http://dx.doi.org/10.5902/1984686X66514

O Trabalho Pedagógico do Segundo Professor de Turma da Educação Especial: um estudo das influências no seu decurso profissional

The Pedagogical Work of the Second Class Teacher of Special Education: a study of the influences in his professional course

El trabajo pedagógico del segundo maestro de aula de educación especial: un estudio de las influencias en su trayectoria profesional

Jeferson Andrade

Mestrando da Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC, Brasil

E-mail: jefeandrade13@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9157-5990

Aliciene Fusca Machado Cordeiro

Professora doutora da Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC, Brasil

E-mail: aliciene_machado@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6778-5285

Recebido em 30 de junho de 2021

Aprovado em 20 de junho de 2022

Publicado em 25 de julho de 2022

RESUMO

A área da educação especial é marcada por constantes lutas por direitos à educação, acessibilidade, e conquistas de qualidade de vida para o público-alvo da educação especial. Portanto, sendo o espaço escolar um dos privilegiados para a inclusão educacional desses sujeitos. Dessa forma, esta pesquisa objetiva identificar aspectos que influenciam a escolha de ações e metodologias educativas pelo segundo professor de turma. Para a construção dos dados  se utilizou a entrevista reflexiva de Szymanki (2011), arcabouço necessário para articular os aspectos metodológicos, levando em consideração seu caráter de construção em conjunto. Para tanto, houve três encontros com as docentes, sendo a partir deles, que foi possível a construção do processo de análise de dados. O tratamento dos dados ancorou-se na análise de conteúdo de Franco (2009), desta forma realizou-se uma separação em categorias, que visam a  discussão das marcas ao decurso profissional e a sua influência no trabalho pedagógico das docentes, a articulação teórica encontrou na Teoria Histórico-cultural o alicerce necessário para  uma análise crítica do que se propõe. Os resultados obtidos apontam para um trabalho  pedagógico carregado de marcas de um decurso histórico caracterizado por perspectivas biologicistas e organicistas, que influenciam o pensar, o estruturar e o manejar as atividades. Esta perspectiva vai ao encontro com um ambiente escolar solitário, um trabalho pedagógico feito muitas vezes de forma desacompanhada e isolada, acarretando consequências ao segundo professor de turma e ao aluno público-alvo da educação especial.

Palavras-chave: Educação Especial; Trabalho Docente; Psicologia Educacional; Psicologia Escolar; Teoria Histórico Cultural.

ABSTRACT

The area of special education is known for its constant fight over educational rights, inclusiveness and better quality of life for it’s public. Considering it as one of the responsibles for the integration of these individuals, this research aims to identify aspects that influence the classes’ assistant teacher when choosing their approach and methodology. The data search was conducted using the concept of “entrevista reflexiva”, by Szymanki (2011), in order to develop the methodologic aspects, taking into account it’s characteristics, three meetings with teachers were conducted, which provided the data for the analysis, which was done following the concept of Franco (2009). Thereby, a categorization was made in order to discuss the professional path and its influence on the teacher’s pedagogical point of view, using the historical cultural theory for the analysis. The gathered data leads to a teaching attitude marked by a biological history, which influences the teachers’ thought process, as well as their approach in class. This perspective ends up creating a lonely school environment, impacting on na unsupervised development of the classes’ assistant teacher, leading to several consequences to themselves, as well as the students

Keywords: Special Education; Pedagogical Work; Educational Psychology; School Psychology; Historical Cultural Theory.

RESUMEN

El ámbito de la educación especial está marcado por las constantes luchas por los derechos a la educación, la accesibilidad y los logros de la calidad de vida de los destinatarios de la educación especial. Por lo tanto, siendo la escuela uno de los espacios privilegiados para la inclusión educativa de estos sujetos, esta investigación pretende identificar los aspectos que influyen en la elección de acciones y metodologías educativas por parte del segundo profesor de la clase. Para la construcción de datos, se utilizó la entrevista reflexiva de Szymanki (2011) como marco necesario para articular los aspectos metodológicos, teniendo en cuenta su carácter de construcción conjunta. Para ello, se realizaron tres reuniones con los profesores, y a partir de ellas se pudo construir el proceso de análisis de datos. El tratamiento de los datos se ancló en el análisis de contenido de Franco (2009), por lo que se realizó una separación en categorías, que tuvo como objetivo discutir las marcas al curso profesional y su influencia en el trabajo pedagógico de los profesores, la articulación teórica que se encuentra en la Teoría Histórico-Cultural, la base necesaria para un análisis crítico de lo que se propone. Los resultados obtenidos apuntan a un trabajo pedagógico cargado de marcas de un curso histórico caracterizado por perspectivas biológicas y organicistas, que influyen en el pensamiento, la estructuración y la gestión de las actividades. Esta perspectiva se encuentra con un entorno escolar solitario, un trabajo pedagógico que a menudo se realiza de forma no acompañada y aislada, trayendo consecuencias para el profesor de segunda clase y para el alumno objetivo de la educación especial.

Palabras clave: Educación Especial; Trabajo Docente; Psicología Educativa; Psicología Escolar; Teoría Histórico Cultural.

Introdução

Vigotski (1997) defende um desenvolvimento potente para todos os sujeitos, entendendo que todos, quando possibilitados e mediados, irão ter acesso ao conhecimento que os constituirá como seres histórico-culturais. O autor ainda prossegue ao postular que a limitação da deficiência não é biológica, mas sim social, logo suas consequências são criadas coletivamente, por uma sociedade que se pauta em ritmos e aprendizagem a partir de um padrão de normalidade.

A vista disso, busca-se uma discussão para fundamentar as ações do trabalho pedagógico que estejam em consonância com postulados de Moraes (2008) e Saviani (2011). Se antes foi pensado em uma estrutura de planejamento, ações e metodologias educativas, aqui recorre-se a Vigotski (1997) e a Gasparin (2015) para pensar o contexto educacional, a superação e as atividades educativas.

Ensinar um sujeito com deficiência não significa que se irá atenuar ou liquidar com as dificuldades, mas sim direcionar a ação para tarefas e atividades construídas a partir de um processo no qual o professor e aluno são coautores e juntos devem descobrir os melhores caminhos para a construção da atividade educativa. (VIGOTSKI, 1997; GASPARIN, 2015)

A observação é um dos primeiros passos para pensar o trabalho pedagógico, entretanto deve-se destacar outros aspectos como o planejamento, a intencionalidade pedagógica, as tentativas, os erros e os diálogos. Há de se testar as atividades novas, criadas para os alunos, o erro, nessa perspectiva, é um indicador do desafio do trabalho, nem sempre significará algo ruim; e o diálogo é o ato de conhecer o aluno, seus conhecimentos e necessidades. Consequentemente, criando no educando a vontade de permanecer na aula e querer aprender os conteúdos selecionados. (VIGOTSKI, 1997, 2010; GASPARIN, 2015).

Enfocando o contexto catarinense, o trabalho educativo pode ser desempenhado por dois professores: o professor regente e o segundo professor de turma (SPT). Sendo esse professor aquele que:

oferece suporte e acompanhamento, nas classes regulares, ao processo de escolarização de estudantes com diagnóstico de deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista e/ou deficiência múltipla, que apresentem comprometimento significativo nas interações sociais e na funcionalidade acadêmica. Esse professor atenderá também estudantes com deficiência física, matriculados nesse espaço, os quais apresentem sérios comprometimentos motores e dependência em atividades de vida prática. (SANTA CATARINA, 2019, p.41)

A política de educação especial (2019), de Santa Catarina vai em seu corpo se ater a uma explicação das atribuições e não atribuições tanto do professor regular, quanto do segundo professor, então por meio desta irá se destacar alguns pontos que podem nortear o trabalho do segundo professor.

As atividades atribuídas ao SPT são delineadas na política por meio da palavra auxílio, a qual aparece algumas vezes dando a entender que este professor não irá assumir o protagonismo da educação da sala, mas sim ser auxiliar nas atividades e processos de ensino aprendizagem dos alunos, neste caso se destaca que são de todos os alunos, não apenas daquele que é público-alvo da educação especial.

Dessa forma, entende-se que os trabalhos desses dois docentes acabam se entrelaçando, quando se refere ao aluno público-alvo da educação especial, caracterizando assim um trabalho colaborativo entre os docentes, que tem como foco uma mesma turma (MICHELUZZI, 2019).

Tendo em vista a defesa por uma atuação crítica, que questiona padrões estabelecidos e normatizados, este estudo tem como objetivo identificar aspectos que influenciam a escolha de ações e metodologias educativas pelo segundo professor de turma. As próximas seções farão um aprofundamento teórico, a fim de entender o trabalho pedagógico, como foi o processo metodológico do presente estudo e apresentação dos resultados.

Trabalho Pedagógico: Um Processo De Construção, Organização E Estruturação Educacional

Buscar entender o trabalho educativo, de quais preceitos se parte, quais são seus objetivos e os conhecimentos relevantes para a sua execução, tornam o processo de ensino uma atividade complexa. Existem diferentes teorias que abordam esse tema, neste estudo, para argumentar sobre a temática, ancora-se nos pressupostos das Teorias Histórico-cultural e Histórico-crítica.

Saviani (2011), ao dissertar sobre o trabalho, o divide em trabalho material e imaterial. Para o autor (2011, p. 12), a educação se encontra no que ele denomina de trabalho imaterial “do qual trata-se da produção de ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades. Numa palavra, trata-se da produção do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, da produção humana”.

Saviani (2011) prossegue dizendo que há duas formas de trabalho imaterial, sendo o primeiro aquele que o produto pode ser separado do seu produtor, como, por exemplo, o livro. Pois, há todo o processo de escrita da narrativa - que inclui os modos de escrita do autor, quais foram suas motivações, lugares que utilizou para desencadear a escrita, entre outras - que são aspectos que quando o livro é publicado não ficam explícitos, pois no produto final ficará contida a narrativa e não como foi seu processo de criação.

A segunda forma é aquela da qual o produtor não pode ser separado do seu produto, usa-se como exemplo a aula, o professor, o aluno, conforme o autor diz:

à educação não se resume ao ensino, é certo, entretanto que ensino é educação, e como tal, participa da natureza própria do fenômeno educativo. Assim, a atividade de ensino, a aula, por exemplo, e alguma coisa que supõe ao mesmo tempo, a presença do professor e a presença do aluno. Ou seja, o ato de dar aula é inseparável da produção do ato de seu consumo. (SAVIANI, 2011, p. 12)

Pode-se afirmar, a partir das palavras do autor, que ao mesmo tempo que o professor planeja suas ações e metodologias educativas, não se pode perder de vista que o aluno estará lá, portanto não deve haver cisão entre os objetivos do professor e a necessidade de o aluno obter o conhecimento.

Assim, cabe ao trabalho educativo produzir nos estudantes a necessidade de se obter o conhecimento, sendo assim um trabalho conjunto, no qual o professor irá se debruçar sobre determinado conteúdo e, segundo Sforni (2008), se utilizar de ações que possam fazer com que este conteúdo adquira um sentido para o aluno, dessa maneira suas ações precisam ser intencionais e diretas, materializando-se nas atividades propostas, pois segundo Saviani (2011), é isto que define um trabalho pedagógico.

Ainda seguindo as ideias de Saviani (2011), pode-se entender a aula como um dos produtos da organização do ensino. Um processo que perpassa a escolha do conhecimento que será trabalhado, passando pelas possibilidades de ações direcionadas que o professor fará com seus alunos e do material.

Moraes (2008) contribui com a discussão sobre o trabalho pedagógico, através de uma estrutura a qual pode ser entendida da seguinte forma: um sujeito que irá desempenhar este trabalho (professor), esse sujeito tem um objetivo e motivos que o levaram a esta organização e planejamento, portanto, as ações seriam a definição de como trabalhar os conhecimentos teóricos e a metodologia seria a escolha dos materiais de apoio.

Para esta pesquisa atenta-se para as ações e metodologias do trabalho que Saviani (2011) defende, isto é, essa escolha do que ensinar e de como ensinar deve-se partir do professor, a partir de uma análise do que, culturalmente falando, é mais importante para aquele aluno se apropriar naquele momento de modo que proporcione ao mesmo acesso aos conhecimentos científicos, históricos e culturais relevantes para formar um pensamento crítico e autônomo.

Com a escolha do conhecimento que irá ser abordado, Franco (2012b) sugere que algumas decisões precisam ser tomadas como, por exemplo, quais os materiais didáticos darão suporte, quais métodos utilizar, qual enfoque teórico pode auxiliar nesta ação. A partir dessas decisões, o professor pode começar a pensar na organização de ações que fará com seus alunos.

Todavia há um aspecto fundamental quando se pensa no trabalho pedagógico: o aluno e a maneira com que esse participa do processo educacional. Vigotski (1997) diz que a observação do aluno com deficiência é relevante ao passo que é na observação que o docente irá conhecer aspectos importantes do seu educando. Podendo, assim, pensar, construir e criar formas para que esse aluno, público-alvo educação especial, deixe de ser um mero consumidor da aula e passe a ser o sujeito para quem as atividades devem ser pensadas, portanto o aluno deverá ser compreendido como um ser de vontade, um ser que quer aprender aquilo que está sendo compartilhado (RIGON, ASBAHR, MORETTI, 2016).

Sendo assim, pensar o trabalho pedagógico é, principalmente, se direcionar para a organização de uma aula: as suas ações, o planejamento, os materiais e o consequentemente como essas escolhas acontecem e o que as influenciam.

Percurso Metodológico

Este estudo é caracterizado como uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório, que visa identificar aspectos que influenciam a escolha de ações e metodologias educativas pelo segundo professor de turma.

Com a aprovação do comitê de ética responsável, do qual emitiu o parecer nº 4.100.345, iniciou-se o processo de execução do projeto. Dessa forma, houve uma estruturação das instâncias competentes, das quais deveria se entrar em contato e se estabeleceu uma ordem de contato.

Por conta da pandemia a maioria das atividades passou a ser mediada por instrumentos de comunicação, neste caso computador e celular. O primeiro passo foi entrar em contato com a Secretaria Regional de Educação Estadual (SED) para que eles pudessem aprovar o projeto. Conseguida a aprovação, a secretaria direcionou duas escolas, que estão localizadas no bairro do pesquisador. A escolha foi direcionada com base em uma proximidade física e pessoal do pesquisador. Pois uma delas, o acesso seria mais simples, afinal já se conhecia o ambiente e a direção.

Após a decisão pela escola, foi feito o primeiro contato com a diretora da instituição através do “WhatsApp” para a explicação do projeto, seus objetivos e como iria se realizar o recolhimento de dados. Após a aprovação da diretora, o pesquisador foi direcionado para a responsável pela educação especial que, seguidamente a uma conversa sobre o projeto, indicou de maneira aleatória 5 segundas professoras para entrar em contato.

Desta forma, foi feito o convite através do “WhatsApp”, e após a confirmação das docentes, construiu-se um cronograma de encontros individuais com as participantes, os quais foram construídos com base no método de entrevista reflexiva de Szymanki (2011), cuja estrutura parte-se da construção conjunta que os participantes farão ao longo do processo com o pesquisador.

Szymanki (2011) considera a entrevista uma interação face a face, contudo por conta das medidas de biossegurança impostas pela pandemia, teve de se repensar a construção desse face a face, que passou a ser mediado por tecnologias da comunicação.

É nesta construção do conhecimento que a prática reflexiva tende a:

Auxiliar na construção da condição de horizontalidade e contornar algumas dificuldades citadas inerentes a uma situação de encontro face a face, em especial quando o mundo do entrevistador e do entrevistado forem muito diferentes sociais e culturalmente (SZYMANKI, 2011, p. 15).

Um ponto que houve adaptações foi da criação de um ambiente favorável para a entrevista, se antes a preocupação iria em direção a uma arrumação e criação de uma sala, neste momento preocupou-se em pensar dois lugares, um que fosse dentro da casa do pesquisador e outro na casa das docentes, afinal, conforme Szymanki (2011) postula, deve-se criar um ambiente de credibilidade para que a (o) participante sinta-se seguro para falar, e assim conseguir construir sua resposta de forma fluida e da maneira confortável.

Em consequência disso, solicitou-se às professoras a escolha de um cômodo de suas casas que lhes trouxesse tranquilidade, um lugar sem muito barulho e que elas pudessem se sentir confortáveis, o mesmo foi feito pelo pesquisador em sua residência.

Quanto ao desenvolvimento da entrevista, Szymanki (2011) propõe algumas diretrizes: a entrevista precisa acontecer em dois encontros no mínimo e que antes do novo encontro acontecer, o anterior precisa estar transcrito e compartilhado com as docentes, para que desta forma, possa se retornar às questões que sejam consideradas pertinente, incluir ou até mesmo fazer construções diferentes.

Sendo assim, as entrevistas ocorreram de forma espaçada, com diferença de três ou quatro dias, para que as transcrições fossem feitas e disponibilizadas às docentes para que pudessem ler, fazer observações, realizar as alterações e complementações que achassem necessárias, para compartilhamento no encontro seguinte com o pesquisador.

Cada encontro feito teve seu objetivo específico, sua nomenclatura e uma pergunta desencadeadora, conforme exposto no quadro 1:

Quadro 1 – Nomenclatura, objetivos específicos e questão norteadora de cada encontro

Encontro e nomenclatura deste

Objetivo do Encontro

Questão Desencadeadora

encontro: Vamos nos  conhecer.

Conhecer ou entender a concepção de ensinar e aprender dos professores.

A questão do ensinar e do aprender permeiam a educação, me diga o que é para você ensinar? E quais questões considera relevante para a aprendizagem.

Encontro: Vamos conversar sobre  atividades e materiais.

Dissertar sobre aspectos importantes para o professor no processo de escolha de suas ações e metodologias.

Sobre o seu planejamento do que ensinar, quais são os aspectos considerados importantes na hora da escolha do que ensinar e de como ensinar?

Encontro: Conte-me   mais

Verificar possíveis mudanças no modo de escolha das ações e operações ao decorrer dos

anos de trabalho docente.

Diante de toda a sua caminhada na  docência, o que você consegue me    pautar de mudanças na sua forma de lecionar na educação especial?

Fonte: Desenvolvido pelos autores (2020).

Além do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), as participantes também concordaram, de maneira virtual, com o termo de autorização do uso de voz, considerando que todos os encontros foram gravados em áudio para que fossem utilizados nas análises.

Os áudios gravados nos encontros com as docentes foram transcritos na íntegra e separados por encontro. Com base na leitura desses encontros, realizou-se a caracterização das docentes que participaram da pesquisa com seu respectivo nome, que aparecerá nas discussões deste estudo, sua idade, seu tempo de docência e de atuação na educação especial (Quadro 2).

Quadro 2 – Caracterização das docentes

Nome

Idade

Tempo de Docência Total

Tempo de Docência na Educação Especial

Gabriela

47 anos

20 anos

11 anos

Iracema

39 anos

8 anos

7 anos

Capitu

30 anos

12 anos

2 anos

Macabéa

47 anos

5 anos

3 anos

Aurélia

45 anos

18 anos

1 ano

Fonte: Desenvolvido pelo autor (2020).

Após a transcrição, os dados coletados foram organizados a partir de pressupostos da análise de conteúdo de Franco (2009), tomando as inferências como uma prática que irá auxiliar durante as análises, para que o pesquisador possa, conforme Szymanki (2011), superar construções precipitadas e possibilita o aparecimento de significados que ficam ocultos a primeira vista.

As inferências são feitas a partir da comunicação das entrevistadas, por meio da qual pode-se produzir, segundo Franco (2009, p. 21), “as causas e/ou antecedentes das mensagens; e os efeitos da comunicação”, ou seja, o que veio antes da comunicação e pode ser uma influência para o pensamento, e quais são as consequências em si e nos outros ao expressar estas falas.

Pode-se dizer, a partir das palavras de Franco (2009), que irá se fazer uma análise histórica e contextualizada do trabalho destas docentes, naquilo que concerne às atividades realizadas em sala de aula com os alunos.

Assim, a leitura flutuante das transcrições realizada em um primeiro momento ajudou a conhecer o texto, para que a segunda leitura pudesse trazer o início de um agrupamento por temática, que oportuniza o surgimento dos primeiros indicadores, dos quais podem representar as semelhanças, complementações ou discordâncias sobre o mesmo tema, e a partir deste agrupamento dos indicadores são definidas as categorias de análise.

As leituras se intensificam mais após o encerramento das entrevistas, porque é nesse momento que o pesquisador faz o movimento de voltar-se ao campo, que é a revisitação daquilo que foi dito pelas docentes, através das transcrições. A cada nova leitura depara-se com as convergências, os complementos e as discordâncias em histórias tão distintas.

Análise dos dados

A parte que lhe falta – a ótica médica e a sua influência na educação especial

Ao ler as transcrições, entendeu-se que, antes de adentrar na discussão do trabalho pedagógico, é possível voltar um pouco, acessar algumas informações que precedem os afazeres de sala de aula, mas voltar um pouco não necessariamente quer dizer que o passado importa unicamente como aspecto de contextualização, aqui ele também evidencia marcas ao decurso docente.

Justifica-se essa volta para o decurso como uma forma de entender de onde vem perspectivas e concepções impregnadas às práticas de manejo e conhecimentos que as docentes já trazem consigo (SAVIANI, 2011). Para que dessa forma, posteriormente, possa-se abrir a discussão para aquilo que é criado, modificado e reestruturado a partir do contato com um novo aluno e um novo professor regente.

Desta maneira, organizou-se esta primeira categoria de forma a compreender a entrada das docentes na educação especial e evidenciar as marcas, as perspectivas, que se articulam aos saberes dessas docentes.

Ao discorrerem sobre como chegaram à área da educação especial, Aurélia diz que aceitou o que ela chama de “desafio” quase perto de sua aposentadoria como uma forma de reinventar sua carreira docente, enquanto Capitu começou na área para "ver como era. Falei assim: ' - Vou dar uma tentada'", após alguns anos dando aula de inglês. Gabriela, Iracema e Macabéa foram da graduação para a função de segundas professoras porque era a oportunidade que tinham.

Sendo assim, nenhuma delas almejava a educação especial como um objetivo de trabalho, mas foram levadas por oportunidades que apareceram. O convite para trabalhar aconteceu no início da carreira docente dentro do estado para Macabéa, Capitu, Gabriela e Iracema, enquanto para Aurélia a possibilidade surgiu já perto de sua aposentadoria, o que segundo Rengel e Cordeiro (2017) acontece porque as chances de acontecerem recusas é menor, quando o convite/convocação é feita com docentes em início ou final de carreira.

Indo um pouco mais além, é possível, através dos relatos das docentes, vislumbrar seus contatos iniciais com a escola, os alunos, a educação especial e os documentos que lhes são entregues:

Vamos direto para o AEE, lá a coordenadora do AEE é apresentada para nossa e ela passa tudo sobre esse aluno através do portfólio... as atividades que foram feitas...Porque tem portfólio que fica do ano passado para esse ano [...] a gente conhece tudo ali, já traz pra casa, dá uma lida [...] (Iracema)

Porque a gente às vezes cai de paraquedas, onde esse aluno parou? O que ele sabe? Como vou saber que meu aluno sabe amarrar o cadarço se não está lá no portfólio? (Macabéa)

A gente chega na escola, eles entregam para gente o laudo, ou a gente procura, muitas vezes as escolas não entregam assim de cara, a gente procura pedir o laudo para alguém que é encarregado, e a gente meio que se vira, né! (Capitu)

O que se evidencia na fala dessas três professoras é que o contato inicial com os estudantes público=alvo da educação especial é precedido por documentos - laudos, relatórios, portfólios - os quais funcionam como apresentação desse aluno.

A importância do diagnóstico, do laudo, revela a marca do modelo médico-pedagógico na educação especial, modelo que se atém, segundo Jannuzzi (2004, p. 11, 12) aos aspectos mais “fisiológicos, neurológicos e mentais da deficiência”, sendo assim uma perspectiva biológica da deficiência, que evidencia os danos, às faltas apresentadas pelo sujeito.

Uma perspectiva como essa acaba acarretando algumas consequências para o andamento do trabalho pedagógico do professor. Capitu e Macabéa se utilizam de termos como: “educação diferente, é uma educação que exige você ter um conhecimento das habilidades, das deficiências deles”, “[...] Cognitivo afetado [...] porque ela é bem comprometida”, assumindo uma postura de diferenciar os estudantes por aquilo que aparentemente os falta. As falas das professoras denotam a dificuldade de superar a concepção que destaca a falta, a qual é reforçada desde a chegada na escola.

Angelucci (2014) ajuda construir o argumento da falta, pois há um certo movimento, o qual é feito junto às pessoas com deficiência, que é direcionar seu processo de desenvolvimento a partir daquilo que lhe é limitador, por exemplo, uma pessoa com deficiência visual tem sua construção baseada na falta da visão, e suas atividades são em sua maioria voltadas como forma de atenuar a deficiência. Nas palavras da autora, “tornamos compulsória a necessidade de que se tratem, se reabilitem, procurem próteses, órteses, implantes, a fim de que se tornem os mais normais quanto for possível, que se virem do avesso, mas que busquem ser como nós!” (ANGELUCCI, 2014, p. 121)

Tendo isso em vista, tenciona-se a atenção para a falta, se educando a deficiência. Ao fim de todo esse processo pode-se dizer que dois sujeitos perdem o protagonismo na educação: o docente e o aluno. Neste sentido, entende-se que aquilo que deveria ser uma construção do professor e do aluno, está sendo atravessada por uma série de postulações que partem de perspectivas médicas, logo o trabalho do professor recai sobre conceitos e perspectivas das quais ele não entende, mas de alguma forma precisa seguir.

[...] Porque a gente lê aquilo ali (laudo) e a gente sabe que ele tem aquela deficiência. Os médicos usam termos que a gente desconhece e coisas que a gente não consegue captar quando a gente somente lê [...] (CAPITU)

Não sabemos todas as coisas, por isso a importância do diagnóstico para entendermos os aspectos clínicos, físicos (GABRIELA)

Sim, as vezes não dá pra entender muito. Eu tenho que ir lá no google, digitar lá o CID deles, porque vem tudo por código. (IRACEMA)

Uma perspectiva que se ampare em questões médicas, faz com que a perspectiva do desenvolvimento se alicerce em questões biológicas, fazendo com que o primeiro contato destas docentes não seja com o aluno, mas sim com o seu diagnóstico, e que de alguma forma esse aluno precisa melhorar, que ele possa cada vez mais apresentar aspectos “normais”, naturalizando, desta maneira, o que ele pode ou não aprender. (VIGOTSKI, 1997; ROSSATO & CONSTANTINO, 2017)

A esfera política trata ainda de reiterar a necessidade e a importância desse documento, a Política de Inclusão de Santa Catarina (2018), que traz a indicação indispensável por laudo de uma equipe multidisciplinar de que aquele sujeito precisa da contratação do professor específico, no caso o segundo professor de turma. Portanto, corrobora-se com uma lógica médica, como aquela que detém o poder de falar quem merece ou não ter acesso a este tipo de atendimento.

Já o estudante público-alvo da educação especial, nessa perspectiva, sofre um apagamento, pois não é lhe dado de certa forma a chance de se apresentar, antes há um documento que o antecede e o apresenta, por consequência perde-se espaço de uma construção conjunta, e de conhecimento mútuo (SAVIANI, 2011; RIGON, ASBAHR E MORETTI, 2016). Entende-se que essa apresentação gera perda neste processo, afinal as professoras antes de conhecer as potencialidades, gostos, conhecimentos e necessidades dos educandos, que são aspectos que não vêm anexados aos laudos e relatórios, deparam-se com uma definição que, na maioria das vezes, é mais uma barreira do que um dado para construção do trabalho docente.

Logo, pode-se dizer que as docentes chegam na escola a partir de um chamado da secretaria responsável - pois um estudante apresentou os documentos necessários que justifiquem a sua contratação - elas chegam à escola, onde são recebidas por documentos que lhes apresentam o aluno de duas maneiras: A primeira, através do laudo, que é construído por uma ótica médica, tendo assim vários descritores e informações, que conforme visto, elas podem não compreender totalmente. O segundo, um relatório deixado pelo professor do ano anterior. Contudo, em nenhum momento da conversa as professoras citam que conhecem o aluno antes de entrar em sala de aula, apenas começam o seu trabalho.

Desta forma, além de influenciar em percepções de desenvolvimento, condução do trabalho e do próprio aluno, há também de se questionar se essas concepções influenciam a organização do trabalho pedagógico, o qual será visto na categoria seguinte.

Eu faço o meu, você faz o seu – uma discussão sobre o trabalho pedagógico

Tendo em vista que a categoria anterior se propõe a uma discussão sobre o decurso da SPT, das perspectivas impregnadas aos seus próprios saberes, essa categoria se volta para o trabalho pedagógico elencando as influências para as ações e metodologias adotadas pelo segundo professor de turma.

Ancora-se em Saviani (2011) e Moraes (2008) para uma estruturação do que se entende ser o trabalho pedagógico, partindo destes autores optou-se em separar em dois aspectos: o primeiro irá debruçar-se sobre a escolha do conteúdo á se trabalhar e o planejamento e o segundo, as atividades em si, sendo as ações e metodologia pedagógicas.

Um dos aspectos primordiais do trabalho pedagógico é a escolha do conteúdo que irá se ensinar, partindo do que é fundamentalmente essencial que o educando se aproprie, e do planejamento de quando – datas – e como – ações e metodologias - serão tratados esses conteúdos, com base nos documentos curriculares (SAVIANI, 2011). Logo, entende-se que o planejamento é uma das primeiras ações a serem feitas pelos docentes na organização do trabalho pedagógico, sendo que esta é constante, pois se ensina um conteúdo tendo em vista o próximo, e pensando nas ações e metodologias que acompanham todo esse processo de ensino. Portanto, é necessário saber destas docentes como é o processo de planejar:

Nós temos que adaptar essa atividade (para o estudante público-alvo da educação especial) de acordo com as disciplinas dos outros professores. Correto? (Aurélia)

A professora regente planeja. Eu faço as adaptações (Gabriela)

[...] eu faço adaptações em cima do tema que o professor regente coloca no seu, como eu posso dizer, ele faz o seu planejamento (Iracema)

Percebe-se que o trabalho relativo ao planejamento do SPT é a partir das adaptações dos conteúdos e cronogramas que recebem do professor regente. Quanto ao planejamento e o seu acesso, a política de educação especial de Santa Catarina (2018) institui que o segundo professor de turma deve ter acesso com antecedência a ele, para que assim possa propor as mudanças necessárias.

Ainda sobre o planejamento Capitu e Aurélia contam:

[...] lógico que no papel é tudo lindo e maravilhoso, na prática muda mais a situação. Então, assim, no que diz a proposta de educação especial é que o professor passa antecipado para a gente estar podendo adaptar, mas a gente sabe que muitas vezes eles esquecem. Na vida diária também não é fácil de ficar lembrando sempre, tem que pensar antecipado, então têm muitos alunos muitas vezes deficientes, então tem que pensar em cada um deles. Então o que eu peço para os professores? Eu peço assim: “ – Me avisa quando vai ter uma avaliação antecipado, e qual é o assunto que você quer que ele seja avaliado” [...] geralmente assim ó, quando eu vejo que a sala ta calma, fazendo alguma atividade, fazendo algum exercício que não exija tanta atenção do professor, eu sempre falo (Capitu)

Eu converso, assim, sempre com eles em sala de aula e também em algumas reuniões que a gente teve [...] no cotidiano do dia-a-dia, a gente conversa em sala de aula mesmo, assim, na sala dos professores enquanto a gente está lanchando. (Aurélia)

Evidencia-se na fala das professoras que estar dentro de sala de aula com o professor regente, facilita a comunicação entre as professoras, afinal ambas estão juntas. Entretanto, utilizar-se somente deste espaço-tempo para conversas sobre planejamento denuncia a ausência de uma estrutura organizativa da escola e do sistema como um todo, para que se possa proporcionar um ambiente de trabalho colaborativo.

Ancora-se em Micheluzzi (2019) para denunciar a precarização do trabalho destes dois docentes, ao passo que não concedido tempo hábil e um espaço de qualidade para as trocas e possibilidades de construção em conjunto que acabam sendo um dos pilares do trabalho colaborativo. A mesma autora postula que um planejamento de qualidade, não poderia acontecer de forma tão rápida e em locais que não sejam propícios para isso, afinal:

[...] se o planejamento for na sala de aula, precisa ser avaliado as condições para a realização do planejamento, haja visto que, para um planejamento bem feito, demanda de tempo, pesquisas, partilhas de estratégias para o desenvolvimento dos conteúdos e, mais ainda, como o trabalho se dá de forma colaborativa, pensar juntos, como vão adaptá-lo para o estudante público-alvo da EE, bem como atender as necessidades de todos os estudantes.

O trabalho colaborativo é uma forma de trabalho em que professores regentes e segundo professores dividem as responsabilidades de

planejar, instruir e avaliar a instrução de um grupo heterogêneo de estudantes. Ele emergiu como uma alternativa aos modelos de sala de recursos, classes especiais ou escolas especiais, como um modo de apoiar a escolarização de estudantes com necessidades educacionais especiais em classes comuns. (MENDES, 2011, p.85)

Entende-se que esse trabalho é fundamental para o processo de aprendizagem do estudante público-alvo da educação especial. Entretanto, para que haja a constituição de um verdadeiro trabalho colaborativo, é fundamental que não haja a segregação de tarefas entre os docentes, pois desta forma a elaboração das atividades e o trabalho em conjunto, fundamentais nessa perspectiva estarão ausentes. (DEUD, 2018; MICHELUZZI, 2019).

Deud (2018) assegura que um trabalho colaborativo para existir depende de alguns fatores como a estrutura organizacional, pois se a gestão da escola entende a escola como um lugar de construções de relações e de conhecimento, a possibilidade de se abrir espaço para essas trocas é um pouco maior.

Schulze (2012) e Micheluzzi (2019, p.88) apontam também a falta de tempo como causa para essa precarização de um trabalho que deveria ser em conjunto, pois é com tempo que os professores podem “receber formações em conjunto para que juntos, mudem a concepção de um trabalho com predominância na alienação, no individualismo para um trabalho de interação, parceria e colaboração”.

Enfocando um segundo aspecto, que está articulado com o planejamento, encontra-se a escolha do modo de trabalho, portanto, das ações e metodologias pedagógicas.

[...] eu prefiro mil vezes eu elaborar do que o professor. Eu que estou mais com o aluno, eu sei o que está no nível dele, o que ele vai conseguir fazer [...] uma atividade avaliativa que vai avaliar o aluno, mas não é bem uma avaliação, como se diz, numérica somente, se aquilo que eu passei para o aluno está conseguindo entender, ele está conseguindo gravar [...] (CAPITU)

[...] Eu uso muita revista, para recortar imagens, é o material que tem mais fácil acesso e as escolas que eu trabalho é em comunidade carente, então não dá pra trabalhar com material mais sofisticado [...] (MACABÉA)

Eu não faço nada que ela [a estudante] não saiba fazer [...] eu adaptei geografia. O professor colocou lá, e os alunos deveriam procurar na geografia, no mapa [...] para ela não dizer o nome das cidades, das regiões, tudo isso para ela, ela não tinha noção [...] (AURÉLIA)

Nas falas acima, reitera-se o que já foi ressaltado na categoria anterior na qual percebe- se um certo apagamento do estudante público-alvo da educação especial a partir da ótica biologista. Assim, as professoras, ao se referirem às atividades realizadas em sala de aula, deixam prevalecer uma perspectiva focada na falta, no limite, afirmando “falta de noção” referente ao trabalho de geografia, ou a utilização de atividades avaliativas com métodos que focam na memorização.

Em conformidade com a perspectiva Histórico-cultural, enfatizar a limitação acarreta consequências negativas para o processo pedagógico, pois enfatiza-se o que o aluno não sabe e/ou o conhecimento que já está consolidado. (VIGOTSKI, 1997; FURLAN, 2020)

Sforni (2008) vai conceber que o trabalho educacional precisa, além de ser planejado e organizado, ser intencional e dotado de objetivo tanto do professor, quanto do aluno, e só se conhecerá o objetivo – como aquele que advém das necessidades - quando se conhece o aluno, e consegue romper com a ideia de que as tentativas falhas são necessariamente ruins.

Vigotski (1998; 2010) concede uma interessante ideia para o trabalho do professor, pautando que o aluno não conseguir executar uma atividade é um campo tão rico para pensar suas ações, quanto aquilo que ele já sabe. Pois, parte-se de uma perspectiva de que só haverá um desenvolvimento se houver aprendizagem, enquanto apenas se enfocar naquilo que o aluno já sabe, ele não terá acesso a algo que ainda é capaz de aprender.

Pondera-se que planejar e realizar uma atividade pedagógica é também uma forma de trabalhar com a realidade e o contexto dos alunos, onde tudo aquilo que o aluno traz pode se mostrar um fator interessante para o trabalho com ele, afinal fazendo isso, traz este sujeito para dentro da escola, pois, assim, eles deixam de ser meros produtos da educação e se tornam também participantes deste processo, pois conforme Gasparin (2015, p.15):

está tomada de consciência da realidade e dos interesses dos alunos evita o distanciamento entre suas preocupações e os conteúdos escolares. Os conteúdos não interessam a priori e automaticamente aos aprendentes. É necessário relacioná-los aos conhecimentos empíricos trazidos por eles. Desta forma, o professor contextualiza, dentro da disciplina, o conhecimento dos educandos.

Por conseguinte, preocupar-se com limitações, níveis e adaptações pode afastar o professor de compreender seu aluno, de uma aproximação, e de observar seus conhecimentos prévios, podendo haver perdas de por onde começar o seu trabalho.

Afinal, a partir daquilo que está previamente apropriado é possível ter contato com os conhecimentos que estão em vias de apropriação, podendo, assim, realizar atividades que propiciem este aluno a criar a necessidade de aprender, que os motive a continuar na escola, bem como novas estratégias de aprendizagem (VIGOTSKI, 1997; GASPARIN, 2015; RIGON, ASBAHR E MORRETI, 2016). Desta forma irá se entender que o aluno com deficiência não está na escola para decorar matéria ou socializar, está ali para ter acesso ao conhecimento historicamente produzido e sistematizado de forma crítica e contextualizada.

Concorda-se com Vigotski (1997), que não é o aluno público-alvo da educação especial que tem que se adaptar a escola, mas sim a escola como um todo deve-se tencionar a pensar caminhos diferenciados para que os estudantes com deficiência tenham acesso ao conhecimento. Assim, ao focar nas limitações, perde-se a concepção de um sujeito dotado de potencialidade e vontade, pois as atividades ficarão sempre num ciclo de tentativa de atenuar as dificuldades e não as superar.

Desta forma, entende-se o trabalho pedagógico do segundo professor de turma, enquanto organizador de uma aula e de atividade, como algo processual, o qual irá exigir um trabalho em conjunto com o docente regente, coordenadores e gestores da escola, ao passo que juntos irão pensar em estratégias de atingir não apenas os alunos público-alvo da educação especial, mas os outros também (MICHELUZZI, 2019).

A partir daquilo que foi objetivado para esse estudo, estas docentes trazem pistas sobre o seu decurso profissional. Dessa forma, essas docentes têm contato com perspectivas biologicistas, limitadoras e quantitativas a partir do contato com laudos e relatórios que lhes são entregues. Um trabalho pedagógico que, muitas vezes, encontra espaço-tempo para trocas entre docentes apenas nos corredores, durante as aulas e nos intervalos, ressaltando uma tendência para um trabalho isolado e segregado, o que pode gerar uma inclusão, às avessas, diferente daquela que se almeja.

Com o intuito de superar tais concepções apresentadas, é necessário repensar a formação inicial, continuada e em serviço, mas, especialmente, as condições de trabalho para que se possa prover um trabalho de cunho coletivo e colaborativo. Entende-se que o diagnóstico do estudante é uma informação para ajudar a compor a compreensão sobre dele. Contudo, é fundamental que as professoras tenham contato direto com seus alunos, sem se basear-se somente em documento. Esse estudante deve se expressar e ser compreendido em sua unicidade e idiossincrasias.

Por todos esses apontamentos evidencia-se que a educação especial e inclusiva faz parte de um contexto muito mais amplo em que a educação não é prioridade, e as desigualdades sociais precarizam não só a vida daqueles que frequentam as escolas públicas, mas as próprias escolas e as condições de trabalho daqueles que ali estão exercendo seu ofício.

Considerações finais

Ao considerar o contexto catarinense, especificamente a rede estadual de ensino, encontra-se em salas de aula (aquelas que têm alunos público-alvo da educação especial) as figuras do professor regente e do segundo professor de turma, os quais desempenham seus trabalhos pedagógicos. Dessa forma, essa pesquisa direcionou-se para o trabalho pedagógico do SPT e objetivou-se a identificar aspectos que influenciam a escolha de ações e metodologias educativas pelo segundo professor de turma.

A partir das análises foi possível identificar algumas influências que se mostraram significativas. A primeira delas é a tendência do uso de uma base médico-pedagógica para a apresentação dos alunos público-alvo da educação especial, o que acontece por meio de laudos e relatórios, o que acaba tendo enfoque na deficiência e suas consequências o que acaba induzido o objetivo de suas ações pedagógicas para uma direção de efetivação destas faltas, entendidas como provenientes da deficiência.

Pode-se perceber, inclusive, que esta concepção biológica da deficiência não é recente, mas sim um movimento que ganhou força durante o século XX, com o advento dos médicos trabalhando em áreas pedagógicas. Então, infere-se que apesar de Januzzi (2004) apontar um crescimento no uso de teorias, como a histórico-cultural - que irá perceber e manejar o sujeito com deficiência a partir de outra perspectiva – em documentos, currículos de formação de professores e leis, ainda é presente uma concepção limitante da deficiência.

Além dessa concepção, a qual as docentes acabam usando como aporte, há também de se apontar os aspectos da estrutura organizativa da escola e dos sistemas educacionais, os quais são poderosos determinantes do trabalho pedagógico. Um desses aspectos é que o trabalho que deveria ser colaborativo acaba se tornando algo individual e segregatório, no qual o professor regente elabora o planejamento, e compartilha – às vezes não – com as segundas professoras de turma, porém esse compartilhamento quando acontece, não é feito em tempos e locais propícios para isso, acontecem em corredores, na própria sala durante a aula, acarretando uma precarização do planejamento e de ações conjuntas e articuladas entre as docentes.

A falta de tempo é outro aspecto importante para se destacar. De acordo com os relatos, as SPT têm acesso ao planejamento de forma rápida e sem trocas, assim as modificações são exclusivamente para o aluno público-alvo da educação especial, e não visando a sala como um todo. Corroborando com a fragilização do processo de escolarização de sujeitos com deficiência ao enfocar, na maior parte das vezes, em atividades isoladas, onde acaba-se segregando o estudante público-alvo da educação especial dos outros estudantes.

Reitera-se, contudo, que a presença de dois professores por turma é uma possibilidade potente de trazer mais diversidade para o trabalho pedagógico, no qual se beneficiaria esses profissionais e todos os estudantes. Entende-se que a precarização do trabalho docente afeta o trabalho destes docentes que acabam não tendo apoio como, por exemplo, para disponibilização de tempo para planejamentos em conjunto e na fragilidade de ações formativas.

Concorda-se com Vigotski (2010), que professores e estudantes precisam se sentir pertencentes a escola. Uma das formas de atingir esse objetivo é buscando possibilidades de efetivar uma escola para todos, o que é desafiador considerando uma sociedade que tem disparidades e desigualdades tão profundas e evidentes. Contudo, um primeiro passo para pensar ações para/com esses professores e alunos é ouvi-los, e possibilitar novos estudos que encarem a formação docente em Santa Catarina a partir de suas especificidades, articulando e pensando num ambiente escolar que possa ser de fato inclusivo e colaborativo para docentes e alunos.

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