de ensino assegurar currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, além de terminalidade específica, professores com especialização adequada, educação especial para o trabalho e acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais. Ou seja, estão assegurados pela LDB todos esses itens para o PAEE, porém, é importante refletir que essas conquistas não foram alcançadas puramente por boa vontade do Estado e sim, por muita luta dos movimentos sociais, dos educadores, das pessoas com deficiências e familiares.

A descentralização do Estado, ao delegar a responsabilidade do ensino fundamental aos municípios, fortemente aglutinado em torno de um projeto neoliberal com foco na minimização do papel do Estado, atinge também o nível técnico-pedagógico, ao estabelecer que as instituições escolares devem elaborar sua própria proposta pedagógica. A LDB ainda orienta para a organização do ensino fundamental ao instituir o regime de reclassificação dos alunos e flexibiliza o aproveitamento de estudos com a progressão continuada (BRASIL, 1996).

 

IV. Impactos da concepção de educação especial nas LDBs

 

A LDB percorreu um longo percurso histórico, sendo concebida e reorganizada em tempos em que a sociedade começava a se reestruturar e seguir os rumos para melhor orientar os cidadãos sobre as normas, regras e condutas uniformes do país.

Enquanto o Brasil caminhava sob um regime parlamentarista, a LDB/61 foi promulgada reafirmando os dispositivos da Constituição de 1934, em que garantia aos cidadãos a educação gratuita, obrigatória, com vínculos orçamentários e apresentava o plano nacional de educação. Além disso, contemplou várias demandas do ensino privado como a possibilidade de recursos públicos e a disciplina de ensino religioso nas escolas oficiais.

Foi neste cenário que a educação dos estudantes PAEE teve os primeiros destaques através de iniciativas populares. Se por um lado as instituições de Educação Especial fortaleceram o discurso e a prática da educação segregadora, por outro a tendência passou a ganhar espaço nos documentos legais e a educação dos “excepcionais”, apesar de discreta citação, obteve grande relevância no cenário educacional.

A atenção à Educação Especial ocorreu devido ao aumento do acesso da população menos favorecida socialmente e economicamente à educação básica, antes fornecida pelo Estado à elite brasileira. Os alunos que demonstravam dificuldades na aprendizagem eram diretamente encaminhados aos serviços, que não necessariamente eram disponibilizados apenas aos alunos considerados “excepcionais”, mas também para aqueles alunos que apresentavam defasagens escolares e sociais.

 

Contudo, pode-se entender como relevante a primeira LDB para todo o cenário educacional do Brasil, tanto para o ensino regular que passou por uma fase de construção da sua organização e fundamentação, quanto em relação à educação especial, a qual passou explicitamente a ser considerada um direito e, apesar da ainda ausência de relevantes medidas políticas para a questão, abriu espaço para uma atuação nesse cenário, ainda que particular (CARVALHO; SALERNO; ARAÚJO, 2015, p. 42).

 

 

A segunda versão do documento (LDB/71), promulgada em meio a tantos conflitos políticos no país, visava a utilização da educação como forma de contribuição aos seus objetivos de industrialização nacional. A sociedade e o tratamento oferecido às pessoas com deficiências eram pautados na filosofia da normalização, que apareceu em posição de destaque partindo da ideia de que ao proporcionar uma vida próxima aos padrões e formas de funcionamentos equiparados à normalidade, as pessoas com deficiências poderiam exercer seus direitos, mesmo que ainda confinados em instituições e separados da comunidade (CARVALHO; SALERNO; ARAÚJO, 2015). O movimento de integração ganha forças ainda nesta década, onde as instituições especiais almejam a preparação deste sujeito às demandas sociais, dentro de suas possibilidades e capacidades.

A educação das pessoas com deficiências na LDB/71, permanece legalmente garantida, mas não são definidas as medidas práticas e específicas quanto à essa construção educacional. Para Mazzotta (2003), a LDB/71 trouxe a educação especial explicitamente associada ao sistema regular de ensino, uma vez que, as definições legais foram espalhadas em um artigo dentro do capítulo I; enquanto na versão anterior da LDB/61, a educação especial aparecia em um capítulo separado das determinações para o ensino regular.

Na LDB, sancionada em 1996, pelo então presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a Educação Especial recebeu maior visibilidade e campo de discussão, que embora tenha sofrido diversas alterações, até os dias atuais  e, apresenta várias lacunas passíveis de interpretações: como o uso do termo “preferencialmente” (sobre a modalidade de Educação Especial), que de acordo com o documento, deve ser ofertada preferencialmente na rede regular de ensino, marcando a influência das instituições especializadas no cenário político e a questão do público-privado que vai ao encontro da política neoliberal promovida. Mesmo com questões como esta, o documento alavancou a disponibilização de serviços e recursos, e configurou, o funcionamento da Educação Especial como ele é concebido nos dias de hoje.

A nova LDB avança na ampliação do atendimento pela rede regular de ensino, aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, ampliando a responsabilidade do ensino público, porém ainda há muito o que se debater e trabalhar em relação à inclusão escolar, pois, as propostas inclusivas têm encontrados constantes barreiras para serem implantadas, além de inúmeros questionamentos e dúvidas sobre a melhor alternativa educacional para o público alvo da educação especial (CARVALHO; SALERNO; ARAÚJO, 2015). Apesar da LDB “contribuir teoricamente e legalmente com a implantação da inclusão escolar, nota-se, a ausência de ações efetivas para que cada item estipulado de fato se consolide” (CARVALHO; SALERNO; ARAÚJO, 2015, p. 45).

Salienta-se que apesar da LDB propor inovações, essa não gerou efetivo acesso a uma educação de qualidade a uma expressiva parcela da população, especialmente o público alvo da educação especial. Dentre as barreiras para se atingir o que se estima em ser uma educação de qualidade, como melhor execução das políticas públicas educacionais, identifica-se que não há consenso entre os estudiosos da área sobre quais e como são os melhores serviços de apoios ofertados a esses indivíduos, para que de fato, haja acesso e permanência desse alunado nas escolas públicas. Carvalho, Salerno e Araújo (2015), evidenciam que a inclusão escolar é apresentada em caráter teórico na LDB, porém carece de medidas para viabilizar a concretude na prática, no entanto, nos alertam a importância desses temas educacionais serem legalmente estabelecidos e não negligenciados, sendo um passo relevante para o futuro desenvolvimento de projetos no cenário educacional.

Em consonância com os contextos históricos e políticos, observa-se claramente a interferência destes nas três versões da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Percorridos 35 anos, podemos destacar significativas mudanças no cenário educacional, alterações voltadas à terminologia, bem como o tipo de serviço destinado ao público-alvo, conforme quadro a seguir:

 

Quadro 1 - Comparação entre as versões da Lei de Diretrizes e Bases

Versões da LDB

Terminologia utilizada 

Serviços

LDB 4.024/61

- Educação de Excepcionais

- Enquadrar-se no sistema geral da educação;

- Instituições privadas (filantrópicas)

LDB 5.692/71

- Deficiências físicas ou mentais;

- Atraso considerável;

- Superdotados

-Deverão receber tratamento especial (Conselhos de Educação)

LDB 9.394/96

- Educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação

- Rede regular de ensino (preferencialmente);

- Atendimento Educacional Especializado (AEE)

Fonte: Autoria própria (2021).

 

Da primeira para a segunda versão observam-se mudanças significativas na área da Educação Especial, sendo, um dos grandes impactos a mudança da terminologia utilizada. Enquanto a LDB 4.024/61 utilizava o termo Educação dos Excepcionais, a LDB 5.692/71 refere-se aos sujeitos como pessoas com deficiências físicas ou mentais; atraso considerável ou superdotados.

Da segunda para a terceira versão observa-se uma modificação ainda maior por conta dos diversos documentos internacionais publicados na década de 90, como a Declaração de Salamanca (1990); a LDB 9.394/96 utiliza a terminologia educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, nomenclatura utilizada até os dias atuais.

Vale ressaltar que as diferentes versões da LDB propiciaram diversas alterações conceituais na área da Educação Especial, perpassando de uma visão em que a educação das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação era segregada, em ambientes e formas diferentes dos demais, no qual o aluno se adaptava a escola, para uma visão em que o sistema escolar se ajuste às especificidades desse alunado, sendo esse atendimento dentro das escolas regulares. (CARVALHO; SALERNO; ARAÚJO, 2015).

Estas mudanças terminológicas, apresentadas nos documentos, bem como pesquisas na área, de acordo com Lopes (2014, p. 741) reforçam “a importância da escolha terminológica e a correta interpretação de conceitos para favorecer a proximidade entre as pessoas, a comunicação entre os especialistas e para que os destinatários recebam atenção adequada”.

Quanto aos serviços, observa-se de acordo com o Quadro 1, que os serviços e atendimentos direcionados aos sujeitos alvo destes documentos também foram modificados em cada uma das versões. Assegurava na primeira versão do documento o atendimento em instituições filantrópicas, na segunda versão dizia respeito a um tratamento especial, para então na terceira versão a garantia do Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Quanto aos serviços, pode-se ainda sinalizar a diferenciação dos locais físicos em que eram ofertados, uma vez que saíram dos espaços filantrópicos, ou seja, de espaços segregados, descontextualizados do que seria o espaço escolar; para o AEE, que mesmo se dando fora da sala de aula comum, pertence e está inserido no ambiente escolar.


Considerações finais

 As mudanças propostas para a área da Educação Especial, nas diferentes versões do documento, estavam diretamente ligadas às mudanças ocorridas no cenário político do Brasil. Os tensionamentos propostos nos diferentes contextos históricos interferiram no modo como a Educação Especial foi vista em cada uma das versões, assim como, na relevância dada a esta modalidade de ensino, os serviços disponibilizados e até mesmo a nomenclatura associada ao público-alvo sofreram alterações no percurso da LDB.

A primeira ideia sobre a educação especial no âmbito escolar, segundo as premissas da LDB/61, era baseada em uma educação em ambiente diferente e separada dos demais alunos, em instituições filantrópicas com viés assistencialista e que muitas vezes segregavam as pessoas com deficiência.

Na mesma perspectiva, a LDB/71 mantinha o acesso ao público-alvo de modo segregado, mas reconhecia a necessidade de modificações. Modificações estas perceptíveis na mudança de terminologia empregada no documento.

Já na última versão, surge uma nova concepção de atendimento, onde as escolas buscam adaptações de todo o sistema para atender esse aluno dentro da escola regular. Neste contexto, as instituições especiais servem como serviços especializados, oferecendo apoio na escolarização e não substituindo o atendimento. Entretanto, o texto da última versão da LDB/96, ao apresentar o termo “preferencialmente” abre campo para discussões profundas e que já foram amplamente exploradas, mas que não se pode deixar de destacar esta característica da Lei, que enquanto instrumento normativo não define esta questão e abre precedentes para justificar o atendimento exclusivo às instituições especiais, o que vai na contramão dos princípios da inclusão.

O desenvolvimento acerca dos conceitos sobre a deficiência, ou até mesmo sobre a terminologia utilizada, ocorreu atrelado ao surgimento de novas compreensões das potencialidades da pessoa com deficiência e das transformações no cenário sócio-político brasileiro, que contribuíram para a redefinição das políticas educacionais.

Portanto, este artigo mostra-se conclusivo no sentido de apontar as transformações nos conceitos referentes à Educação Especial, bem como, no apontamento sobre as mudanças expressas ao longo das elaborações dos documentos legais, que podem ser compreendidos como resultados de reflexões influenciadas por uma época específica. Compreendendo a relevância destas discussões para a área da Educação Especial, sugere-se novas pesquisas voltadas para este tema, uma vez que diferentes olhares podem ser lançados para as diferentes versões do documento.

 

 

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Modalidade do artigo: Relato de pesquisa() Revisão de Literatura (X)

 



[1]Na atualização da LDB de 1996, no artigo 58, entende-se por educação especial, a modalidade de educação escolar oferecida para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2013).

 

 

 

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