Ações recorrentes no processo de intermediação do conhecimento químico para surdos

Recurring actions in the process of intermediating chemical knowledge for the deaf

Acciones recurrentes en el proceso de intermediación del conocimiento químico para sordos

 

Lidiane de Lemos Soares Pereira

Instituto Federal de Goiás, Anápolis, GO, Brasil

lidiane.pereira@ifg.edu.br 

 

Thalita Costa Curado

Prefeitura Municipal de Anápolis, Anápolis, GO, Brasil

thalitacurado@gmail.com

 

Anna Maria Canavarro Benite

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil

anna@ufg.br

 

Recebido em 28 de julho de 2021

Aprovado em 27 de janeiro de 2023

Publicado em 16 de maio de 2023

 

 

RESUMO

Esse artigo teve por objetivo relatar e discutir as ações recorrentes durante o processo de intermediação do conhecimento químico. As ações descritas nesse artigo foram realizadas durante um curso de extensão oferecido aos surdos matriculados no ensino médio da rede pública de ensino da cidade de Anápolis. O curso de extensão aconteceu no laboratório de química do IFG e contou com a participação de uma professora de química, dois tradutores e intérpretes de Libras (TIL), um professor de Libras, três licenciandos em química e treze alunos surdos. O curso de extensão foi organizado na forma de uma sequência didática contendo oito intervenções pedagógicas (IP), nas quais foram exploradas as seguintes temáticas: 1) Como reconhecer as transformações químicas? 2) As evidências garantem que ocorreu uma transformação química? 3) Reconhecendo transformações químicas e; 4) A massa é conservada nas transformações químicas? Todas as IP foram gravadas em áudio e vídeo, posteriormente foram traduzidas e transcritas para o português e passaram por uma Análise Dialógica do Discurso. Nossos dados nos mostram que o acordo linguístico, a utilização de recursos imagéticos, a negociação de sentidos e as interrupções na cadeia discursiva a partir do diálogo entre TIL e o professor são ações recorrentes em todo o processo de intermediação do conhecimento químico que contribuem para o acesso e desenvolvimento de um pensamento químico pelos alunos surdos.

 

Palavras-chave: Intermediação; Conhecimento Químico; Língua de Sinais.

 

 

ABSTRACT

This article aimed to report and discuss recurring actions during the process of intermediating chemical knowledge. The actions described in this article were carried out during an extension course offered to deaf people enrolled in public high school in the city of Anapolis. The extension course took place in the chemistry laboratory of IFG, and had the participation of a chemistry teacher, two Libras translators and interpreters (TIL), one Libras teacher, three chemistry teachers in initial formation and thirteen deaf students. The extension course was organized in the form of a didactic sequence containing eight pedagogical interventions (IP), in which the following themes were explored: 1) How to recognize chemical transformations? 2) Does the evidence guarantee that a chemical transformation has taken place? 3) Recognizing chemical transformations and 4) Is the dough preserved in chemical transformations? All IP were recorded in audio and video, later translated, and transcribed into Portuguese and underwent a Dialogic Discourse Analysis. Our data show us that the linguistic agreement, the use of imagery resources, the negotiation of senses and, interruptions in the discursive, chain based on the dialogue between TIL and the teacher, are recurrent actions throughout the process of intermediation of chemical knowledge which help the access and development of a Chemistry thinking by deaf students.

 

Keywords: Intermediation; Chemical Knowledge; Sign Language.

 

 

RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo informar y discutir acciones recurrentes durante el proceso de intermediación del conocimiento químico. Las acciones descritas en este artículo se llevaron a cabo durante un curso de extensión ofrecido a personas sordas matriculadas en la escuela secundaria pública de la ciudad de Anápolis. El curso de extensión se llevó a cabo en el laboratorio de química del IFG, y contó con la participación de un profesor de química, dos traductores e intérpretes de Libras (TIL), un profesor de Libras, tres profesores de química en formación inicial y trece alumnos sordos. El curso de extensión se organizó en forma de secuencia didáctica que contenía ocho intervenciones pedagógicas (IP), en las que se exploraron los siguientes temas: 1) ¿Cómo reconocer las transformaciones químicas? 2) ¿La evidencia garantiza que se ha producido una transformación química? 3) Reconocer las transformaciones químicas y; 4) ¿Se conserva la masa en transformaciones químicas? Todas las IP se grabaron en audio y video, luego se tradujeron y transcribieron al portugués y se sometieron a un análisis del discurso dialógico. Nuestros datos nos muestran que el acuerdo lingüístico, el uso de recursos imaginarios, la negociación de sentidos y las interrupciones en la cadena discursiva, del diálogo entre TIL y el profesor, son acciones recurrentes en todo el proceso de intermediación del conocimiento químico, que contribuyen a la acceso y desarrollo del pensamiento químico por estudiantes sordos.

 

Palabras clave: Intermediación; Conocimiento Químico; Lenguaje de señas.


 

Introdução

A Língua de Sinais é a língua natural da comunidade surda e no Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (Libras), foi reconhecida como meio legal de expressão e comunicação dos surdos brasileiros pela Lei n. 10.436 de 2002 e regulamentada por meio do Decreto n. 5.626 de 2005.

Diferentemente da Língua Portuguesa (doravante LP) em que o canal de comunicação é oral-auditivo, a expressão e a recepção em Libras se dão por meio do canal de comunicação visuoespacial, isto é, utiliza-se o corpo, as mãos, o espaço e a visão para ser produzida e percebida. Segundo Quadros (2019) “as palavras, as sentenças e os sentidos da Libras são produzidos por meio das mãos, do corpo e da face dentro do espaço à frente do sinalizante, numa composição de unidades menores combinadas para formar os sentidos, percebidos pela visão” (p. 25).

Entretanto, a luta pelo reconhecimento das línguas de sinais em todo o mundo, bem como da Libras no Brasil, só foi possível por meio dos estudos realizados pelo linguista William Stokoe na década de 60, a partir do estudo da Língua Americana de Sinais (ASL). Stokoe descreveu os aspectos fonológicos da ASL elevando-a ao patamar de língua e desmistificando as preconcepções da época, de que as línguas de sinais não poderiam ser denominadas de línguas, sendo consideradas apenas mímicas (STOKOE, 2005).

No Brasil, apoiados nos estudos de Stokoe, alguns pesquisadores (FERREIRA-BRITO, 1995; QUADROS; KARNOPP, 2004; XAVIER, 2006) apresentaram estudos descrevendo fonologicamente a Libras. Segundo Quadros (2019) podemos elencar os aspectos fonológicos da Libras a partir de três parâmetros: 1) Conjunto de localizações (L) da Libras; 2) Conjunto de movimentos (M) da Libras e; 3) Conjunto de orientações de mão (Or) da Libras.

Os parâmetros dizem respeito as formas em que as mãos se posicionam e movimentam-se no espaço à frente do sinalizante, denominado de espaço neutro, podendo tocar também em partes do corpo como tronco, face, pescoço, braço, antebraço e as próprias mãos (QUADROS, 2019).

No que diz respeito ao movimento, podem ser de trajetória (retilíneo, sinuoso e angular), circulares (circular, semicircular e helicoidal), internos dos sinais (dos dedos, das mãos) e no que diz respeito a orientação da mão, podem ser com a orientação da palma da mão para frente, para trás, para cima, para baixo, para o lado e em diagonal (QUADROS, 2019). A Figura 1 nos mostra dois exemplos de sinais e apresenta os três parâmetros descritos por Quadros (2019).

Figura 1 – Sinais em Libras para EDUCADO e TELEVISÃO

No lado esquerdo temos o sinal de EDUCADO (L: braço; M: retilíneo ao longo do braço; CM: L) e no lado direito temos o sinal de TELEVISÃO (L: espaço neutro; M: alternado; CM: L). Fonte: (QUADROS, 2019, p. 56).

Não descreveremos, nesse artigo, toda a linguística da Libras, mas cabe ressaltar que Ronice Müller de Quadros (2019) em seu livro intitulado “Libras” descreve detalhadamente os aspectos inerentes aos estudos linguísticos das línguas de sinais e da Libras, discutindo além da fonética e fonologia, a morfologia, a sintaxe, os estudos semântico-pragmáticos e o papel da iconicidade nas línguas de sinais.

A partir do exposto e por meio do Decreto n. 5.626 de 2005, já são oferecidas em diversas universidades pelo país, a graduação em Letras/Libras, além de ser obrigatória a disciplina de Libras em todos os cursos de formação de professores.

O curso de graduação em Letras/Libras é necessário para que sejam formados os profissionais da área de Libras, como tradutores e intérpretes de Libras (TIL), professores e instrutores, posto que os Surdos desde a assinatura da Declaração de Salamanca pelo Brasil (1994) e promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) estão em sua grande maioria matriculados nas escolas regulares de ensino, em função da política de inclusão escolar do nosso país.

No contexto de formação do TIL é importante salientar que esta deve ir além do conhecimento das línguas (Libras e LP), deve ser uma formação plural e interdisciplinar, visando o trânsito de enunciados de uma língua para outra em termos tanto de significação quanto sentidos (LACERDA, 2008). E em se tratando do âmbito educacional, essa formação deve contemplar a relação de parceria com o professor para que o processo de intermediação seja eficiente para a construção do conhecimento pelo aluno.

No que se refere as áreas específicas do saber, muito se tem discutido sobre a falta de sinais-termo[1] da Libras, o que tem impactado diretamente na forma pela qual o processo de ensino e aprendizagem é conduzido pelo professor e TIL. Na química não é diferente, haja visto que ainda existem poucos sinais-termo, apesar de inúmeros pesquisadores (SALDANHA, 2011; SOUSA; SILVEIRA, 2011; PONTARA, 2017; SILVA et al., 2018; RODRIGUES et al., 2019; FERNANDES et al., 2019 e outros) terem iniciado o processo de criação.

Apesar de ainda existir poucos sinais-termo, entendemos que a língua é viva e as interações estabelecidas entre os indivíduos permitem essa vivacidade da língua. Para Volóchinov (2018) “todo enunciado, por mais significativo e acabado que seja, é apenas um momento da comunicação discursiva ininterrupta” (p. 219). Com isso, advogamos que os sinais-termo são importantes, mas não são impeditivos para a construção do conhecimento químico pelo aluno surdo. 

Vale enfatizar que a construção de um conhecimento químico exige do aluno um caminhar por três diferentes níveis do conhecimento químico, que Machado (2004) descreve de fenomenológico, representacional e teórico. O nível fenomenológico diz respeito ao fenômeno observado, o nível representacional diz respeito a linguagem simbólica da química, como as equações químicas e suas representações e o nível teórico diz respeito aos modelos científicos criados para explicar os fenômenos no âmbito micro e submicroscópico.

Defendemos que para que o aluno surdo atribua significado ao conhecimento químico, necessariamente o professor deve abordar os conteúdos interrelacionando os três níveis descritos acima e a intermediação do conhecimento pelo TIL será de fundamental importância, haja vista que as escolhas léxico-semânticas e os recursos imagéticos utilizados pelo TIL podem interferir demasiadamente nesse processo de construção.

Fundamentadas no exposto, esse artigo tem por objetivo explicitar as ações recorrentes no processo de intermediação do conhecimento químico durante aulas de química, a partir de uma pesquisa realizada na cidade de Anápolis, no laboratório de química do IFG, em que foi oferecido um curso de extensão de química para surdos.

 

Contexto e Detalhamento do Relato

A experiência relatada aconteceu durante o ano de 2016 e culminou na tese da primeira autora, que teve por objetivo explicitar a relação direta entre a intermediação do conhecimento a cargo do/a TIL e a elaboração de significados e sentidos em aulas de química. Neste sentido efetivamos o curso de extensão intitulado “Transformações Químicas para o Exercício da Cidadania: Vendo a voz da Química” para alunos surdos matriculados na rede pública de ensino da cidade de Anápolis, tendo sido matriculados no curso 13 alunos.

O curso de extensão aconteceu por meio de uma sequência didática com oito intervenções pedagógicas (IP) que perpassou as seguintes temáticas: 1) Como reconhecer uma transformação química? 2) As evidências garantem que ocorreu uma transformação química? 3) Reconhecendo transformações químicas e; 4) A massa é conservada nas transformações químicas?

As IP foram gravadas em áudio e vídeo e as interações discursivas provenientes das IP, foram traduzidas, transcritas e passaram por uma Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2016), que permitiu considerarmos as particularidades do processo de intermediação realizado pelo TIL, apontando para a consideração de aspectos extralinguísticos incluídos no linguístico.

Considerar as condições sociais de produção, no caso específico das interações discursivas em ambiente bilíngue com surdos, requer que além da simples e pura transcrição dos dados, examinemos todas as nuances que cercam a enunciação dos alunos. Sendo assim, o conteúdo extraverbal e a comunicação multimodal nesse ambiente precisava ser explicitada para uma análise dos dados.

Destarte, elaboramos uma proposta de transcrição[2], que objetivou explicitar ao leitor os enunciados proferidos nesse ambiente bilíngue, o conteúdo extraverbal e os modos semióticos (observações e condutas não-verbais das interações discursivas), por isso nossa proposta recomenda a tradução para a LP dos enunciados proferidos pelos surdo[3], se atentando para as recomendações de Felipe (1998): a) quando for utilizada a datilologia para determinado sinal em Libras, devemos utilizar uma marcação (por exemplo, E-N-T-A-L-P-I-A) para que o leitor compreenda que não foi utilizado um sinal e sim a palavra correspondente no português sinalizado; b) quando queremos enfatizar um determinado sinal em Libras utilizado, devemos dispor o sinal da Libras em um item lexical da LP em letras maiúsculas (por exemplo, QUÍMICA) e c) quando um sinal composto que na LP representa apenas uma palavra, devemos utilizar o símbolo ^ (por exemplo, CAVALO^LISTRA que representa zebra).

Sendo assim, utilizamos um modelo de transcrição (PEREIRA; BENITE, 2019), em que o turno compreende a sequência de enunciados de um episódio de ensino, o endereçamento dos enunciados permite ao leitor situar o caminho percorrido pelo enunciado a partir de quem proferiu, utilizando o símbolo >, a interação discursiva (ID) descreve os enunciados proferidos, que foram traduzidos para a LP e transcritos, com as recomendações de Felipe (1998), e por fim, temos as observações e condutas não-verbais da ID que consiste em comentários feitos pelo pesquisador que auxiliem na compreensão do contexto, ampliando a visão extraverbal (excedente de visão) das interações discursivas.

Para uma melhor compreensão dos episódios de ensino elencados para a análise, adotaremos as seguintes legendas: PQ é a professora de Química, TIL1, TIL2 e TIL3 são os tradutores e intérpretes de Libras, L1, L2 e L3 são os licenciandos em química, A1, A2, ..., A13 são os alunos surdos e TA representam todos os alunos.

 

Análise e Discussão dos Resultados

No Quadro 1 a seguir é possível observar a data, os participantes, a temática do dia e as atividades realizadas em cada IP da sequência didática.

Quadro 1 – Mapa cronológico das atividades desenvolvidas durante o curso de extensão.

IP

Data

Participantes

Temática

Atividades Desenvolvidas

01

17/09

 

A1, A2, A3, A6, A9, A10, A11, A12, L3, TIL2, PQ

Como reconhecer uma transformação química?

Atividades de Experimentação:

1ª) Reação entre Zinco metálico e Solução de Ácido Sulfúrico;

2ª) Queima da Fita de Magnésio.

02

24/09

 

A1, A3, A5, A6, A11, L3, TIL2, PQ

Como reconhecer uma transformação química?

Atividades de Experimentação:

1ª) Reação entre Solução de Hidróxido de Sódio e Solução de Sulfato de Cobre;

2ª) Reação entre Solução de Hidróxido de Sódio e Solução de Ácido Clorídrico (Sem a presença de indicador);

3ª) Reação entre Solução de Hidróxido de Sódio e Solução de Ácido Clorídrico (Com a presença do indicador Fenolftaleína).

03

08/10

 

A1, A5, A6, A10, A11, A12, A13, L3, TIL2, PQ

As evidências garantem que ocorreu uma transformação química?

Atividades Experimentais:

1ª) Dissolução do Bicarbonato de Sódio em água;

2ª) Reação entre Bicarbonato de Sódio e Vinagre;

3ª) Evaporação da água para obtenção do Bicarbonato de Sódio da 1ª atividade de experimentação;

4ª) Reação entre o Bicarbonato de sódio obtido na 3ª atividade de experimentação e Vinagre;

5ª) Dissolução do Açúcar em Água com Gás;

6ª) Reação entre comprimido efervescente e água.

7ª) Evaporação da água para obtenção do sal da 7ª atividade de experimentação.

8ª Dissolução do sal obtido na 7ª atividade de experimentação em água.

04

22/10

 

A1, A5, A6, A9, A11, A13, L3, TIL2, PQ

Reconhecendo transformações químicas.

1º Momento – Atividades Experimentais Avaliativas:

 

1º Bloco:

1ª) Queima do Dicromato de Amônio;

2ª) Desidratação do Sulfato de Cobre pentahidratado.

 

2º Bloco:

1ª) Mistura entre as soluções de Cloreto de Magnésio e Nitrito de Sódio;

2ª) Reação entre as soluções de Nitrato de Chumbo e Iodeto de Sódio.

04

22/10

 

A1, A5, A6, A9, A11, A13, L3, TIL2, PQ

Reconhecendo transformações químicas.

2º Momento – Atividades Experimentais Avaliativas:

1ª) Sublimação do Iodo;

2ª) Reação Química da palha de aço em água;

3ª) Fusão da água;

4ª) Apodrecimento da maçã;

5ª) Dissolução do Bicarbonato de Sódio em água;

6ª) Reação Química do Bicarbonato de Sódio em solução de vinagre.

05

05/11

 

A1, A5, A6, A12, L3, PQ

A massa é conservada nas transformações químicas?

Atividades Experimentais:

1ª) Queima do papel;

2ª) Queima da lã de aço.

06

19/11

 

A1, A3, A9, A12, L3, TIL2, PQ

A massa é conservada nas transformações químicas?

Atividades Experimentais:

1ª) Queima do papel;

2ª) Queima da lã de aço.

 

Discussão a respeito da utilização do sinal de mistura química para o conceito de transformação química.

07

10/12

 

A1. A3, A5, A6, A9, A12, L1, TIL2, PQ

Histórico da Linguagem.

Aplicação do Questionário para traçar o perfil bilíngue dos alunos surdos.

08

17/12

A1, A3, A6, A9, A10, A12, TIL2, PQ

Término da Sequência Didática.

Conversa com os pais e alunos surdos acerca do Curso de Extensão e Confraternização.

Fonte: Elaboração das autoras.

As IP foram marcadas pela realização e discussão de atividades experimentais, e, a partir das interações discursivas provenientes dessas discussões, foi possível refletirmos sobre as ações recorrentes no processo de intermediação do conhecimento químico pelo TIL que serão exploradas a seguir.

 

Acordo Linguístico

Durante a IP3 ao realizarmos algumas atividades de experimentação que permitiram aos alunos avaliar se as evidências poderiam garantir a ocorrência de uma transformação química, observamos uma ação comum no processo de intermediação do conhecimento pelo TIL, o acordo linguístico.

No caso específico de uma sala de aula com alunos surdos, em um ambiente bilíngue bimodal, o processo dialógico é intermediado pelo TIL. Cabe enfatizar que a Libras e a LP são duas línguas de modalidades diferentes e somado a isso, temos o fato de que não há sinais em Libras capazes de representar todos os conceitos científicos e dessa forma, o TIL juntamente com o aluno surdo estabelecem um acordo linguístico para que o TIL não precise a todo o momento fazer a datilologia em Libras de um determinado conceito, como podemos observar no Quadro 2.

Quadro 2 – Acordo Linguístico em Libras.

Turno

Enderaçamento dos enunciados

Interações Discursivas (ID)

Observações e condutas não-verbais das ID

17

PQ>TIL2>TA

Então a primeira atividade que a gente vai fazer é misturar o bicarbonato de sódio na água. Aí vocês vão observar o que vai acontecer. Depois vocês vão misturar ele no vinagre.

TIL2 interpreta a palavra bicarbonato de sódio como sal.

TIL2 não interpreta a fala de PQ “Depois vocês vão misturar ele no vinagre”.

18

TIL2>TA

Vinagre, tem sinal?

Pega o frasco de vinagre aponta para ele e pergunta se ele tem sinal.

19

A6>TIL2

AZEITE^SALADA.

 

20

A10>TIL2

Ok. Esse é um bom sinal.

 

21

TIL2>TA

É... Mas aí fica parecendo óleo ou azeite. A gente pode fazer AZEITE^AZEDO. Pode ser?

 

22

TA>TIL2

Sim.

 

23

TIL2>TA

Então fica combinado, só hoje.

 

24

TIL2>PQ

A gente convencionalizou o sinal de vinagre como sendo AZEITE^AZEDO, hoje, tudo bem?

 

Fonte: Tradução e transcrição da videogravação da sequência didática.

 

O início da IP3 foi marcado pelas instruções da atividade a ser realizada posteriormente e quando a professora apresentou os reagentes a serem misturados, o TIL fez a datilologia em Libras do sal “BICARBONATO DE SÓDIO” (um dos reagentes) e quando foi apresentar o vinagre, o outro reagente, o TIL segurou o frasco e perguntou aos alunos se ele não tinha sinal (turno 18). Um aluno sugeriu o sinal AZEITE^SALADA (turno 19), mas TIL explicou que haveria uma confusão com óleo e azeite, então TIL sugeriu AZEITE^AZEDO (turno 21) e os alunos concordaram em utilizar tal sinal para representar o vinagre (turno 22).

Vale ressaltar que essa combinação sempre ocorre exclusivamente entre o TIL e os alunos surdos, já que a Libras possui toda uma particularidade, além de revelar um movimento em que os Surdos, por meio de sua identidade e cultura própria, deixam de ser subordinados à LP, reivindicando as especificidades e características próprias da gramática das línguas de sinais. Nas palavras de Albres (2013a):

O pilar do bilinguismo, condição de pessoas surdas, utentes de uma língua diferente da majoritária de seu país, exige o fortalecimento da “consciência linguística”, ou seja, entender a opressão sofrida pela imposição da língua oral, o colonialismo sofrido pela sua língua, para assim, seus usuários respeitarem os aspectos específicos da modalidade do léxico da língua de sinais e participarem da formação de novos sinais com consciência, não perdendo de vista a composicionalidade morfológica restrições formacionais e rítmicas da língua de sinais (ALBRES, 2013a, p. 146).

Sendo assim, o acordo linguístico dentro da cadeia discursiva leva em consideração o esforço coletivo para compreender a fala do outro, mas, se atentando aos aspectos específicos da modalidade do léxico da língua de sinais. O acordo linguístico possibilita uma negociação de significados e sentidos promovendo uma coconstrução do conhecimento.

É na interação com o outro, em um determinado contexto e tempo específico, que os sinais vão tomando significado. Nesse processo, procuramos compreender a fala do outro com quem conversamos, levando em consideração as pessoas envolvidas, suas funções sociais e os discursos “atravessados” neste novo discurso (ALBRES, 2013b, p. 82).

Por isso, a pertinência ou não de determinados sinais a serem incorporados na língua, após tal acordo, só pode ser confirmada quando vistos sob a perspectiva do seu uso, ou seja, se o sinal acordado, AZEITE^AZEDO para o vinagre, passar a ser utilizado com frequência pela comunidade surda e alcançar proporções tais que transponha os muros dessa escola específica, ele pode se tornar parte do léxico da Libras, ou ainda pode sofrer modificações por seus usuários caso haja necessidade.

O acordo linguístico também foi observado durante a IP2, quando o TIL precisou intermediar os conceitos de ácido e base. O conceito de ácido já está disponível em Sousa e Silveira (2011), entretanto, não havia um sinal-termo para representar o conceito de base. Tendo em vista que os conceitos de ácido e base são mantidos por uma relação dialética, (da contradição, ou seja, só existem na relação definida por seus comportamentos em meio reacional) TIL sugeriu um sinal semelhante ao já convencionalizado, como podemos observar na Figura 2.

Figura 2 – Sinais para ácido e base respectivamente

 

No lado esquerdo temos o sinal para ácido descrito por Sousa e Silveira (2011) e no lado direito temos o sinal acordado para base durante a sequência didática. Fonte: Esquerda (SOUSA e SILVEIRA, 2011, p. 44), Direita (Autoras).

 

Na Figura 2 não é possível observar o movimento das mãos, mas o sinal de ácido é realizado com a mão esquerda em A (ácido), e, a mão direita com movimento de ondulação nos dedos, e, o sinal acordado para base modifica a configuração da mão esquerda para B (base) e a mão direita com movimento de ondulação nos dedos.

 

Negociação de sentidos em Libras

Apesar da negociação de sentidos ser recorrente em todas as aulas de Ciências de maneira geral, e em específico neste caso nas aulas de Química, decidimos por discutir esse aspecto na perspectiva da sala de aula bilíngue bimodal, pois os modos pelos quais os alunos surdos utilizam os sinais, nos auxiliam a compreender o processo de elaboração conceitual em Química por eles.

Durante a IP3 ao realizarmos a primeira atividade de experimentação, a dissolução de bicarbonato de sódio em água, observamos a negociação de sentidos em torno do conceito de dissolução, como podemos observar no Quadro 3.

Quadro 3 – Dissolução de Bicarbonato de Sódio em água.

Turno

Enderaçamento dos enunciados

Interações Discursivas (ID)

Observações e condutas não-verbais das ID

29

PQ>TIL2>TA

Então o que a gente vai fazer? A gente vai colocar um pouquinho de água no erlenmeyer e vamos acrescentar o bicarbonato de sódio. Aí vocês misturam e observam o que vai acontecer. Vamos lá?

TIL2 interpreta bicarbonato de sódio como sal.

Após a instrução de PQ, os alunos se organizam e executam a ação.

30

A1>TIL2>PQ

Ficou só água.

 

31

A6>TIL2>PQ

Parece água.

 

32

PQ>TIL2>TA

O que aconteceu?

 

33

A9>TIL2>PQ

O sal dissolveu na água. Está parecendo água pura.

 

34

A5>TIL2>PQ

O sal sumiu.

 

35

PQ>TIL2>TA

Mas o sal sumiu?

 

36

TIL2>TA

O sal não some, ele mistura. Não some, vocês lembram? Na química nada some, só mistura, parece que junta, um incorpora o outro, aí fica um. Entendeu?

 

37

PQ>TIL2>TA

Aconteceu alguma coisa a mais? Mudou de cor? Soltou gás? Esquentou? Vocês observaram mais alguma coisa?

 

38

PQ>TIL2

Fala para o A5 não usar o sinal de sumir. O sal não some, ele dissolve.

 

39

TIL2>A5

Só muda o sinal, não usa sumiu, usa misturar, dissolver.

 

40

A5>TIL2

Esquentou.

 

41

TIL2>TA

Esquentou? Eu não sei. Estou perguntando.

 

42

A13>TIL2>PQ

Dissolveu.

 

43

TIL2>TA

Isso. Ele dissolveu e não sumiu. Obrigada A13. Alguém mais?

 

44

A9>TIL2>PQ

Misturou.

 

45

TIL2>TA

Parece água, né? Não mudou de cor, ficou transparente.

TIL2 interpreta transparente com o sinal de branco.

46

A9>TIL2>PQ

Dissolveu.

 

Fonte: Tradução e transcrição da videogravação da sequência didática.

Como podemos observar no Quadro 3, A9 e A5 (turnos 33 e 34) tentam explicar o fenômeno observado, entretanto, A9 utiliza o sinal dissolver enquanto A5 utiliza o sinal sumir e PQ intervêm para que A5 não utilize o sinal SUMIR (turnos 38 e 39), porque seria incorreto. Os sinais utilizados para DISSOLVER e SUMIR são apresentados nas Figuras 3 e 4.

Figura 3 – Sinal em Libras para SUMIR

Fonte: CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2012.

Figura 4 – Sinal em Libras para DISSOLVER

Fonte: CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2012.

A relação descrita pela utilização dos sinais DISSOLVER e SUMIR elucidam os aspectos da semântica da língua de sinais, ou seja, o sinal SUMIR não permite ao aluno concluir que o sal ainda está na solução, o que não é verídico, dado que o sal ao ser dissolvido na água modifica as propriedades da água, como a densidade e a produção de corrente elétrica em face da ionização do sal. Dessa forma, é importante que o aluno compreenda que o sal dissolveu e por isso o sinal DISSOLVER possibilitaria melhor essa compreensão.

Entendemos que a utilização da palavra sumir nesse caso não é um atributo somente dos surdos, pois os ouvintes também descrevem comumente, a dissolução como um processo no qual o sal “some”. Segundo Carmo e Marcondes (2008), os alunos fornecem essas explicações apoiados em aspectos observáveis e pelas experiências que vivenciam em sua vida, por isso as atividades experimentais fundamentadas no concreto são importantes para que eles transitem de níveis menos complexos a níveis mais complexos, evoluindo e reorganizando seu pensamento.

Os alunos tendem a explicar o fenômeno a partir da observação da atividade experimental, que nesse relato consistiu na dissolução do bicarbonato de sódio, apresentado no Quadro 3, e vão construindo seus próprios significados, em uma tentativa de dar sentido ao que está sendo dito. Esse movimento de negociação e constituição de sentidos sempre é desencadeado pelo conflito de vozes, por isso, professor e TIL tem um papel fundamental na mediação do conhecimento para que não sejam elaborados conceitos não científicos.

 

Utilização de recursos imagéticos

Durante todo o curso de extensão, houve a necessidade de o TIL2 explicar algum conceito que não tinha um sinal-termo ou que o aluno não havia compreendido, e então ele utilizava diversos recursos imagéticos para que o aluno pudesse compreender a mensagem do professor, como na IP3 em que a professora utilizou um erlenmeyer (vidraria do laboratório de química, Figura 5) para a realização de uma atividade de experimentação, como podemos observar no Quadro 4.

 Figura 5 – Representação imagética do erlenmeyer

Copo de vidro

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: PINTO, 2015.

Quadro 4 – Utilização de Recurso Imagético

Turno

Enderaçamento dos enunciados

Interações Discursivas (ID)

Observações e condutas não-verbais das ID

25

PQ>TIL2

Então eu coloquei uns erlenmeyers...

TIL2 olha mostrando surpresa para PQ e os alunos ficam sem entender o que está acontecendo.

26

TIL2>TA

Ela falou palavra diferente. Eu não sei traduzir.

A6 conversa com TIL2.

27

A1>TIL2

É inglês?

 

28

TIL2>A1

De certa forma é.

TIL2 solta uma gargalhada e responde a A1.

29

TIL2>PQ

Ela [A6] está perguntando se é inglês. E de certa forma é mesmo.

PQ pega o erlenmeyer em sua mão e escreve a palavra erlenmeyer no quadro enquanto A6 faz a datilologia como se estivesse tentando reconhecer a palavra.

30

TIL2>TA

E-R-L-E-N-M-E-Y-E-R. Esse é o nome.

TIL2 pega um erlenmeyer mostra para os alunos e então faz a datilologia.

Fonte: Tradução e transcrição da videogravação da sequência didática.

Para a professora de química, representar as vidrarias do laboratório de química por seus devidos nomes é comum e por isso ela não percebeu que a palavra erlenmeyer só poderia oferecer um sentido dentro do contexto da química, e por isso TIL2, que não associou a palavra ouvida com sua grafia na LP, disse aos alunos “Ela falou uma palavra diferente. Eu não sei traduzir” (turno 26).

Em seguida, um aluno brincou perguntando se a palavra era inglesa (turno 27), TIL2 respondeu que de certa forma sim (turno 29) e então nesse momento a professora apresentou a partir do uso de um recurso imagético a vidraria do laboratório, e escreveu seu nome no quadro, informação que foi interpretada por TIL2 (turno 30), como podemos observar na Figura 6.

Figura 6 – Apresentação da vidraria do laboratório de Química Erlenmeyer

Uma imagem contendo no interior, homem, foto, segurando

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Captura da tela da videogração da sequência didática.

O exposto no Quadro 4 mostrou as nuances da interpretação simultânea da Libras nesse contexto educacional em que TIL não possuindo um conhecimento específico da área, também ampliou seu conhecimento enquanto os alunos surdos foram se apropriando da linguagem científica que descreve e compõe o laboratório de química. Lacerda, Santos e Caetano (2013), no que diz respeito às estratégias metodológicas para o ensino de alunos surdos, nos esclarecem que um recurso imagético pode evocar significados que sequer necessite de um texto escrito, além de que:

[...] o trabalho do intérprete de Libras será muito mais efetivo quando a informação visual for acessível, pois com e sobre ela [recurso imagético] o aluno surdo poderá construir conceitos e colocá-los em tensão em relação àquilo que é apresentado pelo professor, dando oportunidades para uma aprendizagem mais reflexiva e efetiva (LACERDA; SANTOS; CAETANO, 2013, p. 188).

Ainda na IP3, a segunda atividade de experimentação consistia em misturar bicarbonato de sódio em vinagre, como podemos observar a partir do episódio de ensino no Quadro 5.

Quadro 5 – Reação do Bicarbonato de Sódio e Vinagre

Turno

Enderaçamento dos enunciados

Interações Discursivas (ID)

Observações e condutas não-verbais das ID

53

PQ>TIL2>TA

Agora a gente vai fazer o contrário. Agora a gente vai colocar o vinagre no erlenmeyer e depois vamos colocar o bicarbonato, está certo?

Após a fala de PQ, os alunos executam a ação.

54

PQ>TIL2>TA

E aí, o que aconteceu nessa?

 

55

PQ>TIL2

Eles não fizeram ainda.

 

56

TIL2>A5

Você fez?

 

57

A5>TIL2

Não fiz nada não.

A5 assustado dá uma risada ao final.

58

PQ>TIL2>TA

E aí? O que aconteceu agora?

 

59

A10>TIL2>PQ

Ferveu, liberou gás.

 

60

A13>TIL2>PQ

Borbulhou, ferveu, pareceu ácido pelo cheiro.

 

61

A9>TIL2>PQ

Borbulhou, apresentou um cheiro forte, o sal dissolveu.

 

62

A11>TIL2>PQ

O sal dissolveu no vinagre, igual o remédio para o estômago.

A11 relembra outro experimento que havíamos realizado. A mistura de sonrisal na água.

63

PQ>TIL2>TA

Qual foi a diferença dessa atividade para a primeira?

 

64

A11>TIL2>PQ

Na primeira só dissolveu, neste borbulhou.

 

65

A13>TIL2>PQ

Não entendi a pergunta.

 

66

TIL2>TA

Qual foi a diferença entre a primeira e a segunda atividade? Qual a diferença?

 

67

A13>TIL2>PQ

Entre os dois?

A13 aponta para os dois erlenmeyers. Um com água e bicarbonato de sódio e o outro com vinagre e bicarbonato de sódio após o término da reação.

68

TIL2>A13

Isso. Qual?

 

69

A13>TIL2>PQ

Nesse [água + bicarbonato de sódio] o sal apenas dissolveu, nesse [vinagre + bicarbonato de sódio] liberou gás.

 

70

TIL2>TA

E aí? O que aconteceu mais?

 

71

PQ>TIL2>TA

Por que vocês acham que com o vinagre liberou gás?

 

72

A13>TIL2>PQ

Nesse [água + bicarbonato de sódio] o cheiro é fraco, nesse [vinagre + bicarbonato de sódio] o cheiro é forte.

 

73

TIL2>TA

Vocês acham que teve liberação de gás? Teve?

 

74

A10>TIL2>PQ

Teve sim.

 

75

A11>TIL2>PQ

Sim.

 

76

A6>TIL2>PQ

Teve.

 

77

PQ>TIL2>TA

E se eu pedir pra vocês, pra mostrar pra mim... Em qual dos dois teve uma reação química?

 

78

A13>TIL2>PQ

Segundo.

 

79

A5>TIL2>PQ

Segundo.

 

80

A11>TIL2>PQ

Segundo.

 

81

A9>TIL2>PQ

Segundo.

 

82

TIL2>A10

Primeiro ou Segundo?

 

83

A10>TIL2>PQ

Segundo.

 

84

PQ>TIL2>TA

Por quê?

 

85

TIL2>TA

Por que vocês acham que é o segundo?

 

86

A11>TIL2>PQ

Porque ela borbulhou.

 

87

A1>TIL2>PQ

Parece que liberou gás.

 

88

PQ>TIL2>TA

Vamos pensar aqui. Se eu pegar o erlenmeyer do primeiro experimento, se colocar dentro do béquer e colocar pra ferver, o que vai acontecer?

PQ coloca o béquer sobre uma chapa aquecedora e a liga.

89

A11>TIL2>PQ

Vai sumir.

 

90

PQ>TIL2>TA

Vai sumir? Não vai ficar nada?

 

91

TIL2>TA

Sumir não. Fala...

 

92

A10>TIL2>PQ

Vai dissolver.

 

93

TIL2>A10

Isso. Vai dissolver.

 

94

TIL2>TA

O que vocês acham que vai acontecer?

 

95

A13>TIL2>PQ

Vai borbulhar, liberar gás, porque vai ferver e então liberará gás.

 

96

PQ>TIL2>TA

O que tem lá dentro?

PQ aponta para o béquer sobre a chapa aquecedora.

97

A9>TIL2>PQ

Vai dissolver.

 

98

A5>TIL2>PQ

Vai dissolver e liberar gás.

 

99

TIL2>TA

Não, mas a pergunta é o que tem lá dentro misturado.

 

100

A11>TIL2>PQ

Água.

 

101

A6>TIL2>PQ

Água.

 

102

A10>TIL2>PQ

Água.

 

103

TIL2>TA

Água e o que mais?

 

104

A11>TIL2>PQ

Sal.

 

105

A9>TIL2>PQ

Sal.

 

106

PQ>TIL2>TA

Aí eu coloquei no fogo e o que vai acontecer com a água?

 

107

A13>TIL2

Eu acho que vai dissolver.

 

108

TIL2>PQ

Ela disse que achava que iria dissolver... Daí ela pensou um pouco.

 

109

PQ>TIL2>TA

A gente fez essa experiência na semana passada, mas na semana passada a gente fez com o sal de cozinha, lembra? O que aconteceu quando eu coloquei pra esquentar?

 

110

A11>TIL2>PQ

Vou tentar explicar.

 

111

TIL2>TA

Tá. Ele dissolveu quando misturou e quando colocou pra esquentar, logo apareceu o quê? Vocês lembram?

 

112

A6>TIL2

Sal.

 

113

TIL2>PQ

Isso. O sal.

 

114

A13>TIL2>PQ

Aqui vai ser igual.

 

115

TIL2>A13

Será?

 

116

PQ>TIL2>TA

O que vocês acham?

 

117

A13>TIL2

Eu acho que é igual. O sal vai ficar no fundo do béquer.

 

118

TIL2>PQ, TA

A13 diz que vai parecer o sólido novamente. E aí? Precisam pensar.

 

119

PQ>TIL2>TA

Vamos esperar um pouco.

TIL2 desenha uma sequência de três béqueres no quadro, no primeiro só o líquido, no segundo o líquido sobre o fogo e no terceiro o béquer com um ponto de interrogação dentro.

120

TIL2>TA

O que vai acontecer aqui?

TIL2 aponta para o terceiro béquer desenhado.

121

A13>TIL2>PQ

Vai ficar um pó branco bem fino no fundo.

 

122

TIL2>TA

E aí? Vocês concordam com a A13?

 

123

A11>TIL2>PQ

Sim.

 

124

A10>TIL2>PQ

Sim.

 

125

A5>TIL2

O fogo vai secar e sumir.

 

126

TIL2>PQ

A5 está falando no sentido de dissolver, como se os dois fossem dissolver juntos.

 

Fonte: Tradução e transcrição da videogravação da sequência didática.

O Quadro 5 mostra a intenção de PQ de que os alunos compreendessem que quando ocorre uma transformação química, em algumas situações é possível observar alguma evidência dessa ocorrência. Sendo assim, os alunos fizeram duas atividades de experimentação. A primeira consistia na mistura de bicarbonato de sódio e água (Quadro 3) e a segunda consistia na mistura de bicarbonato de sódio e vinagre (Quadro 5).

No Quadro 5 é possível observar quando PQ pergunta em qual das duas atividades temos uma reação química (turno 77). A intenção de PQ era que os alunos respondessem a segunda, fundamentados na evidência (liberação de gás), o que aconteceu de maneira satisfatória (turnos 78, 79, 80, 81 e 83). Entretanto, PQ queria mostrar aos alunos que a primeira atividade de experimentação não consistia em uma transformação química e que poderíamos obter o bicarbonato de sódio a partir da evaporação da água, então observamos esse diálogo com os alunos a partir do turno 88.

Essa mesma atividade de experimentação (evaporação da água de uma solução salina) havia sido realizada na IP2, por isso PQ, no turno 109, iniciou um processo para que os alunos recordassem o fenômeno ocorrido na IP2. No turno 111 TIL2 perguntou o que tinha dentro do recipiente após a realização da atividade e apesar das respostas dos alunos terem remetido aos reagentes, água e bicarbonato de sódio, os alunos só conseguiram concluir a explicação do fenômeno a partir do momento em que TIL2 utilizou de um recurso imagético.

TIL2 foi até ao quadro e desenhou três béqueres representando o processo de evaporação da solução. No primeiro desenho apresentou o béquer contendo a solução, no segundo béquer apresentou o processo de aquecimento ao desenhar o béquer sobre o fogo, e, no terceiro desenho apresentou somente o béquer “vazio” com um ponto de interrogação dentro dele (Figura 6).

Figura 6 – Representação visual criada por TIL2

Fonte: Captura da tela da videogração da sequência didática.

A construção de uma representação pictográfica por TIL2 possibilitou o entendimento dos alunos quanto à sua pergunta (turno 120), de modo que os alunos responderam que a água evaporaria e sobraria apenas o bicarbonato de sódio.

TIL2 utilizou de um recurso imagético para que pudesse ser compreendida a pergunta de PQ. Assim como Lacerda, Santos e Caetano (2013), Bunge (2008) nos afirma que converter coisas concretas em imagens conceituais possibilitam a apreensão da realidade pelo pensamento. Bunge (2008) nos afirma que essas imagens conceituais devem ser expandidas para modelos teóricos progressivamente mais complexos, sempre à luz dos fatos.

 

Interrupções na cadeia discursiva a partir do diálogo entre TIL e o professor

 Apesar de todas as IP terem sido planejadas anteriormente pela professora com a participação de TIL2, a interpretação simultânea, no contexto do curso de extensão, fez com que inúmeras vezes, quando TIL2 estava em dúvida no processo de intermediação do conhecimento, interrompesse a cadeia discursiva, de modo a criar um diálogo paralelo entre ele e PQ, para que aspectos da interpretação pudessem ser resolvidos antes da mensagem ser encaminhada para os alunos surdos.

Durante a IP1, antes da realização da primeira atividade de experimentação que consistia em misturar o zinco metálico em uma solução de ácido sulfúrico, PQ pediu que os alunos caracterizassem os reagentes. PQ percebeu que os alunos utilizavam o sinal METAL para qualquer metal e então iniciou uma cadeia discursiva no intuito de verificar se os alunos sabiam diferenciar o metal zinco do metal alumínio, como podemos observar no Quadro 6.

Quadro 6 – Diferença entre metais.

Turno

Endereçamento dos enunciados

Interações Discursivas (ID)

Observações e condutas não-verbais das ID

46

PQ>TIL2

Zinco (Zn) é igual alumínio?

 

47

TIL2>PQ

Ai... O que é alumínio?

Se volta para PQ e pergunta.

48

PQ>TIL2

É o metal da latinha de refrigerante.

 

49

TIL2>TA

Lembra da lata de refrigerante? Tem zinco (Zn) na lata?

Modifica o enunciado de PQ no turno 46 para se fazer entender.

50

A10>TIL2>PQ

Não.

 

51

A6>TIL2>PQ

Não.

 

52

A11>TIL2>PQ

Não.

 

53

A9>TIL2>PQ

Não tem.

 

54

PQ>TIL2>TA

Não são iguais, porque são dois elementos químicos diferentes.

 

55

TIL2>TA

Vocês entenderam?

Balançam a cabeça afirmando.

Fonte: Tradução e transcrição da videogravação da sequência didática.

No Quadro 6 é possível observar a interrupção de TIL2 na cadeia discursiva (turno 47) quando PQ perguntou se zinco era igual alumínio (turno 46). No turno 47, TIL2 pergunta o que é alumínio e então PQ cria um diálogo paralelo com TIL2, somente em LP, para que a dúvida de TIL2 fosse respondida e então a cadeia discursiva fosse prosseguida (turno 49).

Como é possível observar, a partir do exemplo mostrado, mesmo os TIL tendo passado por um processo de escolarização que lhes permitiu a apresentação aos conceitos oriundos da química, os TIL precisam que interrupções no processo de intermediação aconteçam como forma de esclarecer aspectos concernentes à apresentação dos conteúdos.

Tal situação nos coloca frente à problemática relação entre professor e TIL que advogamos ser imprescindível para a aprendizagem do aluno surdo. Nesse sentido, Philippsen et al. (2019) têm contribuído com essa discussão, no que diz respeito à educação química dos surdos, ao evocar o princípio da codocência, fundamentando-se em estudos de Kelman (2005).

Philippsen et al. (2019) ressaltam a importância de que o TIL seja um codocente em sala de aula de química, isso implica que professor e TIL desempenhem suas funções mutuamente, compartilhando planejamentos e avaliações. Cabe enfatizar que ao estar na condição de codocente, o TIL fica mais à vontade para interromper a cadeia discursiva, como no exemplo mostrado no Quadro 6, para que o fim primordial da aula, ou seja, o aprendizado do aluno surdo, possa acontecer da melhor maneira possível.

Dessa forma, as interrupções como uma ação recorrente nos processos de intermediação do conhecimento químico pelo TIL, permitem que os sistemas de representação alternativos, criados pelo professor ao explicar o conceito para o TIL, auxilie na compreensão dos fenômenos observados pelos alunos surdos e permita o acesso e consequente desenvolvimento de um pensamento químico por esses.

 

Considerações

No Brasil, em função da política de inclusão escolar, os alunos surdos em sua grande maioria estão matriculados em escolas regulares de ensino e constroem seu conhecimento a partir da intermediação do TIL. No ensino médio, a intermediação do conhecimento é marcada pelas especificidades das diferentes áreas do conhecimento, de modo que as Ciências se encontram em desvantagem, haja visto a carência de sinais-termo nessas áreas.

Muitos pesquisadores têm se debruçado na tarefa de estabelecer parcerias com a comunidade surda e elaborar glossários em diferentes áreas especializadas do saber, entretanto, o processo de elaboração conceitual demanda também outros estudos que diz respeito aos modos pelos quais o TIL intermedeia o conhecimento a partir da abordagem do conteúdo pelo professor.

Sendo assim, nossos resultados permitiram que evidenciássemos algumas ações que comumente aparecem em meio a intermediação do conhecimento químico nas aulas de química em ambiente bilíngue bimodal, dada a especificidade dessa área do saber. As ações recorrentes observadas na pesquisa foram os acordos linguísticos, negociação de sentidos, utilização de recursos imagéticos e interrupções na cadeia discursiva a partir do diálogo entre TIL e professor.

No que diz respeito aos acordos linguísticos pelo TIL e alunos surdos, eles são importantes no processo de intermediação do conhecimento químico porque oferecem uma maior dinamicidade no processo e ao mesmo tempo um menor esforço do TIL que não precisará a todo instante realizar a datilologia de enunciados e/ou conceitos.

A negociação de sentidos, apesar de acontecer em todas as aulas, independentemente da presença ou não de surdos, possibilitou apresentar nessa pesquisa os modos pelos quais o professor, pode observar uma elaboração conceitual que seja condizente com o conhecimento cientificamente aceito, a partir da intermediação do conhecimento químico pelo TIL e da utilização da Libras.

A utilização de recursos imagéticos nos mostrou ser condição sine qua non no processo de intermediação do conhecimento químico, tendo em vista que o canal de comunicação dos Surdos é visuoespacial, e eles podem se beneficiar da utilização de representações dos modelos explicativos dessa ciência, a partir da exploração dos recursos imagéticos.

Por último, nossos resultados também mostraram que as interrupções durante o processo de intermediação do conhecimento químico são recorrentes, tendo em vista que é preciso que os conceitos científicos sejam apreendidos e/ou esclarecidos, para que a intermediação realizada pelo TIL permita uma elaboração conceitual condizente com o conhecimento científico, bem como um acesso e desenvolvimento de um pensamento químico por parte dos alunos surdos.

 

Referências

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[1] Sinal-termo é um “termo exclusivo de línguas de sinais para representar, em discurso especializado, conceitos com características próprias de classe de objetos, de relações de significado ou de entidades que recebem denominações fora da linguagem comum” (FAULSTICH, 2018, p. 29).

[2] Por transcrição entendemos o processo da escrita em LP das interações discursivas obtidas a partir das relações dialógicas durante a sequência didática. 

[3] A tradução envolveu a conversão da Libras para a LP na modalidade escrita. Nesse artigo os enunciados foram efetivamente traduzidos para a LP respeitando a norma desta língua.

 

 

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