http://dx.doi.org/10.5902/1984686X68038
Indicadores qualitativos na escolarização de estudantes com transtorno do espectro autista no contexto da educação inclusiva
Qualitative indicators in the schooling of students with autism spectrum disorder in the context of inclusive education
Indicadores cualitativos en la escolarización de estudiantes con trastorno del espectro autista en el contexto de la educación inclusiva
Chiara Maria Seidel Luciano Dias
Professora doutora da Universidade do Estado de Mato Grosso, Sinop, MT, Brasil
E-mail: chiara.maria@unemat.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3047-8035
Edna Lopes Hardoim
Professora doutora da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil
E-mail: ehardoim@terra.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2327-6731
Moiseis dos Santos Cecconello
Professor doutor da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil
E-mail: moiseis@ufmt.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6596-2321
Rafael Soares de Arruda
Professor doutor da Universidade Federal de Mato Grosso, Sinop, MT, Brasil
E-mail: rafael.arruda@ufmt.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2869-5134
Recebido em 10 de outubro de 2021
Aprovado em 28 de junho de 2022
Publicado em 25 de julho de 2022
RESUMO
O presente relato sintetiza o resultado de uma pesquisa de doutoramento que se dedicou a investigar e apresentar indicadores qualitativos para o processo de escolarização de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no contexto da Educação Inclusiva. Foi estabelecido um conjunto de indicadores qualitativos estruturados em seis dimensões: Estratégias Pedagógicas e de Aprendizagem; Gestão Escolar; Família; Ambiente; Parcerias Intersetoriais Articuladas; e, Estruturas de Organização Inclusiva e as Políticas Públicas. Estas dimensões foram estruturadas a partir de referências como Booth e Ainscow (2000), Humphrey e Lewis (2008), Echeita Sarrionandía e Ainscow (2011), UNESCO-OEI (2018) e Silva e Garcez (2019) e foram denominadas como “dimensões da escolarização de estudantes com TEA no contexto da Educação Inclusiva”. A pesquisa original constituiu-se em um estudo teórico-metodológico, com aportes quantitativos e qualitativos e com a participação de 61 colaboradores divididos em cinco grupos: professores, gestores, familiares, profissionais do atendimento multidisciplinar e pessoas com transtorno do espectro autista. A perspectiva quantitativa se deu no primeiro passo da pesquisa para a caracterização geral do perfil destes colaboradores. Partindo desta análise, foi enviado um formulário aos colaboradores com mais experiência e vivência em relação ao processo de escolarização, para que avaliassem os indicadores, tendo em vista a sua pertinência em cada uma das dimensões propostas. Ao final, apresenta-se um Índice para as Dimensões como um instrumento metodológico e de avaliação destes indicadores que podem ser utilizados nas escolas regulares para o fortalecimento de práticas e políticas inclusivas.
Palavras-chave: Dimensões da educação inclusiva; Educação Básica; Índice para as dimensões.
ABSTRACT
This report summarizes the result of a PhD research that was dedicated to investigate and present qualitative indicators for the schooling process of students with Autism Spectrum Disorder (ASD) in the context of Inclusive Education. A set of qualitative indicators structured in six dimensions was established: Pedagogical and Learning Strategies; School management; Family; Environment; Articulated Intersectorial Partnerships; and, Inclusive Organization Structures and Public Policies. These dimensions were structured from references such as Booth and Ainscow (2000), Humphrey and Lewis (2008), Echeita Sarrionandía and Ainscow (2011), UNESCO-OEI (2018) and Silva and Garcez (2019) and were called "schooling of students with ASD in the context of Inclusive Education". The original research consisted of a theoretical-methodological study, with quantitative and qualitative contributions and with the participation of 61 collaborators divided into five groups: teachers, managers, family members, professionals of multidisciplinary care and people with autistic spectrum disorder. The quantitative perspective took place in the first step of the research for the general characterization of the profile of these collaborators. Based on this analysis, a form was sent to employees with more experience and experience in relation to the schooling process, so that they could evaluate the indicators, given their pertinence in each of the proposed dimensions. At the end, an Index for Dimensions is presented as a methodological and evaluation tool for these indicators that can be used in regular schools to strengthen inclusive public policies and practices.
Keywords: Dimensions of inclusive education; Basic Education; Index to dimensions.
RESUMEN
Este informe resume el resultado de una investigación de doctorado que se dedicó a investigar y presentar indicadores cualitativos para el proceso de escolarización de estudiantes con Trastorno del Espectro Autista (TEA) en el contexto de la Educación Integrada. Se estableció un conjunto de indicadores cualitativos estructurados en seis dimensiones: Estrategias pedagógicas y de aprendizaje; Gestión escolar; Familia; Medio ambiente; Asociaciones intersectoriales articuladas; y, Estructuras organizativas inclusivas y políticas públicas. Estas dimensiones se estructuraron a partir de referencias como Booth y Ainscow (2000), Humphrey y Lewis (2008), Echeita Sarrionandía y Ainscow (2011), UNESCO-OEI (2018) y Silva y Garcez (2019) y fueron denominadas "escolarización de estudiantes con TEA en el contexto de la Educación Integrada". La investigación original consistió en un estudio teórico-metodológico, con aportes cuantitativos y cualitativos y contó con la participación de 61 colaboradores divididos en cinco grupos: docentes, directivos, familiares, profesionales del cuidado multidisciplinario y personas con trastorno del espectro autista. La perspectiva cuantitativa se dio en el primer paso de la investigación para la caracterización general del perfil de estos colaboradores. Con base en este análisis, se envió un formulario a los colaboradores con mayor trayectoria y experiencia en relación al proceso de escolarización, para que pudieran evaluar los indicadores, dada su pertinencia en cada una de las dimensiones propuestas. Al final, se presenta un Índice por Dimensiones como herramienta metodológica y de evaluación de estos indicadores que puede ser utilizada en las escuelas regulares para fortalecer políticas y prácticas públicas inclusivas.
Palabras clave: Dimensiones de la educación inclusiva; Educación básica; Índice de dimensiones.
Introdução
Considerando os processos de escolarização de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), público-alvo da educação especial, percebe-se que o tema apresenta um universo de possibilidades. Nesta perspectiva, existem elementos fundamentais para que este processo de escolarização se estabeleça da melhor maneira possível, pois ele transita desde o desenvolvimento da aprendizagem até a composição de habilidades e valores necessários para a autonomia dos estudantes e, num sentido mais ampliado, para a constituição de sociedades mais igualitárias.
Diante disso, busca-se apresentar indicadores qualitativos para que este processo de escolarização se aproxime do ideal inclusivo, contribuindo para o fortalecimento da identidade inclusiva nas escolas brasileiras de ensino regular. Neste sentido, este trabalho caracteriza-se como um recorte de uma pesquisa de doutorado (DIAS, 2021) que se dedicou a investigar em que medida seria possível estabelecer um sistema de indicadores qualitativos para o processo da escolarização de estudantes com TEA no contexto da Educação Inclusiva.
Basicamente, indicadores são entendidos enquanto elementos que traduzem informações sintéticas obtidas a partir de dados existentes sobre um determinado fenômeno, que aqui se apresenta como o processo de escolarização de estudantes com TEA no contexto da Educação Inclusiva. Nesse ambiente, indicadores podem orientar ações e proporcionar recomendações para contribuir com o processo de inclusão e são fundamentais na leitura de iniciativas e atividades de planejamento e gestão de políticas públicas específicas e intersetoriais.
Esses indicadores foram caracterizados por meio da colaboração de diversos atores constituídos em cinco grupos de colaboradores, compondo uma pesquisa teórico-metodológica, dando corpo então a um sistema de setenta e quatro indicadores qualitativos considerando os elementos dimensionais da Educação Inclusiva, amparados em diversas literaturas e, a partir de uma releitura, foram compostas seis dimensões da escolarização de estudantes com TEA no contexto da Educação Inclusiva, aqui denominadas como Estratégias Pedagógicas e de Aprendizagem; Gestão Escolar; Famílias; Ambiente; Parcerias Intersetoriais Articuladas e; Estruturas de Organização Inclusiva e Políticas Públicas.
Em seguida, algumas abordagens metodológicas de avaliação destes indicadores e modelos para a definição de métricas para cada indicador foram estabelecidas. Estes modelos possibilitam compreender o quão próximo ou distante no contexto inclusivo ideal se encontra cada unidade escolar. As abordagens metodológicas de avaliação dos indicadores permitem compreender realidades intersubjetivas neste amplo processo de escolarização de estudantes com TEA.
Dimensões da escolarização de estudantes com TEA no contexto da educação inclusiva
A Educação Inclusiva problematiza as identidades e as diferenças e traz à escola o enfrentamento do reconhecimento dos direitos, enquanto ocupação dos espaços sociais e simbólicos a grupos historicamente e culturalmente excluídos. Neste cenário, a temática se elabora a partir de dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, entre outras.
Os processos de inclusão se articulam dentro de um movimento mais ampliado da internacionalização de direitos e a abordagem das diferenças no contexto da Educação Inclusiva potencializa uma das funções sociais mais importantes da escola: conduzir as diferenças de um modo que sejam respeitadas e, gradativamente, serem representadas como parte (in)diferenciada do todo social. Deste modo, tornou-se uma condição prioritária a identificação de barreiras que possam, de algum modo, limitar o acesso, a participação e a aprendizagem de cada estudante.
Booth e Ainscow (2000) criaram um material, com a participação de pais, professores, gestores e pesquisadores, denominado “Index para a Inclusão”, cujo objetivo era potencializar o desenvolvimento de valores inclusivos nas instituições escolares. Este material passou por algumas reelaborações e foi traduzido para a língua portuguesa em 2002. O Index apresenta elementos que impulsionam a inclusão e, em particular, trata da questão da construção de um currículo para todos, evidenciando quais as implicações de valores inclusivos para o conteúdo das atividades de aprendizagem e a forma como são estruturadas. Também evidencia as implicações de valores inclusivos para todos os aspectos interacionais nas escolas e entre as escolas e as comunidades.
A contribuição do Index se estendeu a diversos países e culturas, constituindo-se em um conjunto de orientações que podem ser adaptáveis a realidades muito particulares, o que, de certo modo, lhe permitiu grande abrangência, tendo em vista que em diversas partes do mundo os mecanismos que constituem os sistemas escolares se veiculam em velocidades distintas, bem como a produção de desigualdades educacionais. Os autores propuseram a premissa de que a inclusão se entende em três dimensões: culturas, políticas e práticas inclusivas.
Tais dimensões se articulam e se complementam de tal modo que, nesta perspectiva mais ampliada e complexa no âmbito conceitual da inclusão, é possível desenhar alguns aspectos mais pontuais que atuem na direção de se configurar sistemas educativos mais inclusivos e igualitários. Deste modo, estas dimensões que são mais abrangentes foram sendo melhor elaboradas e pontuadas em micropolíticas e microestruturas específicas.
Além disso, as perspectivas presentes nestas dimensões conduzem a repensar a lógica das relações sociais e interpessoais. Neste contexto, a tônica da inclusão escolar anuncia o rompimento do olhar hierarquizado sobre as diferenças, passando a horizontalidade a sobrepor-se à verticalidade. Diante destes pressupostos é rediscutido o papel e as funções dos gestores, especialistas, docentes e discentes, funcionários, familiares e comunidade geral em uma vivência inclusiva. Neste ambiente, todos se tornam atores indispensáveis nas diretrizes e práticas que tratam a educação como direito de todos.
Echeita Sarrionandía e Ainscow (2011) destacam quatro elementos importantes na constituição de uma realidade educacional inclusiva, sendo eles: a inclusão é um processo; a inclusão busca a presença, participação e êxito de todos os estudantes; a inclusão requer a identificação e a eliminação de barreiras e, por fim; a inclusão coloca ênfase particular naqueles grupos de estudantes que poderiam estar em risco de marginalização, exclusão e fracasso escolar.
Conforme os mesmos autores, para que o processo educacional tenha abordagens mais inclusivas, algumas direções podem ser apontadas, o que eles mencionam como marco de referência. Estes marcos de referência são entendidos como quatro dimensões que se interceptam dinamicamente e, nesta interseção, temos a Educação Inclusiva, compreendida como um processo nas quais suas variáveis são denominadas por presença, aprendizagem e participação. Os elementos que compõem o marco de referência são os conceitos, as políticas de educação, as práticas educativas e as estruturas e sistemas.
Em consonância com estas dimensões, em 2018, a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), publicou em colaboração com o Escritório Internacional de Educação (UNESCO-OEI) o “Guia para garantir a inclusão e a equidade na educação na Ibero-América” no qual, por meio de uma análise das políticas de inclusão e de equidade, apontam iniciativas para tornarem os sistemas educativos mais inclusivos e equitativos (UNESCO-OEI, 2018).
Neste marco de revisão das políticas, o texto aponta quatro dimensões a serem consideradas: Conceitos, Declarações de Políticas, Estruturas e Sistemas e Práticas, alinhadas com o proposto por Echeita Sarrionandía e Ainscow (2011). As quatro dimensões se interceptam formando o elemento: Inclusão e Equidade como um processo.
Silva e Garcez (2019), por meio do desenvolvimento de ações e iniciativas do Instituto Rodrigo Mendes, elencaram cinco dimensões da Educação Inclusiva: Políticas Públicas, Gestão Escolar, Estratégias Pedagógicas, Famílias e Parcerias. Neste modelo estas dimensões se interceptam compondo o elemento: Aprendizagem.
A dimensão Estratégias Pedagógicas se relaciona às práticas de ensino e aprendizagem para todos os estudantes. As dimensões Gestão Escolar e Políticas Públicas se configuram em, respectivamente, a inserção dos temas de inclusão nos planos de ações e Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) e a criação de leis e projetos judiciais que concretizam a Educação como direito de todos. A dimensão Família se refere ao fortalecimento das relações entre escola e núcleos familiares, enquanto que a dimensão Parcerias tem como foco a busca por atores externos para dar apoio aos processos ligados à inclusão.
Neste cenário entendemos a inclusão e seus processos motivados por diversas frentes, o que reforça o sentido multidimensional da Educação Inclusiva. Há, pois, uma necessidade de articular estas dimensões na direção de sistemas educativos mais inclusivos e igualitários, tendo em vista a complexidade das demandas da inclusão e que o ideal seria estabelecer modelos e dispositivos que possam garantir mais resolutividade e autonomia nas questões que dizem respeito às pessoas com identidades vulneráveis.
Neste sentido, a garantia da qualidade dos processos inclusivos deve ser assegurada por meio de um pensamento e exercício conjunto, com diversos atores. Somente nesta visão de movimento conjunto é que se pode identificar elementos que potencializem a inclusão, minimizem barreiras e estimulem cada vez mais os valores inclusivos.
Fundamentada nos pressupostos teóricos mencionados anteriormente, uma releitura dos mesmos foi realizada e seis dimensões foram pensadas e organizadas para a perspectiva da escolarização de estudantes com TEA, denominadas aqui de Dimensões da Escolarização de Estudantes com TEA no Contexto da Educação Inclusiva, sendo elas:
Dimensão 1: estratégias pedagógicas e de aprendizagem
Esta dimensão refere-se ao planejamento e desenvolvimento das práticas de ensino e aprendizagem em sala de aula e demais ambientes de aprendizagem (formais e não formais), bem como ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contexto dos sistemas regulares de ensino e suas articulações didáticas nestes espaços.
Dimensão 2: gestão escolar
Trata-se de uma dimensão que se configura em medidas de planejamento, organização e desenvolvimento, referentes ao projeto político-pedagógico da escola, ao incentivo da rede de relações no contexto escolar entre os diversos atores educacionais, assim como entre atores externos e comunidade em geral. Estes aspectos também compõem a estrutura que possibilita o aprimoramento de práticas inclusivas, seja por meio de processos formativos ou pela vivência escolar vinculada a uma gestão que subsidie valores inclusivos.
Dimensão 3: famílias
A dimensão refere-se ao grau de mobilização das famílias no processo de escolarização de suas crianças e adolescentes e sua participação no contexto da comunidade escolar, as relações entre elas e os demais atores educacionais.
Dimensão 4: ambiente
Esta dimensão versa sobre aspectos que promovem a qualidade de vida do estudante no ambiente escolar no sentido da acessibilidade (arquitetônica e comunicacional) e das relações interpessoais. Além disso, estes indicadores apontam o quanto a escola tende a ser flexível em seus espaços físicos e estruturais, de modo a atender as necessidades dos estudantes com TEA.
Dimensão 5: parcerias intersetoriais articuladas
A dimensão aponta em que medida a escola se dispõe e se comunica com atores externos que possibilitam a compreensão e podem contribuir com o processo de escolarização dos estudantes, constituindo uma rede colaborativa de saberes multidisciplinares.
Dimensão 6: estruturas de organização inclusiva e políticas públicas
Esta dimensão expõe em que medida a escola cumpre as legislações e articula processos de formação e a construção de culturas inclusivas. Além disso, indica de que modo o desenvolvimento das políticas no contexto escolar auxilia no desenvolvimento e na organização do apoio à diversidade e de que modo a escola direciona os processos de escolarização e a mobilização de recursos para todos. A partir dessa estrutura organizacional, a escola articula ações e equipes com o propósito de criar e fortalecer uma identidade inclusiva.
Deste modo, é possível pensar em modelos que oportunizem uma realidade educacional mais compatível com as demandas dos sistemas educativos inclusivos. Estes modelos podem ser desenhados e subsidiados por elementos que se pode denominar de indicadores, que podem traduzir de modo sintético e sistemático potencialidades nos contextos públicos educacionais, entendidos enquanto microcosmos do tecido social.
O modo de se conceber a escolarização de estudantes com TEA como um processo estabelecido nestas dimensões permite organizar, a partir delas, os aspectos fundamentais deste processo no contexto da Educação Inclusiva, não apenas do ponto de vista educacional e cultural, mas em termos de indicadores qualitativos que contribuam para que as instituições de ensino busquem um modelo mais robusto e sustentável de inclusão.
Procedimentos metodológicos
A caracterização dos indicadores demandou a utilização de vários pressupostos teóricos, a participação de diversos atores educacionais e um conjunto misto de análise de dados. Neste sentido, apresenta-se aqui, em termos metodológicos, o delineamento das etapas da pesquisa em sua sequência linear.
Inicialmente, buscou-se identificar e mensurar a prevalência de estudantes com TEA matriculados na rede pública de ensino do Estado de Mato Grosso. A sistematização dos dados permitiu observar o número de estudantes matriculados no período compreendido entre 2014 e 20191, bem como o número de unidades escolares que receberam este público. Esses dados auxiliaram a identificar seis unidades escolares localizadas no município de Sinop-MT que vieram a ser o lócus de investigação, sendo aqui denominadas escolas colaboradoras da pesquisa.
A escolha de quatro dessas escolas se justificou pelo número de matrículas de estudantes com TEA no período compreendido entre 2014 e 2019. Devido à característica do problema de pesquisa, compreende-se que estas unidades escolares estão mais adequadas para compor a amostra de análise. As outras duas unidades escolares, que compuseram o universo amostral, apresentam duas justificativas distintas. A quinta unidade escolar foi escolhida por se tratar da modalidade de Educação de Jovens e Adultos, apresentando elementos e informações sobre a escolarização de estudantes com TEA na perspectiva desta modalidade e a escolha da sexta escola justifica-se por não apresentar nenhum estudante com TEA matriculado no referido período.
No entanto, para que a elaboração dos indicadores apresentasse uma identidade inclusiva, contemplando todas as dimensões, outros sujeitos necessitam ser ouvidos e consultados, além das escolas. Nessa perspectiva, buscou-se um equilíbrio entre os sujeitos que se relacionam e podem fortalecer e consolidar este todo chamado de Inclusão, estabelecendo-se, assim, a composição dos cinco grupos de colaboradores constituídos e organizados como segue:
- Grupo P (professores): Constituído por 26 professores (contemplando professoras do AEE e professores de sala regular) das seis escolas colaboradoras;
- Grupo G (gestores): Constituído por 4 diretores das escolas colaboradoras e 14 assessores pedagógicos de municípios do Estado de Mato Grosso;
- Grupo F (familiares): Constituído por 7 mães de estudantes com TEA matriculados nas escolas colaboradoras;
- Grupo AM: constituído por 6 profissionais do atendimento multidisciplinar e profissionais da área de saúde (atendimento multiprofissional);
- Grupo A: Constituído por 7 pessoas com TEA (autistas) que frequentaram a escola regular.
Os instrumentos de produção de dados se constituíram em um conjunto de questionários, elaborados de modo distinto para cada grupo específico de colaboradores, considerando suas particularidades. Os questionários apresentaram questões abertas e fechadas e, assim, buscou-se mensurar e analisar como os colaboradores compreendem alguns modelos de ações inclusivas, além de apontarem pontos relevantes para melhorias contínuas e sustentáveis no processo inclusivo de estudantes com TEA.
A produção dos dados em qualquer pesquisa aponta, numa imersão inicial, informações não estruturadas, cabendo ao pesquisador a devida organização e estruturação. Com a finalidade de estruturar as análises para realizar inferências como produto de todas as informações produzidas e alcançar maior entendimento sobre o fenômeno em estudo, utilizou-se como instrumento o método survey.
Para Fonseca (2002), “a pesquisa com survey pode ser referida como sendo a obtenção de dados ou informações sobre as características, as ações ou as opiniões de determinado grupo de pessoas, indicado como representante de uma população-alvo, utilizando um instrumento de pesquisa, usualmente um questionário”.
Nessa perspectiva de pesquisa mista integraram-se as análises quantitativas e qualitativas para se obter uma “fotografia” mais completa do fenômeno (SAMPIERI et al., 2013). Dentre as etapas para a elaboração e sistematização dos indicadores destacam-se a caracterização dos espaços/contextos institucionais, bem como a caracterização dos colaboradores e grupos de investigação, pois a composição dos agrupamentos dos participantes da pesquisa proporcionou tecer alguns indicadores de qualidade na inclusão de estudantes com TEA a partir destes múltiplos olhares e percepções.
Buscou-se, assim, sistematizar as impressões trazidas de cada um dos agrupamentos e em outro momento sistematizar interlocuções entre eles. Para a análise de 61 questionários, foram identificados os perfis de cada grupo utilizando instrumentos de análise que auxiliaram na identificação de convergências entre os grupos. Estes instrumentos se constituíram basicamente em Gráficos do tipo “Nuvem de Palavras”, Gráficos de Similaridades2, Quadros, Análise de Escala Likert e outras escalas.
Resultados e discussões
O conjunto de instrumentos expostos anteriormente permitiu a organização e análises dos dados em categorias, aqui denominadas como Eixos Temáticos Estruturantes e que se classificam em: Práticas Docentes e seus Espaços, Estabelecimento de Relações entre os Atores Educacionais, Planejamento e Organização de Ações para a Inclusão de Estudantes com TEA, Espaços Formativos e de Compartilhamento de Saberes e Integração entre as Políticas.
A partir desses Eixos Estruturantes, organizaram-se pontos e ações fundamentais para a escolarização de estudantes com TEA no contexto da Educação Inclusiva. Ao se aprofundar nestes pontos e ações, os mesmos se desdobraram em 74 indicadores qualitativos. O Quadro 1 descreve estes indicadores.
Quadro 1 – Descrição dos 74 indicadores qualitativos referentes às seis dimensões estratégicas
DIMENSÃO |
IND. |
DESCRIÇÃO DO INDICADOR |
1. Estratégias Pedagógicas e de Aprendizagem |
1.1 |
Auxílio a todo estudante com TEA recém matriculado em seu processo de adaptação na escola. |
1.2 |
Regularidade na frequência às aulas do Atendimento Educacional Especializado (AEE) - sala de AEE. |
|
1.3 |
Existência de diálogos entre professores do AEE e de áreas da sala de aula comum sobre orientações para o desenvolvimento do estudante com TEA, sejam mediados por reuniões pedagógicas ou relatórios elaborados pelo professor de AEE, com ciência da coordenação pedagógica. |
|
1.4 |
Elaboração de um plano individual de estudos para o estudante com TEA levando-se em conta um possível currículo adaptado, prevendo intervenções e práticas inclusivas. |
|
1.5 |
Desenvolvimento de atividades pedagógicas que estimulem empatia nos estudantes da escola. |
|
1.6 |
Desenvolvimento de estratégias pedagógicas diversificadas pelos professores, compartilhadas para suporte à aprendizagem, respeitando as singularidades dos estudantes com foco em suas potencialidades, eixos de interesse, necessidades e habilidades. |
|
1.7 |
Participação do estudante com TEA nas atividades e experiências educacionais. |
|
1.8 |
Conhecimento dos professores da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). |
|
1.9 |
Incentivo e promoção pelos professores de relações e espaços/momentos de compartilhamento dos estudantes com TEA e seus pares. |
|
1.10 |
Atenção dos professores às possíveis dificuldades dos estudantes com TEA na realização das tarefas e deveres de casa. |
|
1.11 |
O desenvolvimento do estudante é refletido pelos métodos ou processos avaliativos. |
|
1.12 |
Participação bem sucedida dos estudantes com TEA nos trabalhos em feiras de ciência, bem como visitas a outros espaços de aprendizagem. |
|
1.13 |
O estudante estabelece boa relação com seu monitor(a). |
|
1.14 |
O trabalho do monitor(a) auxilia o estudante com TEA em seu desenvolvimento escolar e aprendizagem. |
|
1.15 |
Os professores apresentam boa parceria com o monitor(a) e acompanham o trabalho realizado por este profissional junto ao estudante com TEA. |
|
1.16 |
O professor de AEE estabelece diálogos com o monitor a fim de orientar e acompanhar o trabalho realizado junto ao estudante com TEA. |
|
1.17 |
Em caso de necessidade de utilização de ambientes virtuais de aprendizagem ou aulas remotas, existe atenção no acompanhamento do estudante com TEA, entendendo que talvez o mesmo possa encontrar dificuldades com as adaptações. |
|
2. Gestão Escolar |
2.1 |
Organização da escola de modo que estudantes com TEA possam transitar com autonomia e segurança. |
2.2 |
Avaliação periódica e modificação, conforme as necessidades, dos efeitos da política da escola sobre suas culturas e práticas inclusivas. |
|
2.3 |
Os gestores educacionais zelam para que a relação estabelecida com o estudante com TEA e os demais profissionais da educação (porteiro, merendeira, zeladores e secretários escolares) seja harmoniosa/atenciosa. |
|
2.4 |
A escola possui estratégias para estimular a presença, participação e êxito de todos os estudantes pertencentes a sua comunidade. |
|
2.5 |
Existe compromisso em observar e acompanhar o processo de inclusão considerando os estudantes vulneráveis e suas famílias, bem como, tomar decisões sobre tal processo. |
|
2.6 |
Os gestores educacionais têm uma forma estabelecida (específica) para conhecer e se comunicar com os familiares de estudantes com TEA. |
|
2.7 |
A gestão escolar possui percepção do percentual de profissionais da escola que apresentam entendimento sobre o TEA. |
|
2.8 |
Há diálogo entre os gestores escolares e os familiares dos estudantes com TEA sempre que necessário. |
|
2.9 |
O monitor entra em sala de aula no primeiro dia do ano letivo, já preparado para acompanhar o estudante com TEA. |
|
2.10 |
A escola se dedica em oportunizar formação aos monitores sobre as peculiaridades do TEA, legislações e possíveis questões relacionadas à escolarização do estudante com TEA. |
|
2.11 |
A gestão estimula e oportuniza ações e iniciativas de qualificação de todos os profissionais da escola para práticas docentes (e não docentes) que entendam as particularidades do estudante com TEA. |
|
2.12 |
A escola disponibiliza meios e materiais para elaboração de materiais acessíveis e/ou adaptados para sala regular e sala de AEE que se destinem a estudantes com TEA. |
|
2.13 |
A gestão escolar busca parcerias com outros profissionais (universidades, projetos e profissionais da saúde) quando necessário a fim de contribuírem no esclarecimento de possíveis dúvidas sobre o TEA e possibilitar adaptação por parte dos seus estudantes, bem como orientar ou proporcionar auxílio para com os familiares dos estudantes. |
|
3. Família |
3.1 |
A escola se mostra acolhedora e receptiva à participação das famílias de estudantes com TEA. |
3.2 |
A direção e coordenação da escola se mostram disponíveis e atentas ao diálogo com os familiares de estudantes com TEA. |
|
3.3 |
Os familiares sentem que suas crianças ou adolescentes são acolhidos e valorizados pela escola. |
|
3.4 |
É sempre possível estabelecer diálogo entre familiares e professores para tratar de avanços e dificuldades apresentadas pelo estudante com TEA. |
|
3.5 |
A direção e coordenação da escola comunicam aos familiares sempre que necessário informações sobre regras, normas, funcionamento, programas e métodos de ensino, além de comunicar sobre o desenvolvimento dos estudantes com TEA e demais informações relevantes. |
|
3.6 |
Os familiares do estudante com TEA conseguem se responsabilizar por obrigações básicas como saúde, segurança e bem-estar, gerando condições básicas e propícias ao processo de escolarização e aprendizagem na escola e em casa. |
|
3.7 |
A gestão escolar e o corpo docente criam oportunidades para a família exercitar capacidades existentes ou para desenvolver novas competências junto ao estudante com TEA. |
|
3. Família |
3.8 |
O estudante com TEA e seus familiares são incentivados à participação de eventos e atividades socioculturais da escola (gincanas, feiras de ciências, passeios, visitas, dia da família, apresentações entre outros). |
3.9 |
A família do estudante com TEA participa das reuniões de pais e responsáveis que a escola realiza. |
|
3.10 |
A família do estudante com TEA participa e se envolve na organização de eventos e reuniões da escola. |
|
3.11 |
A família do estudante com TEA participa e se envolve em conselhos e equipes diretivas da escola e são incentivados a processos de tomada de decisão. |
|
3.12 |
O(a) professor(a) do AEE estabelece boa relação com a família e quando necessário favorece a articulação dos familiares com professores e demais atores educacionais. |
|
3.13 |
Os familiares estabelecem diálogo com o monitor do estudante com TEA sobre as experiências vivenciadas no cotidiano da sala de aula. |
|
3.14 |
Os familiares participam das tarefas e deveres escolares e conseguem identificar possíveis dificuldades e avanços nestes momentos de aprendizagem. |
|
4. Ambiente |
4.1 |
A escola é organizada de modo que estudantes com TEA possam transitar com autonomia e segurança. |
4.2 |
A escola promove a cultura de colaboração entre estudantes e demais atores educacionais. |
|
4.3 |
Os membros da escola refletem sobre a maneira como as culturas da escola podem promover um ambiente social inclusivo. |
|
4.4 |
A estrutura física da escola assegura os direitos de acessibilidade. |
|
4.5 |
Os diversos ambientes de aprendizagem da escola são inclusivos. |
|
4.6 |
A escola realiza passeios, visitas a outros espaços de aprendizagem, estudos na biblioteca para a aprendizagem de todos os estudantes. |
|
4.7 |
O espaço físico da sala de AEE é adequado no que diz respeito a questões como organização, manutenção e segurança. |
|
4.8 |
A sala de AEE possui bom acervo de materiais didáticos. |
|
4.9 |
A escola oferece atividades extraclasses para os estudantes com TEA. |
|
4.10 |
Os laboratórios de ensino, sala de informática e biblioteca são espaços suficientemente estruturados e utilizados com frequência pelos estudantes com TEA. |
|
4.11 |
A escola oferece ambientes virtuais de aprendizagem que sejam acessíveis e inclusivos em caso da necessidade de aulas remotas. |
|
4.12 |
A escola consegue identificar os ambientes de aprendizagem mais adequados, preferíveis e aceitáveis para os estudantes com TEA. |
|
5. Parcerias Intersetoriais Articuladas |
5.1 |
Realização de palestras e cursos que tratem de elementos conceituais do TEA e contribuições para o processo de escolarização de estudantes com TEA, em parceria com profissionais do atendimento multidisciplinar. |
5.2 |
Existe diálogo entre profissionais da educação e da saúde para a definição de elementos estruturais que possam contribuir com micropolíticas inclusivas, que qualifiquem o atendimento ao estudante com TEA. |
|
5.3 |
Existe diálogo entre profissionais da educação e da saúde para a definição de espaços de aprendizagem e atividades ideais para a inclusão do estudante com TEA, visando a ampliação do seu acesso e da sua participação no ambiente escolar. |
|
5.4 |
Organização de momentos de trocas entre escola e profissionais de atendimentos especializados para a construção coletiva de conhecimentos sobre o TEA, de modo a proporcionar maior qualidade ao processo de escolarização de estudantes com TEA. |
|
5. Parcerias Intersetoriais Articuladas |
5.5 |
Estabelecimento de rede de apoio aos familiares dos estudantes com TEA que seja constituída por diversos profissionais de atendimentos especializados. |
5.6 |
Existe algum apoio adicional específico para as demandas que os grupos de estudantes mais vulneráveis necessitam. |
|
6. Estruturas de Organização Inclusiva e as Políticas Públicas |
6.1 |
O corpo docente das diferentes etapas educacionais tem a oportunidade de expandir seu desenvolvimento profissional no campo das práticas inclusivas. |
6.2 |
São desenvolvidas ações e atividades que prezam independência, autonomia, participação e igualdade de oportunidades aos estudantes com deficiência. |
|
6.3 |
São realizadas ações e atividades de desenvolvimento profissional que auxiliem os profissionais da educação a responderem ao TEA. |
|
6.4 |
Os gestores, professores e demais profissionais da escola atuam no sentido de minimizar ações que se caracterizem como bullying e demais atitudes discriminatórias. |
|
6.5 |
A gestão pública oferece palestras, cursos e demais iniciativas para esclarecimentos sobre o TEA e processos de escolarização inclusivos. |
|
6.6 |
Existem ações que promovam o preparo da cidadania e a qualificação para o trabalho destinados a estudantes com TEA adolescentes. |
|
6.7 |
São realizadas ações com a colaboração e parceria de profissionais de atendimentos especializados que favoreçam a construção de contextos mais inclusivos e acolhedores no ambiente escolar. |
|
6.8 |
Oferta de programas escolares que permitam aos pais, estudantes e profissionais da escola, o acesso aos serviços prestados por instituições/organizações que estejam direta ou indiretamente relacionais ao bem-estar dos estudantes, segurança, saúde e oportunidades futuras. |
|
6.9 |
O Atendimento Educacional Especializado da escola oportuniza a articulação entre estudante, monitor, professores e familiares. |
|
6.10 |
O AEE da escola atua na disseminação de práticas colaborativas e inclusivas na escola. |
|
6.11 |
O AEE propicia integração e diálogo entre os sistemas familiar, escolar e das parcerias intersetoriais. |
|
6.12 |
Incentivo à formação contínua e continuada dos professores com vistas a processos inclusivos. |
Fonte: Elaborado por Dias (2021).
Com os indicadores qualitativos estruturados e justificados pela literatura e pela produção dos dados, o próximo passo foi apresentar um índice que pudesse mensurar estes indicadores. No Quadro 1 foram apresentados 74 indicadores, distribuídos em seis dimensões, descrevendo um contexto inclusivo ideal. Esses indicadores podem receber “pesos” ou “métricas”, ou seja, é possível conferir uma medida numérica para cada indicador. A seguir, descreve-se como cada indicador pode ser medido, apresentando-se as possibilidades desenvolvidas nesta pesquisa.
Mensuração e composição do índice das dimensões
Levando-se em consideração que um indicador é uma informação sintética que se vincula a uma informação contextualizada para delinear uma realidade, na tentativa de mensurá-lo de modo a tornar operacional a sua observação e possível avaliação, alguns objetos matemáticos podem ser considerados adequados neste processo de representação e modelagem.
Retornando aos indicadores, da forma como foram organizamos no Quadro 1, destaca-se que este modelo permite compreender cada indicador enquanto pertencente a uma única dimensão. O desafio desta investigação se centrou na seleção adequada de indicadores qualitativos que fossem capazes de captar a realidade da escolarização de estudantes com TEA numa paisagem ideal no contexto da Educação Inclusiva. No entanto, captar a realidade dentro deste espectro de um ideal inclusivo requer ir um pouco mais além da visão binária. Para que os indicadores representem de fato um redutor de incertezas e um instrumento para detectar focos prioritários, direcionando planejamentos responsáveis e sustentáveis, é possível refinar os pesos destes indicadores para que as interpretações sejam mais compatíveis com a realidade e, consequentemente, possam contribuir com maior assertividade.
Sendo assim, os pesos ou métricas podem ser refinados considerando-se não somente a perspectiva binária, mas atribuindo aos indicadores pesos relativos em cada uma das dimensões. Este aspecto reforça a característica sistêmica do fenômeno da escolarização de estudantes com TEA quando tecida no contexto da Educação Inclusiva.
Para a obtenção desses pesos, apresenta-se a seguir uma das abordagens metodológicas que foram desenvolvidas nesta pesquisa. Inicialmente percebe-se que um indicador pode pertencer de modo parcial a mais de uma dimensão. Essa ideia se refere a compreender os indicadores com maior e menor grau de pertinência a uma ou outra dimensão.
Composição do índice das dimensões (visão fuzzy)
Uma vez que cada indicador é transformado em um valor numérico, pode-se também conferir um valor numérico para cada dimensão como um agregado dos valores de cada indicador. Embora diversas sejam as maneiras capazes de conferir um valor numérico como índice para a dimensão, a média aritmética é o método mais simples que leva em consideração os efeitos de todos os indicadores que compõem a dimensão.
Neste sentido, para cada dimensão , o índice pode ser calculado por:
|
(1) |
Em que: representa o grau de pertinência do indicador na dimensão .
representa o valor numérico do indicador na dimensão .
Este índice foi formulado tendo como base a Teoria dos Conjuntos Fuzzy3. Na Teoria Clássica de Conjuntos, um elemento possui uma condição bem definida em relação a um conjunto: afirma-se que o elemento pertence ou não pertence ao conjunto. No caso da Teoria dos Conjuntos Fuzzy, um elemento pertence a um conjunto de modo incerto ou parcial, convergindo, assim, para o conceito de grau de pertinência.
É importante ressaltar que a visão fuzzy é uma visão mais abrangente do que a visão binária. Considerando-se que o grau de pertinência do indicador na dimensão assume os valores 0 ou 1, então a fórmula usada para o cálculo do índice fuzzy da dimensão é equivalente àquela usada para o cálculo do índice da dimensão pela visão binária.
Os valores de pertinência do indicador na dimensão podem ser obtidos por cálculos envolvendo uma combinação do conhecimento do pesquisador, o conhecimento de especialistas e colaboradores e o uso de indicadores centrais. Essa característica torna a modelagem aqui adotada um tanto flexível e adaptável, permitindo o aprimoramento e a atualização das medidas e índices considerados.
A abordagem aqui apresentada se resume apenas para o segundo caso, em que o grau (ou valor) de pertinência pode ser aferido por meio de questionários envolvendo o conhecimento de especialistas e atores envolvidos (colaboradores da pesquisa) no processo.
Cálculo da Pertinência () a partir do conhecimento de especialistas e/ou colaboradores da pesquisa
Os indicadores foram sistematizados de acordo com as dimensões julgadas mais adequadas a cada um. No entanto, a Educação Inclusiva assume uma essência complexa, sistêmica e multidimensional, podendo ser compreendida no ambiente escolar e no atendimento multiprofissional. Embora os indicadores estejam organizados conforme o Quadro 1, cada indicador pode pertencer em um grau maior a uma dimensão e num grau menor a outra dimensão, ou outras dimensões, demonstrando, assim, a complexidade existente no contexto inclusivo e a dinâmica sistêmica dos processos de escolarização em contextos inclusivos.
Sendo assim, ao se pensar sobre a possibilidade de um indicador permear entre duas ou mais dimensões, buscou-se compreender pela concepção dos colaboradores da pesquisa o quanto cada indicador poderia se fazer presente em uma ou outra dimensão. Diante disso, com o olhar sobre o perfil de cada um dos 61 colaboradores, foi possível perceber que alguns deles possuíam mais experiências e formação específica em relação aos outros.
A partir dessa observação, foi enviado um formulário aos colaboradores com mais experiência e vivência em relação ao processo de escolarização para que avaliassem os indicadores, tendo em vista a sua pertinência em cada uma das dimensões sugeridas nesta pesquisa.
Como forma de avaliação, cada colaborador poderia classificar a pertinência de cada indicador a uma dada dimensão por meio dos termos “Nenhuma”, “Pouco”, “Média” ou “Muita”. Um exemplo é ilustrado na Figura 1. Nesta etapa da pesquisa, contamos com a participação de nove colaboradores, divididos em três grupos. Cada grupo avaliou uma terça parte dos indicadores.
Figura 1 – Item do Questionário para determinação dos Graus de Pertinência
Fonte: Elaborada por Dias (2021).
Os valores atribuídos a cada elemento da Escala Likert foram 0, 1/3, 2/3 e 1 para “Nenhuma”, “Pouca”, “Média” e “Muita”, respectivamente. Dessa forma, foi possível calcular o Grau de Pertinência (GP) de cada indicador em relação a uma Dimensão. No Quadro 2 apresentam-se alguns exemplos desses indicadores e seus respectivos graus de pertinência, que foram calculados considerando as respostas dos colaboradores (especialistas) mais experientes.
Quadro 2 – Graus de Pertinência (GP) de Indicadores a partir do conhecimento de especialistas
Indicador |
GP DIM 1 |
GP DIM 2 |
GP DIM 3 |
GP DIM 4 |
GP DIM 5 |
GP DIM 6 |
1.4 Elaboração de um plano individual de estudos para o estudante com TEA levando-se em conta um possível currículo adaptado, prevendo intervenções e práticas inclusivas. |
1 |
0,83 |
0,75 |
0,75 |
0,75 |
1 |
1.17 Em caso de necessidade de utilização de ambientes virtuais de aprendizagem ou aulas remotas, existe atenção no acompanhamento do estudante com TEA, entendendo que talvez o mesmo possa encontrar dificuldades com a as adaptações. |
1 |
0,67 |
0,83 |
0,67 |
0,67 |
0,67 |
4.7 O espaço físico da sala de AEE é adequado no que diz respeito a questões como organização, manutenção e segurança. |
0,73 |
1 |
0,55 |
0,82 |
0,55 |
0,55 |
Fonte: Elaborado por Dias (2021).
O Quadro 2 aponta aspectos interessantes da avaliação dos colaboradores. Iniciando a análise pelo Indicador 4.7, percebe-se que as questões como organização, manutenção e segurança no espaço da sala do AEE tiveram um grau de pertinência à Dimensão Ambiente igual a 0,82, mas os colaboradores julgaram que este indicador pertence totalmente (pertinência igual a 1) à Dimensão Gestão Escolar, o que sugere pensar que uma das funções da gestão escolar é zelar pela organização, manutenção e segurança dos espaços escolares. Para a Dimensão Estratégicas Pedagógicas e de Aprendizagem, este indicador apresentou grau de pertinência igual a 0,73. Essas análises demonstram que este indicador aponta a necessidade de um empenho entre gestão e professores, além de condições de uso favoráveis para o ambiente.
O conhecimento dos colaboradores também nos diz que, embora o Indicador 1.4 pertença à Dimensão 1, este também pertence à Dimensão 6, que se refere às Estruturas de Organização Inclusiva e Políticas Públicas. Outro ponto importante a se destacar é em relação ao Indicador 1.17. Esta discussão ganha muita relevância neste momento em que os ambientes virtuais de aprendizagem têm um papel crucial na manutenção do vínculo dos estudantes com a escola. Os colaboradores apontaram que o Indicador pertence totalmente à Dimensão 1. No entanto, apresenta um grau de pertinência igual a 0,83 em relação à Dimensão 3, que se refere às Famílias.
No ano de 2020, o Instituto Rodrigo Mendes elaborou um relatório denominado “Protocolos sobre Educação Inclusiva durante a Pandemia da COVID-19: Um sobrevoo por 23 países e organismos internacionais”. Este documento enfatiza que “a primeira providência para um ensino online efetivo é estabelecer desde o princípio uma boa comunicação com os estudantes e suas famílias” (IRM, 2020, p. 23). Em seu conteúdo também se apresentam orientações da UNESCO e, dentre elas, a implementação de medidas que assegurem a inclusão de estudantes com deficiência, inclusive aqueles de famílias mais pobres.
Essas análises conseguem demonstrar como o tratamento fuzzy pode auxiliar na compreensão do conhecimento dos especialistas, entendendo que muitos fenômenos educacionais não são binários e sim possuem grande complexidade. Neste sentido, não basta apontar se a referida ação é ou não inclusiva em uma dada unidade escolar, mas sim, em que medida e em que aspecto (aqui representado pelas dimensões) ela se aproxima ou se afasta do ideal inclusivo.
Cálculo do índice das dimensões e suas contribuições
Para melhor explicar os termos presentes na equação 1 e, consequentemente, evidenciar o alcance da elaboração deste Índice das Dimensões para escalas avaliativas no processo de escolarização de estudantes com TEA no contexto da Educação Inclusiva, destaca-se que o termo representa o grau de pertinência do indicador na dimensão . Sendo assim, estes termos que aqui representam valores numéricos são obtidos por meio do conhecimento dos especialistas (colaboradores específicos), considerando-se a visão fuzzy.
O termo representa o valor numérico do indicador na dimensão . Estes valores numéricos podem ser obtidos por meio de um questionário, aqui denominado de Modelo de Avaliação dos Indicadores Qualitativos em Unidades Escolares (MAIQ). Nesse modelo é possível perceber cada indicador em relação à unidade escolar pesquisada.
Para se compreender em que grau cada indicador qualitativo se encontra estabelecido ou não em cada unidade escolar, é possível utilizar avaliações classificadas em “Exemplar”, “Em desenvolvimento”, “Iniciante” e “Inexistente” para que cada indicador seja avaliado de acordo com a realidade pesquisada. Por meio de afirmações se pode desenhar um perfil do quanto o indicador se apresenta dentro do contexto inclusivo em determinada unidade escolar. Estas afirmações, por sua vez, são adaptadas a cada um dos indicadores e, por meio das escalas (Likert), podem ser avaliadas.
Desta forma, é possível conferir para cada indicador um valor numérico que faz referência a este contexto inclusivo ideal, usando a escala Likert. Ao se aplicarem pesos para os indicadores, pode-se estabelecer escalas que permitam perceber o quão próxima (ou distante) se situa uma determinada realidade, seja em uma única escola ou em um conjunto de escolas.
Tal avaliação pode ser realizada pelo tratamento binário ou fuzzy. O ponto fundamental da avaliação é que, ao se tomar conhecimento de que determinadas ações se encontram de modo “Exemplar”, “Em desenvolvimento”, “Iniciante” ou até mesmo “Inexistente” e se identificar cada ação em suas dimensões, é possível compreender as demandas existentes e traçar ações pontuais para o atendimento destas demandas.
Por fim, a combinação linear dos termos e , resultam em um valor numérico para cada uma das Dimensões consideradas ). Com isso, é possível mapear o quanto cada dimensão está próxima ou distante do contexto inclusivo ideal, tomando como parâmetro esses indicadores.
Considerações finais
A caracterização e sistematização de indicadores demandaram a utilização de vários pressupostos teóricos e a participação de diversos atores educacionais. Ao reunir elementos da literatura com compreensões e narrativas de sujeitos que fazem parte do processo de escolarização, pôde-se contribuir com este debate teórico-metodológico.
A perspectiva da utilização dos indicadores qualitativos não tem a pretensão de apresentar conceitos e parâmetros únicos, uma que vez que o contexto inclusivo não é entendido como pronto e acabado, mas sim como um processo contínuo e sendo assim, pode ser sempre aprimorado. Neste cenário, a apresentação de indicadores apresenta modos possíveis de se compreender como as relações, ações, iniciativas e medidas para a contribuição do processo de escolarização de estudantes com TEA pode se dar o mais próximo do ideal inclusivo.
Em relação à avaliação dos indicadores, ressalta-se que as métricas podem se ajustar e serem adaptadas para melhor descrever as realidades e portanto, o modelo de sistematização de indicadores tem a vantagem de ser flexível aos diferentes contextos em que forem aplicados.
Dentre as várias contribuições compreendemos que a elaboração de indicadores qualitativos se mostra como uma perspectiva neste espaço de discussão da Educação e outras perspectivas de estudo podem surgir a partir dela, já que se figura apenas como uma das muitas possibilidades de leitura de um contexto que se põe continuamente em análise e de certa forma, em vigilância, para que retrocessos não se intensifiquem: o contexto inclusivo.
Do ponto de vista das métricas e do modelo teórico apresentados, acreditamos que novos indicadores-síntese podem surgir, em decorrência de outros estudos, cada vez mais representativos e robustos para a diversa realidade brasileira e podem ser acrescidos. Como recomendação, sugere-se a aplicação do Índice das Dimensões a qualquer unidade escolar, como forma de incentivar valores e contextos inclusivos, mapear áreas com mais necessidade de ajustes e de expandir a sua análise e aplicabilidade em estados e municípios com características diversas.
Referências
BOOTH, Tony; AINSCOW, Mel. Index para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação nas escolas. Tradução de Ana Benard da Costa e José Vaz Pinto. Bristol: CSIE, 2002.
BRASIL, Instituto Rodrigo Mendes - IRM. Protocolos sobre educação inclusiva durante a pandemia da COVID-19: um sobrevoo por 23 países e organismos internacionais. São Paulo: IRM, 2020. Disponível em: http://institutorodrigomendes.org.br/wp-content/uploads/2020/07/protocolos-educacao-inclusiva-durante-pandemia.pdf. Acesso em: 6 out. 2021.
DIAS, Chiara Maria Seidel Luciano. Indicadores Qualitativos na Escolarização de Estudantes com Transtorno do Espectro Autista no Contexto da Educação Inclusiva. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação e Ciências e Matemática da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC, Cuiabá, 2021.
ECHEITA SARRIONANDÍA, Geraldo; AINSCOW, Mel. La educación inclusiva como derecho: marco de referencia y pautas de acción para el desarrollo de una revolución pendiente. Revista de didáctica de la lengua y la literatura, Tejuelo, n. 12, p. 26–46, set. 2011.
FONSECA, João José Saraiva. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
HUMPHREY, Neil; LEWIS, Sarah. What does ‘inclusion’ mean for pupils on the autistic spectrum in mainstream secondary schools? Journal of research in special educational needs, v. 8, n. 3, p. 132–140, out. 2008.
R CORE TEAM. 2019. R: a language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. Disponível em: https://www.R-project.org/. Acesso em: 6 out. 2021.
SAMPIERI, Roberto Hernandez; COLLADO, Carlos Fernández.; BAPTISTA LUCIO, María del Pilar. Metodologia de pesquisa. 5. ed. Porto Alegre: Penso, 2013.
SILVA, Claudia Lopes; GARCEZ, Liliane. Educação inclusiva. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2019.
UNESCO-OEI, Escritório Internacional de Educação. Ibero-américa inclusiva: guia para garantir a inclusão e a equidade na educação na ibero-américa. Tradução de Elaine Vernek Trigo Troster. Brasília: UNESCO, 2018.
WICKHAM, Hadley. ggplot2: elegant graphics for data analysis. 2. ed. New York: Springer-Verlag, 2016.
Notas
1 O conjunto de informações – distribuídos em tabelas e dados primários - que gerou este banco de dados foi disponibilizado pela Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Estado de Mato (SEDUC-MT), que, atualmente, é composta por 768 unidades escolares. Os dados referentes a 2020 não foram disponibilizados, pois o ano letivo 2019 ainda estava em curso em 2020 quando as escolas interromperam suas atividades presenciais devido à pandemia de SARS-CoV-2, tornando-se um ano atípico. Tendo em vista que o público do Atendimento Educacional Especializado foi considerado grupo de risco, a quantidade de matrículas não estava finalizada até a conclusão da pesquisa.
2 Representações gráficas construídas em ambiente R (R CORE TEAM, 2019 ) com o pacote ggplot2 (Wickham, 2016 ), e ambiente R (R CORE TEAM, 2019 ), com o pacote ggplot2 (Wickham, 2016).
3 A palavra “fuzzy” é oriunda da língua inglesa e tem como significado os termos incerto, impreciso, subjetivo ou nebuloso. Idealizada por Lotfi Asker Zadeh em 1965, a Teoria dos Conjuntos Fuzzy se fundamenta com o objetivo de oportunizar um tratamento matemático a alguns termos linguísticos, considerados subjetivos, tais como “aproximadamente” e “em torno de”. Desta forma, a Teoria dos Conjuntos Fuzzy vem dar ao formalismo matemático as condições necessárias para tratar de objetos que sejam munidos de imprecisão, inexatidão ou vagueza.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)