http://dx.doi.org/10.5902/1984686X67728

A percepção do termo zoé no decorrer da história

The perception of the term zoé in the event of history

La percepción del término zoé en el transcurso de la historia

Cyntia França Cavalcante de Andrade da Silva

Doutoranda na Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

E-mail: cyntiafranca@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0900-6893

José Anchieta de Oliveira Bentes

Professor pós-doutor da Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

E-mail: anchieta2005@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1134-3677

Waldma Maíra Menezes de Oliveira

Doutoranda na Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

E-mail: waldmamaira@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8747-5185

Recebido em 17 de setembro de 2021

Aprovado em 13 de fevereiro de 2022

Publicado em 30 de março de 2022

RESUMO

Este artigo traz para o debate sete modelos teóricos de percepção da zoé, termo grego para designar indivíduos caracterizados como excluídos da sociedade. Os modelos teóricos para essa percepção são: maldição dos deuses, exigência milagrosa, ação demoníaca, tratamento médico, normalização, opressão social e diversidade. Trata-se de uma pesquisa documental e bibliográfica, tendo como fonte trechos do Velho e do Novo Testamento – na Bíblia cristã –, da legislação brasileira e de livros que tratam do assunto. Os resultados indicam uma evolução nas percepções dos indivíduos caracterizados como zoé, mas, esses modelos não foram capazes de subverter a situação de exclusão social e de valorizá-los enquanto pessoas humanas.

Palavras-chave: Deficiência; Modelos Teóricos; Educação Especial.

ABSTRACT  

This paper discusses seven theoretical models of the zoé, a Greek word for designating people excluded from society. These theoretical models are the Gods’ curse, miraculous demand, demonic action, medical treatment, normalization, social oppression and diversity. It is a documentary and bibliographical research, having as its source the excerpts from the Old Testament and the New Testament - in the Christian Bible -, Brazilian legislation and books dealing with the issue. The results indicate a significant development on the perceptions of how zoé people are seen. Still, these models were not able to subvert the situation of social exclusion and to value them as adult human beings.

Keywords: Disability; Theoretical Models; Special Education.

RESUMEN

Este artículo coloca en debate los siete modelos teóricos de la percepción de zoé, término griego utilizado para designar a los individuos que son excluidos de la sociedad. Los modelos teóricos de esta percepción van desde la maldición de los dioses, exigencia milagrosa, acción demoníaca, tratamiento médico, normalización, opresión social hasta diversidad. Esta es una investigación documental y bibliográfica que tiene como base teórica, fragmentos de la Biblia Católica tanto del Viejo como del Nuevo Testamento. Asimismo, cuenta con textos extraídos de la legislación brasileña y de libros que abordan este asunto. Los resultados en dicha investigación indican una evolución en las percepciones de los individuos denominados zoé. Sin embargo, esos modelos no fueron capaces de modificar la exclusión social ni mucho menos darles el valor como seres humanos.

Palabras clave: Deficiencia; Modelos Teóricos; Educación Especial.

Introdução

Quando nos propomos a fazer uma análise historiográfica, um problema nos envolve: como analisar o passado sem o uso de fundamentos teóricos do presente, ou seja, sem o uso de terminologias contemporâneas? Normalidade, eugenia, diversidade, deficiência, identidade, inclusão e exclusão são termos marcados historicamente, “inventados” a partir dos contextos históricos da industrialização, do capitalismo e da pós-modernidade, e que não servem como arcabouço teórico para analisar o passado, pois, se usarmos estes termos como categorias de análise, incorreremos em anacronismos. A questão que se coloca, portanto, é: como designar as “pessoas com deficiência” do passado? E como utilizar categorias de análise que não sejam transposições do presente no passado?

Para o problema de como designar as “pessoas com deficiência”, resolvemos utilizar o termo grego zoé, que exprime o viver comum de seres que efetivamente não participavam da polis, estando à margem da vida, da sociedade, e reduzidos a se reproduzir, como se fossem animais irracionais, podendo a qualquer hora ser eliminados, por constituir um fardo para a sociedade. Esse termo tem como correspondência atual o termo segregação ou exclusão social, que pode ser, nesse caso, utilizado para as pessoas com deficiência. Na caracterização da zoé, estariam os indivíduos excluídos e considerados como não humanos, que possuíssem alguma lesão ou que fossem identificados com alguma marca no corpo, o que era suficiente para discriminá-los e inferiorizá-los. Em outros termos: os sujeitos caracterizados como zoé eram aqueles considerados como tendo uma “vida não digna, que não vale a pena viver” (DAVIS, 2013, p. 4).

O termo oposto a zoé seria bios, que se refere ao indivíduo que usufrui dos direitos políticos, da vida plena. Em termos atuais, esses indivíduos seriam aqueles que estivessem incluídos na sociedade. Logo, na caracterização da bios, estariam os seres humanos valorizados, identificados na teoria da normalização.

Para a segunda questão, resolvemos utilizar termos que existiam na época analisada. Por isso, trabalhamos com os seguintes modelos teóricos de percepção da zoé: a maldição dos deuses, a exigência milagrosa, a ação demoníaca, o tratamento médico, a normalização, a opressão social e a diversidade.

A ideia é contrapor historicamente as diversas formas de percepção da zoé, para que se entenda e se identifique, preliminarmente, o que se estuda e o que se produz de teoria na atualidade. Acreditamos que um levantamento histórico como este, que agrupa didaticamente modelos teóricos de percepção, poderá ajudar no entendimento do porquê de tantos debates relacionados à educação das pessoas que estamos caracterizando como zoé. Por modelo teórico, entendemos uma ação legal emanada por instituição estatal, governamental ou religiosa, com autoridade legal, que provém de um governo ou de uma autoridade – religiosa, administrativa, jurídica, militar – com base em uma legislação ou em um livro sagrado, no caso a Bíblia. Estamos falando de políticas oficiais ou religiosas – as de cunho religioso –, que não abrangem a totalidade das políticas, mas que pretendem ser ilustrativas das referências da percepção e do tratamento, no decorrer da história, de alguns preceitos legais para com os deficientes.

A maldição dos deuses

A existência de documentos comprobatórios da percepção das pessoas caracterizadas como zoé, no período que vai de antes do nascimento de Cristo até o século XIX (BRADDOCK; PARISH, 2001), é extremamente limitada. Em todo caso, recorremos à Bíblia cristã e à resenha da obra dos historiadores Braddock e Parish para ilustrar o modelo teórico da maldição dos deuses.

Tal modelo está referido no Velho Testamento:

Mas, se você não escutardes a voz do Senhor teu Deus, guardando e praticando todos os seus mandamentos e leis que hoje te prescrevo, eis as maldições que virão sobre ti e te atingirão: O senhor ferir-te-á de loucura, cegueira e delírio. Em pleno meio-dia, andarás tateando, como cego na escuridão (DEUTERONÔMIO, 28:15, 28-29, BÍBLIA, 1982, p. 226).

Um contraponto à maldição dos deuses: no Levítico, há a referência a uma Lei hebraica que protegia as pessoas surdas e cegas: “Não insultes o surdo, nem ponham tropeços diante do cego, nem faça o cego andar fora do trajeto” (LEVÍTICO, 19:14, BÍBLIA, 1982, p. 144), portanto, impondo um preceito contra esse modelo de maldição, o que indica que ele não foi o único implementado.

Não é somente a Bíblia que faz referência ao modelo de maldição. A lei espartana estabelecia a matança de recém-nascidos, não se restringindo a estes, para os casos de lesões físicas: “As crianças com deformidades eram percebidas, às vezes, como representantes da raiva dos deuses, e, assassinar tais bebês, era um sacrifício almejado para tranquilizar os deuses” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 15).

O ideal de beleza na Grécia Antiga não era para os simples mortais, mas sim para os deuses. Com isso, nenhum ser humano queria – e nem podia – ser e ter como modelo teórico de beleza os deuses ou as deusas. Portanto, não existe esse ideal de “homem perfeito”. Segundo os autores (op.cit.), o conceito de normalidade e seu contraponto a anormalidade é da fase inicial do capitalismo, portanto, não existia, à época, a visão de anormalidade do corpo e da mente.

Esses autores afirmam ainda que, em situações excepcionais, ter uma lesão ou ser anão, por exemplo, não era uma barreira para alcançar o poder. “O imperador romano Cláudio tinha deformidades congênitas significativas, além da pequena estatura e os Espartanos o elegeram como seu rei” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 15).

A exigência milagrosa

Diferentemente do modelo de maldição dos deuses, que parece não impingir nenhum tratamento, o modelo teórico de exigência milagrosa propõe uma intervenção divina solucionadora do mal. Ela aparece no Novo Testamento, estabelecendo o poder do milagre: Cristo cura paralíticos (Marcos 2:3-12; Mateus 8:5-13), pessoas leprosas (Marcos 1:40-45), epilépticas (Marcos 9, 14 a 29), com surdez (Marcos 7:31-37) e com cegueira (Marcos 8:22-26, João 9:1-41). Isso estabelece uma ação sobrenatural de Deus sobre a doença, retirando-a e trazendo, desta forma, a cura.

Parece ser predominante a ideia de que a paralisia da lepra, a cegueira, a epilepsia e a surdez das pessoas aqui chamadas de zoé seriam causadas por algum pecado. No entanto, quando perguntado: “Quem foi que pecou, ele [o homem cego] ou os pais, para ele nascer cego”? Jesus respondeu que nenhum pecado fora cometido: “nem ele nem os pais, [mas] foi para nele se manifestarem as obras de Deus” (João 9:3). Portanto, contra a opinião dominante dos Apóstolos de que as lesões seriam fruto de algum pecado ou maldição, Jesus refere que é manifestação da glória de Deus.

Em todo caso, ainda se difunde entre os cristãos, a possibilidade de cura por meio de uma intervenção de um padre ou pastor. Também se difunde, por exemplo, que “a fé procede da audição, e a audição da palavra de Cristo” (EPÍSTOLA AOS ROMANOS 10:17, BÍBLIA, 1982, p. 1349). Por isso, muitas das vezes, não se aceita a surdez, já que, por não ouvir, necessariamente não poderia ter fé, aos olhos da igreja (BRADDOCK; PARISH, 2001).

A ação demoníaca

O modelo de ação demoníaca foi estabelecido na Idade Média, que, segundo a tradição historiográfica, vai do século V (476 d.C., com o fim do Império Romano do Ocidente) até o século XV – no ano de 1453 d.C., com a queda de Constantinopla. É preciso dizer que, contrariamente a essa classificação, a historiografia marxista prolonga a Idade Média até o advento das Revoluções Liberais e o fim do regime senhorial na Europa.

Na Idade Média, que se caracteriza pelo modo de produção feudalista, houve dificuldade de subsistência, desnutrição, doenças infecciosas, o que contribuiu, sem dúvida, para as taxas significativamente elevadas de pessoas com lesões físicas e mentais. Essas pessoas, nesta fase histórica, mendigavam, sem serem estigmatizadas, pois, esta atitude era aceita comumente (BRADDOCK; PARISH, 2001). Eram denominadas “tolos naturais e, mais tarde, idiotas e os chamados non compos mentis e, mais tarde, lunáticos” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 19).

No modelo demoníaco, os zoé são os tolos naturais, os que possuem doença mental, os com surdez e os com epilepsia, os quais foram colocados como tendo causas sobrenaturais ou ação demoníaca. A pessoa estaria possuída pelo demônio e isso requeria algum ritual ou magia com o poder de afastar o demônio: uma reza, a aspersão de água benta ou outro meio para tentar curá-la.

É possível que as pessoas com doenças mentais tenham sido queimadas nas fogueiras, pela Inquisição, devido à atribuição de feitiçaria. Martins (1999, p. 131) cita que a queima em fogueiras ocorria devido a essas pessoas “estarem associados a um suposto consórcio com o demônio”. A razão de serem eliminadas era religiosa: estar apossado de “espíritos malignos”, de demônio, de pecado.

Esse modelo teórico sobreviveu não apenas na Idade Média, mas nas chamadas Reformas Protestantes. “Os líderes da Reforma John Calvino [1509-1564] e Martin Luther [1483-1546] pregaram que pessoas com deficiências mentais eram possuídas ou foram criadas por Satã” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 21).

O tratamento médico

A partir do século XVI, passou-se a empregar, segundo Braddock e Parish (2001), vários tratamentos para as pessoas com doenças mentais, com depressão, com paralisia e com deficiência intelectual, dentre os quais: as surras voluntárias na cabeça, os furos na cabeça, a ingestão de substâncias preparadas. Esse tratamento médico pode ser considerado como uma alteração do modelo demoníaco, pois atribuía as causas das doenças às crenças sobrenaturais, e do modelo teórico de exigência milagrosa, ao requerer uma intervenção divina para a cura espiritual do mal.

O médico francês Philippe Pinel (1745-1826) – considerado por muitos o pai da psiquiatria (PESSOTTI, 1984) após introduzir o seu “Tratamento Moral” – enfatiza a importância da história clínica dos pacientes no entendimento dos sintomas. Esse médico acreditava que a doença mental era um distúrbio do autocontrole e da percepção da identidade, no sentido de alienação.

Assim, esse tratamento médico era realizado em instituições recém-criadas com a finalidade de tratar pessoas com lesões mentais e físicas. À época, os experimentos médicos tiveram como cobaias essas mesmas pessoas com lesões. Dentre os experimentos, havia “o eletrochoque, a esterilização, os testes com comida acrescentada com elementos radioativos, do mesmo modo eram expostos à hepatite B sem os seus conhecimentos” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 42).

Paralelo ao tratamento médico ocorreram ações educacionais. No século XVI, na Espanha e na corte otomana turca, ocorreu o início da educação de pessoas surdas. Na Espanha, a instrução começou com crianças aristocráticas surdas em mosteiros e conventos. “Em 1620, Juan Pablo Bonet em Madri publicou a primeira pesquisa sobre educação do surdo. Sessenta anos mais tarde, George Dalgarno publicou o primeiro alfabeto manual projetado especificamente para pessoas surdas” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 22).

Já no Brasil, as primeiras ações oficiais foram de recolhimento de órfãos e desvalidos nas Santas Casas de Misericórdia. A partir do século XVI, a primeira Santa Casa foi inaugurada em Santos, em 1543, a segunda, em Salvador, em 1549, e a terceira, no Rio de Janeiro, em 1552 (JANNUZZI, 2004). Foi no século XIX que se instituíram as primeiras escolas para cegos e surdos no Brasil. O Real Instituto de Cegos, hoje Instituto Benjamim Constant, surgiu, segundo Jannuzzi (2004), devido ao médico do imperador D. Pedro II (1825-1891), Dr. José Francisco Xavier Sigaud, ter uma filha cega. Esse fato influencia a criação de um espaço para cuidar da criança. A autora (op.cit.) relata que o Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi fundado em 1854, e teve, além da influência do médico do imperador, a de José Álvares de Azevedo, cego brasileiro que estudou em Paris e traduziu a “História do Instituto dos Meninos Cegos de Paris”, de J. Donded.

A criação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos ocorreu devido à influência do educador francês Eduard Hüet1 (1822-1882), que fora recomendado ao Imperador D. Pedro II – que reinou de 1840 a 1889 – pelo Ministro da Instrução Pública da França, senhor Saint George, e apoiado pelo Marquês de Abrantes (PERLIN, 2002; OVIEDO, 2007; PINTO, 2007). Posteriormente, a educação dos surdos, que implementou o uso de gestos manuais ou sinais para a aquisição das línguas orais, sofre um revés: é conhecido o fato de que, no Congresso de Milão, em 1880, estava sendo adotado o método de ensino oral puro na educação dos surdos, excluindo as possibilidades de uso das línguas de sinais, método que passou a ser chamado de oralismo em oposição ao manualismo.

A normalização

A normalização do corpo, cuja ocorrência é bastante recente na sociedade ocidental, apresenta a acepção de regulação de procedimentos ou atos, de estabelecimento de padrões, e, por conseguinte, de definição dos defeitos ou problemas físicos ou mentais, decorrente da teoria da normalidade. Esta acepção do termo “normalidade”, segundo Davis (2006), surgiu na língua inglesa entre os anos de 1840 e 1860. Antes, a acepção dessa palavra dizia respeito a fazer, tirar a esquadria, um instrumento para traçar ângulos, usado por carpinteiros para traçar suas linhas perpendiculares e estabelecer o esquadro ou norma de um objeto.

A conceituação de deficiência, segundo Davis (2006), advém do uso que se fez de uma área promissora de estudo, a estatística. O termo normalidade foi usado primeiramente em 1749, por Gottfried Achenwall, no contexto da compilação de informações sobre o estado (DAVIS, 2006, p. 4). Foi o estatístico francês Adolfe Quetelet (1796-1847) que contribuiu com a maioria das noções imperativas do normal, usando a noção de ser humano médio.

É relevante citar a teoria de Karl Friedrich Gauss (1777-1855), a respeito da teoria da curva do sino (bell curve). A partir dessa teoria, também conhecida como “curva de Gauss”, “distribuição gaussiana de probabilidade”, “curva normal” ou “curva de distribuição normal”, o formato da curva do sino, segundo Davis (2006), tornou-se um símbolo de tirania da norma. Essa teoria tem a seguinte formulação: “Toda a curva do sino terá sempre em suas extremidades aquelas características que se desviam da norma. Assim, o conceito da norma vem do conceito dos desvios ou dos extremos” (DAVIS, 2006, p. 6). Tal teorização da curva do sino e por conseguinte da normalidade deram como produto outra teoria, a eugenia.

O movimento de eugenia, no século XX (entre 1900 e 1930), disseminou nos EUA “a ideia de que as pessoas com deficiência tinham tendências criminosas e eram a mais séria ameaça à civilização, devido a composição genética” (KARAGIANNIS; STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 38).

O primo de Charles Darwin, Francis Galton (1822-1911), criou o termo eugenia e as impressões digitais, tendo como objetivo “mostrar que determinados traços físicos poderiam ser herdados” (DAVIS, 2006, p. 7). Tal teoria biológica conformou um ideal de ser humano como normal, como um complemento da teoria da seleção natural de Darwin, teoria obcecada pela eliminação dos “defeitos”, uma categoria que inclui o “débil-mental”, o surdo, o cego e o deficiente físico (DAVIS, 2006, p. 7).

Com essas teorizações, Davis resume que a “identidade das pessoas torna-se definida pelas qualidades físicas identificatórias irrepreensíveis, que podem ser medidas” (DAVIS, 2006, p. 7). Logo, ao ser identificado, pode ser criminalizado. As pesquisas de Galton conduziram à criação do “quociente inteligência” (QI), criado em 1905 por Alfred Binet (1857-1911) e Theodore Simon (1873-1961), para avaliar a aprendizagem escolar dos estudantes, redefinindo a maneira de medir.

Por último, Davis (2006), citando o trabalho de Sigmund Freud (1856-1939), diz que “é difícil imaginar a existência da psicanálise sem o conceito da normalidade” (p. 10), e argumenta que “Freud produziu uma eugenia da mente – criando os conceitos da sexualidade normal, da função normal, e então os contrastando com a perversão, o anormal, o patológico e associando-os ao criminoso” (DAVIS, 2006, p. 10).

No Brasil, na década de 1930, a política de atendimento às pessoas anormais foi intitulada de ensino emendativo. Empregou-se o termo emendativo, segundo Jannuzzi (2004), para designar “o ensino e a pedagogia utilizados no Instituto de Surdos-Mudos (ISM) e em várias escolas destinadas aos deficientes implantadas no Brasil. “A expressão emendativo, de emendare (latim), significa corrigir falta, tirar defeito, [...] suprir falhas decorrentes da anormalidade, buscando adaptar o educando ao nível social dos normais” (JANNUZZI, 2004, p. 70). Além do modelo teórico da normalidade, o ensino emendativo se utilizava do modelo médico: a deficiência mental, associada à psiquiatria, aos hospitais; e a deficiência auditiva, com o desenvolvimento dos órgãos fonatórios – ritmo da respiração, uso das cordas vocais, exercícios de sopros, etc..

O ensino emendativo foi institucionalizado, segundo Jannuzzi (2004), pelo Decreto-Lei n.º 20.826/1931, que oficializou a destinação aos designados anormais físicos – débeis, cegos, surdos-mudos –, anormais de conduta – delinquentes, perversos, viciados – e anormais de inteligência, “aconselhando escolas especiais para algumas dessas deficiências” (JANNUZZI, 2004, p. 108).

Uma provável justificativa para a implementação das escolas emendativas e centros de reabilitação foi a demanda da “necessidade de escrever e contar para ocupar os novos empregos na indústria ou morar nas cidades onde tais indústrias geralmente se localizavam” (JANNUZZI, 2004, p. 80). As escolas e clínicas de reabilitação públicas ou privadas pretendiam emendar o deficiente para que ele trabalhasse na indústria. O conceito formulado de centro de reabilitação é o seguinte:

[...] a instituição que atende adolescentes e adultos excepcionais com a finalidade de, sob a orientação de equipe multi e interprofissional, avaliar, treinar profissionalmente, visando à reintegração à força do trabalho e a sociedade, desenvolvendo ao máximo suas capacidades residuais (BRASIL, 1975, p. 88).

Outra justificativa, talvez decisiva, para a criação de clínicas e escolas especiais foi a existência de lesões e/ou traumas ocasionados aos combatentes da Segunda Guerra Mundial (de 1939 a 1945), principalmente em países europeus e nos Estados Unidos da América. A necessidade de tratar e reabilitar esses mutilados de guerra gerou a intervenção do Estado e da sociedade no desenvolvimento de tecnologias na área de saúde.

Na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, no pós-Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma propulsão na criação de escolas para Deficientes Mentais – principalmente – e para outras deficiências. Esse movimento teve, como principais incentivadoras, a Sociedade Pestalozzi, em 1934, e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, com influência das escolas de Excepcionais dos Estados Unidos, a partir de 1954, no Brasil (JANNUZZI, 2004).

Fator de propaganda do Estado para o sistema de educação e reabilitação dos deficientes, de arregimentação de voluntários, de recolha de donativos e de incentivo à escolarização foram a Campanha de Educação do Surdo Brasileiro (CESB - 1957), a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes Visuais (CNERDV - 1958) e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes Mentais (CADEME - 1960). No entanto, o objetivo maior dessas campanhas ainda era o de propiciar uma educação ao deficiente, que ocorreria em uma chamada escola especial. Estas escolas receberam a base teórica da Escola Nova, em combinação com as abordagens médico-pedagógicas e psicopedagógicas – como afirmamos anteriormente, com os famosos testes de inteligência.

Nesse contexto, um novo movimento institucional na área educacional surge por dentro do modelo teórico da normalização, na década de 1970: a integração. A integração dos deficientes surgiu em 1959, na Dinamarca, com Bank Mikkelsen, depois teorizada por Bengt Nirge, em 1969, e por Wolfensberger, em 1972, e, só depois, foi disseminada por todo o mundo, com o argumento de oferecer condições de vida, trabalho, educação e lazer em condições “tão próximas quanto possíveis” (MARTINS, 2002). A normalização considerada seria a do ambiente, das condições de vida e dos serviços, não necessariamente do corpo das pessoas a um padrão estatístico, como previa o modelo teórico da normalização estabelecido pela Eugenia.

Na teoria, a integração se baseou no princípio da normalização e do mainstreaming. Este último significa “levar os alunos o mais próximo possível para os serviços educacionais disponíveis na corrente principal da comunidade" (SASSAKI, 1997, p. 32). Em termos gerais: colocá-los na escola regular.

Ainda outro movimento institucional surgiu nos principais países ocidentais, nos anos de 1980. A situação dos hospícios, manicômios e asilos de pobres era deplorável: “Pessoas Dementes eram confinadas em jaulas, armários, porões, estábulos, encurralados! Acorrentados, nus, batendo nas barras e chicoteado em obediência!” (BRADDOCK; PARISH, 2001, p. 32). Tal situação seria questionada com o movimento que se convencionou chamar de desinstitucionalização. Esse movimento, assumido como política governamental, que ocorreu no Brasil na década de 1980, questionou as condições deploráveis das instituições que internavam pessoas com doenças mentais. Eles propuseram o fechamento de hospitais psiquiátricos ou a redução de leitos nestes, com o retorno para casa dos seus internos. Também se chamou de luta antimanicomial. Em Belém do Pará, esse movimento culminou com o fechamento do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira.

A opressão social

A abordagem social surgiu no interior do movimento da “disability”, originário da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, a partir da década de 1970. Ela significou, segundo Shakespeare (2006), o rompimento com explicações de punição divina, destino ou sina individual, cometimento de algum antecedente familiar no passado, fraqueza de espírito ou de déficit biológico (este presente no modelo médico).

Esse movimento, o da disability, estabeleceu um novo discurso, focalizando não mais uma imposição divina, lesão ou déficit físico ou mental, mas à opressão social, às barreiras arquitetônicas, à ausência de empregos, às leis, que culturalmente impediam a participação dos deficientes na sociedade como cidadãos de direitos.

O arcabouço teórico foi construído com base na concepção marxista (SHAKESPEARE, 2006), e estabeleceu um construto teórico contra a exclusão social. Ao desenvolver a tese de que a sociedade é culpada pela opressão, fazia-se relação de ir contra à exploração capitalista da burguesia sobre o proletariado, estabelecendo a luta contra formas de segregação e buscando divulgar suas bandeiras de luta na mídia (SHAKESPEARE, 2006).

A Union of Physically Impaired Against Segregation (UPIAS), constitui-se como um grupo fechado de intelectuais deficientes físicos, todos homens. Dentre estes, segundo Shakespeare (2006), foi Mike Oliver quem cunhou o termo “modelo social”, em 1983.

Tal modelo afirmava que é a sociedade que incapacita as pessoas deficientes físicas; é a sociedade que isola, exclui, e que, portanto, a deficiência (ou o termo inglês disability) está na sociedade e não na pessoa – não é a pessoa que tem que ser curada, mas a sociedade. É a sociedade que oprime e é esta opressão, esta barreira que deve ser removida, não a lesão de cada indivíduo.

É perceptível a ausência de outras categorias de zoé, como de surdos, cegos, surdos cegos, múltiplos deficientes, paralíticos, com síndrome de Down ou com altas habilidades. Outra ausência é a do gênero feminino. Essas ausências são referidas, pois, não são consideradas as lutas de mães cuidadoras, que poderiam questionar se o problema está somente na opressão e nas barreiras sociais; poderiam também questionar a reivindicação por liberdade e por oportunidade de emprego, que não contribuiriam para a melhoria de qualidade de vida de seus filhos que dependem do apoio de um acompanhante.

O quadro 1, abaixo, construído a partir da resenha de Shakespeare (2006), estabelece a distinção entre o modelo médico e o modelo social.

Quadro 1 – Distinção entre o modelo médico e o modelo social

MODELO MÉDICO

MODELO SOCIAL

Impairment (lesão)

Disability (deficiência) da sociedade

Problema individual e biológico

Problema estrutural e público, cultural e histórico.

A deficiência é uma tragédia pessoal.

A sociedade é incapacitada, cria e impõe a deficiência.

É preciso prevenir, curar, reabilitar.

É preciso remover barreiras, ter legislação antidiscriminação. O deficiente precisa ter vida independente, ter direitos.

Posição vista como reacionária

Posição vista como progressista

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Os teóricos orgânicos emergiram no interior da UPIAS, tendo como maior liderança o psicólogo Vic Finkelstein, que chegou “na Grã-Bretanha em 1968, expulso da África do Sul, decorrente de suas atividades contra o antiapartheid” (SHAKESPEARE, 2006, p. 197). A motivação inicial do grupo dirigido por Finkelstein era de ir contra a legislação que estabelecia renda para pessoas deficientes. O ponto fraco dessa concepção está em negligenciar as lesões, uma vez que estas influenciam por toda vida as formas de agir e os pensamentos das pessoas deficientes. Sem dúvida, atribuir culpa na sociedade acarreta atitudes de negar tratamentos medicamentosos e fisioterápicos, podendo chegar a negar intervenções tecnológicas que pudessem propiciar melhora na qualidade de vida das pessoas deficientes. Afinal, as doenças degenerativas, as doenças crônicas, a fisioterapia de crianças com paralisia cerebral e com múltipla deficiência prescindem de atendimento médico, e simplesmente alterar ou suprimir barreiras arquitetônicas e atitudes sociais não vai propiciar bem-estar a essas pessoas.

É possível estabelecer uma relação entre as construções teóricas em torno da inclusão. Como decorrência do modelo social, surge a proposta de inclusão educacional das pessoas deficientes nas escolas regulares. Parece que o movimento da Disability influenciou não apenas a Organização Mundial da Saúde (OMS) na distinção entre impairment e disability, mas também influenciou o Congresso de Salamanca, ocorrido em 2004, e a emergência do conceito de inclusão educacional como a transformação da escola para que esta possa incluir a diferença.

Com base em algumas leis e resoluções brasileiras – a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990), a LDBN, de 1996, e a Resolução do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, MEC/CNE 2001), demonstramos, no quadro 2, abaixo, as principais preocupações das leis atuais que regulamentam a Educação Especial ou Inclusiva no Brasil.

Quadro 2 Principais leis brasileiras e o modelo social de inclusão das pessoas deficientes

 

Onde estudar?

 

 

 

 

Quais adaptações?

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988).

Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996):

(Art. 208 / Art. 4º) III – “atendimento educacional especializado gratuito [...], preferencialmente na rede regular de ensino”.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90:

(Art. 54): “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Resolução CNE/CEB n.º 2, 11 de setembro de 2001 (BRASIL. MEC/CNE, 2001):

Art. 8º III - Flexibilizações e adaptações curriculares [...] metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados aos alunos com necessidades educacionais especiais.

O que é Educação Especial?

Resolução CNE/CEB n.º 2, 11 de setembro de 2001 (BRASIL. MEC/CNE, 2001):

Art. 3º. Por educação especial entende-se [...] um processo educacional para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica.

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

A legislação citada no quadro 2, acima, prevê a inserção dos alunos deficientes na escola regular (e, por conseguinte, isso pode ser entendido como uma posição de desmonte das escolas especiais, rotuladas de segregacionistas). Centra-se também na existência do que passou a ser chamado de adaptações curriculares, com apoio pedagógico (salas de recursos, ensino itinerante), não explicitando, porém, quais metodologias e recursos didáticos são necessários para atender às especificidades dos alunos nem se deve atender a todas as deficiências.

Conforme apresentado no debate sobre o modelo social, na abordagem da inclusão, existe um questionamento a respeito do menosprezo à lesão sofrida pelos zoé, colocando toda a responsabilidade da deficiência na sociedade. Enquanto política pública, não se deve menosprezar a diferença sensorial dos surdos, as lesões e as necessidades de acompanhamento das pessoas com múltipla deficiência, surdo-cegueira e paralisia cerebral. Neste sentido, a escola não apenas deve alterar sua arquitetura, mas deve também mudar a sua forma homogênea de ser, quebrando as relações de poder e a hegemonia existentes.

A diversidade

No modelo da diversidade, ocorre um discurso falacioso de que a normalidade acabou e está perdendo sua hegemonia e de que a sociedade atual está atenta para a diversidade. É como se a normalidade fosse substituída pela diversidade. Com isso, possíveis distinções, antes feitas de gênero, aptidão física, classe, raça, grau de inteligência e outras fundadas no corpo, fossem completamente excluídas do zoé, e não mais existiriam.

Tais posicionamentos fariam parte de uma política global, denominada neoliberalismo e pós-modernidade, em que todos os indivíduos seriam incluídos no mercado consumidor, particularmente os que aqui estamos chamando de zoé, e que todos seriam aceitos como expressando diversas formas ou estilos de vida. O discurso passa a ser: “Todos são iguais, apesar das diferenças superficiais de raça, classe ou gênero” (DAVIS, 2013, p. 3) e a mensagem ideológica desse discurso é que não existe mais o indivíduo “normal”, que o importante é aceitar que vivemos com diversos tipos de pessoas.

No entanto, na pós-modernidade, continua a escolha dos mais eficientes, continua a valorização da bios em detrimento da zoé, e as pessoas que possuem uma lesão física, sensorial ou cognitiva continuam, na prática, sendo excluídas, pois continuam sendo vistas a partir do modelo médico-patológico, sem identidade, “vistas como um estado de abjeção ou uma condição que necessita de reparação médica ou cura” (DAVIS, 2013, p. 8).

Considerações finais

A educação especial no Brasil teve suas primeiras ações estatais com a prática de recolhimento às Santas Casas de Misericórdia, aos asilos e às classes anexas aos hospitais, e, depois, devido a influências pessoais e políticas, à criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, e do Instituto dos Surdos-mudos, em 1856, que desenvolveram o modelo emendativo e o modelo normativo, na década de 1930. Tais institutos desenvolveram nesse período um tratamento médico para corrigir o que falta, tirar o defeito, acabar com a anormalidade.

No período da Segunda Guerra ocorreu um grande incremento na criação de escolas especiais. No Brasil foi fundada, em 1954, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), com a prática de voluntariado e com as campanhas para educação dos deficientes. A prática continuava fundada no ensino emendativo (modelo médico-pedagógica) e no modelo normativo (baseando-se nos testes de inteligência - TI). A seguir, veio o movimento intitulado da integração, continuando a implementação do modelo da normalização – colocação do deficiente nas atividades consideradas normais.

Uma nova ênfase surge só a partir da década de 1970, decorrente dos movimentos das pessoas deficientes, que foram chamadas, neste trabalho, de zoé. Essas pessoas passam a questionar os modelos de maldição dos deuses, de exigência milagrosa, de ação demoníaca, de tratamento médico e de normalização. Esse modelo chega ao Brasil em 1994, a partir da Declaração de Salamanca, e passa a se denominar educação inclusiva, já que a instituição escolar seria supostamente a responsável pela não aceitação dos deficientes e, por isso, precisaria se modificar em sua estrutura física, em seu currículo e em suas atitudes para atender às particularidades de cada aluno. É essa a política que prevalece nas instituições atualmente.

Duas afirmações conclusivas. A primeira: “a normalidade do corpo é uma configuração que se levanta em um momento histórico particular. É parte de uma noção do progresso, da industrialização e da consolidação ideológica do poder da burguesia” (DAVIS, 2006, p. 15). E que uma das tarefas para os teóricos é de inverter a hegemonia do normal e de instituir maneiras alternativas de pensar sobre o “anormal”. A segunda: a discussão sobre os modelos teóricos dos sujeitos caracterizados como zoé parece ser muito produtiva, seja quando se propõe a desmetodização desse processo, seja quando se discute a causa da não aceitação: um destino, alguma maldição, algum mal praticado pelos pais, ou em uma reencarnação passada, alguma ação demoníaca ou decorrente de incompatibilidade sanguínea, hereditariedade ou algum outro problema de má-formação genética, ou ainda decorrente de algum problema social. E a solução pode estar, para alguns, na Igreja, como querem alguns pais, na esperança de um milagre, com a ação de exorcismo ou de benzimento para extrair espíritos malignos; pode estar também nos movimentos organizados que discutem toda essa problemática.

Em oposição a todas essas atitudes, inclusive a médica, que pretendia a cura, é que se desenvolve o modelo social. Ocorre que este modelo parece estar saturado. Ele foi desenvolvido por pessoas que “conseguiram”, com alguma modificação de acessibilidade legal ou arquitetônica, melhorar seu estado de vida, mas os mesmos teóricos desse modelo esqueceram ou desconsideraram os deficientes que não vão ter inteira liberdade, mesmo com toda alteração arquitetônica possível. É o caso das pessoas com múltipla deficiência, com surdo-cegueira, com deficiência mental profunda, com paralisia cerebral grave. Até os surdos questionam a possibilidade de uma efetiva inclusão quando a escola continua tendo um padrão único de comunicação centrado na Língua Portuguesa.

Não se trata de uma discussão nova, nem tampouco pensar que, com uma política pública isolada ou com a propaganda de um método, se possa resolver os problemas dos deficientes; nem tampouco pensar que, sem uma mudança profunda na sociedade, poderá haver uma inclusão educacional.

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Notas

1 É válido notar, conforme assinalou Oviedo (2007), a existência, na literatura científica brasileira, de diferentes grafias do nome de Hüet que aparece grafado como Eduard Hüet (OVIEDO, 2007), Edouard Hüet (JANNUZZI, 2004), Ernest Huet (PINTO, 2006), Ernesto Hüet (CORRÊA, 2010) e Hernest Huet (OLIVEIRA, 2012; GOLDFELD, 2001).

 

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