http://dx.doi.org/10.5902/1984686X66730

A percepção dos professores de Física sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual: uma pesquisa quantitativa

The perception of physics teachers about the inclusion of students with visual disabilities: quantitative research

La percepción de los profesores de física sobre la inclusión de estudiantes con discapacidad visual: una encuesta cuantitativa

Márcio Velloso da Silveira

Professor doutor da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Santo Cristo, RJ, Brasil

E-mail: marciovellosodasilveira@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1721-692X

Antonio Carlos Fontes dos Santos

Professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

E-mail: toni@if.ufrj.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7402-6594

Recebido em 14 de julho de 2021

Aprovado em 22 de fevereiro de 2022

Publicado em 30 de março de 2022

RESUMO

Neste artigo examinamos as percepções dos professores de Física dos Ensinos Médio e Superior em relação ao ensino inclusivo de estudantes com deficiência visual. Decidimos reaplicar um questionário aplicado a professores de diversas áreas em três universidades em Gana, a fim de verificar diferenças e semelhanças entre o resultado daquela pesquisa, quando comparada com professores brasileiros de apenas uma área de estudo, a Física. Através da administração de um formulário eletrônico onde o participante deveria selecionar o grau de concordância, compomos uma amostra aleatória de 42 professores que trabalham em instituições públicas ou privadas. As afirmações estão divididas em quatro blocos: percepções gerais sobre inclusão, percepções sobre o conceito de inclusão, percepções sobre os tipos de deficiências e percepções sobre o apoio recebido de pessoas ou recursos. Os dados são analisados quantitativamente e comparações são feitas dentro da amostra utilizando o Teste t de student. O mesmo teste é feito para comparar nossa amostra com a amostra de Gana.  Entre os resultados obtidos podemos destacar que não encontramos divergência entre gênero, nível de atuação ou setor (público/privado). No entanto, percebemos que os professores que participaram da nossa pesquisa possuem uma percepção mais negativa, em relação a resultados anteriores. As percepções menos favoráveis em nossa pesquisa indicam a necessidade de ampliação do debate sobre inclusão no meio acadêmico e a proposição de novas pesquisas para avaliar os fatores que levam a esse cenário, além da imprescindibilidade do desenvolvimento de práticas que possam conduzir a uma reversão nesse panorama negativo.

Palavras-chave: Deficiência Visual; Ensino de Física; Percepções Docentes sobre Inclusão.

ABSTRACT

In this paper we examine the perceptions of physics teachers and professors in relation to inclusive education for students with visual impairments. We decided to reapply a questionnaire applied to professors from various fields in three universities in Ghana, to verify differences and similarities between the results of that research, when compared with brazilian teachers from only one area of study, Physics. Through the administration of an electronic form where the participant should select the degree of agreement, we compose a random sample of 42 individuals who work in public or private institutions. The statements are divided into four blocks: general perceptions about inclusion, perceptions about the concept of inclusion, perceptions about the types of disabilities and perceptions about the institutional support or resources. The data are analyzed quantitatively, and comparisons are made within the sample using the student's t-test. The same test is done to compare our sample with Ghana sample. Among the results, we can highlight that we did not find any divergence between gender, level of activity or sector (public/private). However, we realized that the individuals who participated in our research have a more negative perception, in relation to previous results. The less favorable perceptions in indicate the need to expand the debate on inclusion in the academic environments and the proposition of new research to assess the factors that lead to this scenario, in addition to the indispensability of the development of practices that can lead to a reversal in this negative panorama.

Keywords: Visual Impairment; Physics Teaching; Teachers' Perceptions on Inclusion.

RESUMEN

En este artículo, examinamos las percepciones de los profesores de física de educación secundaria y superior con respecto a la educación inclusiva para estudiantes con discapacidad visual. Decidimos volver a aplicar un cuestionario aplicado a profesores de diversos campos en tres universidades de Ghana, con el fin de verificar las diferencias y similitudes entre los resultados de esa investigación, en comparación con los profesores brasileños de una sola área de estudio, física. Mediante la administración de un formulario electrónico donde el participante debe seleccionar el grado de acuerdo, compusimos una muestra aleatoria de 42 profesores que laboran en instituciones públicas o privadas. Los enunciados se dividen en cuatro bloques: percepciones generales sobre la inclusión, percepciones sobre el concepto de inclusión, percepciones sobre los tipos de discapacidad y percepciones sobre el apoyo recibido de personas o recursos. Los datos se analizan cuantitativamente y las comparaciones se realizan dentro de la muestra utilizando la prueba t del estudiante. La misma prueba se realiza para comparar nuestra muestra con la muestra de Ghana. Entre los resultados obtenidos, podemos destacar que no encontramos ninguna divergencia entre género, nivel de actividad o sector (público / privado). Sin embargo, notamos que los profesores que participaron en nuestra investigación tienen una percepción más negativa, en relación con resultados anteriores. Las percepciones menos favorables en nuestra investigación indican la necesidad de ampliar el debate sobre la inclusión en el ámbito académico y la propuesta de nuevas investigaciones para evaluar los factores que conducen a este escenario, además de la indispensabilidad de desarrollar prácticas que puedan conducir a una reversión en este escenario, negativo.

Palabras clave: Discapacidad Visual; Enseñanza de la Física; Percepciones de los Docentes sobre la Inclusión.

Introdução

A ideia desta pesquisa surge ao revisarmos artigos sobre as perspectivas de professores em relação à inclusão de estudantes com deficiência visual; em específico um artigo (Mamah et al, 2011) que analisou a resposta de professores de três universidades em Gana. O artigo sugere, ao longo do texto, a reprodução frequente deste tipo de pesquisa para que se possa avaliar se, com o passar dos anos, há alterações nesta percepção, ou seja, diferenças nos resultados. Vários fatores, inclusive temporais, podem determinar resultados diferentes, como a própria diferença cultural de cada país, evoluções nas legislações, investimento governamental em publicidade para a conscientização da população acerca dos princípios que norteiam a inclusão, entre outros (Mamah et al, 2011; Toenders et al, 2017; Rombo, 2006, Young et al, 2017).

Nossa ideia, neste trabalho, considerando as diferenças citadas no parágrafo anterior, baseia-se na investigação de um grupo específico de professores, quais sejam, os que lecionam Física no Brasil. A decisão de investigar professores de uma área específica do conhecimento, como a Física, faz-se necessária devido à natural necessidade de maiores adaptações em seus cursos e recursos didáticos do que outras disciplinas, como história e línguas, por exemplo. Adaptação de experimentos didáticos, tabelas, gráficos e a matemática, ou cálculo, no Ensino Superior, exigem maior ferramental, preparo e dedicação do professor (Silveira et al, 2018, Velloso et al, 2021, Velloso et al, 2021b), maior tempo para esse preparo, turmas reduzidas, tempo de aula ampliado, entre outros, além de conhecimentos específicos de ferramentas que possam permitir que o estudante com deficiência visual participe de todas as etapas do aprendizado, com o restante da turma. E tudo isso tem um custo com o qual os estabelecimentos de ensino precisarão lidar, com ou sem financiamento público.

Portanto, como revela o título do artigo, pretendemos desnudar a percepção de uma amostra de professores de Física, para não só de compreender como eles percebem os estudantes com deficiência, ainda que não tenham tido essa experiência em sala de aula, mas também como percebem a si próprios no papel de um professor de Física que precisa lecionar para uma turma onde haja ao menos um estudante com deficiência visual. Logo, a palavra percepção usada no título do artigo, poderia ser substituída pela aglutinação de alguns de seus sinônimos, prontamente encontrados em dicionários da língua portuguesa, ou seja:  ideias, conhecimentos, noções, informações, entendimentos, compreensões e discernimentos sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual. Outrossim, nossa pesquisa ocorre na tentativa de captar uma ou mais destas informações de cada um dos nossos participantes, comparando-as com resultados da pesquisa feita em Gana. Ou seja, do ponto de vista do professor, procuramos encontrar, mais precisamente, os empecilhos para a inclusão dos estudantes com deficiência visual. Ainda que parte desses empecilhos se devam à forma com que esses professores – por motivos diversos, como falta de formação adequada ou experiências com o ensino inclusivo – concebam o processo de inclusão dentro de toda subjetividade ontológica, psicológica, formativa e ambiental, em que esse professor se vê inserido (Forlin et al, 2011; Sam et al, 2015; Van Steen e Wilson, 2020).

A cronologia da evolução das práticas sociais que levaram ao desenvolvimento das políticas públicas da inclusão, podem ser divididas em quatro eras (Sassaki, 2007; Villegas, 2017): a era da exclusão ocorreu até o início do século 20, onde as pessoas com deficiência eram privadas, direta ou indiretamente, de acesso a vários níveis de participação na sociedade; entre as décadas de 20 e 40, inicia-se a era da segregação, onde as pessoas com deficiência conquistam uma atenção um pouco maior da sociedade, mas ainda de forma precária, estando sua participação nas práticas sociais limitadas e dissociadas das pessoas sem deficiências; a era da integração ocorre entre as décadas de 50 a 80, onde as pessoas com deficiência passaram a exigir a sua independência, buscando garantir seu pleno direito a exercer quaisquer posições na sociedade a despeito da sua deficiência; a era da inclusão compreende ao período desde meados da década de 90 e avança pelo século 21, sendo um grande marco a aprovação, em 1993, pela ONU (Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas)1, do documento que normatiza a equiparação das oportunidades para as pessoas com deficiência. É importante reconhecer que a passagem por todas estas eras que culminam com o desenvolvimento das políticas públicas de inclusão, só foi possível graças a muita luta por parte dessas minorias sub-representadas, que muitas vezes se associaram também a outros movimentos, como, pelos direitos civis dos negros. Um dos lemas defendidos pelas pessoas com deficiência pode ser entendido da seguinte maneira: nada deve ser feito para as pessoas com deficiência sem a plena participação dessas pessoas com deficiência. Ou seja, quem melhor do que elas próprias para dizerem do que necessitam? Portanto, nenhuma política pública deveria ser implementada sem a plena participação do grupo que será alvo desta política pública (Sassaki, 2007; Villegas, 2017).

Os movimentos sociais trouxeram também outra forma de se compreender a deficiência. O chamado modelo social da deficiência que se opõe ao modelo médico, indica que a deficiência é uma limitação imposta pela sociedade. O modelo médico subjaz da análise de uma limitação individual e uma busca a quantificar o número de pessoas com deficiência ou, até mesmo, reduzir as complexidades dos problemas destas pessoas através de prevenção médica, cura ou reabilitação. Já o modelo social, trata-se de uma ferramenta prática, não teórica, onde é cobrada a responsabilidade moral da sociedade para a remoção dos obstáculos impostos, a fim de permitir que as pessoas com deficiência possam participar em todos os níveis das relações sociais, inclusive conferindo a essas pessoas o controle de organizações e serviços a fim de que sejam fornecidas soluções mais adequadas para outras pessoas com deficiência (Shakespeare, 2006).

A inclusão, sobre uma perspectiva mais ampla, guarda relação não só com as pessoas com deficiência, mas com todas as minorias sub-representadas que são discriminadas por suas constituições físicas, psicológicas, sociais ou pela cor da sua pele. Sendo assim, a inclusão visa possibilitar que essas pessoas possam ocupar o seu lugar na sociedade. Na educação, o atendimento das pessoas com necessidades especiais deve ser realizado no ensino regular, junto com os demais estudantes. Caso haja necessidade de um atendimento especializado, este também deve ser efetuado, preferencialmente dentro da mesma instituição de ensino regular. No entanto, para que o atendimento seja corretamente realizado, são necessárias adaptações físicas estruturais na instituição de ensino, além da possibilidade de um atendimento especializado que pode ser oferecido no contraturno.

Nas últimas duas décadas, muitos pesquisadores têm buscado avaliar as percepções dos professores de diversas áreas e em diversos níveis de ensino, no que diz respeito à inclusão de estudantes com deficiências (Rombo, 2006; Leatherman et al, 2007; Forlin et al, 2011; Chiner e Cardona, 2013; Sam et al, 2015; Young et al, 2017; Van Steen e Wilson, 2020; Capelli, 2020; Villanueva e Di Stefano, 2017; Seifried e Heyl, 2016; Rule et al, 2011).

Algumas dessas pesquisas se debruçaram em estudar a inclusão de grupos de estudantes com uma deficiência específica, como estudantes com deficiência visual, autismo, surdez, entre outras, e/ou direcionadas em determinadas áreas do conhecimento como Educação Física, Inglês, áreas da STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), ou ainda dentro de um determinado nível de ensino, como Ensino Fundamental, Médio ou Superior. Muitas dessas pesquisas são qualitativas e outras quantitativas, ou ainda quali-quantitativa, como um trabalho que avaliou como os estudantes e professores de Ciências da Natureza do Ensino Médio concebem o processo de conceitualização em física por indivíduos cegos congênitos (Veraszto et al, 2018). No entanto, em nossas buscas por artigos que guardassem maior semelhança com nosso projeto de pesquisa, encontramos apenas uma pesquisa que procurou investigar a percepção, especificamente, de professores de Física sobre o ensino para estudantes com deficiência visual (Toenders et al, 2017).

A escassez de pesquisas mais específicas com professores de Física, alertou-nos para a necessidade de investigar melhor a percepção deste grupo de professores, pois a disciplina, Física, envolve uma necessidade muito grande de adaptação já que faz uso de gráficos, tabelas, tendo sido desenvolvida, ao longo dos anos, através da experimentação e sendo consolidada a partir de observações, na maioria das vezes visuais, do comportamento da natureza. A necessidade da prática experimental para o ensino de Física é praticamente uma unanimidade para os professores e pesquisadores e, ainda assim, enfrenta muita dificuldade em sua implementação, seja por conta do currículo extenso e tempo limitado ou pela necessidade de investimento em recursos materiais e estruturais para que tais experimentos sejam trabalhados com os estudantes (Gaspar, 2014).

As necessidades se ampliam quando se trata de ensinar Física para estudantes com deficiência visual, já que a prática experimental deve conter equipamentos experimentais e metodologias testadas especificamente para este público, tempo estendido para que estes alunos possam compreender os conceitos corretamente, materiais didáticos especificamente elaborados (sem figuras, referências a figuras, tabelas e atribuições experimentais inacessíveis) e entre outros, ou seja, “um redesenho completo do ambiente de aprendizagem de Física para ensinar a um estudante com deficiência visual” (Toenders et al, 2017, tradução livre). O que nos leva a um outro paradigma, que seria o investimento necessário para se atender a poucos, ou apenas um aluno com deficiência visual, somando-se aos investimentos para remunerar o professor a fim de que este possa preparar tais materiais, para que amplie sua dedicação temporal ao atendimento deste aluno. Ou seja, há de se pensar no custo para atender a esse processo e, inevitavelmente, políticas públicas que subsidiem o ensino inclusivo, mas que também acompanhem o seu cumprimento de fato, não na ficção. Quer dizer, muitas vezes os alunos acabam sendo recebidos, por força da lei (Brasil, 2015), mas através de um ensino muito precário, sem que isso possa ser, muitas vezes, avaliado pelo próprio estudante e seus familiares. E como será avaliado o cumprimento de todos esses procedimentos reflete na baixa demanda de estudantes com deficiência visual escolhendo a área ligada a Física para se graduar (Toenders et al, 2017). Seja por não ter tido uma boa experiência de ensino de Física no Ensino Médio ou, de forma ainda mais cruel, por ser convencido de sua incapacidade para aprender tais conceitos, fazendo se distanciar ao máximo de áreas congêneres (Velloso et al, 2021c). E o professor, por outro lado, ainda que bem-intencionado, mas sem treinamento e remuneração compatível para desenvolver tais atividades com qualidade, vê-se diante de um dilema moral e ético, já que, consciente do seu protagonismo no processo de ensino e aprendizagem, acaba, muitas vezes, entregando a esse aluno um trabalho de baixa qualidade (Velloso et al, 2021c).

Conscientes das dificuldades enfrentadas pelos professores de Física para oferecer aos seus alunos a oportunidade de apresentar, por exemplo, um pouco da Física Experimental, principalmente em se tratando de escolas com baixos investimentos, torna-se necessário investigar como esse professor poderia adaptar as suas aulas no caso de haver um ou mais alunos com deficiência visual em sala de aula, a fim de poder atender a todos os alunos de forma igualitária. Fazer o professor refletir à luz das atividades desenvolvidas em sua práxis pedagógica (que também é um dos objetivos deste artigo), caso nunca tenha tido a necessidade de atender a um estudante com deficiência visual em sua aula, pode nos fornecer pistas para que sejam tomadas iniciativas em busca de melhorar as condições dos professores, seja na sua formação ou no aumento do seu ferramental didático, para que possam atuar junto a estudantes sem, ou com, necessidades educacionais específicas.

A pesquisa realizada em três universidades em Gana (Mamah et al, 2011), analisou a resposta de 110 professores universitários a respeito de suas percepções e atitudes com relação à inclusão de estudantes com deficiência visual nestas universidades. A pesquisa contou com 24 afirmações, divididas em quatro blocos temáticos, onde os professores deveriam responder, de acordo com a escala LIKERT, indicando seu nível de concordância para cada afirmação. O primeiro bloco de questões diz respeito às suas percepções gerais sobre o ensino inclusivo, procurando desvelar como percebe sua capacidade para ensinar a estudantes com deficiência visual. Nesse quesito, a percepção atingiu valores baixos, o que indica que estes professores não se acham capacitados para lecionar para estudantes com deficiência visual. O segundo bloco de afirmações diz respeito a percepção desses professores sobre o conceito de inclusão. Nesse caso, o resultado atingiu valores mais altos, o que indica que estes professores têm uma percepção positiva no que diz respeito ao conceito de inclusão, o que é um indício favorável para que essas políticas públicas estejam sendo implementadas. O terceiro bloco de afirmações aborda a relação entre a deficiência visual e outros tipos de deficiências. Neste bloco, a percepção dos professores também foi positiva indicando que eles percebem a inclusão como necessária para além da deficiência visual. O quarto e último bloco de afirmações, trata do suporte que é disponibilizado a estes professores em forma de recursos e apoio de profissionais especializados. Neste caso, a percepção deles também foi positiva, o que mostra que estão recebendo apoio em suas aulas. Outros achados da pesquisa indicaram percepções mais positivas das professoras que dos professores e uma diferença muito grande em relação à percepção dos professores das três universidades.

Direcionando nossos olhares em relação ao ensino de Física para estudantes com deficiência visual, devido às suas especificidades de um ensino majoritariamente visual, como já fora explicitado, decidimos aplicar o protocolo de afirmações utilizado na pesquisa com os professores de Gana para pesquisarmos as percepções de professores Física do Ensino Médio e do Ensino Superior sobre o ensino inclusivo de Física para estudantes com deficiência visual.

Metodologia

A metodologia utilizada neste artigo é quantitativa, visto que, como veremos a seguir, elaboramos hipóteses de pesquisa, efetuamos os registros, convertemos estes registros em números, a fim de que pudessem servir como evidência, como é típico de uma pesquisa educacional empírica, em busca de produzir dados confiáveis que falem por si próprios, ou seja, que permitam procedimentos estatísticos imediatos, facilitando a interpretação destes dados (Moreira, 2011).

Para que possamos comparar a percepção de um grupo seleto de professores, os que lecionam Física, com os resultados de pesquisas anteriores (Mamah et al, 2011), um dos objetivos fundamentais da nossa pesquisa, a primeira pergunta geral que devemos tentar responder é: Qual a percepção desse grupo de professores sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual em aulas de Física?

Para ampliar a análise, quatro hipóteses foram elaboradas a respeito dessa questão:

(1)     Não há diferença entre as percepções dos professores e das professoras;

(2)     Não há diferença entre as percepções de professores do Ensino Médio e do Ensino Superior;

(3)     Não há diferença entre as percepções de professores de Instituições Públicas e de Instituições Privadas;

Por último, para verificar se esse grupo de professores tem uma percepção diferente dos professores de Gana, propomos mais uma hipótese:

(4)     Há diferença entre as percepções dos professores de Física em relação aos professores universitários de Gana.

As técnicas de amostragem escolhidas foram propositivas e aleatória simples. Para a escolha dos professores que representam o perfil que buscávamos, utilizamos a técnica de amostragem intencional, já que buscamos apenas professores de Física. Como a coleta de dados dos entrevistados foi feita no período de restrições impostas pela pandemia do COVID-19, optamos pelo envio de formulários eletrônicos (Google Forms) que foram encaminhados para professores de Física do Ensino Médio e do Ensino Superior. Para isso, distribuímos o formulário em redes sociais oficiais fechadas de professores universitários e do Ensino Médio, comprovando, através dos dados pessoais, sua identidade. Ao atingir a quantidade de 42 respondentes, nos demos por satisfeitos e concluímos a fase de coleta dos dados. Não havia nenhum pré-requisito para que o professor respondesse ao questionário, além de lecionar Física em um dos dois níveis de seguimento (Ensino Médio ou Ensino Superior), portanto, apesar de podermos identificar em que instituição e localização geográfica o professor leciona, não achamos que estas informações seriam relevantes para a dimensão dos dados que analisamos. Ao contrário, mantemos uma amostragem intencional, de acordo com Bogdam & Biklen (1994), e Denzin & Lincoln 2018, apenas em se tratando de docentes de Física. Dos respondentes, foram 14 professores do sexo feminino e 28 do sexo masculino. A seguir, na Tabela I, apresentamos o perfil demográfico da nossa amostra.

Tabela 1 – Perfil Demográfico

Faixa etária (anos)

Frequência

Porcentagem

20-30

3

7

31-40

13

31

41-50

11

26

51-60

6

14

61-70

9

22

Experiência Profissional (anos)

Frequência

Porcentagem

0-10

14

33

11-20

13

31

21-30

8

19

31-40

7

17

Nível de Ensino

Frequência

Porcentagem

Ensino Médio

24

57

Ensino Superior

18

43

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Instrumentação

O instrumento utilizado na pesquisa foi um formulário contendo perguntas iniciais para compor o perfil demográfico do professor e uma sequência de 24 afirmações divididas em quatro blocos temáticos. As afirmações foram retiradas do artigo de Mamah et al (Mamah et al, 2011), traduzidas, adaptadas e submetidas a validação por professores especialistas na área, antes de serem implementadas. Segundo os autores (Mamah et al, 2011), o coeficiente Cronbach de confiabilidade do questionário, na escala geral, é de 0,76. Para recebimento das respostas dos professores, utilizamos a escala LIKERT, disponibilizando cinco opções de respostas: Discordo Fortemente (DF), Discordo (D), Neutro (N), Concordo (C) e Concordo Fortemente (CF). O artigo que nos inspirou essa pesquisa (Mamah et al, 2011), não conta com a opção intermediária (neutro) que decidimos acrescentar. O Instrumento aplicado aos professores pode ser visto na Tabela II.

Tabela 2 – Protocolo da Entrevista

Conjunto de afirmações que se refere à percepção geral do professor.

1 - Eu tenho conhecimento sobre o ensino para estudantes com deficiência visual.

2 - Estou preparado para ensinar a todos os tipos de alunos.

3 - Já fiz ao menos um curso sobre Educação Especial.

4 - Já li sobre o ensino de alunos com deficiências.

5 - Possuo habilidades para ensinar a alunos com deficiência visual.

6 - Adapto minhas aulas para atender às necessidades dos alunos com deficiência visual.

Conjunto de afirmações que se refere à percepção dos professores sobre o conceito de inclusão.

7 - É bom ensinar tanto aos alunos videntes (que enxergam) quanto aos não videntes, juntos em uma mesma sala de aula.

8 - Somente professores de educação especial podem ensinar a alunos com deficiência visual.

9 - Ensinar a alunos com deficiência visual exige diferentes técnicas.

10 - Ensinar a alunos com deficiência visual prejudicaria o ensino e aprendizagem dos demais alunos.

11 - Ensinar a estudantes com deficiência visual irá provocar estresse e ansiedade no professor.

12 - Ensinar a estudantes com deficiência visual também será muito trabalhoso.

13 - A educação inclusiva é uma boa ideia.

14 - A educação inclusiva deve substituir a educação que separa os alunos deficientes dos demais.

Conjunto de afirmações que se refere à percepção dos professores sobre os tipos de deficiências.

15 - Todos os estudantes com deficiência podem se beneficiar da educação inclusiva.

16 - Eu gostaria mais de ensinar aos alunos com deficiências físicas motoras do que aqueles com deficiências sensoriais, como é o caso de estudantes com deficiência visual.

17 - Estudantes com deficiência visual serão beneficiados com a inclusão.

18 - Estudantes com transtornos emocionais são mais facilmente atendidos em escolas inclusivas.

19 - Alunos com deficiência visual são mais facilmente atendidos do que outras deficiências.

Conjunto de afirmações que se refere à percepção dos professores sobre os apoios recebidos tanto de recursos como de profissionais especializados.

20 - A instituição onde trabalho possui uma sala de recursos.

21 - Existem professores da educação especial na minha instituição.

22 - As aulas recebem apoio adequado da instituição onde trabalho.

23 - A falta de investimento em recursos afeta a inclusão de alunos com deficiência visual.

24  - É necessária uma colaboração dialógica entre as aulas e o apoio oferecido pelos profissionais de suporte.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Procedimentos

A presente pesquisa faz parte de um projeto de doutorado e foi submetida à apreciação na Plataforma Brasil, tendo sido aprovado pelo comitê de ética - 5699 - UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro - Campus Macaé, através do registro CAAE: 36487220.9.0000.5699.. O formulário foi respondido por professores de vários estados brasileiros e alguns residentes no exterior.

Análise dos dados

Para que pudéssemos responder à questão de pesquisa, avaliando a percepção dos professores de Física sobre o ensino para estudantes com deficiência visual, as respostas recebidas na escala LIKERT foram codificadas, inicialmente, com uma numeração de 1 a 5, sendo a resposta “discordo fortemente” codificada com o valor 1 e, de forma crescente, de acordo com o aumento do nível de concordância, fora acrescentado um número inteiro até a resposta “concordo fortemente” que foi codificada com o valor inteiro 5. Esse procedimento foi seguido em todas as afirmações, exceto nas afirmações 8, 10, 11, 12 e 16. No caso destas cinco afirmações, fizemos a inversão da escala por entendermos que a concordância com elas deveria ser analisada como uma percepção negativa com relação à inclusão de estudantes com deficiência visual, devendo receber uma pontuação baixa. Essa escala permitiu analisar a frequência de concordância para cada afirmação. Além disso, essa codificação também foi utilizada para, através do Teste t, testar as três primeiras hipóteses. Para executar o teste da última hipótese, na qual procuramos comparar os dados que coletamos com os dados de Mamah et al (2011), foi necessário converter nossos dados, de uma escala de 1 a 5 para uma escala de 1 a 4, como a que fora utilizada no artigo de Gana (Mamah et al, 2011). Para isso utilizamos a seguinte equação:

                                                             (1)

onde B é o valor da numeração codificada de 1 a 5 para os nossos dados e G o valor representado na escala de 1 a 4 do artigo com o qual queremos comparar (Mamah et al, 2011).

A partir da conversão desses dados foi possível determinar a média e o desvio padrão para os quatro grupos de afirmações, e comparar os dados da nossa amostra com os dados referência (Mamah et al, 2011), além de possibilitar executar o Teste t para verificar a hipótese 4, que comprara o conjunto de dados da nossa amostra com os dados obtidos em Gana.

Resultados e análises

Para analisar os resultados obtidos através das respostas dos professores, iremos, inicialmente, trazer os percentuais obtidos através da codificação para cada uma das 24 afirmações, individualmente, e para cada um dos quatro blocos de afirmações, além da média (M) e desvio padrão s, tanto para cada afirmação, como para cada bloco de afirmações. Vamos definir três níveis de percepções em função dos valores codificados de 1 a 5. Consideramos uma percepção negativa, positiva ou neutra, pelo resultado de um teste t, utilizando a hipótese estatística Ho como m=3,0 (média da população igual a 3,0), especificando o grau de risco de um erro tipo I, ou seja, o risco de concluir incorretamente que Ho é falsa quando ela é verdade como 5% (a=0,05). Na sequência, analisaremos as quatro hipóteses levantadas, aplicando testes t.

Percepção geral dos professores 

No primeiro bloco de afirmações, a percepção geral dos professores de Física sobre a suas capacidades em lidar com a inclusão de estudantes com deficiência visual foi de M=2,81 (média da amostra); s=0,89 (desvio padrão da amostra), apontando para uma percepção geral negativa (a=0,05), o que indica que os professores de Física não se sentem preparados para lecionar em turmas onde haja estudantes com deficiência visual. De todas as seis afirmações, a que conseguiu o maior escore foi a afirmação 4, indicando concordância com a afirmação que já realizaram leituras sobre o tema. As afirmações 1 e 4 foram positivas, as afirmações 2, 3 e 5 foram negativas e a afirmação 6 foi neutra. O que pode indicar que os professores não tiveram experiências com estudantes com deficiência visual, não tendo existido a necessidade de estudar sobre o tema e preparar aulas pensando nesse público e, portanto, não tendo suas habilidades testadas para exercer essa tarefa. Os resultados estão na Tabela III e Fig. 1.

Tabela 3 – Percepção geral dos professores sobre a sua capacidade de lidar com a inclusão de estudantes com deficiência visual

Afirmação

M

s

DF (%)

D (%)

N (%)

C

(%)

CF

(%)

Percepção

1 - Eu tenho conhecimento sobre o ensino para estudantes com deficiência visual.

3,2

1,3

14,3

16,7

16,7

38,1

14,3

👍

2 - Estou preparado para ensinar a todos os tipos de alunos.

2,3

1,1

23,8

45,2

9,5

19,1

2,4

👎

3 - Já fiz ao menos um curso sobre Educação Especial.

2,3

1,3

42,9

19,1

11,9

21,4

4,8

👎

4 - Já li sobre o ensino de alunos com deficiências.

3,6

1,4

16,7

7,1

9,5

35,7

31,0

👍

5 - Possuo habilidades para ensinar a alunos com deficiência visual.

2,6

1,2

23,8

23,8

21,4

31,0

0,00

👎

6 - Adapto minhas aulas para atender às necessidades dos alunos com deficiência visual.

2,9

1,4

23,8

14,3

23,8

26,2

11,9

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Legenda: M = média do ítem; s = desvio padrão da amostra; DF = discordo fortemente; D = discordo; C = concordo; CF = concordo fortemente. A aplicação do teste t com Ho: m=3,0 (a=0,05) é apresentada na última coluna, onde os símbolos 👍, 👎, indicam se a percepção para cada item é positiva, negativa, ou indiferente, respectivamente, em relação à inclusão.

Figura 1 – Valores médios das respostas correspondentes à Tabela 3

Figura 1.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Passamos a análise do segundo bloco de afirmações que trata do conhecimento dos professores sobre o conceito de inclusão, cujo resultado foi (M=3,73; s=0,71), indicando que os professores tiveram uma percepção positiva. Como já havíamos explicitado, fizemos a inversão da escala dos escores das afirmações 8, 10, 11 e 12 (apenas para fins dos cálculos de M e s, mantendo os percentuais das respostas) por entendermos que uma percepção favorável com o conceito de inclusão, leva à discordância dessas afirmações, o que de fato ocorreu de forma mais perceptível nas afirmações 8 e 10, podendo ser constatado pela grande porcentagem de respondentes que discordam de ambas as afirmações. Ou seja, os professores não concordam que apenas professores da educação especial possam ensinar para alunos com deficiência visual, trazendo para si, desta forma, a responsabilidade pelo atendimento a estes estudantes. Discordam também que o ensino para estudantes com deficiência visual prejudicaria o ensino para os demais estudantes, o que é muito positivo pois, de fato, todos têm a ganhar com o processo de inclusão.

Na afirmação 11, os professores tiveram uma percepção positiva, indicando que não se sentirão estressados em lecionar para estudantes com deficiência visual. No entanto, na afirmação 12, talvez por falta de experiência com o ensino inclusivo, tiveram uma percepção negativa, indicando que acreditam ser muito trabalhoso ensinar para estudantes com deficiência visual.

Os professores apontaram concordância com as afirmações 7, 9 ,13 e 14, indicando que concordam com as bases do conceito da inclusão quando dizem acreditar ser positivo ensinar a alunos com deficiência visual juntos com os demais na mesma sala de aula, quando afirmam que a inclusão é uma boa ideia e quando concordam que o ensino inclusivo deva substituir o ensino especializado, embora reconheçam também que são necessárias diferentes técnicas para que o ensino inclusivo saia do campo da teoria e seja posto em prática. O resultado geral indica que os professores parecem conhecer o conceito de inclusão e concordam com a sua implementação, ainda que, de acordo com o bloco anterior, não tenham estudado muito sobre o tema. Estes resultados estão na Tabela IV e Fig. 2.

Tabela 4 – Este segundo conjunto de afirmações refere-se à percepção dos professores sobre o conceito de inclusão

Afirmação

M

s

DF

(%)

D

(%)

N

(%)

C

(%)

CF

(%)

Percepção

7 - É bom ensinar tanto aos alunos videntes (que enxergam) quanto aos não videntes, juntos em uma mesma sala de aula.

3,7

1,4

11,9

11,9

9,5

31,0

35,7

👍

8 - Somente professores de educação especial podem ensinar a alunos com deficiência visual.

3,9

1,1

38,1

26,2

19,1

16,8

0,00

👍

9 - Ensinar a alunos com deficiência visual exige diferentes técnicas.

4,5

0,7

0,0

0,0

9,5

31,0

59,5

👍

10 - Ensinar a alunos com deficiência visual prejudicaria o ensino e aprendizagem dos demais alunos.

4,0

1,2

52,4

11,9

21,4

11,9

2,4

👍

11 - Ensinar a estudantes com deficiência visual irá provocar estresse e ansiedade no professor.

3,3

1,0

14,3

26,2

38,1

19,1

2,4

👍

12 - Ensinar a estudantes com deficiência visual também será muito trabalhoso.

2,6

1,0

2,4

16,7

33,3

33,3

14,3

👎

13 - A educação inclusiva é uma boa ideia.

4,3

0,8

0,0

2,4

16,7

28,6

52,4

👍

14 - A educação inclusiva deve substituir a educação que separa os alunos deficientes dos demais.

3,6

1,3

9,5

11,9

19,1

31,0

28,6

👍

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Figura 2 – Valores médios correspondentes à Tabela 4

Figura 2.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

O terceiro bloco de afirmações visa identificar a percepção dos professores no que diz respeito à relação entre lecionar para estudantes com deficiência visual e estudantes com outras deficiências, tendo como resultados gerais (M=3,30; s=0,42), o que indica uma neutralidade tendendo para a concordância. Essa concordância fica mais explícita ao se analisar o resultado das respostas para cada afirmação. Houve concordância com as afirmações 15 e 17, indicando que os respondentes concordam que os estudantes com deficiência se beneficiarão com ensino inclusivo, sobretudo os estudantes com deficiência visual.

Entendemos que qualquer comparação entre tipos de deficiência viola os princípios fundamentais da inclusão, já que essas diferenças servem apenas à concepção médica da deficiência. Logo, a análise dos resultados deste bloco de questões é muito importante pois nos ajuda a avaliar se os professores compreendem a inclusão como fundamentada no modelo social. E, de fato, analisando as respostas, como será visto a seguir, podemos verificar uma concordância com os princípios da inclusão, ainda que não teoricamente fundamentada.

Da mesma forma que fizemos com outras afirmações já citadas, invertemos a numeração do escore da afirmação 16, já que, ao afirmar que gostaria mais de trabalhar com determinados estudantes, o professor está contrariando um dos princípios fundamentais da inclusão, que é o direito de acesso plural, independentemente do tipo de deficiência. O resultado encontrado indica uma leve tendência de discordância por parte dos professores de que seria melhor atender a estudantes com deficiência motora do que visual, o que é uma percepção positiva para a inclusão. Essa ausência de preferência fica ainda mais caracterizada na afirmação 18, onde as respostas tenderam para a neutralidade, indicando que não são só os estudantes com transtornos emocionais que se beneficiariam com o ensino inclusivo. O mesmo pode ainda ser constatado na afirmação 19, onde os professores discordaram da afirmação que os estudantes com deficiência visual seriam mais facilmente atendidos do que estudantes com outros tipos de deficiências. Os resultados aparecem na Tabela V e Fig. 3.

Tabela 5 – Este terceiro conjunto de afirmações refere-se à percepção dos professores sobre os tipos de deficiências

Afirmação

M

s

DF

(%)

D

(%)

N

(%)

C

(%)

CF

(%)

Percepção

15 – Todos os estudantes com deficiência podem se beneficiar da educação inclusiva.

3,7

1,1

2,4

11,9

23,8

33,3

28,6

👍

16 – Eu gostaria mais de ensinar aos alunos com deficiências físicas motoras do que aqueles com deficiências sensoriais, como é o caso de estudantes com deficiência visual.

3,4

1,1

16,7

23,8

45,2

7,1

7,1

👍

17 – Estudantes com deficiência visual serão beneficiados com a inclusão.

4,0

0,8

0,0

4,7

21,4

45,2

28,6

👍

18 – Estudantes com transtornos emocionais são mais facilmente atendidos em escolas inclusivas.

3,0

0,9

9,5

9,5

54,7

26,1

0,0

19 – Alunos com deficiência visual são mais facilmente atendidos do que outras deficiências.

2,5

0,8

16,7

23,8

54,7

4,7

0,0

👎

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Figura 3 – Valores médios correspondentes à Tabela 5

Figura 3.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

No último bloco, é levantada a percepção dos professores sobre os apoios institucionais disponíveis para sua atividade de docência. O resultado geral obtido foi (M=3,32; s=0,68), o que também indica uma posição de neutralidade, caminhando para a concordância. Os professores concordaram com as afirmações 23 e 24, o que indica que reconhecem a necessidade de investimentos para que se possa pensar em inclusão, além da necessidade do diálogo com um apoio especializado, o que é muito importante para o sucesso do ensino inclusivo. Os professores não concordaram com as afirmações 20 e 22 o que mostra que as instituições, de um modo geral, não estão preparadas para receber um estudante com deficiência, não podendo, assim, prestar auxílio para os professores. Já a afirmação 21, que indica a presença de professores da educação especial na instituição onde trabalham, obteve uma percepção neutra. O resultado é visto na Tabela VI e Fig. 4.

Tabela 6 – Este último conjunto de afirmações refere-se à percepção dos professores sobre os apoios recebidos tanto de recursos como de profissionais especializados

Afirmação

M

s

DF

(%)

D

(%)

N

(%)

C

(%)

CF

(%)

Percepção

20 - A instituição onde trabalho possui uma sala de recursos.

2,4

1,5

42,9

14,3

11,9

21,4

9,5

👎

21 - Existem professores da educação especial na minha instituição.

2,9

1,4

21,4

23,8

16,7

21,4

16,7

22 - As aulas recebem apoio adequado da instituição onde trabalho.

2,4

1,3

33,3

19,1

31,0

9,5

7,1

👎

23 - A falta de investimento em recursos afeta a inclusão de alunos com deficiência visual.

4,5

0,6

0,0

0,0

7,1

38,1

54,8

👍

24 - É necessária uma colaboração dialógica entre as aulas e o apoio oferecido pelos profissionais de suporte.

4,5

0,6

0,0

0,0

4,8

42,9

52,4

👍

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Figura 4 – Valores médios correspondentes à Tabela 6

Figura 4.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

 

Diferença entre as percepções das professoras e dos professores

A realização do Teste t, que pode ser vista no Quadro 1, foi realizada para testar a hipótese (1), de que não há diferenças entre as percepções dos professores e das professoras. Para tanto, fizemos uso do programa Excel. Foram ao todo 14 professoras e 28 professores e fixamos o nosso nível de significância em a=0,05. A média para as professoras foi de 3,23 e para os professores de 3,10, portanto, valores muito próximos. O resultado para o valor da estatística do teste ficou em Stat t=1,07. Podemos fazer algumas análises para verificar se a hipótese deve ser confirmada ou rejeitada. Se olharmos o resultado encontrado para o valor de prova, P uni-caudal=0,144, observamos que é maior que o valor que escolhemos para o nível de significância (a=0,05), que seria o nosso erro, o que indica que devemos aceitar a hipótese. Obteremos o mesmo resultado se compararmos a a=0,05 com o P bi-caudal=0,28. O mesmo resultado também pode ser constatado através da análise limite delimitado pelo t crítico uni-caudal=1,68, já que o Stat t=1,07 é um valor inferior, encontrando-se dentro da região onde a chance de concordância é de 95%. Ainda, podemos analisar o t crítico bi-caudal=2,02, que impõe dois limites que vão de -2,02 e 2,02. Observamos que Stat t=1,07 encontra-se dentro desse limite. Todas essas análises nos fazem concluir que a hipótese (1) foi confirmada, ou seja, não podemos afirmar que haja diferença entre as percepções das professoras e dos professores.

Quadro 1 – Teste t para analisar a relação entre a percepção das professoras e dos professores

 

Professoras

Professores

 

Variável 1

Variável 2

Média

3,23

3,11

Variância

0,14

0,13

Observações

14

28

Variância agrupada

0,13

Hipótese da diferença de média

0

gl

40

Stat t

1,075

P(T<=t) uni-caudal

0,14

t crítico uni-caudal

1,68

P(T<=t) bi-caudal

0,29

t crítico bi-caudal

2,021

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Diferença entre as percepções dos professores de instituições públicas e privadas

O Quadro 2 traz o resultado obtido para o Teste t realizado a fim de compararmos as percepções dos professores que lecionam em instituições públicas com os que lecionam em instituições privadas. Da nossa amostra de 42 professores, 32 trabalham em instituições públicas e 10 em instituições privadas. A média entre esses dois grupos também ficou muito próxima, 3,12 para os professores de instituições públicas e 3,23 para os professores de instituições privadas. Também podemos analisar e concluir a aceitação se comparamos o valor Stat t=-0,85 encontrado, tanto com o valor de t crítico uni-caudal=1,68, quanto para o t crítico bi-caudal=2,02. Logo, não podemos rejeitar nossa hipótese (2), ou seja, não há diferenças entre as percepções dos professores de instituições públicas e privadas.

Quadro 2 – Teste t para analisar a relação entre a percepção dos professores de instituições públicas e privadas

 

Pública

Privada

 

Variável 1

Variável 2

Média

3,12

3,23

Variância

0,11

0,19

Observações

32

10

Variância agrupada

0,13

Hipótese da diferença de média

0

gl

40

Stat t

-0,858

P(T<=t) uni-caudal

0,20

t crítico uni-caudal

1,68

P(T<=t) bi-caudal

0,40

t crítico bi-caudal

2,02

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Diferença entre as percepções dos professores de Ensino Médio e Ensino Superior

O resultado do teste t para a comparação entre as percepções dos professores que lecionam no Ensino Médio e no Ensino Superior, pode ser observado no Quadro 3. Dos 42 professores, 24 lecionam no Ensino Médio e 18 no Ensino Superior, com médias, respectivas, de 3,19 e 3,02. Trabalhamos, novamente, como o mesmo nível de significância a=0,05, que quando comparado com os valores obtidos para P uni-caudal= 0,178 e para o P bi-caudal= 0,357 indicam aceitação. O valor de Stat t=0,931 também passa nos testes uni-caudal (t crítico uni-caudal=1,68) e bi-caudal (t crítico bi-caudal=2,02). Logo, não podemos rejeitar nossa hipótese (3) de que não há diferenças entre as percepções dos professores que lecionam no Ensino Médio e os professores que lecionam do Ensino Superior.

Quadro 3 – Teste t para analisar a relação entre a percepção dos professores de Ensino Médio e Ensino Superior

 

E. Médio

E. Superior

 

Variável 1

Variável 2

Média

3,19

3,09

Variância

0,13

0,13

Observações

24

18

Variância agrupada

0,13

Hipótese da diferença de média

0

gl

40

Stat t

0,93

P(T<=t) uni-caudal

0,18

t crítico uni-caudal

1,684

P(T<=t) bi-caudal

0,357

t crítico bi-caudal

2,02

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Diferença entre as percepções dos professores da nossa amostra e da amostra dos professores de Gana

Desta vez, iremos comparar nossa amostra de 42 professores de Física com a amostra do artigo formada por 110 professores universitários de áreas diversas em três universidades de Gana (Mamah et al, 2011), a fim de verificar, como foi apresentado na hipótese de pesquisa 4, a correlação entre as percepções de um grupo restrito a professores de Física, com todas as especificidades desta área do conhecimento, como já foi dito, em relação a um grupo mais heterogêneo de professores, como é o caso da pesquisa feita em Gana.

Apesar de não possuirmos as médias obtidas por professor, na pesquisa de Gana, para comparar com a nossa amostra, conseguimos obter, através dos dados fornecidos no artigo, a média e desvio padrão gerais para os 110 professores de Gana. Com esse resultado, podemos aplicar mais um Teste t a fim de testar a hipótese 4, de que haveria diferença de percepção entre os professores de Física da nossa amostra com os professores universitários de Gana. As médias e desvios padrão para os professores da nossa amostra e os professores de Gana são, respectivamente, (M=2,74; s=0,38) e (M=3,4; s=0,4), representando valores sensivelmente distantes. Prosseguindo o Teste t, desta vez feito manualmente, encontramos o Stat t=8,94. Consultando a tabela de distribuição t student, observamos que para uma quantidade de graus de liberdade (gl=150), o nosso resultado é confirmado com um nível de significância a superior a 99%, já que, pela tabela, para graus de liberdade acima de 120, o valor de t crítico bi-caudal=2,576. Portanto, o valor Stat t=8,94 está bem afastado do intervalo entre -2,576 e 2,576, observado para o t crítico bi-caudal. Ou seja, a hipótese (4), de que há diferença entre a percepção dos professores da nossa amostra com os professores de Gana foi confirmada.

Discussões e conclusão

Nossa amostra apresenta professores com as mais diversas faixas etárias, sendo um grande predomínio de profissionais com idade entre 31 a 40 anos. A experiência profissional desse grupo de professores se situa entre as faixas de até 20 anos de experiência, sendo um pequeno predomínio na faixa de até 10 anos de experiência. Com relação ao nível de ensino há um equilíbrio com um pequeno predomínio para o quantitativo de professores do Ensino Médio em relação os professores que lecionam no Ensino Superior. E, por fim, temos um grande predomínio de professores que trabalham em instituições públicas, cerca de três quartos, para um quarto de professores que lecionam em Instituições privadas.

Nossa pesquisa encontrou resultados gerais próximos da neutralidade, com uma leve tendência para a concordância com as afirmações. Com relação ao primeiro bloco de afirmações que visa compreender as percepções gerais dos professores sobre o ensino para estudantes com deficiência visual, percebemos claramente que os professores não se sentem preparados para lecionar para estes estudantes, já que metade das afirmações obtiveram escore negativo, uma neutra e apenas duas atingiram a concordância, indicando que, ao menos, os professores já leram a respeito e indicaram ter conhecimento do ensino inclusivo, embora reconheçam não ter habilidades, preparo e formação específica para ensinar a alunos com deficiência. Isso remete a dois aspectos: a formação do professor e a ausência de experiência com o ensino para esse público. Com relação à falta de experiência dos professores com estudantes com deficiência visual, uma das análises possíveis é que estes estudantes, de um modo geral, não estão cursando o Ensino Médio e Superior, ou, em muitos casos, escolhendo apenas algumas instituições que possuem um histórico de atendimento a estudantes com deficiência visual, o que, concordando com Rule et al (2011), é um indicativo da exclusão desses estudantes, principalmente no Ensino Superior. Já em relação à formação docente, inicial e continuada, alguns autores, como Forlin et al (2011), defendem que deva haver, principalmente na formação inicial, um preparo para que os professores possam ter um primeiro contato com o ensino inclusivo e sua pedagogia a fim de se desenvolverem nesse aspecto da formação, compreendendo a necessidade do apoio à filosofia inclusiva.

No segundo bloco de afirmações que trata da percepção dos professores sobre o conceito de inclusão, é possível perceber um aumento na concordância em relação ao primeiro bloco de afirmações, indicando uma percepção positivada em nossa amostra. Olhando para o percentual de cada afirmação, podemos concluir que este grupo de professores tem uma percepção positiva em relação à inclusão, o que pode ser visto pela avaliação positiva para sete das oito afirmações e negativa apenas em uma. Vale destacar que o maior escore atingido, entre todas as 24 afirmações, foi a afirmação 9 de que ensinar para estudantes com deficiência visual exige diferentes técnicas. Esses resultados são especialmente importantes, pois mostram que esses professores, apesar de não se sentirem preparados para o ensino inclusivo, como foi visto no primeiro bloco de afirmações, talvez por nunca terem recebido um estudante com deficiência visual, sabem da sua responsabilidade de atendimento a esses estudantes e concordam que esse atendimento precisa ocorrer. Os resultados das demais afirmações deste bloco corroboram esse pensamento de concordância com o ensino inclusivo. Como as chances de sucesso dos estudantes com deficiência são impactadas diretamente pelas atitudes dos professores com relação à inclusão (Rombo, 2006; Rule et al, 2011), perceber que os professores que participaram dessa pesquisa concordam com o ensino inclusivo pode ser um sopro de esperança para que esse ensino possa ser disseminado como uma grande oportunidade para a justiça social. Outro resultado importante deste bloco de afirmações foi atingido na afirmação 9, em que quase 60% dos professores responderam que concordam fortemente que ensinar para estudantes com deficiência visual exige diferentes técnicas, maior percentual atingindo para essa opção de resposta na escala LIKERT entre todas as 24 afirmações, o que mostra que os professores sabem que há necessidade de preparo para que possam atender a esses estudantes.

O terceiro bloco de afirmações trata da percepção dos professores sobre a relação entre lecionar para estudantes com deficiência visual ou outras deficiências. A neutralidade no bloco de questões pode indicar, como visto anteriormente, a falta de experiência desses professores com o ensino inclusivo. Ainda assim, as afirmações 15 e 17, onde dizem que os estudantes com deficiência em geral e com deficiência visual se beneficiarão com o ensino inclusivo, tecnicamente obtiveram concordância para esse grupo de professores, o que indica, mais uma vez, o apoio desses professores ao fundamento do ensino inclusivo, resultados semelhantes aos que foram encontrados em Young et al (2017), embora o fato de concordarem não represente, na prática, talvez até em razão das questões que serão vistas a seguir, que o ensino inclusivo vá ser implementado de fato.

O último bloco de afirmações trata da percepção dos professores sobre os apoios recebidos de profissionais e recursos em suas aulas. Ainda que o resultado geral também apresente uma neutralidade, analisando individualmente as afirmações percebemos um problema que atinge diretamente a possibilidade de inclusão. Apesar deste trabalho focar no ensino inclusivo de estudantes com deficiência visual, este bloco de afirmações trata do tema inclusão de forma genérica. Considerando que muitas deficiências não são aparentes e fáceis de serem verificadas pelo professor, é desanimador observar que as instituições não estão preparadas para apoiar os professores, como poder ser constatado na discordância das afirmações 20 e 22.

A leve discordância tendendo à neutralidade na afirmação 21 indica que não está havendo um apoio de professores da educação especializada, que ajudaria a impulsionar o desenvolvimento dos estudantes com deficiência (Mantoan, 2015; Evans et al, 2017).

Por outro lado, as afirmações 23 e 24 atingiram um nível de concordância muito elevando o que indica que os professores reconhecem um dos maiores obstáculos à inclusão, o apoio prestado pela instituição para suas aulas. Com recursos e apoio os professores passam a se sentir mais preparados para o ensino inclusivo e, com isso, os resultados no desempenho desses estudantes passam a ser comparáveis aos demais (Rule et al, 2011), ainda que precisem de mais tempo para realizar as atividades, explorar os materiais e processar as informações (Young et al, 2017; Toenders et al, 2017; Mandi, 2018). Os professores também precisam de mais tempo para preparar essas atividades, portanto, levar em conta esse preparo de atividades específicas como carga horária docente é fundamental (Rombo, 2006).

Podemos, a partir desse momento, confrontar os resultados que obtivemos com a pesquisa com os professores de Gana. No primeiro bloco de afirmações, a percepção geral dos professores sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual atingiu uma média de 2,4 e s = 0,56 no artigo de Gana e 2,35 com um s = 0,67 na nossa pesquisa (para essa relação utilizamos a equação 1 convertendo nossa escala na escala usada no artigo (Mamah, 2011)2. Estes resultados são muito semelhantes o que indica que ambos os grupos de professores percebem negativamente sua preparação para lecionar para estudantes com deficiência visual.

No segundo bloco de afirmações, os professores de Gana perceberam positivamente o conceito de inclusão com uma média de 3,05 e s =0,56, muito próximo do resultado que encontramos em nossa pesquisa 3,04 e s =0,53.

O resultado para o terceiro bloco de perguntas que obteve uma média de 3,036 e s = 0,188 para o resultado em Gana e 2,73 e s = 0,31 para a presente pesquisa, em se tratando da percepção dos professores sobre a relação entre o ensino para estudantes com deficiência visual e outras deficiências. O que indica que a percepção dos professores de Grana é mais positiva sobre esse tema do que a percepção dos professores que entrevistamos. A percepção tende a se acentuar à medida em que o professor participa ou acompanha o ensino inclusivo em sua instituição e, como vimos através das respostas ao primeiro bloco de perguntas, os professores que entrevistamos têm pouca experiência com o ensino inclusivo. O contrário dos professores de Gana que foram escolhidos pois as universidades onde trabalham são reconhecidas por possuírem, em seu corpo discente, muitos alunos com deficiência.

O quarto bloco de afirmações, que trata da percepção dos professores sobre o suporte de recursos e profissionais em suas aulas, obteve uma média de 2,94 e s =0,412 para os professores de Gana e média de 2,74 e s =0,51 para a nossa pesquisa. Além da percepção geral ser positiva somente para os professores de Gana, sendo negativa para a nossa amostra, percebe-se, naquele país, que 60% dos professores concordaram fortemente com as afirmações de que em sua instituição há uma sala de recursos e professores especializados apoiando o seu trabalho docente. Já nossa amostra indicou discordância em relação à percepção acerca dessas duas afirmações.

Em relação à primeira hipótese que formulamos, de que não havia relação entre as percepções dos professores e a percepção das professoras, houve a confirmação desta hipótese através do Teste t. No caso dos professores entrevistados em Mamah et al (2011), que também fez uso desta mesma hipótese, ao contrário, foi encontrada uma percepção significativamente mais positiva em relação à percepção das professoras. Nas hipóteses (2) e (3) também não encontramos diferenças entre as percepções dos professores. Já em relação à nossa hipótese (4), de acordo com o que foi discutido com mais detalhes acima, há uma diferença significativa entre as percepções dos professores de Gana e os professores que entrevistamos.

Por fim, gostaríamos de destacar que apesar do artigo de Mamah et al (2011) ter sido fundamental para nossa pesquisa, encontramos alguns problemas com a análise dos seus dados. Uma das questões foi avaliar positivamente algumas afirmações que são, ao nosso ver, contrárias aos preceitos do ensino inclusivo, como é o caso das afirmações 8, 10, 11, 12 e 16. Por isso, procuramos, nos nossos dados, inverter as pontuações destas afirmações, trazendo maior confiabilidade nos resultados. Um ponto pode ser visto na afirmação 10 que ficaria com um escore médio de 2, indicando uma percepção negativa, quando, na verdade, os professores estão rejeitando a afirmação de que ensinar a alunos com deficiência visual prejudicaria o ensino e aprendizagem dos demais alunos, o que é positivo para a defesa do ensino inclusivo. Outro ponto é a falta de clareza com relação às pontuações definidas como limites para que uma percepção pudesse ser avaliada como positiva ou negativa, que exigiu um exercício muito grande para que pudéssemos compreender e que esperamos ter deixado um pouco mais claro em nosso trabalho.

Em síntese, este trabalho, embora inspirado em pesquisas anteriores, diferentemente das referências encontradas, focalizou o ponto de vista apenas de professores de Física a fim de dar ouvidos às suas percepções no que tange o ensino de Física para estudantes com deficiência visual, ainda que este docente nunca tenha tido experiência anterior com o ensino inclusivo. Por se tratar de uma pesquisa quantitativa, buscamos interpretar números em evidências (Moreira, 2011) sobre diversos fatores imperativos para um ensino inclusivo. Concluímos que, embora os professores reconheçam não ter formação específica e experiência com inclusão, possuem pensamentos que convergem para o ensino inclusivo, ainda que apontem as dificuldades por falta de apoio em suas aulas, seja pela ausência de uma sala de recursos, apoio para a elaboração das aulas por profissionais com experiência em inclusão ou falta de recursos em geral. Esse resultado é muito importante pois implica diretamente na qualidade do trabalho deste profissional, que irá refletir diretamente na formação dos estudantes com deficiência visual e no panorama que já é observado pela falta de interesse desse grupo de estudantes pela área da Física. Primordial para que se destine olhares e recursos provindos de políticas públicas que possam dar conta de formar professores, equalização recursos financeiros, profissionais especializados e, fundamentalmente, esclarecimento e conscientização para que o cidadão possa cobrar um ensino de qualidade.

Implicações e Recomendações

O artigo de Mamah et al (2011) traz uma recomendação de que se analise periodicamente as percepções dos professores em relação à educação inclusiva. Concordamos que isso deva ser feito e acrescentamos a necessidade de se investigar também as percepções de outras peças fundamentais para que o processo de inclusão possa ocorrer, como a coordenação e direção das instituições e, por que não, as comissões políticas que tratam do tema inclusão, dentro das secretarias municipais, estaduais e até ministeriais. Sobretudo é preciso ouvir os estudantes com deficiências, seus responsáveis e os movimentos que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência.

Dentro de uma das faces do processo oposto à exclusão, a fim de produzir dados mais específicos sobre uma complexa questão ligada ao ensino, analisamos as percepções dos professores de Física sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual. Mas há outras frentes a se pesquisar pois cada área, como a Matemática, a Química, a Biologia, por exemplo, pode trazer novas visões sobre o processo, necessitando serem investigadas.

Acreditamos que quanto mais pesquisas, mais pessoas envolvidas, mais a inclusão será difundida e aceita. Entendemos que quando o professor se permite uma pausa para responder a um questionário ou conceder uma entrevista a respeito das suas percepções sobre a inclusão, preferencialmente guiado por um protocolo de entrevista com o que aqui foi usado, esse professor, invariavelmente, com o mínimo de sensibilidade, não sai do processo exatamente igual a forma com que entrou. Sua visão tende a mudar, ainda que de modo pouco significativo e fugaz, mas, em alguns casos, pode despertar seu interesse em se aprofundar um pouco mais sobre o tema. Talvez isso também mereça uma análise através de uma segunda entrevista, em um tempo futuro, com o mesmo professor ou a mesma amostra. Portanto, acreditamos e concordamos com Mamah et al (2011), de que é importante replicar pesquisas sobre esse tema.

As pesquisas são muito importantes, mas elas precisam se concretizar em ações. As pesquisas precisam ser utilizadas a fim de ajudar a pautar as decisões dos entes federativos e da União, em não se manterem apenas como provedores legislativos, mas como fiscalizadores e provedores do processo de inclusão, já que sem recursos e cobrança, o movimento tende à inércia e o caminho mais cômodo que é manter as coisas como estão, ou seja, a manutenção do processo de exclusão.

Limitações e pesquisas futuras

Entre as limitações da nossa pesquisa podemos citar o número reduzido de participantes, apenas 42 professores de Física. Outro ponto que vale destaque foi a aplicação do questionário por formulário do Google Meet encaminhado por meio eletrônico que permitiu ao professor responder no seu tempo, o que pode reduzir significativamente a espontaneidade em suas respostas, mas que, por conta das restrições impostas pela pandemia do COVID-19, não pôde ser feita pessoalmente.

Portanto, como pesquisas futuras, pode-se ampliar o número de entrevistados e buscar formular outro protocolo de entrevista que permita analisar outras percepções dos professores em relação à inclusão. Entrevistar professores que lecionam outras disciplinas, como a Matemática, a Química e a Biologia. Verificar se há relação entre as percepções destes vários grupos de professores e em relação à professores de outras áreas, como as de línguas e das Ciências Sociais.

Referências

BOGDAM, R.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos, Porto Ed., Porto, 1994.

BRASIL, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em 28 de janeiro de 2021.

CAPELLI, J. C. S.; DI BLASI, F., DUTRA, F. B. S. Professors’ Perception Of The Entry Of A Deaf Student Into A University Campus. Rev. Bras. Ed. Esp., Bauru, v.26, n.1, p.85-108, 2020. 

CHINER, E.; CARDONA, M. C. Inclusive education in Spain: how do skills, resources, and supports affect regular education teachers’ perceptions of inclusion? International Journal of Inclusive Education, 17:5, 526-541, 2013.  DOI: 10.1080/13603116.2012.689864.

DENZIN, N. K.; LINCOLN Y.S.; CHASE, S.E. Narrative inquiry: Still a field in the making. In The Sage Handbook of Qualitative Research, 5th ed., Eds.; Sage Publications: Thousand Oaks, CA, USA, 2011; p. 599–630, 2018.

EVANS, N. J.; BROIDO, E. M.; BROWN, K. R.; WILKE, A. K. Create campus environments that support students with impairments. Disability Compliance for Higher Education. Successful Strategies for Accommodating Students and Staff with Disabilities. vol. 22, Issue 11, 2017.

FORLIN, C.; EARLE, C.; LOREMAN, T.; SHARMA, U. The Sentiments, Attitudes, and Concerns about Inclusive Education Revised (SACIE-R) Scale for Measuring Pre-Service Teachers’ Perceptions about Inclusion. Exceptionality Education International, 21, 50-65, 2011. Retrieved from: https://ir.lib.uwo.ca/eei/vol21/ iss3/5.

GASPAR, A. Atividades experimentais no ensino de física: uma nova visão baseada na teoria de Vigotski. Editora Livraria da Física, São Paulo, p. 209, 2014.

KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais. Tradução de H. M. Rotundo. São Paulo e Brasília: EPU-EDUSP e INEP. p. 3, 1980.

LEATHERMAN, J. M. “I Just See All Children as Children”: Teachers’ Perceptions About Inclusion. The Qualitative Report, 12(4), 594-611, 2007.  Retrieved from: https://nsuworks.nova.edu/tqr/vol12/iss4/5.

MAINDI, A. B. Challenges faced by students with visual impairments when learning physics in regular secondary schools. International Journal of Education, 6(9), 38-50, 2018.

MAMAH, V.; DEKU, P.; DARLING, S. M.; AVOKE, S. K. University teachers’ perception of inclusion of visually impaired in ghanaian universities. International Journal of Special Education, 26(1), 70-79, 2011.

MANTOAN, M. T. E. Inclusão Promove a Justiça, Nova Escola, Prática Pedagógica. 2005. Retrieved from: https://novaescola.org.br/conteudo/902/inclusao-promove-a-justica.

MOREIRA, M. A. Metodologias de Pesquisa em Ensino. Livraria da Física. São Paulo, SP. p. 18, 2011.

ROMBO, J. L. Inclusive education: policies, teachers' attitudes and perspectives. Contemporary PNG Studies, vol. 5, p. 29-44, 2006.  Retrieved from: https://go.gale.com/ps/anonymous?id=GALE%7CA179978526&sid=googleScholar&v=2.1&it=r&linkaccess=abs&issn=18140351&p=AONE&sw=w.

RULE, A. C.; STEFANICH, G. P.; BOODY, R.; PEIFFER, B. Impact of Adaptive Materials on Teachers and their Students with Visual Impairments in Secondary Science and Mathematics Classes. International Journal of Science Education, 33(6), 865-887, 2011.

SAM, K.-L.; HO, F.-C.; LAM, S. C.. Perception of teachers towards inclusive education (PTIE): an investigation on scale construct and item calibration. International Journal of Culture and History, 1(1), 54-62, 2015.

SASSAKI, R. K. Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusão – Parte 1. Revista Nacional de Reabilitação, n. 57, 8-16, 2007.

SEIFRIED, S.; HEYL, V. Konstruktion und Validierung eines Einstellungsfragebogens zu Inklusion für Lehrkräfte (EFI-L). Empirische Sonderpädagogik, n. 1, p. 22-35, 2016.

SILVEIRA, M.V.; BARTHEM, R.B.; SANTOS, A.C.F. Proposta didático experimental para o ensino inclusivo de ondas no ensino médio, Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 41. p. e20180084, 2018.

SHAKESPEARE, T. The Social Model of Disability. The disability studies reader/edited by Lennard J. Davis. 2nd ed. Taylor & Francis Group. p.197-204; 2006.

TOENDERS, F.G.C.; PUTTER-SMITS, L.G.A.; SANDERS, W.T.M.; BROK, P. Analysing the physics learning environment of visually impaired students in high schools. Physics Education, 52, 1-8, 2017.

VAN STEEN, T.; WILSON, C. Individual and cultural factors in teachers’ attitudes towards inclusion: A meta-analysis, Teaching and Teacher Education, vol. 95, p. 1-13, 2020.

VELLOSO, M.; ARANA, M.; ACIOLY, V.; SANTOS, A.C.F. Abordagem da Lei de Ohm para Estudantes com Deficiência Visual no Ensino Superior, Latin-American Journal of Physics Education, vol.15, p. 1310-1 a 1310-14. 2021.

VELLOSO, M.; ARANA, M.; ACIOLY, V.; SANTOS, A.C.F. Hands-on electricity remote teaching to a blind student during pandemic of 2020, Physics Education, v. 56, p. 055027, 2021b.

VELLOSO, M.; SANTOS, A.C.F.; AMORIM, H. S. O ensino de Física e a deficiência visual: uma pesquisa sobre os desafios e uma proposta de ensino remoto emergencial de Laboratório de Eletromagnetismo para um estudante cego de Engenharia, durante a pandemia de 2020, Tese de Doutorado, PEMAT - Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021c.

VERASZTO, E. V.; CAMARGO, E. P.; CAMARGO, J. T. F.; SIMON, F. O.; YAMAGUTI, M. X.; SOUZA, A. M. M. de. Conceitualização em ciências por cegos congênitos: um estudo com professores e alunos do ensino médio regular, Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 17, Nº 3, 540-563, 2018.

VILLANUEVA I.; DI STEFANO, M. Narrative inquiry on the teaching of stem to blind high school students. Education Sciences, 7(4), 89, 2017. Retrieved from: https://www.mdpi.com/2227-7102/7/4/89.

VILLEGAS, T. Inclusion, exclusion, segregation and integration: how are they different? The Official Blog of Maryland Coalition for Inclusive Education. 2017. Retrieved from: https://www.thinkinclusive.us/inclusion-exclusion-segregation-integration-different/.

YOUNG, K.; MCNAMARA, P. M.; COUGHLAN, B. Authentic inclusion-utopian thinking? – Irish post-primary teachers' perspectives of inclusive education. Teaching and Teacher Education, 68, 1-11, 2017.

Notas

1 ONU (Organização das Nações Unidas) - Normas Sobre Equiparação De Oportunidades – Resolução nº48/96, de 20/12/93.

2 A escala usada pelo artigo com os professores de Gana vai de 1 a 4 e eles consideraram uma percepção positiva a partir de 3. Portanto, usaremos o mesmo critério para comparação.

 

 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)