http://dx.doi.org/10.5902/1984686X67187

Docentes no ensino superior: ressignificando as diferenças

Professors in higher education: re-signifying the differences

Profesores de educación superior: resignificando las diferencias

Mariana Pinkoski de Souza

Doutoranda na Universidade La Salle Unilasalle, Canoas, RS, Brasil

E-mail: marianapinkoski@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0044-7879

Letícia Laureano dos Santos

Doutoranda na Universidade do Rio dos Sinos Unisinos, São Leopoldo, RS, Brasil

E-mail: letthy81@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0729-0392

Paulo Fossatti

Professor pós-doutor da Universidade La Salle Unilasalle, Canoas, RS, Brasil

E-mail: paulo.fossatti@unilasalle.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9767-5674

Hildegard Susana Jung

Professora doutora da Universidade La Salle Unilasalle, Canoas, RS, Brasil

E-mail: hildegard.jung@unilasalle.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5871-3060

Recebido em 12 de agosto de 2021

Aprovado em 20 de junho de 2022

Publicado em 22 de setembro de 2022

RESUMO

A representação de professores no ensino superior brasileiro é desigual de acordo com os dados estatísticos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (BRASIL, 2020) quanto ao gênero, à raça, etnias, pessoas com deficiência e identidades de gênero. Isto ocorre por diversos contextos históricos, culturais e no que concerne a padrões e diferenças. Buscamos neste estudo um diálogo com os pensadores Marx, Vygotsky e Deleuze, que destacam conceitos importantes à discussão pertinente para refletirmos a realidade da contemporaneidade educacional. O objetivo deste estudo é analisar os norteadores teóricos que abordam a diferença, educação e o trabalho, dialogando com a presença dos diferentes grupos identitários na docência da educação superior. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho descritivo e caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica. Os resultados provenientes da pesquisa destacam a importância da discussão e exposição das diferenças, que não configuram o cenário da educação superior brasileira, devido à homogeneização, que dificulta o ingresso de professores universitários considerados fora do padrão, bem como a lucratividade e mercantilização existente no âmbito educacional. A sociedade normativa precisa ser transformada para que as diferenças não sejam impeditivas de ingresso laboral e que existam condições equitativas aos cargos na educação.

Palavras-chave: Docência no Ensino Superior; Diferença; Educação; Trabalho.

ABSTRACT

The representation of professors in Brazilian higher education is unequal according to statistical data from the National Institute of Educational Studies and Research Anísio Teixeira (BRASIL, 2020) regarding gender, race, ethnicities, people with disabilities and gender identities. This occurs for different historical, cultural contexts and in what it concerns to patterns and differences. We seek in this study a dialogue with Marx, Vygotsky and Deleuze, thinkers who highlight important concepts to the pertinent discussion to reflect the reality of education contemporaneity. The aim of this study is to analyze the theoretical guidelines that address the difference, education and work, dialoguing with the presence of different identity groups in higher education teaching. This is a descriptive qualitative research and is characterized as a bibliographic research. The research results highlight the importance of discussion and exposure of differences, which do not configure the Brazilian higher education scenario, due to homogenization, which hinders the entry of university professors considered non-standard, as well as profitability and existing commercialization in the educational sphere. The normative society needs to be transformed so that the differences do not prevent to employment and that there are equal conditions for positions in education.

Keywords: Teaching in Higher Education; Difference; Education; Work.

RESUMEN

La representación de profesores en la educación superior brasileña es desigual según datos estadísticos del Instituto Nacional de Estudios e Investigaciones Educativas Anísio Teixeira (BRASIL, 2020), cuanto al género, raza, etnia, personas con discapacidad e identidades de género. Esto ocurre por diferentes aspectos históricos, culturales y en lo que se trata de patrones y diferencias. En este estudio, buscamos un diálogo con pensadores Marx, Vygotsky y Deleuze, quienes resaltan conceptos importantes para la discusión relevante con el fin de reflejar la realidad de la educación contemporánea. El propósito de este estudio es analizar los lineamientos teóricos que abordan la diferencia, la educación y el trabajo, con la presencia de diferentes grupos identitarios en la enseñanza de la educación superior. Se trata de una investigación descriptiva cualitativa y se caracteriza por una búsqueda de literatura. Los resultados de la encuesta destacan la importancia de discutir y exponer diferencias, que no configuran el escenario de La educación superior brasileña, debido a la homogeneización, que dificulta al ingreso de los profesores universitarios considerados no estándar, así como la rentabilidad y comercialización existente en el ámbito educativo. La sociedad normativa necesita ser transformada para que las diferencias no sean un impedimento para el empleo y que haya igualdad de condiciones para los puestos en educación.

Palabras clave: Docencia en Educación Superior; Diferencia; Educación; Trabajo.

Introdução

O ensino superior brasileiro da contemporaneidade busca constantemente aprimorar a educação, as relações e os contextos sociais. De acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) - que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB) - o ensino superior tem entre as suas finalidades “estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo” (art. 46, inciso I). O mesmo artigo também determina que a educação superior tem o intuito de “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade” (inciso VI). Contudo, apesar da lei explicitar que este nível de educação tenha entre os seus objetivos o pensamento crítico acerca da realidade, estabelecendo uma relação com a sociedade, as diferentes identidades existentes na população brasileira não estão presentes no espaço universitário, evidenciando um problema social existente incorporado também nesta esfera.

De acordo com os dados apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (BRASIL, 2020), a população brasileira não está igualmente representada no ensino superior. Esta desigualdade é evidenciada quando analisados os dados referentes ao corpo docente das universidades brasileiras.

Se observadas as diferenças raciais, os dados do Censo da Educação Superior de 2019 (BRASIL, 2020) revelam que o quadro docente das universidades é composto majoritariamente por pessoas brancas, 57,9%. Os pardos somam 12,9% dos docentes, seguidos dos pretos (1,5%) e amarelos (0,7%). A população indígena é representada por apenas 153 docentes nas instituições brasileiras de ensino superior. Fica demonstrada, de forma incontestável, a predominância da população branca entre os professores do ensino superior. Se for considerada a proporção da população brasileira por 56,2% de negros e 42,7% de pessoas brancas, os resultados indicam a ampla desigualdade racial existente nesta esfera.

Quando analisadas as questões de gênero, o levantamento demonstra que os professores representam 53,3% da amostra e as professoras 49,03%. Porém, se verificados os dados do mesmo período coletados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD (IBGE, 2019) esta proporção se inverte: as mulheres correspondem a 51,8% e os homens 48,2%, o que demonstra a existência uma pequena disparidade de gênero na docência universitária. Outro aspecto importante relacionado a este indicador, se refere à população LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais ou transgêneros, Queer, Intersexo, assexual e as diversas possibilidades de orientação sexual e/ou identidade de gênero que existam) na educação superior, de acordo com a V Pesquisa do Perfil dos Graduandos das Instituições Federais da Andifes (ANDIFES, 2019). O estudo aponta que homens e mulheres transexuais representam apenas 0,2% dos graduandos e 3,7% não se classificam em nenhuma identidade de gênero. Embora os dados fornecidos pelo INEP (BRASIL, 2020) não contemplem as especificidades acerca das identidades de gênero, as informações que dizem respeito aos graduandos das instituições federais demonstram que estas diferenças também não estão representadas no âmbito universitário. Em relação às pessoas com deficiência, também é possível perceber desigualdades de acesso ao espaço universitário, pois apenas 0,43% do total de professores do ensino superior apresentam algum tipo de deficiência (BRASIL, 2019).

Através destas informações é possível identificar que o perfil docente nas instituições de ensino superior é composto por pessoas brancas, sem deficiência, sendo sua maioria do sexo masculino. Diante disso, percebe-se que desigualdade racial é um dos problemas que se manifesta de forma notória quando abordamos a temática da diferença. Também se destaca a presença pouco expressiva de dados a respeito de outros grupos identitários como pessoas com deficiência e população LGBTQI+.

De acordo com as informações acima citadas, é possível refletir sobre as diferenças dentro das universidades e particularmente, na docência do ensino superior. A problemática trazida à tona é o porquê na contemporaneidade os professores percebidos como diferentes pela sociedade - pessoas com deficiência, minorias étnicas, LGBTQI+, entre outros - estão em menores índices nas universidades? Por que as diferenças no contexto laboral não existem? Como ressignificar as diferenças entre os docentes no ensino superior brasileiro?

Diante das considerações expostas, o objetivo deste estudo é analisar os norteadores teóricos que abordam a diferença, educação e trabalho, dialogando com a presença dos diferentes grupos identitários na docência da educação superior. Para tanto, é proposto um diálogo entre as construções de Marx, Vygotsky e Deleuze, relacionando os conceitos atinentes ao mundo do trabalho, educação e diferença, bem como as suas aproximações com a temática da diferença no contexto da docência no ensino superior. No que diz respeito ao método, conforme assinala Gil (2002) trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho descritivo. Quanto aos procedimentos técnicos utilizados, caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, pois se vale da busca de fontes provenientes de livros e artigos científicos.

Após a introdução são apresentadas as ideias de Marx e Vygotsky e suas contribuições sobre educação e mundo do trabalho, seguidas dos conceitos acerca da diferença sob a perspectiva de Deleuze. Na sequência se descreve o percurso investigativo do estudo: método utilizado, instrumentos de coleta de dados e procedimentos de análise. Por fim, são apresentadas as discussões acerca da temática proposta e as considerações finais.

Metodologia

Este artigo trata-se de um estudo teórico de cunho qualitativo que tem por objetivo analisar os norteadores teóricos que abordam a diferença, educação e o trabalho, dialogando com a presença dos diferentes grupos identitários na docência da educação superior. A tipologia da pesquisa é bibliográfica, pois esta, conforme Gerhardt e Silveira (2009, p. 69) “[...] fundamenta-se em fontes bibliográficas; ou seja, os dados são obtidos a partir de fontes escritas, portanto, de uma modalidade específica de documentos que são obras escritas, impressas em editoras, comercializadas em livrarias e classificadas em bibliotecas”. Complementando, Gil (2002, p. 44) entende que “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, buscando os estudos publicados acerca do tema proposto.

Para a elaboração do referencial teórico, foi realizada uma revisão da literatura disponível em livros e nas bases de dados, a saber: Google Acadêmico, Google Livros, EBSCOhost, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Banco de Teses e Dissertações Capes. Como descritores, foi selecionado para a pesquisa, os termos: “docência”, “ensino superior”, “diferença”, “educação” e “trabalho”.

Para o direcionamento e estrutura do estudo, Gil (2008) foi empregado para ordenar a pesquisa em oito etapas: 1ª. Planejamento; 2ª. Elaboração dos objetivos; 3ª. Escolha da metodologia; 4ª. Organização dos prazos e metas; 5ª. Busca por conteúdos teóricos adequados; 6ª. Análise dos dados encontrados; 7ª. Construção de reflexões entre autores; e 8ª. Considerações finais. Na quinta parte, foram pesquisados conteúdos segundo os critérios de inclusão/exclusão e em seguida a pré-análise, que conforme Bardin (2016), a qual se trata da leitura flutuante dos títulos e resumos dos materiais para avaliar quais trabalhos seriam mantidos. Após, foi realizada a exploração mais detalhada do material por meio da leitura integral e o tratamento dos resultados, com a compilação dos dados e a redação do texto a partir da análise e interpretação dos achados (BARDIN, 2016).

Marx e a influência sobre a educação e no trabalho

A norma, a homogeneidade, a padronização são características da sociedade moderna regida pelo capital. Conforme Marx (2013), o capitalismo determinou que a força de trabalho deve possuir um padrão médio de habilidade, eficiência e celeridade, para ser considerada de qualidade “normal”. Este padrão de “qualidade” garante ao capitalista o não desperdício de nenhum segundo de trabalho. Neste sentido, entende-se que os indivíduos marcados como “diferentes” do padrão determinado pelo capital são considerados de menor valor social, estabelecendo as dinâmicas e posições sociais existentes no mundo moderno.

Marx e Engels (2017) explicitam que com o desenvolvimento da burguesia e do capital, desenvolve-se também o proletariado, ou seja, a classe de operários modernos. Os trabalhadores da classe operária só vivem enquanto têm trabalho e somente têm trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Eles vendem a sua força de trabalho como mercadorias, artigo de comércio ou como qualquer outro bem e, em consequência, estão sujeitos às instabilidades do mercado. Sobre o pensamento de Marx, Manacorda (2017) aponta que para ele, o trabalhador cada vez mais se empobrece, enquanto a força criativa do seu trabalho passa a ser concebida como força do capital, e assim, o trabalhador se aliena do trabalho como força produtiva da riqueza.

Marx e Engels (2017) assinalam também a presença da força de trabalho de mulheres e crianças nas fábricas. Quanto menos habilidade e força o trabalho manual exige, mais o trabalho dos homens é substituído pelo de mulheres e crianças, sendo que as diferenças de idade e de sexo passam a não ter mais importância para a classe operária. Neste sentido, os autores destacam a necessidade de uma educação voltada para os interesses da classe operária, defendendo a educação pública e gratuita para todas as crianças, uma reestruturação do trabalho infantil nas fábricas e associação com a produção material. Lopes (2012) declara que, para Marx, as ideias passadas pela escola burguesa à classe operária, transmitidas à classe operária por professores visando a reprodução cultural-social, criam uma falsa consciência de classe.

De acordo com Marx (2013), “a educação do futuro” deveria conjugar, para todas as crianças a partir de uma determinada idade, o trabalho produtivo com o ensino e a ginástica, não só como forma de incrementar a produção social, mas como único método para a produção de seres humanos desenvolvidos em suas múltiplas dimensões. Marx e Engels (2017) ainda argumentam que os ideais comunistas não inauguram a intervenção da sociedade na educação, pois isso já é uma realidade na sociedade burguesa. O comunismo tem entre suas finalidades propor mudanças no sistema de educação, arrancando-o da influência da classe dominante. Sendo assim, em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Manacorda (2017) concebe que o ponto de vista de Marx apresenta-se como claro e atual até hoje. De acordo com o autor, o ensino estatal não deve ser entendido simplesmente como ensino controlado pelo governo. Para ele, o Estado e o governo são duas coisas distintas, ou seja, o ensino pode ser estatal sem estar sob o controle do governo. O autor ainda explicita que o Estado deve limitar-se a determinar por lei os recursos para as escolas, o nível de ensino dos professores, as matérias de ensino e a supervisionar, com os seus inspetores, o cumprimento destas disposições. Desta forma, a separação entre Igreja e escola é entendida como pertinente, conforme sugere Marx. Conforme Gadotti (1999), Marx foi um dos pensadores de maior influência nas ciências sociais da contemporaneidade, não se limitando apenas aos estudos teóricos. Além de diversos estudos, o pensador desenvolveu uma intensa atividade política, criticando os impactos da sociedade burguesa, inclusive na educação.

Para Manacorda (2017), a ciência e os modos de produção relacionam-se de forma complexa, refletindo diretamente nas práticas educativas. Nesse sentido, durante muito tempo a pedagogia foi direcionada pelo determinismo social e estabelecendo currículos de acordo com a classe social do indivíduo, condição esta entendida como imutável. Contudo, o autor salienta que sociólogos como Marx e Engels defendiam a educação como fator de mudança social e apoiada nas motivações pessoais, considerando potencialmente cada indivíduo como sujeito de todos os direitos e de todas as possibilidades educativas. Diante da perspectiva de Marx, é pertinente continuarmos aprofundando a concepção desta reflexão por Vygotsky, que se encontra no próximo tópico.

Vygotsky na perspectiva da educação e trabalho

O materialismo histórico, reconhecido como a teoria marxista, percebido diante das mudanças históricas na sociedade e na vida material através de transformações na consciência e no comportamento humano, foi um marco fundamental para as construções de Vygotsky. Psicólogo e pensador bielo-russo (1896-1934), em seu curto tempo de vida, foi o primeiro a tentar correlacionar a questões psicológicas concretas de Marx. Em suas obras é destacado o papel preponderante às relações sociais, convergindo a corrente pedagógica com o seu pensamento de socioconstrutivismo. Nesse seu esforço, elaborou de forma criativa as concepções de Engels sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos como os meios pelos quais o homem transforma a natureza e por consequência, transforma a si mesmo (VAN DER VEER, 2014; VYGOTSKY, 2000a).

Para Vygotsky (1988), o ser humano vivencia uma esfera subjetiva na qual os fatos significativos são representados através da filosofia marxista, pois afirma que quando existe a conscientização da vida, ela se torna significativa. Para o pensador russo, os sistemas de signos, conhecidos pela linguagem, a escrita, o sistema de números e de instrumentos, são criados e construídos pelas sociedades ao longo do curso da história humana e são modificados através do contexto social e de acordo com o desenvolvimento cultural. A internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca modificações comportamentais e estabelece um elo entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual. Assim, o mecanismo de mudança individual ao longo do desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura (VYGOTSKY, 1988). A ligação do homem com o trabalho é influenciada desde a infância pelo uso dos signos, já que estes estão imbricados com o ambiente em que se vive e é realizada a organização dos comportamentos a partir disto. Os comportamentos a partir do ambiente produzem o intelecto, em um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, com fatores internos e externos e acontecimentos adaptativos (VYGOTSKY, 1989).

É descrito na obra “A formação social da mente” de Vygotsky (1989) que somente uma mente ingênua acredita que as transformações da vida ocorrem em uma linha reta, em linearidade, sem desvios, sem relações sem trocas, por isso a função laboral é primordial de fuga para a estagnação da vida humana, já que para a filosofia dialética, nada é estabelecido para sempre, nada é absoluto ou sagrado.

Refletindo o que o psicólogo russo constata, de que a transformação qualitativa / metamorfose somente ocorre com o entrelaçamento de fatores externos e internos e processos adaptativos, as alterações evolutivas e mudanças revolucionárias, se inter-relacionam como um componente necessário do pensamento científico. É necessário refletir sobre a importância da heterogeneidade nas relações humanas e nos contextos socioculturais para a formação do conhecimento e da conscientização do diferente. A linearidade é destacada como proposta sem construção, quando são analisados os constructos sociais e culturais nas relações laborais e pedagógicas, por exemplo, (VYGOTSKY, 1989; VYGOTSKY, 2000b; VYGOTSKY, 1997).

Para dar continuidade à discussão aqui proposta, o próximo tópico apresenta a importância de abordarmos as diferenças, a fim de entendermos de forma mais rica a relação da construção social e educacional diante do diferente, baseando-nos nas ideias de Deleuze.

Deleuze e suas conceituações sobre a diferença

Para Deleuze (1988), as práticas da sociedade estão referidas a razões e critérios naturalizados como universais e eternamente aplicáveis. Trata-se de levar em conta a realidade imposta e homogênea, impossibilitando, na maioria das vezes, observar e aceitar o que não é natural, não podendo afirmar as diferenças. Eis uma possibilidade de desbloqueio do movimento, no qual é reinaugurada a luta incessante entre as forças pelo sentido da vida. Diante deste fato, é essencial contextuar, de forma sucinta, como Deleuze estrutura o conceito diferença, para compreender a lógica da sociedade atual e as possíveis estratégias para a reformulação de modelos estruturados.

Deleuze (2009) descaracteriza o platonismo e rejeita a representação clássica de simulação. Esta questão revela a impossibilidade de reprodução de qualquer original, onde não há um modelo para se copiar e somente assim é demonstrado o modo singular e livre de rótulos e padrões. Pode-se destacar o contrassenso das identidades e os alunos considerados diferentes, bem como os demais que a escola e a sociedade deixam de ter por buscar uma identificação surreal. Para Deleuze (2009), a inclusão é constituída a partir da diferença de todos, seres singulares, cuja diferenciação se prolifera, se multiplica e é ilimitada.

A definição das possibilidades e limites das pessoas com deficiência se dá a partir de um modelo generalizante, de identidade, conhecido como “modelo médico”, constituído a partir de um diagnóstico e esquecendo o indivíduo e seu contexto (MANTOAN, 2017). Pessoas com deficiência enfrentam inúmeras barreiras ao longo da vida, estas geram injustiça social, vulnerabilidade, poucas expectativas em relação à vida familiar, escolar, laboral, esportiva e de lazer, e tais barreiras evidenciam a desvantagem das pessoas com deficiência em relação às outras. Um número expressivo de pessoas nessas condições retrata uma sociedade avessa a todo movimento no sentido de ultrapassar seu modo discriminador e excludente de tratar seus indivíduos, replicando ideias e ações ultrapassadas, baseadas sempre no individualismo (DELEUZE, 2009).

A diferença na perspectiva de Deleuze (2009) não se enquadra em modelos que seguem uma conceituação ou generalização, que agrupam sob o mesmo signo, por semelhança. A diferença é singular, no caso da pessoa com deficiência, por exemplo, é a probabilidade de investigar as especificidades do indivíduo, criando possibilidades e multiplicando as características, divergindo totalmente de padrões encarcerados com atributos que identificam pessoas. Deleuze (1988), em sua obra, cita sobre as possibilidades de resistências às representações significantes, a partir da pluralidade e da superposição de perspectivas, resultando na deformação das representações.

A virtualidade também é vista como diferença e a partir dela podemos pensar em linhas de fuga, em possibilidades de resistências às representações significantes, muito diferente de diversidade, que reflete uma frente de pluralidade para a força de movimentos sociais (HALL; JAQUET; LINDNER, 2012). De acordo com Deleuze, o discurso de diversidade se apoia sobre os pilares da representação, mas “A representação tem apenas um centro, uma perspectiva única e fugidia e, portanto, uma falsa profundidade, ela mediatiza tudo, mas não mobiliza nem move nada” (DELEUZE, 1988, p. 64). A diversidade é como uma produção do poder, como uma captura da potência da multiplicidade (SANTOS; CERVI, 2019; HILLESHEIM; CAPPELLARI, 2019).

Deleuze (1988), conhecido como Filósofo da diferença, afirma que cada ser humano é único, com inúmeras especificidades, histórias de vida e características. O filósofo considera cada pessoa como singular, múltipla, imprevisível, que difere de si mesmo(a) e não de um “outro”. Compreender o conceito de diferença na perspectiva de Deleuze contribui para a reflexão e a discussão, diante da desconstrução a ser realizada, com o que é observado atualmente diante da afirmação das diferenças no ambiente educacional e laboral.

Resultados e discussão

Marx, Vygotsky e Deleuze: diálogos possíveis sobre trabalho, educação e diferença

Conforme Rocha (2006) a ciência moderna construiu paradigmas que trabalham a diferença de forma quantitativa e/ou qualitativa, tendo como base modelos referenciais. Desta forma, a diferença é percebida como um desvio quando estabelecida a partir da identidade e semelhança a verdades pré-concebidas. O pensamento científico trabalha com a norma, excluindo o que se constitui como fora de um padrão. O pensamento de Vygotsky, psicólogo bielo-ruso, vai ao encontro com a linha de filosofia de Marx, observando o homem como ser sócio-histórico e revolucionário no contexto educacional e laboral, em suas obras é muito destacado o papel preponderante às relações sociais, convergindo a corrente pedagógica com o seu pensamento de socioconstrutivismo. O pensador enfatiza que todas transformações da vida ocorrem com desvios, relações de muitas trocas, em constante mudança, caminhos sinuosos, onde a atividade laboral é a fuga para a estagnação. Para Vygotsky, o professor e os alunos são agentes promotores do respeito às diferenças, sem as padronizações estipuladas por qualquer sistema de ensino, que possam oprimir a autonomia dos educandos. Para o psicólogo bielo-russo, a educação deve ir contra a homogeneidade das relações, e é possível observar também este ponto de vista nos estudos de Deleuze (MAINARDES, 1999).

A diferença extrapola qualquer forma de representação no pensamento de Deleuze, por isso é conjecturável refletir que o diálogo entre Marx e Vygotsky também se aproxima desta construção e auxilia a reflexão de uma sociedade que pode considerar as diferenças. Contudo, atualmente ela se encontra engessada em padrões pré-estabelecidos.

Percebe-se, através das contribuições dos autores supracitados, a convergência teórica acerca do desenvolvimento das potencialidades individuais dos sujeitos. Ao compactuar com as construções de Marx, Vygotzky e Deleuze, analisando os dados de professores universitários e refletindo sobre a importância em abordar as diferenças e suas potencialidades, é perceptível a relevância da discussão sobre a realidade brasileira no que concerne ao âmbito educacional da educação superior e a pluralidade (ou ausência dela) existente entre os docentes de universidades brasileiras.

Ao discutir pensadores referência e também autores contemporâneos é fundamental entender que Vygotsky é humanista, com traços marxistas em sua concepção de linguagem, sociedade e homem, e Deleuze rompe com as concepções humanistas introduzindo a filosofia da diferença nas ciências humanas. Apesar da contraposição essencial entre o humanismo da psicologia histórico-cultural e a impessoalidade da filosofia de Deleuze, existe a congruência na busca por Espinosa. Dentre as discussões existentes, a relação de liberdade dialogada é um exemplo importante a ser explorado na concepção da inclusão do diferente na relação social, econômica e educativa, assim como o materialismo e na relação homem-natureza. Conforme Marx, o concreto é a síntese de múltiplas determinações, o que se relaciona com a ideia deleuziana da determinação da diferença como diferença (MAESO; FRANÇA, 2018).

Marx defende que a educação é um fator de mudança social, apoiada nas motivações individuais, considerando potencialmente cada indivíduo como sujeito de todos os direitos e de todas as possibilidades socioeducacionais. É imprescindível reafirmar o que Marx destaca, de que as condições determinam a situação e o indivíduo, como um negro, por exemplo, que em certo contexto é reconhecido como escravo. É possível refletir este aspecto, ao pensar por que professores considerados diferentes não são vistos atuando, quando comparamos com os profissionais que se encaixam no padrão de aceitação determinado pela sociedade (RESENDE, 2016). Os negros com o fator histórico da escravidão, as pessoas com deficiência que, antigamente, eram mortas na forca por serem consideradas defeituosas, sem serventia e muitas vezes como o reflexo da ira dos deuses. As mulheres que foram excluídas de direitos sociais por grande parte da história mundial e a comunidade LGBTQI+, que ainda sofre estigmas e preconceitos pela falta de aceitação, entre outras pessoas e grupos considerados diferentes.

No diálogo com Marx, a partir do estudo de Resende (2016), pode-se considerar que os professores são exigidos por uma sólida formação teórica e a uma ação cotidiana muitas vezes exaustiva. É fundamental perceber esta profissão com a totalidade que está articulada na realidade social, bem como compreender sua transitoriedade e historicidade.

Em congruência com Marx, Vygotsky reforça a busca pela mercantilização das profissões. Um exemplo é a seleção na admissão de professores, de modo que a economia e o mercado destacam os docentes mais produtivos, o que explica o número pequeno de professores que destoam da busca produtivista e mais chamativa em relação à lucratividade (BASTOS, 2014).

Para Vygotsky, todos os seres humanos são sociais e sua adaptação ao meio se realiza com ajuda de procedimentos sociais e através das pessoas que o rodeiam, por isso que, mesmo com o capitalismo ainda comandando as ações empregatícias, as ações sociais e de reconhecimento ao novo, bem como à quebra de estigmatização, devem ser emergentes para a mudança contemporânea.

Deleuze e Vygotsky convergem na questão das relações sociais e diferenças, pois ao invés de rotular é preciso observar todas características do ser humano, com inúmeras qualidades e compensações que se sobressaem no mercado de trabalho. Vygotsky especifica que, por exemplo, a deficiência não deve ser vista como insuficiência, mas como organização própria das funções psicológicas superiores. Outra observação a ser feita, é que por mais parecidas que sejam as características das deficiências de algumas crianças, cada uma tem particularidades e influências diferentes, dependendo do meio social em que vive, o que se aproxima totalmente ao que Deleuze afirma, assim como a busca da sociedade educativa em ter referenciais de identidades padronizadas com identificações surreais (AMITRANO; VIESENTEINER; BARBOSA, 2019; MOREIRA; BOLSANELLO; SEGER, 2011).

No diálogo entre Deleuze, Marx e Vygotsky, é possível citar o famoso texto em que Espinosa afirma que ninguém determinou, até agora, o que pode o corpo. A partir disso, muitas questões são levantadas: o que pode um corpo? Existe um corpo correto, bom e ruim? Quem pode delimitar um corpo? Muitos questionamentos são possíveis, assim como muitos conceitos perpassam e constroem mais questionamentos (AMITRANO; VIESENTEINER; BARBOSA, 2019).

Em relação aos professores com deficiência, o foco da deficiência deixa de ser o sujeito, individualmente, havendo uma interdependência com o contexto mais amplo, ocorrendo a ênfase da diversidade e não das diferenças. O processo de expansão da educação superior no Brasil cria novas demandas às universidades e aos docentes, dentre elas, a adequação necessária para incluir. As universidades esperam que sejam indicadas práticas “normalizadoras” ou lhes digam como fazer para que a diferença seja anulada, o que dificulta o processo de inclusão, assim como os binarismos, como normal versus anormal, ótimo versus péssimo, bonito versus feio, etc., estabelecendo de um lado os ‘melhores’ e de outro os ‘piores’. Nessa lógica binária, identidades sociais são posicionadas em lugares de exclusão, buscando sempre um padrão e uma identidade, o que vai contra a lógica deleuzeana (PIECZKOWSKI, 2019).

Docência universitária no Brasil

A docência é uma profissão conhecida por ambiguidades e singularidades que a distinguem como uma profissão complexa. O que se refere à especificidade de tornar-se professor universitário e conseguir o ingresso, para Campos e Almeida (2019) é a construção ininterrupta de saberes e fazeres, posto que ser professor é ter de lidar com as condições sociais, culturais, políticas, institucionais, profissionais e pessoais.

O papel do docente vai muito além da atuação na sala de aula, este profissional é percebido por sua história de vida, seus costumes, suas ideias e projetos. Deve ser reconhecido e respeitado pela sua formação e diante da integridade do ser, não importando sua classe social, religião, cor de pele, etnia, opção sexual, gênero, ou qualquer outra característica.

Todas universidades devem cumprir as orientações e normativas legais existentes, para o acesso e inclusão de todos indivíduos, assim como professores que precisam de amparo específico (GÓES; LAPLANE, 2007). Trata-se de um processo que demanda mudanças complexas e, por isso mesmo, é lento, gradual e contínuo, de acordo com a contemporaneidade. As universidades que buscam a inclusão efetuam ações para remover todas as barreiras existentes, eliminando e desconstruindo conceitos, preconceitos e concepções segregadoras e excludentes. É um processo, muitas vezes lento, difícil, construído coletivamente e constantemente enfrentado através do tempo (CAMPOS; ALMEIDA, 2019; ELOY, COUTINHO, 2020).

Quanto às diferentes etnias, é possível citar o exemplo dos indígenas. A formação de professores indígenas em nível superior se deu a partir da Conferência Ameríndia realizada em Cuiabá, no ano de 1997, com a Formação de Professores Indígenas, baseada em uma educação específica, voltada à realidade das comunidades, com diálogo intercultural a fim de formar professores indígenas para o exercício da docência respeitando os valores e saberes das diferentes etnias. A Constituição Federal (BRASIL, 1988) foi efetivamente o primeiro texto que deixa clara a relação do Estado com os povos indígenas, reconhecendo a diversidade étnica e o respeito à diferença. Essa mudança de paradigma na relação entre o Estado Brasileiro e as sociedades indígenas abriu muitas possibilidades para o contexto educacional indígena, distante das positivistas. O número de professores universitários indígenas e de diferentes etnias é reduzido, mas é importante afirmar a constante luta e trajetória política de mobilização para inclusão de diferentes etnias no ensino superior (JANUÁRIO, 2004; MONTE, 2000).

Dentre os estudos que abordam a desigualdade racial no ensino superior, muitos destacam as primeiras iniciativas de criação das políticas de ação afirmativa, a criação de espaços institucionais, projetos antirracistas e antissexistas, a inovação curricular, a atuação dos docentes e a abordagem interseccional (AZEVEDO et al., 2004). O debate contemporâneo apresenta as categorias de articulação e as interseccionalidades, a fim de ampliar a compreensão sobre os modos como múltiplas diferenciações que permeiam o social articulam-se a gênero. Crenshaw (2002) demonstra em seu estudo que o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades que estruturam as realidades de mulheres, raças, etnias e classes, entre outras.

Ao comparar a atuação das mulheres na carreira acadêmica, em relação aos homens, o sexo feminino fica em desvantagem. A desigualdade de raça e gênero no ensino superior precisa ser analisada considerando a taxa de escolaridade e outros fatores oriundos das condições sociais (BARRETO, 2015; SILVA, 2020).

De acordo com Carvalho e Oliveira (2017), outra diferença no contexto laboral, importante de discutir na educação superior se refere à homossexualidade, assim como a transexualidade. Ambos inseridos na realidade cultural, mas transgridem os discursos hegemônicos baseados na heterossexualidade normativa. Biazus e Brancher (2019) também destacam a necessidade de concentrar esforços em dar visibilidade à docência exercida pela população LGBT, pois atualmente existem poucas pesquisas que discutem a especificidade das docências desses sujeitos.

As leis auxiliam os processos de inserção nas universidades brasileiras através das Cotas, como a Lei Nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que preconiza a reserva de cinquenta por cento das vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio para os estudantes procedentes de escolas públicas. Destas vagas, cinquenta por cento devem ser preenchidas por estudantes provenientes de famílias com renda per capita de até um salário-mínimo e meio. Estas vagas são reservadas para autodeclarados pretos, pardos e indígenas em conformidade com a proporção destes segmentos populacionais na Unidade da Federação onde está localizada a instituição (SOUZA FILHO; MARTINS, 2021).

A Lei Nº 12.990, de 9 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), prevê a reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Podemos observar também o Decreto Nº 9.508, de 24 de setembro de 2018 (BRASIL, 2018) que prevê às pessoas com deficiência um percentual de cargos e de empregos públicos ofertados em concursos públicos e em processos seletivos no âmbito da administração pública federal direta e indireta. A legislação auxilia a inserção, já as instituições particulares possuem suas próprias regras, assim como as demais empresas na abertura de vagas para professores universitários considerados diferentes.

No que concerne ao professor com deficiência, as produções científicas sobre o profissional são algo recente e que carece de mais investigações, notando-se um investimento de pesquisas com essa temática a partir de 2005. Estudos na busca científica de Giabardo e Ribeiro (2017) demonstram que compreender as particularidades de cada pessoa é fundamental diante do movimento de inclusão, que existem dificuldades de colocação no mercado de trabalho, que ainda existe preconceito social, falta de conhecimento do empregador para admitir docentes com deficiência e a precariedade da infraestrutura, desde acessibilidade arquitetônica a equipamentos capazes de auxiliar na prática pedagógica.

Diante do exposto quanto às diferenças no âmbito educacional a falta de reconhecimento profissional de professores que apresentam características diferentes dos padrões reconhecidos e legitimados pelas estruturas simbólicas e representações culturais dominantes na sociedade, dificulta e muitas vezes impossibilita a participação destes trabalhadores considerados diferentes na vida social.

A perspectiva diante das diferenças de docentes no ensino superior- Discussão

Tendo como norteadores teóricos o pensamento de Marx, Vygotsky, Deleuze e autores que abordam temáticas referentes ao mundo do trabalho, educação e diferença, é perceptível que a ideia de "universal" representa a integração de todos os elementos, dos mundos, das características dos homens. A vida é tomada numa dimensão geral, ampla, onde o não-similar, o não-assimilável, constitui uma ameaça ao equilíbrio estabelecido, sendo considerado um inimigo da ordem (ROCHA, 2006).

A perspectiva da universalidade e da individualidade se destaca da consciência mítica, na qual a solidariedade dos homens é mantida através da autoridade transcendental. Gradativamente, o que ganha consistência é a arbitragem da razão, que supõe uma noção de "sujeito" como elemento de uma espécie, de uma comunidade, enfim, de um grupo cuja solidariedade é garantida pela mediação social. O mundo sem expansão é tecido na ideia de sujeito que se integra no universo da existência em comum (ROCHA, 2006; BIESTA, 2018).

Rocha (2006) sustenta que a sociedade que se estrutura técnica, política e socialmente alarga o sentido de mundo através da estratificação em classes diferentes pela divisão do processo de trabalho, da especialização de funções, das noções de direito e deveres e da submissão ao soberano. A ordem no novo regime requer a diversidade no interior da unidade, garantindo o comportamento solidário da massa. É necessário redimensionar a lógica instituída da sociedade, promover movimentos para a potência de transformação, construir modos de subjetivação, reformular as noções de formação cultural, entre outras ações, para que o diferente seja aceito no ambiente educacional e laboral (ROCHA, 2006; UHMANN; SCHWENGBER, 2020).

Desta forma, enquanto uma produção humana, ao falarmos sobre a sexualidade, falamos do exercício de poder sobre os discursos de normalidade, aceitabilidade, forma e conteúdo, pelos quais se passou a hierarquizar os sujeitos, determinando, ainda, espaços àqueles que divergissem do padrão ou do que fora eleito como normal. Seguindo esses passos, acreditava-se que por meio da discussão, teorização, compreensão da sexualidade seria possível compreender a verdade sobre os sujeitos, de modo que as associações produzidas nesse campo revelariam a essência humana (BIAZUS; BRANCHER, 2019).

Travestis e as pessoas transexuais rompem com as definições do que é ser homem e do que é ser mulher impostas historicamente na nossa sociedade como padrões de gênero ‘normais’ e baseados apenas em características biológicas, principalmente nos órgãos genitais, mostrando-nos que a (auto)identidade de gênero é também uma construção social e cultural. Em decorrência disso, por extrapolarem a dicotomia homem/mulher cisgênero e o padrão heteronormativo, as travestis e as pessoas transexuais são estigmatizadas cotidianamente (LIMA et al., 2020). Essa distribuição desigual de estudantes homens e mulheres entre os cursos de graduação, assim como estudantes considerados diferentes, irá refletir na distribuição futura de docentes universitários.

Reflexões finais

Nas últimas décadas, os debates sobre as perspectivas de compreender as diferenças no contexto laboral ganham força. Percebe-se que é de caráter emergente haver uma mudança no sistema educacional, no que tange às relações profissionais, a inclusão e as organizações. A garantia do compromisso de políticas inclusivas e o respeito às diferenças perpassam a realidade que configura e se faz necessário ao ensino superior brasileiro. A heterogeneidade no ambiente educacional é fundamental para que padrões sejam quebrados e oportunidades de trabalho sejam equitativas.

Os resultados sobre a interface entre as disparidades de gênero, etnia, deficiência, identidade de gênero e raça no ensino superior devem ser levadas em consideração na discussão sobre as políticas de promoção da igualdade no ensino superior. Foi visto que as políticas de ação afirmativa nas IES se limitavam muito à reserva de vagas para estudantes de graduação, não incluindo ações que tivessem os estudantes de pós-graduação, ou os professores como beneficiários. Assim como foi visto que faltam iniciativas que focalizem as disparidades e que alcancem as instituições como um todo.

É almejado que no futuro não ocorra a equidade somente pela imposição de leis, mas pelo reconhecimento de que a exclusão fere os direitos humanos. O diálogo entre Marx, Vygotsky e Deleuze traz à tona conceitos que devem sair do plano teórico, desbravando em ações educacionais e sociais. A diferença não deve ser sinônimo de exclusão e estigmatização, pois somente assim barreiras serão desconstruídas em uma sociedade que deve deixar de ser normalizadora.

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