http://dx.doi.org/10.5902/1984686X68333
Terminalidade Específica na educação superior como escuta da diversidade
Specific Terminality in higher education as listening to diversity
La Terminalidad Específica en la educación superior como escucha de la diversidad
Daniele Claudia Miranda
Mestranda na Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC, Brasil
E-mail: daclam42@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6573-9381
Sonia Maria Ribeiro
Professora doutora da Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC, Brasil
E-mail: soniaproesa@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1586-5934
Rita Buzzi Rausch
Professora pós-doutora visitante da Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC, Brasil
E-mail: ritabuzzirausch@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9413-4848
Recebido em 31 de outubro de 2021
Aprovado em 27 de dezembro de 2021
Publicado em 25 de fevereiro de 2022
RESUMO
Este artigo refere-se a um recorte de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade da Região de Joinville (SC), na linha de pesquisa Trabalho e Formação Docente, e se propôs a investigar a utilização de Terminalidade Específica (TE) na educação superior. Para tanto, entrevistamos uma professora do curso de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que planejou e executou TE para uma estudante público-alvo da educação especial. Como objetivo geral nossos esforços se concentraram em identificar os elementos críticos-reflexivos que motivaram a professora durante o planejamento e aplicação da TE. Para entender as razões fez-se necessário seguir com alguns delineamentos na pesquisa, ou seja, a possibilidade de tratar a TE em um cenário de inclusão de estudantes público-alvo da educação especial na educação superior, vindo ao encontro com as necessidades de reduzir a evasão e possibilitar a progressão dos estudos com conhecimentos suficientes que a formação requer para a qualificação profissional. A pesquisa se caracterizou como qualitativa e exploratória, do tipo estudo de caso, uma vez que foi possível conhecer mais sobre a aplicabilidade da TE no contexto da Universidade. Como resultado verificamos que a TE tornou-se possível com o empenho da professora a partir do que considerou ser importante para iniciar a etapa, a qual chamou de “escuta da diversidade”, aliada às parcerias que estabeleceu durante o processo formativo da estudante, que envolveu uma equipe multiprofissional ligada a outras áreas e setores da UFSM.
Palavras-chave: Terminalidade Específica; Educação Superior; Escuta da Diversidade.
ABSTRACT
This article refers to an excerpt of a master's research developed in the Graduate Program in Education at the University of the Region of Joinville (SC), in the line of research Work and Teacher Education, which aimed to investigate the use of Terminality Specific (ST) in higher education. To do so, we interviewed a professor from the Special Education course at the Federal University of Santa Maria (UFSM) who planned and performed ST for a student who was a target audience of special education. As a general objective, our efforts focused on identifying the critical-reflective elements that motivated the teacher during the planning and application of ST. To understand the reasons, it was necessary to follow some research outlines, that is, the possibility of treating ST in a scenario of inclusion of students, the target audience of special education in higher education, meeting the needs of reducing the evasion and enabling the progression of studies with sufficient knowledge that training requires for professional qualification. The research was characterized as qualitative and exploratory, of the case study type, since it was possible to know more about the applicability of ST in the context of the University. As a result, we found that ST became possible with the teacher's commitment based on what she considered to be important to start the stage, which she called "listening to diversity", combined with the partnerships she established during the student's training process, which involved a multidisciplinary team linked to other areas and sectors of UFSM.
Keywords: Specific Terminality; College education; Listening to Diversity.
RESUMEN
Este artículo hace referencia a un extracto de una investigación de maestría desarrollada en el Programa de Posgrado en Educación de la Universidad de la Región de Joinville (SC), en la línea de Trabajo de investigación y Formación Docente, que tuvo como objetivo investigar el uso de Terminalidad Específica (TE) en la educación superior. Para ello, entrevistamos a un profesor del curso de Educación Especial de la Universidad Federal de Santa María (UFSM) quien planificó y realizó TE para un estudiante que era un público objetivo de educación especial. Como objetivo general, nuestros esfuerzos se enfocaron en identificar los elementos crítico-reflexivos que motivaron al docente durante la planificación y aplicación de TE. Para comprender las razones, fue necesario seguir algunos lineamientos de investigación, es decir, la posibilidad de tratar la TE en un escenario de inclusión de los estudiantes, público objetivo de la educación especial en la educación superior, atendiendo las necesidades de reducir la evasión y posibilitar la Progresión de estudios con los conocimientos suficientes que requiere la formación para la calificación profesional. La investigación se caracterizó como cualitativa y exploratoria, del tipo estudio de caso, ya que fue posible conocer más sobre la aplicabilidad de la TE en el contexto de la Universidad. Como resultado, encontramos que TE se hizo posible con el compromiso de la docente a partir de lo que ella consideraba importante para iniciar la etapa, lo que llamó "escuchar la diversidad", combinado con las alianzas que estableció durante el proceso de formación del alumno, que involucró un equipo multidisciplinar vinculado a otras áreas y sectores de la UFSM.
Palabras clave: Terminal específica; Educación universitaria; Escuchar la diversidad.
Introdução
A construção de sistemas educacionais inclusivos, que atendam as especificidades de todos os alunos, deve estar constantemente em debate nos sistemas de educação para que seja possível avançar nas estratégias adotadas e superar as melhorias já existentes.
O objetivo deste artigo foi apresentar alguns elementos críticos-reflexivos que motivaram uma professora (referida como Leda), titular do curso de Educação Especial da UFSM, planejar e executar TE com uma estudante cega total, bem como enfatizar a motivação que a levou tomar a decisão de recorrer a TE. Para tanto, são apresentadas reflexões sobre como a TE foi concebida no contexto da educação superior, a partir de um estudo de caso.
Neste sentido, compreendemos, a partir da fala de Leda, que a especificidade da educação superior requer um atendimento diferenciado, pois os estudantes estão em fase de preparação para enfrentar desafios voltados para o mundo do trabalho. Ter uma profissão todos podemos ter, mas ser um profissional capaz de oferecer o conhecimento aprendido através de uma prática consciente e consistente, revela-se um grande desafio.
No contexto universitário, novos signos são apresentados e podem transformar a cosmovisão dos estudantes, modificando sua forma de se comportar e atuar no mundo. Esses novos signos conduzem o estudante a um patamar de possibilidades maior, agindo como fomentadores da formação de conceitos científicos para gerar desenvolvimento. Nesse sentido, a universidade, por meio do trabalho do professor, tem o papel de transmitir os conhecimentos próprios da carreira escolhida, desafiando e fornecendo os melhores recursos para que os estudantes gradualmente consigam progredir e se desenvolver, tanto na profissão quanto como indivíduos. (ROLDÃO; CICARELLO JR; SCHWARZ e CAMARGO, 2020, p.49)
As Instituições de Ensino Superior (IES) têm com seus professores um compromisso ético para formar profissionais. São compromissos que fazem das IES corresponsáveis pela formação profissional, motivo para reverem constantemente sua metodologia, critérios de avaliação e cobrança, quando o público-alvo são pessoas com deficiência. Que profissional formar? Quais os conhecimentos são necessários e suficientes para se formar profissional? Tais indagações devem fazer parte das discussões entre os integrantes das IES e talvez em suas avaliações seja preciso rever seus pressupostos de exigências para potencializar aprendizagens significativas e diminuir as barreiras que impedem estudantes com deficiência avançarem as etapas do ensino. De acordo com Roldão; Cicarello Jr; Schwarz e Camargo (2020, p.50):
[...] o docente deve buscar compreender a fronteira entre aquilo que o estudante já sabe, o que está prestes a desenvolver, e o que ainda está inacessível para se trabalhar. O processo de instrução será infrutífero e gerará frustração e sentimento de fracasso no estudante se o professor insistir em temas que estão muito além do seu nível de compreensão atual.
Nesse momento, a mediação perpassa a vida do estudante como meio necessário para se atingir o conhecimento e a colaboração do docente no processo formativo é fator preponderante no desenvolvimento da aprendizagem. Devemos salientar que não basta a acessibilidade e permanência do estudante público-alvo da educação especial na educação superior, uma vez que a especificidade nesse nível de ensino requer um atendimento diferenciado durante o processo formativo.
Foi convergindo com a intervenção mediada durante esse processo formativo que uma professora do curso de Educação Especial da UFSM se propôs a ajudar uma estudante com cegueira total a produzir-se profissionalmente, e para tanto, buscou na TE uma solução para atender a especificidade que a situação requeria.
Neste estudo de caso foi possível perceber que a TE na educação superior vai além da previsão legal descrita para a educação básica. A TE consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, de 20 de dezembro de 1996, que delibera sobre o sistema nacional de educação, baseada nos princípios da Constituição Federal (BRASIL,1988), mais especificamente no Artigo 59, que assegura que os sistemas de ensino deverão garantir aos estudantes com necessidades especiais a TE na educação básica:
I - Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades;
II - Terminalidade Específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados (LDBEN,1996, p. 21).
A LDBEN deu um norte para a condução da questão quanto à continuidade dos estudos na educação básica, mas não ofereceu mais informações que pudessem estender a certificação para outra etapa do ensino, como a de nível superior, deixando dúvidas para orientar ações para avanço nos cursos da graduação porque apenas aponta a existência da possibilidade de ser utilizada para estudantes público-alvo da educação especial.
O diferencial no tratamento da TE na educação superior está presente na autonomia que a Universidade possui para planejar e desenvolver ações afirmativas de cunho inclusivo.
Contudo, a emissão da TE na educação superior ainda não tem movimentado discussões sobre uma legislação específica por envolver uma complexidade diferenciada em relação ao que se tem na educação básica.
No decorrer do processo educativo, há a possibilidade de realização da Terminalidade Específica como uma forma de conclusão e certificação do curso. A sua importância não está apenas na certificação, mas na percepção dos gestores e do professor em avaliar as habilidades e competência dos estudantes em detrimento das dificuldades dele, e, dependendo da compatibilidade dos cursos, poderá haver uma troca/substituição de algumas disciplinas. (SILVA, 2019, p. 74)
Para Silva (2019), o desafio configura-se por conta da diversidade de estudantes presentes na Universidade brasileira e a dinâmica do processo formativo, que transcende o foco nas disciplinas, e abrange a importância dos saberes às vivências dos estudantes fora da universidade. Além de atender as necessidades sociais, o currículo deve atentar para as formas como o estudante aprende, como ele assimila o significado dos conhecimentos, adaptando e possibilitando outras formas de ensino diferentes das convencionais.
Desse modo, os elementos críticos-reflexivos que envolvem este artigo são construídos a partir da fala da professora Leda que chamou nossa atenção para o diferencial que há na TE no contexto da educação superior e que sua utilização é construída de acordo com a especificidade da situação e das pessoas envolvidas, sejam elas público-alvo da educação especial ou não. O importante é avaliar cada caso e desenvolver um plano de ação com uma equipe multiprofissional.
Metodologia
O estudo caracteriza-se como exploratório com abordagem qualitativa. Na coleta de dados utilizou-se entrevista com uma professora da graduação da UFSM, especificamente do curso de Educação especial (professora Leda), que à época utilizou a TE quando ocupava a função de coordenadora do curso. A seleção se deu a partir de um questionário aplicado para a pesquisa do mestrado em educação e na análise das respostas encontramos os dados da professora Leda, que afirmou ter vivenciado a experiência com TE, fato que nos motivou a saber quais foram suas ações. Assim, por meio da Plataforma Meet, a professora se prontificou a esclarecer nossas dúvidas em relação ao seu trabalho com a TE.
Para a análise do conteúdo, utilizamos a abordagem inspirada em Bardin (2016, p.38) que considera: “[...] na análise dos materiais, busca-se classificá-los em temas ou categorias que auxiliem na compreensão do que está por trás dos discursos”. Da análise emergiram três categorias: pertinência, objetividade e fidelidade.
A primeira categoria denominamos pertinência, com a abordagem sobre a TE no contexto da educação superior. A pertinência se refere à concretude que há quanto à aplicação da TE no contexto da educação superior, algo pouco explorado em pesquisas nesta área.
Para a segunda categoria, objetividade, foram tratados os elementos crítico-reflexivos para utilizar a TE, ou seja, explicamos os dados para compor a pesquisa provenientes dos fatos apresentados pela professora.
Por fim, a terceira categoria, fidelidade, envolve a questão ética de se manter a reprodução da fala da entrevistada na íntegra, momento em que tratamos a TE como escuta da diversidade a partir do estudo de caso.
Discussão e Resultados
A TE no contexto da educação superior
Para ilustrar a importância do olhar atento do professor para a diversidade presente na educação superior reproduzimos as falas da professora. Segundo Leda, na Universidade existe um currículo de formação para cada curso, elaborado por professores, e para contemplar a grade de disciplinas são adicionados determinados conteúdos para que o estudante se torne um profissional.
[...] um médico formado em clínica geral, mesmo formado em clínica geral ele poderá não fazer uma cirurgia, pois para se fazer cirurgia precisa ter uma característica específica. O médico que trabalha com saúde da família dentro de um contexto da medicina e da saúde coletiva necessariamente ele não vai ser um cardiologista. Por quê? Porque isso pressupõe outro processo formativo. O mesmo se dá em outras profissões. Um pedagogo não vai dar conta de todas as dimensões da Pedagogia, tanto é que as próprias diretrizes da aprovação estão trabalhando sob a perspectiva de especificidades do pedagogo dos anos iniciais, do pedagogo da educação infantil e assim por diante, então nós também como indivíduos nos qualificamos em especificidades dentro da nossa formação, nós fazemos escolhas de atuação e essas escolhas de formação acontecem ao longo do processo formativo. (Leda)
Para Leda, a formação profissional não deve ficar restrita à generalidade, precisa também olhar para as especificidades dessa atuação profissional, e cabe ao professor apresentar diferentes dimensões para que o estudante possa fazer sua escolha. Embora o processo formativo seja generalista, nem tudo dessa generalidade vai ser a escolha que um estudante fará a nível profissional, de atuação profissional, e essa discussão não pode se perder na universidade, pois é um processo de escuta permanente dos professores para elaborar o currículo e os diversos conteúdos perpassados para que muitas das escolhas que estudantes fizerem, sejam conscientes.
Outro aspecto importante que vale salientar em relação a programas e políticas públicas que norteiam o trabalho dos docentes nas IES é o fato de que estes não estão sendo suficientes para diminuir as barreiras existentes no acesso e permanência de estudantes com deficiência na educação superior. O princípio democrático da educação para todos envolve aspectos relevantes que devem estar presentes em qualquer modalidade ou etapa do ensino e não devemos questionar tal princípio. Ele existe, é um dever e já passou da hora de tratar a inclusão como uma utopia, mas ter por certo que, concretamente, existem pessoas reais que têm dificuldades e que precisam de suporte para solucioná-las.
A TE poderia ser um caminho, assim como tantos outros recursos já disponíveis que precisam se ajustar as novas demandas, tendo como foco todo o processo de ensino-aprendizagem que a educação superior exige de seus formados.
As IES são responsáveis por estabelecer estratégias e conhecimentos necessários para a construção de saberes dos indivíduos, o que envolve conhecimentos científicos e a própria formação de profissionais. Para atender a demanda do público-alvo da educação especial, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008 define:
[...] na educação superior, a transversalidade da Educação Especial se efetiva por meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos. Estas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão (BRASIL, 2008, p. 11).
Em conformidade com a PNEEPEI, a estrutura da UFSM conta com a Coordenadoria de Ações Educacionais (CAEd), subunidade administrativa vinculada à Pró-Reitoria de Graduação, que desenvolve ações de apoio junto ao público da Universidade e vinculado à CAEd tem a Subdivisão de Acessibilidade. O Núcleo de Acessibilidade (NA) tem ações voltadas para alunos e servidores que apresentam dificuldades na aprendizagem.
De acordo com as diretrizes apresentadas pela Coordenadoria de Atendimento Educacional – CAEd, consta que seu trabalho “visa, de modo geral, o acesso, a permanência, a promoção da aprendizagem, a acessibilidade e as ações afirmativas. Estrutura-se a partir do Observatório de Ações de Inclusão e de três subdivisões: Acessibilidade, Apoio à Aprendizagem e Ações Afirmativas Sociais, Étnico Raciais e Indígenas”1.
A atuação dos NA, como o da UFSM, busca identificar as demandas de acessibilidade e adaptações para o processo de aprendizagem durante a vida acadêmica de estudantes público-alvo da educação especial, bem como procura enfrentar os desafios que surgem, constituindo metas de eliminação de barreiras que impedem a continuidade do acesso e permanência na graduação.
A UFSM adota toda uma conduta de atendimento assim que o estudante ingressa na Universidade, desde a recepção por uma comissão de acessibilidade que entrevista o estudante para em um segundo momento informar a coordenação do curso, que por sua vez repassa a informação aos professores dos componentes curriculares do semestre. Caso seja necessário, outras providências são tomadas para atender as necessidades, tais como: adaptações em sala de aula, suportes pedagógicos, Atendimento Educacional Especializado (AEE), e outros.
O NA oferece suporte tanto para os estudantes quanto para professores no sentido de apoiar, esclarecer dúvidas e direcionar atendimentos especializados com o objetivo de oferecer condições de acessibilidade e permanência às pessoas com necessidades especiais no espaço acadêmico. O suporte pedagógico e de apoio recebido pelos professores foi citado pela professora Leda, inclusive para a alternativa que envolve a TE,
[...] na nossa universidade o nosso núcleo de acessibilidade, CAEd, tem um potencial muito forte de trabalho específico com esses estudantes. Então assim, todo professor que procura e quer procurar alternativas ele encontra no núcleo apoio para discutir quando precisa da TE, construindo essa ideia da possibilidade de flexibilidade curricular. Eu acho que isso tem muito a ver com a mudança de princípios das instituições, inclusive dos professores.
Ações promovidas pelo NA se mostram importantes, pois, ao assegurar o ingresso do estudante público-alvo da educação especial na Universidade assume-se um compromisso para sua permanência, o que implica em comprometimento de uma equipe multiprofissional durante sua trajetória na graduação, ou seja, acesso e permanência que são etapas do processo de inclusão, envolve um trabalho colaborativo.
Nesse sentido, Leda afirma “não se faz inclusão sem investimento. Não se faz inclusão, colocando a responsabilidade e a culpa no colo do professor. Tem que ter um serviço a disposição das pessoas. E esse serviço aqui em Santa Maria está à disposição no CAEd”.
As práticas voltadas para a inclusão do estudante público-alvo da Educação Especial na educação superior envolvem ações institucionais, e para que não haja prejuízos em seu processo de aprendizagens a UFSM adota estratégias pedagógicas de acessibilidade tendo como premissa que o currículo não se constitua apenas em um rol de disciplinas, atividades acadêmicas com carga-horária e ementas. Abarca para além destes, aspectos administrativos, estruturais e pedagógicos, como um currículo flexível, a exemplo do curso de Educação especial onde atua a professora Leda, “trabalhamos em uma perspectiva de currículo flexível, de currículo ampliado, de possibilidades curriculares melhores, então essa discussão aqui na Universidade existe”. Neste momento a TE é inserida, contudo, como afirma Leda “hoje não tem nenhuma lei sobre TE no ensino superior. Nós temos lá no ensino fundamental as diretrizes da educação especial, só na LDB e muito pouco. Aqui se fala mais em adaptação curricular e pouco da TE, mas ela existe”.
A afirmação da professora corrobora para o fato de a Universidade ter autonomia para adotar estratégias que venham ao encontro da compreensão de que algo precisa ser feito quando se pensa na formação dos estudantes, com deficiência ou não. Reforçando este posicionamento Morin (2011, p.82) afirma que, “compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade”.
A UFSM tem a TE como alternativa para determinadas situações e para saber mais como foi a experiência da professora Leda, que planejou e executou com alguns estudantes a TE, perguntamos se a sua aplicação foi considerada como último recurso:
[…] nunca pode ser tratado como último recurso. O processo de criar alternativas curriculares para aprendizagens para a pessoa que tem deficiência ou não deve ser considerado como alternativa dentro de um processo formativo. É uma obrigação, uma obrigação que deve permear todo o processo.
É possível constatar, a partir da fala da professora, que a TE não deve ser concebida como tirar ou colocar conteúdo do currículo, mas envolve uma decisão consciente e estratégica para atender uma determinada especificidade do estudante e não necessariamente para um estudante com deficiência.
Elementos crítico-reflexivos para utilizar a TE
Para os que acessam este nível de ensino a instituição terá que dedicar tempo e esforços permanentes, tanto por parte de quem representa a instituição, quanto da responsabilidade que se tem ao fornecer os recursos necessários para o processo formativo dos estudantes. Quando um professor tem estudantes com deficiência matriculados em seu componente curricular, não há como negar atendimento, nem tampouco fugir da responsabilidade que permeia a sua formação. Conforme Silva (2019, p.78), a IES, representada pelo professor, precisa ter um olhar para os estudantes,
com a sensibilidade em perceber suas dificuldades, suas formas de responder o que lhe é exigido, formas de relacionar-se com os outros e com os saberes das áreas, o (re) conhecimento dos estudantes. Quando o processo de construção não ocorre, é preciso repensar e reinventar suas estruturas, tanto nos aspectos de adaptações curriculares, quanto nas habilidades e competências exigidas nos cursos.
Potencializar aprendizagens certamente é algo importante em qualquer etapa do ensino e os meios para atender as necessidades e possibilidades de todos é uma reflexão, assim como uma provocação, sobre o que é o ato de ensinar, reconhecendo que o estudante com deficiência tem capacidade de aprender e ter uma formação profissional voltada para o mundo do trabalho.
Os meios, recursos e possibilidades devem constantemente serem avaliados e a TE na educação superior não pode ser considerada um mecanismo técnico que se traduz em um certificado, como defende a professora do curso de Educação Especial da UFSM,
[...] eu vejo a TE não como um mecanismo, eu vejo como uma alternativa para atender diferentes possibilidades profissionais para diferentes indivíduos, ou seja, para diferentes possibilidades e profissionais porque eu acho que precisamos entender os processos de formação de uma profissão não somente sobre a perspectiva generalista dessa formação, mas as várias especificidades que essa formação tem. (grifo nosso).
A partir desta fala, poderemos entender que, ao adotar a TE, novas concepções estão presentes, pois nas considerações da professora Leda, a utilização da TE deve ser uma “alternativa para atender diferentes possibilidades profissionais para diferentes indivíduos” o que implica uma “escuta atenta para a diversidade”.
Não precisa tirar e nem colocar nada no currículo, precisa é criar estratégias, meios diferenciados para isso, aí volto a dizer, é essa escuta que o nosso currículo precisa. Uma escuta para as diferenças dos indivíduos dentro desse contexto, isso que ele nem é público-alvo da educação especial. A TE na educação superior é isso, uma alternativa de escuta. (Leda, grifo nosso)
O exercício de escuta da diversidade envolve flexibilização nos objetivos e conteúdos o que pode ensejar mudanças curriculares, incluídas as práticas pedagógicas dos professores que atuam diretamente com o público-alvo da educação especial e os responsáveis em socializar seus conhecimentos durante a formação para esses estudantes.
Tal questão nos possibilita retomar o aspecto presente quanto à autonomia da Universidade quando a instituição ressalta seu compromisso com a inclusão, e utiliza da TE como uma alternativa no atendimento de estudantes com necessidades especiais. Perguntamos à professora Leda se o departamento, de que faz parte, teve autonomia para conduzir todo o processo com a estudante, e se houve a participação de outros setores.
Sim. O pró-reitor de graduação na época foi muito parceiro, assim como a coordenação de outros cursos, como Pedagogia, mesmo os professores dos estágios na área de educação infantil, foram igualmente parceiros. [...] precisamos de um acompanhamento do CAEd para assessorar os professores e estudantes, e sem dúvida devemos fazer algo, pois a concepção dos processos de ensino superior precisa ser diferente na formação desses estudantes.
O trabalho colaborativo é muito produtivo quando profissionais de uma mesma instituição educacional se envolvem em aperfeiçoar seus ensinamentos, articulando conhecimento teórico ao prático, ampliando saberes entre os pares em um movimento contínuo de construção de uma Universidade que atenda o diverso e promova mudanças de paradigmas. Nesse sentido, ressalta-se a importância do envolvimento dos vários profissionais do CAEd para a efetivação de uma educação inclusiva.
Práticas colaborativas no contexto da educação, nas diferentes etapas, requerem o rompimento da cultura do trabalho docente isolado, para promover o fortalecimento do trabalho em equipe através do compartilhamento de saberes e oportunizar a aprendizagem para os estudantes.
A força da colaboração encontra-se na capacidade de unir as habilidades individuais para promover sentimentos de interdependência positiva, desenvolver habilidades criativas de resolução de problemas e apoiar um ao outro, de forma que todos assumam as responsabilidades educacionais (CAPELLINI; MENDES, 2007, p. 125).
Nessa perspectiva, podemos voltar nossa discussão para a seguinte reflexão que a professora Leda nos leva a fazer, o fato de que na Universidade se trabalha com a ideia de que a formação profissional tem que ser baseada em competências e habilidades individuais, o que para Leda é uma incoerência, pois ela entende que o currículo não deve estar fixado em competências e habilidades, e sim fixado na parceria, na colaboração. A principal habilidade que se deve construir, segundo Leda, é a coletiva, que se estabelece nas relações humanas, incluída nessa perspectiva, a pessoa com deficiência.
Na área de educação, o professor vai atuar para um coletivo, e vai precisar de ajuda, de apoio para trabalhar. O mesmo acontece na pesquisa, não fazemos pesquisa sozinhos, há um movimento de troca de experiências, de leituras e discussões coletivas que promovem novas dimensões em nossos entendimentos. Precisamos nos libertar da visão de que pessoas com deficiência são incapazes, o que chamamos de capacitismo. Para a professora Leda o capacitismo atrapalha e descontrói a visão da potencialidade que há nas aprendizagens dos estudantes.
Para mim alguns elementos que hoje são tomados nessa perspectiva de uma racionalidade neoliberal da formação profissional precisam cair por terra porque nós estamos formando efetivamente indivíduos extremamente competitivos no mundo no trabalho. [...] eu não faço nada sozinha, mas ao mesmo tempo queremos formar um estudante e fazer um currículo de formação profissional para as pessoas serem autônomas, individuais e terem competências e habilidades individuais. É uma incoerência total, entende? [...] Eu preciso de ajuda, tu precisas de ajuda, qualquer pessoa precisa de ajuda. É como se a única pessoa do mundo a precisar de ajuda fosse uma pessoa com deficiência intelectual e isso é muito contraditório. [...] nós que fazemos pesquisa nessa área precisamos fazer esse giro. Esse giro de que precisa mudar o que é estrutural. o capacitismo é estrutural. E às vezes nós que trabalhamos na área da educação nos apoiamos no capacitismo quando trabalhamos com a ideia de que a formação profissional tem que ser baseada em competências e habilidades individuais. E o nosso papel é de fazer esse movimento nas nossas pesquisas, nas políticas, nas experiências que a gente tem, são nelas que somos capazes de fazer pequenas micropolíticas em determinados locais e que vão dar novas dimensões.
O conceito de capacitismo é atribuído a discriminações direcionadas a pessoas com deficiência, colocando-as como pessoas incapazes de pensar e atuar socialmente. Atitudes capacitistas trazem prejuízos significativos à vida do estudante, pois as marcam negativamente nos espaços educacionais que estão inseridas, limitando sua participação ativa e efetiva no meio acadêmico. Esta situação pode ser desastrosa para a TE quando a tratamos apenas como uma medida técnica, de substituição curricular ou de adaptação curricular, e a incluímos na categoria da diferença: “vista sobre a perspectiva eminentemente de colocar ou tirar coisas ela é extremamente negativa porque ela não olha para estrutura da Universidade, da formação, ela só olha para os indivíduos e daí ela é capacitista”. (Leda)
Todavia, em contraposição a esta consideração, a TE para a professora pode servir de alerta para pensarmos nas possibilidades de construção de modelos curriculares, modelos de avaliação, nas diversas áreas da Universidade. “Eu resolvi ter aquela TE para quê? Agora especificamente qual é o perfil do estudante? O que que está aí composto como TE? É tirar ou colocar coisas dentro do currículo? Quais escolhas farei?” (Leda)
Estes questionamentos são importantes para direcionar ações que envolvam a TE, sendo exatamente esses que a professora do curso de Educação Especial fez para conduzir seu trabalho com TE.
TE como escuta da diversidade: estudo de caso
A experiência da professora Leda com a TE aconteceu a primeira vez com uma estudante com um tipo de diabetes que provocou cegueira total no período em que cursava o curso de Engenharia Florestal. E diante da dificuldade para continuar seus estudos a estudante solicitou reingresso no curso de Educação Especial. E com a condição que apresentava de cegueira total, a disciplina de libras se tornaria mais um óbice a aluna. Então, a coordenação se reuniu para definir quais as possibilidades de intervenção fariam para que a estudante tivesse condições de atender a carga horária prevista para este componente curricular. Segundo relatou Leda, “nós até criamos um mecanismo de comunicação dos professores surdos com ela, mas precisava ter na finalização curricular uma carga horária “X” e que aquelas disciplinas de libras para ela não faziam sentido”.
Neste momento a decisão se volta para a TE e para tanto, a primeira atitude foi ouvir a estudante, no sentido de saber qual o campo de atuação seria interessante para a acadêmica. A partir da identificação de um aspecto norteador, considerado basilar, para a TE foi colocado em ação: a “escuta ativa da diversidade”.
Diante desta situação, nos veio a seguinte indagação: como planejar e executar TE na educação superior? Na educação básica temos um referencial que se apresenta na LDBEN (BRASIL, 1996), mas na educação superior não tem uma legislação específica para a TE. Segundo relato da professora participante da pesquisa, a TE surge como “uma alternativa para atender diferentes possibilidades profissionais para diferentes indivíduos em seu processo de formação para uma profissão” (Leda) e ainda complementa que a TE “é o que garante ao aluno a inclusão nos cursos e a conclusão dos mesmos, considerando suas capacidades intelectuais e aptidões físicas”. (Leda)
Foi considerando os interesses da estudante, de atuar com crianças cegas de nascença, a partir da ideia da estimulação essencial. Para tanto, foi possível dar encaminhamento para que pudesse buscar mais entendimentos em outros cursos da Universidade, uma vez que, cega total, poderia estimular capacidades nas áreas sensoriais, motora, cognitivas e afetivas de crianças na faixa etária de 0 a 3 anos com cegueira.
Diante desta manifestação foi dado encaminhamento para atender o desejo da estudante de saber mais de uma área que envolvesse a estimulação essencial, ou seja, a aluna queria produzir-se profissionalmente e a Universidade ajudou neste processo.
E o que fizemos? Mobilizamos uma parceria com vários cursos, Educação Física, Fisioterapia, Pedagogia, como uma alternativa curricular de finalização daquela carga horária e de busca de mais aprendizagens a partir dessa perspectiva de estimulação essencial na educação infantil. Ela estudou mais sobre psicomotricidade e a perspectiva da estimulação essencial e no curso de Pedagogia fez o estágio inteirinho na educação infantil com crianças cegas incluídas dentro de um berçário. (Leda)
Ainda em seu depoimento a professora apresenta como utilizou TE:
Utilizamos a TE, não no sentido de colocar algo no lugar ou de tirar algo do lugar, substituímos simplesmente as disciplinas de libras porque ela não ia dar conta para outras do interesse dela. O diploma dela é tal e qual o outro de qualquer estudante, mas ele tem uma observação sobre a perspectiva do currículo alternativo que ela vivenciou, que ela construiu. Tem uma formação mesclada com a Pedagogia e com a estimulação essencial, essa movimentação. Então é um educador especial que tem essa dimensão. (Leda)
Desse modo, a professora prossegue afirmando que a situação relatada levou também a uma reformulação curricular, por exemplo, o curso de Educação Especial na atualidade busca identificar entre os estudantes o que gostariam de construir a partir do seu interesse e suas condições, “passamos a pensar o currículo de formas diferentes, em um movimento muito interessante daquele momento histórico que modificou um pouco a estrutura do curso” (Leda).
Toda a ação descrita mobilizou esforços colaborativos de uma equipe multiprofissional integrante da CAEd e de outros cursos como: o de Pedagogia em que uma professora a orientou durante seu estágio obrigatório; o curso de Psicologia e Educação Física em que pode aprender mais sobre estimulação essencial; e o próprio curso de Educação Especial, o qual foi a sua formação. Neste momento, destacamos a sensibilidade da então coordenadora na época e nossa entrevistada Leda, uma vez que, a partir da sua experiência, foi possível entender como se dá a TE na educação superior e do que trata exatamente a expressão apresentada durante nossa conversa: “Precisamos pensar na vida profissional dos estudantes. Por quê? Porque eu acredito nisso, eu acredito que a TE precisa ser uma alternativa de escuta da diversidade” (Leda).
Ao longo do processo formativo, o graduando fará escolhas. Essa situação é tida como natural para todos os indivíduos, o que inclui o público-alvo da educação especial. A professora nos apontou a existência da possibilidade de a Universidade utilizar a TE como escuta da diversidade levando em consideração não só a condição do estudante com deficiência, mas das escolhas conscientes na área que pretende atuar profissionalmente.
Então o primeiro elemento aqui é um currículo que aceite as diferenças e que aceite as possibilidades de encaminhamento para a TE, nesse sentido ela está dentro desta concepção ela não pode estar fora disso porque isso não é um privilégio da pessoa com deficiência é um privilégio para qualquer estudante da Universidade, entende? Aliás é a escuta. O que que a gente investe? Como é que encaminhamos o estudante, por exemplo, para um grupo de pesquisa “A” em vez de um grupo de pesquisa “B”? A partir das escolhas que ele faz ao longo do processo de iniciação científica, de formação na graduação, é um processo de escuta. Para mim, é escutando o currículo, escutar os processos de formação e de escolha que esses indivíduos vão fazendo ao longo do processo formativo que surge a TE, ela é decorrência de uma concepção de escuta. (Leda)
Consideramos que bons projetos nascem da escuta da diversidade, assim como Leda defende, pois ao empreender, incentivar, tornar o estudante público-alvo da educação especial corresponsável no seu processo formativo, sua participação ganha um peso considerável ao ter o apoio de professores que acreditam no seu potencial transformador.
A Universidade é dinâmica e tudo envolve aprendizados. Não tem como um professor saber tudo o que se passa no ambiente acadêmico. Mas situações pontuais como a TE, que Leda planejou, podem ajudar outros professores diante de conjunturas semelhantes a tomarem decisões que envolvam medidas específicas. Importante é estar aberto a novas possibilidades e procurar saber que em determinados momentos precisamos de ajuda. Diante disso, fica a seguinte reflexão da professora:
[...] quando que eu imaginaria que um planejamento de TE que eu fiz lá atrás junto com outras pessoas fosse repercutir hoje na sua pesquisa. Eu não sou capaz de olhar para cada coordenador do curso da minha Universidade, cada professor e tirar uma coisa e colocar outra na cabeça deles, mas é justamente esses movimentos em que vão fazendo as coisas se modificar. Assim, espera-se que grandes revoluções, acho que elas não existem, mas a gente pode com o nosso trabalho fazer essas micro revoluções. (Leda)
O trabalho colaborativo despendido para utilizar a TE envolveu uma equipe constituída por diversos profissionais, da CAEd, do NA, da Psicologia, da Pedagogia, da Educação Física, da Educação Especial, que indicaram os caminhos para atender a estudante com cegueira. Esse foi o diferencial, tanto na vida da estudante, que pôde ser atendida adequadamente, quanto pelos profissionais envolvidos, que aprenderam com a experiência de que é possível vencer desafios.
Com o relato da professora Leda foi possível entender que existe a possibilidade de utilizar a TE na Universidade, bem como, que a sua aplicabilidade demanda um trabalho colaborativo.
Considerações finais
Práticas inclusivas são necessárias em qualquer instituição educacional e mover esforços para ofertar um ensino de qualidade é um dever, e nas palavras da professora: “é uma obrigação, uma obrigação que deve permear todo o processo” (Leda).
As reflexões e provocações que apresentamos são importantes para avançarmos em nossa prática como professores. O engessamento de condutas na aprendizagem não é garantia de um bom trabalho e adotar as mesmas estratégias pedagógicas para todos é ignorar que dentro de uma sala de aula há uma diversidade de ideias, de conhecimentos, de realidades, de expectativas. Todos esses aspectos precisam ser considerados, pois a dinâmica presente na educação nos faz (re) pensar nossa atuação, e nas palavras de Freire (2007, p.39) “[...] é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.
Estamos em busca de novas práticas, de novos saberes, de novas formas de aplicação de recursos pedagógicos. Então, por que não considerarmos a TE na educação superior?
Estudantes com deficiência estão se tornando cada vez mais presentes nas IES, destarte, é preciso ampliar as discussões sobre ações que os recepcionem e, principalmente, não os afugentem por falta de planejamento ou falta de propostas que considerem as especificidades que um estudante público-alvo da educação especial, ou não, requer. A isso consideramos processos inclusivos.
Mesmo que não haja na atualidade um encaminhamento legal específico para a utilização da TE, ou mesmo uma orientação estruturada que expresse como pode ser o seu processo de aplicação na educação superior, ainda assim, a TE está disponível para ser trabalhada com o mesmo comprometimento que a professora desenvolveu.
Em vista disso, procuramos em vários momentos apresentar que a TE na educação superior não deve ser concebida apenas por um documento de certificação. Ela ultrapassa a percepção dos profissionais de educação avaliarem habilidades e competências dos estudantes, sem, contudo, ignorar as dificuldades que apresentam nesta etapa de ensino. Deve-se considerar aspectos nos âmbitos individual, social, nas relações coletivas, no processo formativo e principalmente na possibilidade do estudante ser inserido futuramente no mundo do trabalho.
A TE não pode ser entendida como um mecanismo, mas como uma alternativa que permitirá a continuidade dos estudos desde que atenda à necessidade do estudante através da escuta atenta da sua especificidade. A TE perde sua efetividade se no processo de ensino-aprendizagem for tratada como uma prática excludente e se a incluirmos na categoria da diferença, como algo técnico, de substituição curricular apenas, todavia, pode ser um fator positivo que sirva de alerta para (re) conhecer o outro como sujeito com identidade e potencialidades.
Por fim, se a certificação de TE será ou não útil, somente colocando em prática para sabermos, com a responsabilidade que lhe é devida. A inclusão no processo formativo para uma profissionalização futura depende de ações e do seu reconhecimento como uma alternativa viável para atender a todos estudantes público-alvo da educação especial nela matriculados, o que talvez seja mais um passo relevante na aceitação das diferenças.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Traduzido por Luis Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: edição 70, 2016.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9394/96 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 07 de janeiro de 2008.
CAPELLINI, Vera Lúcia Messias Fialho.; MENDES, Enicéia Gonçalves. O Ensino Colaborativo favorecendo o desenvolvimento profissional para a inclusão escolar. Educare et Educare. Revista de Educação. v. 2, n. 4, p. 113- 128, jul./dez. 2007.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 30ª ed.; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 2. ed.São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2011.
ROLDÃO, Flávia Diniz; CICARELLO JR. Ivan Carlos; SCHWARZ, Juliana Corrêa; CAMARGO, Denise. Reflexões sobre o trabalho do professor universitário: um olhar a partir da teoria de Vigotski. (Orgs.) FARIA, Paula Maria Ferreira de; CAMARGO, Denise de; VENÂNCIO, Ana Carolina Lopes. Vigotski no Ensino Superior: concepção e práticas de inclusão [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
SILVA, Mariane Carloto; PAVÃO, Silvia Maria de Oliveira. Terminalidade específica para estudantes com deficiência na educação superior: Práticas (a serem) implementadas? Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro v. 24, 2019.
Notas
1 Fonte: https://www.ufsm.br/orgaos-executivos/caed/. Acesso em: 21 out 2021.
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