http://dx.doi.org/10.5902/1984686X65972

Práticas educacionais realizadas no Pavilhão Escola Bourneville: um estudo por meio da Sociologia das Ausências em relação ao autismo

Educational practices held at the Bourneville School Pavilion: a study through the Sociology of Absences in relation to autism

Prácticas educativas llevadas a cabo en el Pabellón Escolar de Bourneville: un estudio a través de la Sociología de las Ausencias en relación con el autismo

Fernanda Ferreyro Monticelli

Professora doutora aposentada da Secretaria Municipal de Educação de Vitória, Vitória, ES, Brasil

E-mail: pedagogiacomescolarffm@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2500-1240

Recebido em 26 de maio de 2021

Aprovado em 20 de novembro de 2021

Publicado em 31 de janeiro de 2022

RESUMO

O presente estudo visa entender quais foram as práticas educacionais e pedagógicas em relação ao autismo, no período do higienismo no Brasil, um tempo em que a nosologia não empregava este termo. Como o conceito de autismo não era utilizado, o estudo elege por referência peculiaridades de algumas crianças e jovens com autismo, tais como a inquietação, a incomunicabilidade e a deficiência intelectual. Este texto adota como lócus de estudo o Pavilhão Escola Bourneville para crianças anormais, situado no Hospício Nacional de Alienados do Rio de Janeiro. O objetivo central é analisar como, historicamente, foram se constituindo as práticas educativas e pedagógicas de exclusão escolar em relação às crianças e jovens, no início do século XX, no Brasil. A organização e análise das informações foi feita à luz do aporte teórico em Boaventura de Sousa Santos e na abordagem histórico-cultural. A revisão de literatura foi utilizada e o trabalho de tradução serviu como análise da metodologia da pesquisa. Como categoria de análise, o estudo se deteve nas práticas do que foi feito enquanto tratamento, bem como na orientação de práticas aos docentes no Pavilhão Escola Bourneville. Neste estudo foi possível averiguar como tratamento e educação, a tradução dos procedimentos utilizados na Europa, como forma de razão metonímica e a pouca referência aos processos psíquicos superiores.

Palavras-chave: Pavilhão escola Bourneville; Sociologia das ausências; Práticas educacionais e pedagógicas.

ABSTRACT

The present study aims to understand what the educational and pedagogical practices in relation to autism were in the period of hygienism in Brazil, a time when nosology did not employ this term. As the term autism was not used, the study elects by reference peculiarities of some of the children and young people with autism, such as restlessness, incommunicability, and intellectual disability. This work adopts as a locus of study, the Bourneville School Pavilion for abnormal children, located in the National Asylum of The Alienated of Rio de Janeiro. The central objective is to analyze historically how educational and pedagogical practices of school exclusion have been constituted in relation to children and young people at the beginning of the century, in Brazil. The organization and analysis of the information was made based in Boaventura de Sousa Santos and in the historical-cultural approach. A literature review was made, and the translation work served as research methods. For category analysis, it was examined the practices of what was done as treatment, educational or pedagogical organization, as well as the orientation of practices to teachers in Bourneville School Pavilion. In this study it was possible to ascertain as treatment and education, the translation of the procedures used in Europe, as a form of metonymic reason and there was little reference to superior psychic processes.

Keywords: Bourneville school pavilion; Sociology of absences; Educational and pedagogical practices.

RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo comprender cuáles fueron las prácticas educativas y pedagógicas en relación con el autismo en el período de higienismo en Brasil, un momento en que la nosología no utilizó este término. Al no utilizar el concepto de autismo, el estudio opta por referirse a las peculiaridades de algunos niños y jóvenes con autismo, como la inquietud, la incomunicación y la discapacidad intelectual. Este texto adopta como un locus de estudio el Pabellón Escolar de Bourneville para niños anormales, ubicado en el Asilo Nacional de Los Alienados de Río de Janeiro. El objetivo central es analizar cómo históricamente se han constituido prácticas históricamente educativas y pedagógicas de exclusión escolar en relación con los niños y jóvenes a principios de siglo XX, en Brasil. La organización y análisis de la información se realizó a la luz de la contribución teórica en Boaventura de Sousa Santos y en el enfoque histórico-cultural. Se utilizó la revisión de la literatura, y el trabajo de traducción sirvió como metodología de investigación. La lectura cuidadosa de la información utiliza datos contextuales. Como categorías de análisis, el estudio se basó en las prácticas de lo que se hizo como tratamiento, así como en la orientación de las prácticas a los maestros em Pabellón Escolar de Bourneville. En este estudio se pudo constatar como tratamiento y educación, la traducción de los procedimientos utilizados en Europa, como una forma de razonamiento metonímico y la poca referencia a los procesos psíquicos superiores.

Palabras clave: Pabellón Escolar de Bourneville; Sociología de las ausencias; Prácticas educativas y pedagógicas.

Introdução

O termo autismo, utilizado inicialmente entre os médicos, foi empregado referente a crianças e jovens, por Léo Kanner (1997), e Asperger (1906 - 1980) (BOSA, 2002; LOURENÇO e LEITE, 2017; MONTICELLI, 2020; SÁ, 2010; VASQUES, 2008, 2009) nos anos iniciais da década de quarenta, do século XX. Anterior a esse tempo, é possível que muitas crianças e jovens tivessem traços de autismo, mas fossem diagnosticadas com outras nomenclaturas. Vasques e Baptista (2014) afirmam que o campo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, do autismo e das psicoses infantis têm uma história recente e complexa. Inicialmente, desconhecidos como entidade, faziam parte do grande grupo das idiotias1, categoria nosográfica vigente até o século XIX, a qual englobava um conjunto de problemas deficitários. Como traços autistas, pode-se mencionar sintomas qualitativos na comunicação, na interatividade e no comportamento (SÁ, 2010). No período da Primeira República no Brasil, havia poucos lugares para atendê-las. A internação das crianças no Pavilhão Escola Bourneville para crianças anormais, no Hospício Nacional de Alienados (HNA) do Rio de Janeiro, foi uma das traduções europeias. No início do século XX, o recurso de internar crianças pobres visou a contração do presente e expansão do futuro, ou seja, foi uma das transposições dos países europeus com um expediente rápido a uma situação de crescimento das cidades urbanas e ensejo desenvolvimentista no Brasil. Esta tradução advém de uma longa história embrionária e de simbiose social, política, econômica. A herança de um país fortemente encravado numa linguagem colonialista de trezentos anos, cujas riquezas eram exploradas e enviadas para a Europa, tanto quanto, a difusão da linguagem aristocrática, transmitida pela passagem do Período Imperial, deixaram marcas no início do Período Republicano.

Metodologia: trabalho de tradução

Este estudo analisa as informações com base em um Trabalho de Tradução. Busca explicitar que práticas médico-pedagógicas eram utilizadas no Pavilhão-Escola Bouneville/HNA e verifica se foram utilizadas formas complexas ou ensinados conhecimentos clássicos. Segundo Santos (2008), é importante que as experiências do mundo sejam vistas em momentos diferentes do trabalho de tradução, seja como totalidades ou partes, seja como realidades, mas que não se esgotem nessas totalidades ou partes. É um trabalho de desconstrução e reconstrução, ou de uma sociologia das ausências e emergências. Nesse sentido, mesmo que o passado não possa ser alterado, é possível realizar, pelo trabalho de escavação epistemológica, uma revisão mais cuidadosa a respeito das práticas realizadas de exclusão escolar e segregação da sociedade, de modo a evitar que, no tempo atual e futuro, se perpetuem as injustiças cometidas com vidas humanas no passado. Outro aspecto, é que este trabalho tem consciência de que os seres humanos contam com os dispositivos do seu tempo, da conjuntura social, científica, econômica. Nesse aspecto, alguns termos utilizados serão feitos em alusão às nomenclaturas empregadas no contexto histórico da época.

Santos (2008), ao propor o trabalho de tradução, sinaliza para que se verifique o que será traduzido. Neste caso, o que é traduzido é a prática médico-pedagógica utilizada no Pavilhão Escola de Bourneville, em relação às crianças e jovens diagnosticados como anormais, cujos casos possam ter apresentado similaridades com o autismo. Esta tradução imerge no passado e retorna ao presente. Por isso, ocorrem nesta atividade as zonas de contato. As zonas de contato, no dizer de Santos (2008), são seletivas, ou seja, o que é posto em contato não é, necessariamente, o que é mais relevante ou central. Pelo contrário, a princípio, as zonas de contato são zonas de fronteira, terras-de-ninguém em que as periferias ou margens dos saberes e das práticas são, em geral, as primeiras a emergir. É na persistência, pelo aprofundamento do trabalho de tradução, que é possível trazer à tona os aspectos que cada saber ou cada prática considera mais centrais ou relevantes (SANTOS, 2008). Em assim constando, ao abordar sobre o Hospício Nacional de Alienados, onde havia o anexo do Pavilhão Escola de Bourneville, é possível que outras informações pudessem ser destacadas. Todavia, o foco consiste nas práticas dos intelectuais, dos médicos, as quais são as disponíveis no momento, com base nos relatos encontrados nos livros e artigos. Enquanto as práticas sociais serão analisadas com base em Santos (2008, 2009), as práticas educacionais serão feitas por meio de incursões na psicologia histórico-cultural.

A proposta de pesquisa está ancorada numa perspectiva qualitativa de base hermenêutica e, como proposta de construção de investigação, a utilização das fontes históricas tais como: fontes bibliográficas e documentais. A revisão de literatura foi feita por meio do sistema da Scientific Electronic Library OnlineScielo, cujos termos empregados foram: Pavilhão Bourneville e Escola Bourneville. Do achado de 07 trabalhos, apenas o de Azevedo (2009a, 2009b) e de Silva (2008) foram selecionados por constar as práticas educacionais. O estudo de Silva (2008) igualmente foi encontrado ao se fazer a busca no Portal de periódicos da Capes/MEC e haver 20 produções científicas. Todos os trabalhos que se referiam, exclusivamente, ao campo da saúde física foram desconsiderados. O estudo de Müller foi encontrado em artigo na Scielo, com base nas referências de Jannuzzi (2004).

Para que traduzir?

Sucintamente, Santos (2008, 2009) afirma que a argumentação consiste em que a sociologia das ausências e a sociologia das emergências, juntamente com o trabalho de tradução, permitem desenvolver uma alternativa à razão indolente, na forma daquilo a que chama razão cosmopolita. Esta alternativa se baseia na ideia base de que a justiça social global não é possível sem uma justiça cognitiva global. O trabalho de tradução é o procedimento que resta para dar sentido ao mundo. Mas, sem saber que um mundo melhor é possível, o que legitima ou motiva a agir como se fosse possível, questiona Santos (2008)? Nem o paradigma moderno solucionou os problemas, nem esse paradigma dispõe, das soluções que propôs, e é essa, aliás, a razão da crise. Ampliado pela sociologia das ausências (levantamento da não-existência) e pela sociologia das emergências e tornado coerente pelo trabalho de tradução; a possibilidade de um futuro melhor não está, assim, num futuro distante, mas na reinvenção do presente. Ou seja, no início do século XX, muitas injustiças foram feitas, devido ao processo de exclusão escolar e, em decorrência, injustiças cognitivas. Almeja-se que, na atualidade, a tradução da história da educação, relativa aos possíveis casos de autismo e outras necessidades especiais, sirva, a partir da imaginação democrática, para criar melhores condições para uma justiça social global.

Diante do caos: a monocultura da classificação social

As heranças do colonialismo e do Brasil Império reverberaram em discursos higienistas cujo efeito rebateu, diretamente, em práticas de segregação social e exclusão escolar. Em nome da civilização, da ordem e do progresso, os ideais republicanos pretenderam disseminar procedimentos técnico-científicos adequados ao desenvolvimento sociocultural do País (CÂMARA, 2011). Na verdade, o ponto comum no vasto mundo dos indesejáveis, era a pobreza, já que as pessoas de posses, quando acometidas por doenças, eram tratadas em suas casas, pelas famílias e seus médicos (NOSSO SÉCULO, 1985). Muitas crianças internadas no hospício foram encaminhadas pelos próprios pais, como solução para a miséria em que viviam (AZEVEDO; NEVES, 2009; MÜLLER, 2000; SILVA, 2009a).

O jornalista Luís Edmundo vê o Rio e desabafa que, só o comércio prospera numa cidade sem instrução para o povo e onde as epidemias dançavam sabats magníficos (NOSSO SÉCULO, 1985). A cidade era tida como maravilhosa, mas maldita pelas doenças, proliferação de ratos, rodeada por favelas ou cortiços sem esgoto, nem água. No verão, tudo o que os ricos desejavam era escapar depressa, para longe do Rio de Janeiro. Até esse momento, as iniciativas pela higienização se respaldavam devido às aglomerações urbanas, à pobreza e à falta de higiene, o que provocava medidas disciplinadoras de modo a erradicar as doenças físicas, tais como febre amarela, varíola, impaludismo, disenteria, tuberculose e lepra (NOSSO SÉCULO, 1985). Normalizar, moralizar, educar e higienizar a sociedade foram as bandeiras da recém-inaugurada república. O higienismo foi proferido por profissionais liberais e sustentado por intelectuais, pelos médicos e juristas, em sua maior parte. Desse modo, as cidades brasileiras foram se constituindo e os educadores (sentido amplo), influenciados pelos pilares da racionalidade moral-prática do direito moderno, da racionalidade cognitivo-experimental da ciência, acabaram por negligenciar, assim como toda a sociedade, a racionalidade estético-expressiva. Cumpre alertar que estas três formas de racionalidade servem mais para compreender as sociedades europeias, no dizer de Santos (2008).

No entanto, tendo em vista que o Brasil se constituiu forjado numa linguagem europeia, é que se consideram estas racionalidades. O período, no qual a ciência moderna se ocupou na produção de diferentes saberes, é o período da modernidade e esta modernidade apresenta dois pilares: o pilar da regulação, que se assenta nos três princípios: do Estado, do mercado e da comunidade; o outro pilar, o da emancipação, se constitui pela articulação também de três dimensões: da racionalidade moral-prática do direito moderno, da racionalidade cognitivo-experimental da ciência e da técnica moderna e da racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura moderna. Da tensão entre estes dois pilares, embora com paradigmas muito diferentes, é que se constituíram o liberalismo político e o marxismo. Ambos, entretanto, relegaram aos povos coloniais a sala de espera da História, pois a seu tempo, a civilização lhes traria os benefícios (SANTOS, 2008). A concepção pós-moderna de oposição distingue o conhecimento-regulação e o conhecimento-emancipação. O conhecimento-regulação é o que concebe a ignorância como caos, e o saber como ordem. Para colocar ordem na infância pobre - estigmatizada como vadia, abandonada, analfabeta, perigosa ou em risco de ser (CÂMARA, 2011), a medida adotada foi a internação no Hospício Nacional de Alienados.

Em 1852, após dez anos da data do decreto de fundação é que foi inaugurado o Hospício D. Pedro II, na Praia Vermelha, bairro distante do centro do Rio de Janeiro. Em seguida, dá-se início à constituição no campo da psiquiatria do país e especialização de médicos, para atuar no tratamento da doença mental (REILY; SILVA, 2012). O Hospício D. Pedro II foi rebatizado de Hospício Nacional de Alienados e foi desvinculado da Santa Casa de Misericórdia, em 1890 (REILY; SILVA, 2012, p. 59). Em continuidade às providências higienistas, no ano de 1902, ocorre a inserção das crianças anormais, não na escola e, sim, no Hospício Nacional dos Alienados, onde conviviam, indiscriminadamente, crianças e adultos (AZEVEDO; NEVES, 2009; LOBO, 2008; MÜLLER, 2000; SILVA, 2009).

Na época, José Joaquim Seabra, chefe do Ministério de Justiça e Negócios Interiores, determinou a criação de uma Comissão de Inquérito para inspecionar as condições da assistência a alienados internos no Hospício Nacional de Alienados. Esta comissão apontou para as condições das crianças internadas considerando revoltante o estado de promiscuidade no qual se encontravam adultos e crianças, alguns em completo estado de nudez. Foi diante desta visita que a Comissão indicou a remoção das crianças para um pavilhão existente anexo à lavanderia (AZEVEDO, 2009). Mais tarde, em 1905, os Drs. Juliano Moreira e Fernandes Figueira fundaram o Pavilhão–Escola de Bourneville (JANNUZZI, 1985), situado como anexo ao Hospício Nacional dos Alienados, onde muitas crianças consideradas anormais ficaram reclusas (LOBO, 2008), visto que as “escolas especiais eram praticamente inexistentes” (LOBO, 2008, p. 386). Para Müller (2000), foi a primeira escola especial para as crianças consideradas anormais.

Naquele tempo, a criação de um anexo somente para os menores foi uma mudança importante, pois outrora não se fazia distinção de espaços entre adultos e crianças que apresentassem diferenças de conduta (LOBO, 2008; JANNUZZI, 1985). Verifica-se, desse modo, uma semelhança à situação que viviam as crianças e jovens no hospital de Bicêtre, na França. Foi exatamente o Dr. Bourneville quem fez, naquele país, a separação dos adultos para os menores de idade (SILVA, 2009; TEZZARI, 2009). Cumpre observar que o nome Escola Bourneville/HNA faz alusão ao médico françês, Dr. Desiré Magloire Bourneville (1840-1909). Este médico atuou no Hospital de Bicêtre e aplicou o método socializado por Édouard Séguin (1812-1880), (TEZZARI, 2009). Percebe-se, desse modo, indícios do tratamento médico-pedagógico utilizado com as crianças e jovens, tanto na França, como no Brasil, quando o diretor Juliano Moreira, que assumiu o Hospício, se propôs a fazer mudanças, ancorado nas referências científicas produzidas no contexto francês (SILVA, 2009).

Enquanto o conhecimento-regulação procura superar o caos e implantar a ordem, o conhecimento-emancipação, ao ver a ignorância como colonialismo e o saber como solidariedade (SANTOS, 2008), defendeu o uso de práticas de medicalização da sociedade com práticas higiênicas. Dentre estas práticas, a implantação de hospícios e hospitais para leprosos, doentes mentais, incluindo as crianças e jovens. As infâncias foram sendo pensadas e prescritas, na edificação de uma nova arquitetura social ordenada, pacífica e asséptica, com base em manuais de condutas médicas e jurídicas (CÂMARA, 2011).

O tipo de racionalidade da época seguiu o que já havia sido pensado e executado em outros países. Nesse sentido, é possível supor que se tratasse do uso de uma razão indolente. Santos (2008) critica o modelo de racionalidade indolente,3 subjacente ao conhecimento hegemônico, nos últimos 200 anos4, tanto em relação ao conhecimento filosófico quanto ao científico. Este tipo de racionalidade criou modos de produção de não-existência: ao retirar as crianças desvalidas da área urbana e interná-las no hospício, elas deixaram de ser atendidas na sua integridade como pessoa humana e passaram a ter um outro tipo de existência: a de objetivação. Fora das ruas e das escolas, são inseridas no hospício ao constarem como seres passíveis de percepção, interpretação, identificação, classificação, tratamento e controle (AZEVEDO; NEVES, 2009), para estudo da Faculdade de Medicina.

Este passado de injustiças fez com que se criasse, de modo pujante, a reinvenção da emancipação social. Esta reinvenção está sendo feita ao longo dos anos, embora com períodos de retrocessos e cuidados. Em contraposição à invisibilidade, a sociologia das ausências procede substituindo as monoculturas por cinco ecologias, dentre elas a ecologia dos reconhecimentos. Para Santos (2008), a colonialidade do poder capitalista moderno e ocidental insiste em identificar diferença com desigualdade, ao mesmo tempo em que, arrogantemente, determina quem é igual e quem é diferente. A ecologia do reconhecimento, entretanto, permite o alargamento de um círculo de reciprocidade – o círculo das diferenças iguais -, no qual se funde o princípio de igualdade e de reconhecimento da diferença cultural, da identidade coletiva, da autonomia ou autodeterminação, princípio este que dá origem a novas formas de luta. Dentre elas, a defesa pela escola inclusiva.

Práticas médico-pedagógicas como alternativas de atendimento no início do século XX

Desde os primórdios, o ser humano aprendeu com as experiências e almeja dominar e transformar a realidade que lhe oferece desafios. Figuras paternas constituídas por filósofos, religiosos, cientistas têm se debruçado sobre o ato de educar o sujeito para que deixe de ser guiado apenas pelas ações da natureza. “Para que os indivíduos se insiram na história, humanizando-se, eles precisam de educação, da transmissão da cultura material e simbólica por parte dos indivíduos” (MARTINS, 2013, p. 10).

Tendo em vista que o sujeito não é apenas uma determinação da natureza, mas uma expressão das sínteses histórico-culturais realizadas pela educação, é que cumpre analisar quais as alternativas educacionais prescritas pela área médica às crianças e jovens – alguns deles, possivelmente, com autismo – que estavam internadas no Pavilhão de Bourneville.

Nesse aspecto, a partir deste momento, o texto irá realizar o embate das zonas de contato, ou seja, um diálogo entre o presente e o passado, por meio das análises das práticas educacionais. Do passado, a amostra das práticas realizadas, e do presente, as reflexões que podem contribuir para a atualidade.

Para além da higiene física, o hospício irá se ater à higiene mental. Para Juliano Moreira (1873 - 1933), o preceito higienista consistia na prevenção da doença mental ou tratamento em espaço terapêutico, quando já detectada. Quanto ao tratamento medicamentoso, aplicavam-se tonificantes (ferro, cafeína, kola, sais de cobre, soro artificial, quinina, arsênico, glícero-fosfatos; além dos amargos, como a nux-vomica). Sedativos e narcóticos como o ópio, a cannabis e a estricnina, somente se seguissem a prescrição do psiquiatra (SILVA; REILY, 2012).

Na revisão de literatura sobre o Pavilhão de Bourneville, situada no Hospital Nacional de Alienados, foram encontrados três estudos que interessam, particularmente, ao trabalho em foco, uma vez que mencionam as práticas médico-pedagógicas: o de Müller (2000), Silva (2008) e os de Azevedo (2009a, 2009b). O diálogo com os estudos encontrados na revisão de literatura será feito ao longo deste artigo.

Müller (2000) afirma ter realizado seu estudo e destaca, como uma das motivações, a verificação do reduzido número de historiografia sobre o tratamento e educação da criança, com grave enfermidade psíquica.

Quanto ao objetivo central do trabalho de Azevedo (2009a, 2009b), o autor visou compreender como, ao internar as crianças anormais em geral, e crianças com epilepsia em particular, o saber médico promovia, interligado a outros saberes, o controle e a ordenação do espaço urbano, ao mesmo tempo em que pretendia reprimir a criminalidade. Para entender esse processo, o autor investigou as relações entre o poder da polícia e o saber médico na detenção, identificação e recolhimento de crianças com epilepsia, as quais eram consideradas potencialmente perigosas. Segundo Azevedo (2009b), todos os que chegavam ao Hospício Nacional de Alienados passavam por uma triagem, que era efetuada pelo Pavilhão de Observações Clínicas do Hospital Nacional de Alienados, pavilhão este criado sob o Decreto Nº 1.553, de 7 de outubro de 1893, com o objetivo de acomodar os indigentes suspeitos de alienação mental. O pesquisador fornece detalhes dos dados que constam nos prontuários dos prováveis pacientes, o que auxilia a compreender as categorias e indicadores para classificações das possíveis doenças estudadas pelos alunos do curso de Medicina. Ainda, ele afirma que, se o caso em estudo interessasse às aulas de psiquiatria, o diretor do anexo tinha autoridade para manter a internação pelo tempo que fosse necessário.

Azevedo (2009) esclarece que às crianças desvalidas se disponibilizavam os lugares de correção ou assistenciais, mas, aos desvalidos com problemas psiquiátricos, existia o pavilhão de Bourneville. Azevedo (2009a) formula como hipóteses a de que a convicção sobre a existência de grupos propensos ao crime servia de argumento legitimador para ações preventivas de defesa da sociedade. Ao excluir do convívio social as crianças consideradas antissociais, as instituições asilares salvaguardariam a sociedade por uma ação preventiva, imprimindo àquelas crianças, em função da doença que tinham, estigmas criminais, sendo a doença confirmada ou não.

O caso do menino Mário Rodrigues, de 10 anos, foi particularmente significativo para Azevedo (2009b). Uma criança de cor branca, diagnosticada como não alienado, no Livro de Observações clínicas Nº 123, que cobre o período de 18 de junho a 27 de julho de 1910, deu entrada ao pavilhão no dia 16 de julho de 1910. Em seu prontuário, segundo a seção Inspeção Geral, o menino se apresentava calmo, com cicatrizes pela testa e constava estigmas de varíola. Em Comemorativos da família, com informações supostamente fornecidas pelo próprio Mário, é possível saber que a mãe ainda vivia e era solteira. O menino conta que a “[...] mãe lhe batia muito e que o primo o matriculou na Escola Correcional 15 de Novembro, porque era muito traquinas” (AZEVEDO, 2009b, p. 8). Foi registrado no item Comemorativos pessoais da moléstia, que o menino contara ter o apelido deMaluco”, na Escola 15 de Novembro, e que isto foi o suficiente para que o enviassem para o Pavilhão de Observações.

O texto em terceira pessoa avança na anamnese informando que o menino

[...] não sabe, se quando pequeno sofria ataques, como supõe a ficha policial, nem tampouco sabe explicar como foram feitas as feridas que deram as cicatrizes, que a guia de internação chama de estigmas epiléticos. Aqui tem passado bem, não teve ainda ataques de espécie alguma nem cometeu até agora desatino que possam justificar a sua reclusão neste estabelecimento. A memória está regular, tem noção de lugar, [...] mas sem noção de tempo. Conta que na Escola era muito safado, não agüentava que outro lhe dissesse qualquer pilhéria; na defensiva sempre foi forte e distribuía logo pancadas. Já teve varíola. É de baixo nível intelectual (Livro de Observações Clínicas Nº 123 do Pavilhão de Observações Clínicas do Hospital Nacional de Alienados apud AZEVEDO, 2009b, p. 8).

Neste registro, a respeito do menino Mário, verifica-se uma descrição relativa às marcas deixadas no corpo, relatos comportamentais, observações sobre a memória, relações espaciais e temporais, nível intelectual. Se esse registro fosse transportado para a contemporaneidade, e uma escola recebesse esta ficha, o que a escola poderia fazer pelo Mário? O que ensinaria a ele? Nos idos tempos do início do século XX, no Brasil, será que trabalharam noções de tempo, uma vez que o relato descreve que o aluno apresentava pouca noção? Será que ensinaram relações espaciais, partindo do seu mundo real e vivido, até apresentar a cartografia regional, nacional e mundial, uma vez que tem boa noção e poderia ser desenvolvida esta potencialidade? A propósito, já naquele período, em outro contexto geográfico, Vigotski5 (1997) expressava sua insatisfação ao comentar o quanto a educação se orientava, em grande parte, na enfermidade e não na saúde dos sujeitos.

No que tange ao baixo nível intelectual do menino Mário, conforme Vigotski (1997), a debilidade mental, resultado de um defeito orgânico, está limitado em seu desenvolvimento intelectual natural e a consequência disto, geralmente, é que não alcança por completo o desenvolvimento cultural. No entanto, esta deficiência não deve ser vista pela escola e sociedade como um limitador; nem mesmo oferecer atividades restritas às habilidades práticas.

Fato é que, após dar entrada no pavilhão e, depois de quinze dias de medicação com cápsulas antiepilépticas, Mário é liberado. Sem ter tido ataques, nada é identificado para justificar sua internação. É digno de nota que, Azevedo (2009b) capta o modo como o corpo infantil serviu para ser falado sobre a experiência, uma vez que a criança, que entrara pesando 35,5Kg, desce os degraus que conduzem à porta principal do prédio 20% mais magro, pesando 28,7kg (AZEVEDO, 2009b).

Os efeitos da segregação não se restringem à materialidade do corpo do indivíduo, mas, ao ambiente físico. Nesse aspecto, Azevedo (2009b) reproduz o comentário da reportagem relatado no Jornal do Commercio de 02 de fevereiro de 1902, quando afirma que descreveu a limpeza sem contar os assoalhos luzidios e os metais reluzentes que davam a impressão de asseio. Em todo o resto, o desleixo e a decadência eram tidos como claros e manifestos.

 Nesse cenário, observa-se, nas práticas discursivas, as habilidades requeridas aos cuidadores, quando fora escrito que o pessoal da casa replica ao visitante mal impressionado, que ninguém sabe o que é lidar com doidos. “De certo, cuidar de alienados não é coisa fácil; o enfermeiro de loucos precisa ser dotado de grande paciência; gente sem razão é gente sem regra” (AZEVEDO, 2009b, p. 14).

Um terceiro estudo que abarca o início do século XX, e adota por lócus o Hospício Nacional de Alienados, é o de Silva (2008). Seu objetivo foi analisar a criação do Pavilhão-Escola Bourneville. Utilizou como metodologia a revisão bibliográfica de artigos em periódicos, análise de prontuários do Pavilhão-Escola Bourneville, relatórios e legislação do período que versavam sobre a assistência aos alienados, textos literários de Olavo Bilac, de Lima Barreto e notícias publicadas na imprensa.

Ao descrever as personagens e ideias que estavam implicadas na criação deste Pavilhão, com ênfase para o campo científico, Silva (2008) destaca o conhecimento produzido na época sobre os diagnósticos relativos à infância e sobre o método médico-pedagógico empregado no Pavilhão. Desse modo, adota por objetivo perceber as vias pelas quais a criança se constituiu em objeto, não somente da ciência psiquiátrica, mas também das políticas públicas. Na medida em que a infância estava vinculada aos ideais republicanos de construção de uma pátria civilizada, nos moldes europeus, Silva (2008) observou que o referido Pavilhão-Escola Bourneville estava inserido num contexto mais amplo de constituição de uma assistência. Silva (2008) conclui que o investimento da ciência e da assistência psiquiátrica, no período em questão, quanto à infância, foi em consonância aos esforços no campo da medicina e educação. Ambas as atividades fizeram da infância objeto privilegiado de atenção, posto que a criança representa o futuro do país, fazendo-se necessário voltar o olhar para a construção de instituições e intervenções sociais.

Silva (2008) menciona os registros que constam nos relatórios do médico Diretor Fernandes Figueira sobre o Hospital de Bourneville, de 1905. Para Maia (MAIA, E.M, 1905, p.29 – citado por SILVA, 2008):

Na aula de gymnastica (a cargo do Sr. P. Lauret, a quem também está confiada a massagem) os meninos aproveitam muito, desenvolvendo-se-lhes o estímulo, levantando-se portanto o nivel moral, além dos incontestaveis beneficios á conservação da saúde (FIGUEIRA apud SILVA, 2008, p. 37).

Se a aula de ginástica dera resultado, o ofício de empalhador, igualmente reservado para os meninos, não gozava de regularidade, por falta de material.

No que diz respeito à educação das meninas, foi mencionada a mesma descontinuidade, referentes às lições de costura, segundo o relatório de Fernandes Figueira. Havia dificuldade em manter a atividade continuamente, visto haver irregularidade no envio de tecidos necessários ao trabalho. Mesmo assim: “As meninas, graças a uma empregada cuidadosa, que as guia na officina de costura, com ella fizeram toda a roupa necessaria aos internados no Pavilhão” (FIGUEIRA apud SILVA, p. 30). Conforme a observação feita pelo escritor Olavo Bilac e citada por Silva (2008), no que se refere ao ofício para meninas, na aula de costura algumas já costuravam bem, outras só sabiam pegar na agulha e outras que nada sabiam fazer, dependendo do seu grau de comprometimento:

Ha um pobre velho incumbido de ensinar aos meninos o officio de empalhador. Também não pode cumprir seus deveres com a necessaria continuidade, por que é não raro interrompido pela carência de material”. (FIGUEIRA apud SILVA, 2008, p. 37).

De acordo com estes registros, pelas restringidas e limitadas atividades oferecidas às crianças, previa-se o tipo de desenvolvimento das suas capacidades, assim como as perspectivas profissionais futuras.

Para além dessas oficinas, Figueira expressa seu anseio em instalar outras, como a instalação de um “[...] simulacro de mercearia (como se usa nas escolas allemãs) e que ensina praticamente aos meninos o valor do dinheiro e o mechanismo das trocas commerciaes” (FIGUEIRA apud SILVA, 2008, p. 37). A preocupação do pediatra com a regularidade das oficinas, enquanto tratamento médico-pedagógico, foi relatada igualmente no relatório de 1907. Seu argumento para a realização do tratamento médico-pedagógico consistia “[...] em educar o retardatário para que elle proveja, sem encargo para o Estado, a própria manutenção” (FIGUEIRA apud SILVA, 2008, p. 37).

Mediante essas considerações, foi consultado o texto de Olavo Bilac, “No Hospício Nacional”, publicado pela Kosmos Revista Artistica, Scientifica e Litteraria, citado por Azevedo (2006) e Silva (2008), o qual fornece mais informações sobre as práticas de tratamento utilizadas em relação àquelas crianças, métodos já utilizados, que se inspiravam nos que eram usados pelo Dr. Bourneville, em Salpetrière.

Em sua visita ao Pavilhão Escola de Bourneville, Bilac faz referência ao tratamento das crianças:

O processo, adoptado no Hospicio para o tratamento e a educação das creanças alienadas, é o processo de Seguin, modificado e aperfeiçoado por Bourneville; e chama-se ‘Bourneville’, o pavilhão, em que o Dr. Fernandes Figueira dedica todo o seu tempo e toda a sua bondade a essa tarefa sagrada de remediar os erros da Natureza, despertando a intelligencia adormecida dos seus pequenos pensionistas, – e, á maneira de um esculptor de almas, amassando, modelando, aperfeiçoando cerebros inertes, até animal-os de vida pensante. (BILAC, 1905, p.38).

E para

[...] desenvolver o corpo do doentinho, e ensinar-lhe a locomoção, ha uma serie de apparelhos de combinação engenhosa. Primeiro, o enfermo aprende a andar, a coordenar os movimentos das pernas, em carrinhos, com pontos de apoio para a axilla, perfeitamente guaes aos que se usam para amparar os primeiros passos das creanças de um ano; depois, é preciso tirar-lhe o medo do movimento, e prevenir-lhe as vertigens, – e essa educação é gradual, indo do emprego das escadas simples e das barras parallelas, até o do ascensor mecanico dos balanços e de outros apparelhos de gymnastica (BILAC, 1905, p.39).

Neste curso elementar, a criança apreenderia a percepção do mundo exterior.

Em seguida, o médico (antes professor do que medico) passa á instrucção do tacto, por meio da sensação da agua fria e quente, e do maneio de superficies asperas ou polidas, lixa, seda, velludo, objectos chatos; esphericos, cúbicos, cylindricos. E vem depois a educação do ouvido e da vista, por meio de tympanos de varios timbres e de pedaços de tecidos de varias cores. (BILAC, 1905, p.39).

Os progressos da aprendizagem daquelas crianças são salientados por Bilac:

Agora, já elle pode aprender a ser util a si mesmo: aprende a comer, a segurar a colher, a leval-a á boca e aprende a vestir-se. Este ponto especial de educação é interessantíssimo; não se póde imaginar o que é necessário empregar de longo e paciente esforço, para obter que a criança doente execute esta operação, para nos tão simples, de abotoar qualquer peça do vestuario. A mão inexperiente tacteia longo tempo, apprehende a fórma do botão e a fórma da abertura da casa, adianta-se, recúa, desiste da empreza, volta ao trabalho, porfia, até que, depois de innumeraveis lições e de incontaveis tentativas, consegue levar a cabo o feito que parecia impossível. (BILAC, 1905, p.40).

É interessante este relato de que a criança aprende a ser útil a si mesmo e aprende a fazer uso dos aparatos culturais, como segurar a colher, se vestir. Para Vigotski (1997), deve-se ensinar as pessoas com necessidades especiais, sem piedade. E adverte que a família (ou a escola) que trata com piedade ocasiona uma pesada carga para a criança.

As atividades do cotidiano objetivam instrumentar a criança para o convívio familiar e social. O treino com subidas de escadas, aulas de ginástica, de empalhador, lições de costura, simulacro de mercearia ou uso de massagem, assim como experimentar as sensações de calor, frio, tipos de superfície, ou a aprendizagem de levar a colher à boca, abotoar uma peça do vestuário são de grande utilidade prática. Vale ressaltar que, a função psíquica que remete às sensações, ocorre, na verdade, de modo a envolver várias outras funções psíquicas como a percepção, a atenção, o pensamento. Uma se relaciona com a outra. De acordo com Martins (2013), os substratos fisiológicos operam de modo decisivo na responsividade do organismo à estimulação da matéria, o que gera diferentes tipos de sensação. Aplica-se o princípio da modalidade com os receptores externos, o qual compreende os sentidos da audição, visão, tato, olfato e paladar. Além do princípio da modalidade, existe o de maior abrangência, que é o princípio de complexidade, em que as sensações são classificadas em interoceptivas, proprioceptivas e exteroceptivas. O primeiro grupo está entre as formas menos conscientes, mais difusas e mantém estreita relação com os estados emocionais. Por sua vez, o segundo grupo compreende as sensações proprioceptivas, da qual resultam as informações acerca da posição do corpo no espaço e, sobretudo, os movimentos requeridos para executar as ações. E o terceiro grupo, das sensações exteroceptivas representam o maior grupo sensorial, pois abarcam as sensações advindas dos cinco sentidos. Portanto, o simples detalhe de subir uma escada ao envolver movimentos de coordenação de alternação, de tônus muscular, ou de equilíbrio, resulta das três sensações citadas.

Só após o término desta aprendizagem preparatória, afirma Silva (2008), a criança, com a ajuda de instrumentos tais como letras de madeira, mapas e murais passaria à alfabetização. O entendimento de uma certa prontidão para avançar a outro degrau, como a alfabetização, ainda perdura nas escolas de hoje. Algumas práticas docentes entendem que é preciso ensinar a seguir o pontilhado para aprender a escrever com letra cursiva, quando existem crianças que aprendem a escrever, ortograficamente, por meio de letras de bastão. Estas realidades sinalizam que a aprendizagem nem sempre requer uma linearidade ou evolução, por meio de graus de conhecimentos.

As atividades descritas acima foram orientadas pelos médicos, aos profissionais que atendiam as crianças e jovens internadas no Pavilhão de Bourneville. A abordagem médico-pedagógica, que perdurou nos anos iniciais do século XX, representa uma revolução na área educacional, uma vez que, anterior ao período da biologização, a aprendizagem era identificada como faculdades, ou seja, “[...] formas de manifestação do espírito expressas na faculdade de percepção ou imaginação” (MARTINS, 2013, p. 55). Por meio da ciência moderna, estudos da biologia, ou sobre os específicos localismos cerebrais (posteriormente refutados), realizados por neurologistas, introduziram a visão de uma base material orgânica.

Nesse sentido, os estudos de Vigotski, Leontiev, Luria e outros, sem deixar de reconhecer no cérebro o substrato material dos processos psíquicos, romperam com explicações biologizantes e mecanicistas (MARTINS, 2013). Corpo e mente estão interligadas, de modo que “[...] o psiquismo humano se institui como imagem subjetiva da realidade objetiva [...]” (MARTINS, 2013, p. 53) e ambas são construídas histórico-socialmente por meio da atividade que vincula o homem à natureza. Portanto, o trabalho oferecido com instrumentos musicais, oficinas de artesanato de palha e alfaiataria/costura, manufatura de calçados são consideradas uma atividade material prática (externa), mas são primárias em relação à atividade mental (interna). Não obstante, mesmo a atividade externa executada pelo ser humano contém, desde sua gênese, componentes psíquicos internos. Ao atuar de forma instrumental (pelo emprego de signos), o ser humano domina a si mesmo.

Outra atividade relatada foram as sessões com o phonographo, levadas a efeito no Pavilhão Escola Bourneville, uma vez por dia:

A chegada do apparelho é saudada por uma explosão de alegria. Quando soam as primeiras notas da musica, toda a criançada, como obedecendo a um impulso irresistivel, dança e pula, n’uma sarabanda jovial. Depois, todos os pequenos socégam, formam um circulo em volta do phonographo, e assim ficam horas inteiras, immoveis, embevecidos, transportados, alheiados de tudo, embalado pela melodia... É um extase, que só termina, quando a voz do apparelho definha e morre, n’uma ultima nota arrastada (BILAC, 1905,  p.42).

O poeta ressalta igualmente a influência da música sobre as crianças:

E nem só n’esse amor do phonographo se manifesta a influencia que musica exerce sobre d’aquellas creaturas innocentes. Quase todos os asylados cantam e dançam frequentemente: e alguns d’elles referem a todos os brinquedos essas pequenas gaitas de sopro, que custam um nickel, e valem aos seus olhos um verdadeiro thesouro. A musica, arte primitiva, é o encanto d’aquellas almas também primitivas... (BILAC, 1905, p.43).

Segundo o poeta: “Quando elle chega, há um reboliço... E aquillo não parece, realmente, uma sala de hospital, mas uma escola, onde o professor é ao mesmo tempo mestre e pae...” (BILAC, 1905, p.43). Se a presença de um phonographo remetia à presença de uma escola, de um pai, por sua vez, a figura materna igualmente fora detectada diante do afeto expresso por uma cabocla chamada Tia Anna. Esta senhora foi internada enferma, há muitos anos, no hospício e, segundo o poeta, isso não foi suficiente para lhe alterar a bondade. Olavo Bilac a descreve como uma abnegada mãe adotiva, com um pobre cérebro doente, a cuidar no hospital das crianças internadas. Mesmo havendo enfermeiras solícitas e instruídas, que zelam e educam, ficou sendo a enfermeira predileta preceptora, a boa velha cabocla, a “[...] meiga mulher, que não sabe ler nem escrever, que é doente como ellas, que as entende bem, e cujo coração possui uma sciencia especial, toda feita de bondade e ternura [...]” (BILAC, 1905, p.42). Este cenário serviu para que Bilac atribuísse o sucesso de um método de tratamento que, em sua concepção, teria como base a “[...] paciência e a bondade para despertar essas intelligencias que dormiam” (BILAC, 1905, p. 43).

É interessante este episódio, pois aponta para possíveis estudos na área dos afetos, das emoções. Nas primeiras décadas do século XX, na Europa, a teoria das emoções era concebida com enfoque dual, cartesiano. Dicotomizava-se mente e corpo. Ora idealistas, ora materialistas/mecanicistas. Destacava-se o enfoque organicista, de cunho biologizante, por meio das teorias de W. James e C. G. Lange (MARTINS, 2013). De acordo com Vigotski, citado por Martins (2013), em nenhum outro campo de investigação se evidencia a cisão entre processos inferiores e processos superiores, como na discussão entre emoções e sentimentos. Freud, citado por Martins (2013), foi um dos pioneiros, reconhecido por Vigotski, que negaram que o mais importante no estudo das emoções devesse ser o estudo dos componentes orgânicos. Para o psicanalista, segundo Martins (2013), o que deveria ganhar proeminência seria o estudo da dinâmica interna das emoções humanas, fundamentalmente, de seus conteúdos psíquicos. Na tentativa de superar a visão materialista ou subjetiva, Vigotski defendeu, no tocante às emoções e aos sentimentos, o destaque para a internalização dos signos, a formação dos conceitos. Para ele, o ser não sente simplesmente, mas percebe o sentimento na forma do seu conteúdo. Nesse enfoque, os sentimentos são vividos como juízos e guardam sempre uma relação com o pensamento (MARTINS, 2013).

Para além do afeto, o método que encantou Olavo Bilac em sua visita ao Pavilhão Bourneville foi o médico-pedagógico, e este certamente serviu de suporte e orientação científica necessária para implantar uma assistência especializada (AZEVEDO, 2008, p. 44).

Com as doenças erradicadas ou reduzidas e os doentes mentais nos hospícios, a primeira década do século XX encerra a primeira etapa de civilização do Rio de Janeiro. A rua do Ouvidor dá passagem à Avenida Central. A nostalgia parisiense se tornava a realidade de “[...] uma Metrópole brasileira que mais parecia um pedaço da Europa” (NOSSO SÉCULO, 1985, p. 57).

Um futuro para um passado: da exclusão para a inclusão escolar

Quando a sociedade brasileira, no início do século, resolveu direcionar os doentes mentais para os hospícios, os intelectuais e políticos fizeram uso da prática de tradução, a qual consistiu na monocultura da classificação social. Cada atitude diferenciada ou perturbadora se transformou em motivo para enquadrar em um diagnóstico clínico e definir o futuro do sujeito. É possível mencionar, para ilustrar, o caso do menino Mário relatado neste texto, quando o médico percebeu que aquele menino não estava no lugar adequado, pois não se encontrou mal algum que justificasse sua permanência no hospício. Mas, e quantos foram, indevidamente, para aquele ambiente e ficaram até falecer? Muitos com possíveis diagnósticos que, no futuro, seriam considerados com deficiência intelectual e/ou com autismo. Isto, sem mencionar a própria injustiça de uma sociedade que, ao não disponibilizar atendimento adequado, enquanto o sujeito estava inserido na sociedade, optou pela precarização das condições sociais de existência. Por consequência, a desintegração emocional ou mental do ser humano para, então, tomar a atitude de segregá-lo.

No que diz respeito às práticas educacionais e médico-pedagógicas em relação às crianças e jovens com possíveis casos de autismo, houve uma tentativa de trabalhar com os processos psicológicos superiores. A transposição, na primeira década do século XX, do método de Séguin e Bourneville, revela a tradução para o Brasil do modelo médico-pedagógico existente na Europa. Ao que tudo indica, eram as alternativas disponíveis. Mesmo as contribuições da psicologia histórico-cultural, alavancadas por Vigotski, só começaram a ser divulgadas em Moscou na década de 20, conforme é averiguado nas referências bibliográficas de Vigotski (1997, 2000).

Contudo, observe-se: não é mencionado uma aposta na capacidade do sujeito de aprender os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, os conteúdos clássicos (SAVIANI, 2012). Praticamente, não comparecem relatos de trabalho envolvendo as “funções psíquicas superiores” (MARTINS, 2013, p. 74). Somente alguma ideia vaga, para alguns com noções de alfabetização. Este é o ponto o qual se almeja destacar com luminescência.

Um dos aspectos positivos a salientar, no tratamento médico-pedagógico, foi o oferecimento de atividades mediadas com diversos materiais, nas quais as crianças e jovens exerciam o trabalho social; a exemplo das oficinas de costuras, em que as meninas reclusas fizeram os uniformes para os demais internos do hospital de Bourneville. Uma pequena ação revela indícios de um ser não guiado por sua determinação orgânica-natural, mas sim, capaz de atuar como ser social ao transformar a própria realidade individual e ambiental. Por meio das oficinas, verifica-se a materialidade da própria consciência dos jovens internos, uma vez que, nestas atividades expressavam suas relações com outras pessoas e com o mundo. Ao se manifestar em atos na realidade objetiva pela costura, marcenaria, música, dentre outras, transformavam a realidade subjetiva.

A atividade material prática (externa), ainda que apresente componentes psíquicos internos, é primária em relação à atividade mental (interna). Existe uma ausência nas narrativas dos referenciais citados, da aprendizagem das funções psíquicas complexas, ou de produção de conceitos. A vontade, a atenção, a memória, a imaginação, a sensação e o pensamento das crianças e jovens comparecem nos relatos de forma difusa diante das sensações proprioceptivas, por meio da costura, das sensações intermodais (MARTINS, 2013) reveladas na alegria ao se depararem com o aparelho de som. De acordo com Luria, citado por Martins (2013), as sensações proprioceptivas resultam das informações acerca da posição do corpo no espaço. Enquanto as sensações intermodais compreendem as sensações como a percepção do som pelo surdo6, por meio da sensibilidade vibrátil.

Considerações finais

Muitas injustiças cognitivas foram feitas – diante da invisibilidade sobre a capacidade dos seres humanos aprenderem – com aquelas crianças e jovens consideradas antissociais, idiotas, alienadas, anormais, desvalidas, epilépticos, malucos, que hoje, talvez, fossem diagnosticadas com autismo. Verifica-se que foi realizado um diagnóstico temporal e, com ele, se obteve maior proeminência do que o ser que habitava aquele corpo. Certamente, para aquela época, a razão metonímica fez bom uso destas relações de biopoder.

É certo que, muitos profissionais atuantes nesses ambientes, intelectuais e políticos fizeram o melhor para oferecer maior dignidade e, mesmo aprendizagem, àquelas crianças estigmatizadas. Utilizaram-se das práticas já implantadas na Europa. Todavia, é neste aspecto que intelectuais e profissionais das áreas humanas precisam estar atentos. Por vezes, fazer uma simples transposição, pelo uso da razão indolente, do que já existe em outros lugares, e nem sempre é o mais adequado. É preciso refletir, ter menos pressa para apontar soluções. Não colocar os interesses imediatos na frente. Este é um compromisso da ciência; é relevante questionar: é possível transpor seu próprio tempo, quando se está tão imerso nas condições materiais de existência?

Os movimentos sociais e educacionais demandam por justiça social e cognitiva, principalmente, para que os sujeitos inseridos nas escolas não apenas ocupem estes espaços, mas de fato, sejam ensinados conteúdos clássicos, de forma que, ao aprender, se promova a transformação subjetiva e ambiental.

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Notas

1 A expressão utilizada, assim como outras, faz alusão aos termos empregados nos livros escritos naquela época.

2 Para reorganizar a Assistência a Alienados no País, o Presidente Rodrigues Alves assinou o Decreto nº. 1.132 de 22 de dezembro de 1903, o qual incluiria no corpo médico do Hospício um pediatra, e para esta atividade foi nomeado Fernandes Figueira para o cargo. Segundo o relatório de 1904-1905 de Afrânio Peixoto, em sua gestão interina como diretor do HNA, a referida legislação era a consolidação das propostas e planejamento de Juliano Moreira também no que se referia à assistência e educação dos atrasados e débeis (SILVA, 2008, p. 34).

3  O termo razão indolente é emprestado de Leibniz, no prefácio de Teodicéia [1710 (1985)]. Trata-se de uma razão preguiçosa a que antecipa não ser necessário fazer nada, não cuidar de nada e gozar apenas o prazer do momento, ao constatar que o que tiver de acontecer acontece independentemente do que fizermos (SANTOS, 2000).

4 Os últimos 200 anos remetem ao ingresso do Iluminismo, em resposta ao pensamento metafísico e em decorrência à supervalorização da razão humana pela ciência, por meio do positivismo. Como contexto político em que a razão indolente se desenvolveu, Santos, B.S. (2008) cita a consolidação do Estado liberal na Europa e América do Norte, as revoluções industriais e o desenvolvimento capitalista, o colonialismo e o imperialismo.

5 Adotaremos a grafia “Vigotski”, exceto em citações diretas, de forma a reproduzir a forma utilizada na obra referida.

6 Não obtivemos informações de internos com surdez. Todavia, na época, muitas crianças e jovens com surdez eram igualmente excluídos das escolas. Alguns, possivelmente não fossem surdos e sim com autismo, pois não faiam uso da linguagem oral.

 

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