http://dx.doi.org/10.5902/1984686X65373
Quem são e onde estão os universitários cegos no Brasil1?
Who and where are the higher education blind students in Brazil?
¿Quiénes son los estudiantes universitarios ciegos en Brasil y dónde están?
Margareth de Oliveira Olegario Teixeira
Doutoranda na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: margaretholegario@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9884-4871
Rosileia Lucia Nierotka
Doutora pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: rnierotka@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7999-915X
Geomara Balsanello
Mestra pela Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, SC, Brasil
E-mail: mara.balsanello@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6255-4349
Alicia Maria Catalano de Bonamino
Professora doutora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: aliciamcbonamino@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8778-5362
Recebido em 21 de abril de 2021
Aprovado em 05 de dezembro de 2021
Publicado em 31 de janeiro de 2022
RESUMO
A compreensão do perfil e dos aspectos institucionais e acadêmicos que envolvem os estudantes cegos no ensino superior se mostra de grande relevância para a reflexão sobre a efetividade das políticas afirmativas já existentes e como forma de subsidiar ações mais assertivas em relação ao atendimento especializado a esse público. O artigo é de cunho quantitativo e exploratório baseado em dados secundários dos microdados do Censo do Ensino Superior de 2018 (CenSup). Ele descreve o perfil e a inserção de estudantes cegos em Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas brasileiras, de acordo com características sociodemográficas e institucionais. Os dados foram analisados utilizando estatística descritiva. Em 2018, 2.537 estudantes cegos haviam se matriculado, 37,8% em IES públicas e 62,2% em IES privadas. Nesse cenário, duas questões orientam este estudo: em que tipo de instituição e área de conhecimento se dá a inserção desses estudantes? E, qual seu perfil sociodemográfico? Os resultados mostram a prevalência de matrículas de estudantes cegos na rede privada, distribuídas em 462 Instituições de Ensino Superior (IES), principalmente no segmento universidades (60,9%) e na modalidade de ensino presencial (75,8%). Os cursos superiores mais frequentados são nas áreas de Educação, Negócios, Administração e Direito. A maioria desses estudantes é do sexo masculino (55%), autodeclarados brancos (45,4%) e na faixa etária de até 30 anos de idade (62,9%).
Palavras-chave: Estudantes cegos; Ensino Superior; Perfil sociodemográfico.
ABSTRACT
Understanding the profile and the institutional and academic aspects that involve blind students in higher education is truly relevant for reflecting on the effectiveness of affirmative policies and to promote actions concerning specialized care to this public. The article is a quantitative, exploratory study based on secondary data from the 2018 Census of Higher Education (CenSup) microdata. It describes the profile and insertion of blind students in public and private Brazilian Higher Education Institutions (HEIs) according to sociodemographic and institutional characteristics. We analyzed the data on descriptive statistics. In 2018, 2,537 blind students had enrolled, 37.8% in public HEIs and 62.2% in private HEIs. Two questions guide this study: What kind of institution and field of knowledge are blind students have been enrolled in? What is their sociodemographic profile? The results show the prevalence of enrollment of blind students in the private sector distributed in 462 Higher Education Institutions (HEIs), mainly in the university segment (60.9%) and in the face-to-face education (75.8%). The most attended undergraduate is in the fields of Education, Business, Administration, and Law. Most of these students are male (55%), self-declared white (45.4%), and in the age group of up to 30 years old (62.9%).
Keywords: Blind students; Higher Education; Sociodemographic profile.
RESUMEN
La comprensión del perfil y de dos aspectos institucionales y académicos que involucran a los estudiantes ciegos en la educación superior es sumamente relevante para reflexionar sobre los efectos de las políticas afirmativas ya existentes y también como una forma de subsidiar acciones más asertivas con relación a la atención especializada a estos estudiantes. El artículo es un estudio cuantitativo y exploratorio basado en datos secundarios de los microdatos del Censo de Educación Superior (CenSup) de 2018. Describe el perfil y la inserción de los estudiantes ciegos en las Instituciones de Educación Superior (IES) brasileñas públicas y privadas según las características sociodemográficas e institucionales. Los datos fueron analizados utilizando estadística descriptiva. En 2018, se habían matriculado 2.537 estudiantes ciegos, el 37,8% en IES públicas y el 62,2% en IES privadas. En este escenario, dos preguntas orientan este estudio: ¿en qué tipo de institución y área de conocimiento se da la inserción de los estudiantes? ¿Y cuál es el perfil sociodemográfico? Los resultados muestran una prevalencia de matrícula de estudiantes ciegos en la red privada, distribuidos en 462 Instituciones de Educación Superior (IES), principalmente em el segmento “universidades” (60,9%) y em la modalidad de enseñanza presencial (75,8%). Los cursos de educación superior más concurridos son en las áreas de Educación, Negocios, Administración y Gestión. La mayoría de los estudiantes son hombres (55%), autodeclarados blancos (45,4%) y de hasta 30 años (62,9%).
Palabras clave: Estudiantes ciegos; Enseñanza superior; Perfil sociodemográfico.
Introdução
Este artigo descreve o perfil sociodemográfico e a inserção no ensino superior dos estudantes universitários com “cegueira total”, assim referida no Censo da Educação Superior, com o objetivo de traçar um panorama da inclusão de cegos em instituições de ensino superior públicas e privadas. Conhecer quem são e onde estão inseridos academicamente esses estudantes, contribui com a análise da política de inclusão que está ocorrendo no Brasil e para a melhor qualificação das políticas voltadas para a ampliação do acesso e da permanência deste público nas Instituições de Ensino Superior (IES). Esses dados podem também apoiar estratégias institucionais que favoreçam o uso de tecnologias assistivas nas relações de ensino-aprendizagem (ROSA et al., 2020).
A expansão e diversificação no perfil de estudantes do ensino superior brasileiro decorrem de políticas mais recentes, realizando-se, em grande medida, por meio de ações afirmativas voltadas para o acesso e a permanência. A inclusão de pessoas com deficiência na educação teve um marco importante com a Constituição Federal de 1988, que oficializou a educação como um direito público subjetivo, prevendo o atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988). A proposta de educação inclusiva tem como pressuposto a valorização da diversidade, como condição para a aprendizagem. Prieto (2006) defende que a ênfase deve recair sobre a identificação das possibilidades destes estudantes, culminando com a construção de alternativas para garantir condições favoráveis à sua autonomia escolar e social. A educação especializada passa a ser vista não apenas como uma modalidade específica, mas também como um conjunto de recursos que integra o sistema escolar e que apoia o atendimento à diversidade, estendendo-se ao ensino superior.
Ao se referir a essa proposta de educação inclusiva é necessário retomar, mesmo que brevemente, alguns aspectos do contexto nacional e internacional que marcaram a emergência desta concepção. A Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jontiem, em 1990, pode ser considerada um marco internacional. Diante de um quadro alarmante de analfabetismo no mundo, o debate principal esteve centrado nas necessidades básicas de aprendizagem e na universalização da educação para todas as crianças, jovens e adultos, sendo promovida pela ação conjunta das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Neste evento, foi aprovada a Declaração Mundial de Educação para Todos que, em seu artigo terceiro, firma o compromisso de: universalizar o acesso à educação e promover a equidade. Esse mesmo artigo se refere às pessoas com deficiência nos seguintes termos: “É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo” (UNESCO, 1998, p. 4). Esse movimento da educação para todos tem influenciado diretamente as legislações e políticas educacionais brasileiras.
Nas primeiras décadas do século XXI, vêm sendo desenvolvidos no Brasil muitas ações, programas e políticas educacionais que se propõem a contribuir com a democratização das condições de acesso e permanência no ensino superior e uma maior diversificação dos universitários, ao incluir egressos de escola pública, negros, indígenas, filhos de trabalhadores rurais e pessoas com deficiência. Esse conjunto de políticas educacionais impulsionou uma expressiva expansão das matrículas e das instituições, tanto na rede pública, quanto na privada. Nesse caso, destacam-se, principalmente, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), Programa Universidade para Todos (ProUni), Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e a Lei de Cotas.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é considerada a pioneira em ações afirmativas, uma vez que implementa ações desse cunho desde 2001, com foco em estudantes egressos de escola pública, negros e pessoas com deficiência. A partir de então, outras Instituições de Ensino Superior (IES) foram implementando ações afirmativas em suas políticas de acesso.
A Lei nº 12.711, conhecida como a Lei de Cotas, foi aprovada em 2012, depois de 13 anos de tramitação e de muitos questionamentos. Essa legislação prevê a reserva nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) de 50% das vagas em cada curso para estudantes que tenham cursado o Ensino Médio integralmente em escolas públicas, sendo que dessas, metade das vagas deve ser destinada a estudantes também com baixa renda (renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo). Em cada um desses grupos devem ser reservadas vagas proporcionalmente para pretos, pardos e indígenas. No final de 2016, a Lei nº 13.409 alterou a Lei de Cotas, passando a prever também a reserva de vagas para pessoas com deficiência, conforme o Censo do IBGE de cada Estado (BRASIL, 2012; 2016).
A aprovação dessa política pública de cotas para pessoas com deficiência no ensino superior teve influência também da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015), aprovada em julho de 2015, conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Esta visa “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, p. 1). Na área da educação, a referida Lei incumbe ao poder público o dever de promover um sistema educacional inclusivo e com qualidade em todos os níveis e modalidades. Entre outras ações, destaca-se o “acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015, p.7).
Conforme levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Geema), em 2012, havia apenas quatro IES que já possuíam alguma modalidade de ação afirmativa para o acesso de pessoas com deficiência (Feres Júnior et al., 2013). Em levantamento mais recente, Freitas et al (2020) mostram que a evolução de vagas para pessoas com deficiência nas universidades federais, de 2012 para 2018, foi de 10%, e esse aumento ocorreu principalmente em decorrência das cotas, a partir de 2017. Segundo os autores, em 2017, 39 IES federais haviam aderido a esta Lei, passando para 57, em 2018. Os autores destacam que existe uma dificuldade no preenchimento das vagas reservadas, tendo em vista os muitos recortes e critérios que a Lei prevê para as pessoas com deficiência, como, por exemplo, ser egresso de escola pública e possuir deficiência; ser egresso de escola pública, possuir deficiência e ser autodeclarado preto, pardo ou indígena e com baixa renda. Nas universidades públicas estaduais, a reserva de vagas tem sido menor, com apenas 1,2%, em 12 IES, enquanto nas federais, este percentual foi de 11,5%, em 2018.
Segundo dados da Cartilha do Censo 2010: Pessoas com Deficiência, um total de 45.606.046 pessoas, equivalente a 23,9% da população, possui algum tipo de deficiência, e destas, 1,6% são totalmente cegas (mais de 500.000 pessoas) (OLIVEIRA, 2012). Segundo Martins, Leite e Ciantelli (2018), a inserção de pessoas com deficiência no ensino superior é ainda muito tímida, com apenas cerca de 0,4% das matrículas.
Conforme dados retirados dos microdados do Censo da Educação Superior, nos últimos anos e principalmente a partir de 2017, com a adoção das cotas, o número de matrículas de pessoas cegas no ensino superior vem crescendo, passando de 1.883, em 2014, para 2.537, em 2018, um aumento de 34,7%. O número de novos ingressos nestes cinco anos aumentou em 44,7%, saindo de 530 ingressantes, em 2014, para 767, em 2018. Esse aumento foi maior principalmente em 2018, segundo ano de vigência da Lei. Já o número de concluintes aumentou em 31,8%, passando de 245, em 2014, para 323 em 2018.
Considerando esse contexto, o presente artigo analisa o perfil sociodemográfico dos estudantes cegos e demais características institucionais, tais como as áreas de conhecimento a que eles têm acesso, os tipos de IES e os apoios financeiros que recebem das IES. Os dados utilizados são oficiais e de acesso aberto, disponíveis no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Além da introdução, o artigo é formado por mais quatro seções. A primeira aborda aspectos da literatura sobre a inclusão das pessoas cegas no ensino superior; a segunda apresenta a metodologia; a terceira discute os resultados da pesquisa, em relação aos aspectos institucionais e acadêmicos e ao perfil dos estudantes cegos que frequentam o ensino superior, e na quarta seção, apresentam-se as considerações finais.
Inclusão dos estudantes cegos na educação superior
Esta seção busca apresentar algumas pesquisas que tratam da inclusão de pessoas com deficiência na educação superior, especificamente de estudantes cegos, e analisam os principais desafios das políticas públicas e de outras ações institucionais relativas ao acesso e à permanência. Foram encontrados poucos estudos de natureza quantitativa sobre o tema nas produções acadêmicas brasileiras, por isso, optou-se por privilegiar, aqui, a revisão de pesquisas qualitativas.
Ao refletir sobre as políticas públicas de acesso, inclusão e permanência de universitários cegos na graduação, Martins, Leite e Ciantelli (2018) destacam que as barreiras de acessibilidade se iniciam no momento dos exames vestibulares, pois, na ocasião da realização das provas, esses estudantes encontram poucas adequações espaciais, metodológicas e de comunicação. Deste modo, não basta o estudante se preparar intelectualmente no tocante aos conteúdos exigidos pelas provas, uma vez que permanecem barreiras de natureza arquitetônica e atitudinal nos momentos de realização dos certames, como ausência de elevadores para candidatos com deficiência física e o despreparo dos profissionais designados para a adaptação e leitura das provas para os candidatos com deficiência visual. Este fato é perceptível tanto nos exames vestibulares de universidades públicas como privadas. Mesmo com relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que dispõe de todo um aparato tecnológico e profissional, a questão da acessibilidade para a realização das provas ainda é um desafio.
Nesse contexto, as adaptações curriculares e o apoio de tecnologias assistivas (TA) devem “ser entendidas como um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstância de deficiência ou pelo envelhecimento" (BERSCH, 2013, p. 2). Essa situação indica que é preciso avançar para além das vagas e das adaptações nos exames de seleção para as universidades, de modo a incluir outras demandas desse público específico.
Com o objetivo de descrever os principais fatores que influenciam a conclusão de um ensino universitário por parte de pessoas cegas, o estudo de Silva Júnior (2013) mostrou que a qualidade da aprendizagem propiciada na educação básica e o processo de seleção para o ingresso no ensino superior influenciam a trajetória de conclusão. As dificuldades enfrentadas pelos estudantes como necessidade de trabalhar durante a graduação, falta de recursos tecnológicos e de materiais adaptados são fatores que interferem negativamente na permanência e na conclusão do curso, ao passo que o apoio dos professores e o suporte externo são fatores que favorecem este processo. Baseado na literatura de Vygotsky, o estudo concluiu que os fatores que mais influenciaram a conclusão universitária foram os internos (subjetivos), relacionados “a tomada de consciência e à vontade”, ou seja, a vontade de concluir esteve mais ligada a essa tomada de consciência diante das discrepâncias entre a realidade esperada e aquela propriamente vivida pelos estudantes cegos.
No que tange ao ingresso e à permanência de graduandos com deficiência no ensino superior, e baseado em iniciativas de 13 universidades brasileiras, Castro e Almeida (2014) observaram o desenvolvimento de políticas e a criação de ações que favorecem a escolarização deste alunado na graduação, como núcleos, acessibilidade física e a construção de manuais acessíveis. Em que pesem os avanços percebidos pelas autoras, o estudo salienta a necessidade de assegurar de fato a permanência desses estudantes nos cursos de graduação pela via do enfrentamento da evasão. A pesquisa aponta, ainda, a falta de mapeamento e acompanhamento da trajetória de estudantes no ensino superior, apontando, em síntese, três grandes desafios para as universidades: “romper as barreiras ainda existentes, principalmente as atitudinais; prever e prover as condições de acessibilidade (física, comunicacional e pedagógica) e; criar alternativas para evitar práticas excludentes por parte dos professores” (CASTRO; ALMEIDA, 2014, p. 191).
Quanto à reserva de vagas para pessoas com deficiência, Soares e Oliveira (2020) discutem suas implicações no ensino superior na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). As autoras questionam como as políticas afirmativas se articulam com as práticas docentes e demais políticas universitárias a fim de atenuar as desigualdades sociais, raciais e culturais no espaço universitário e constatam uma ampliação do acesso das pessoas com deficiência no ensino superior, inclusive, nos cursos em que a nota de corte do Enem é maior. Para as autoras, trata-se de uma conquista recente nas políticas educacionais brasileiras, que envolve um longo tempo e muitas dificuldades na busca por escolarização, tanto no ensino superior quanto na própria educação básica. Os resultados desse estudo também mostram a importância de iniciativas pedagógicas e de políticas de auxílios e bolsas para a permanência dos estudantes com deficiência.
Na perspectiva do atendimento das pessoas cegas nas universidades, Pieczkowski e Grapilha (2016) apontam que a maioria dos docentes do ensino superior não encontra dificuldades para avaliar os graduandos com baixa visão e têm aprendido no cotidiano maneiras de adaptar e ampliar textos, e oferecem materiais de maneira acessível no computador, permitindo a leitura através dos leitores de tela da preferência do estudante. Desta forma, percebe-se a importância desse conhecimento docente em relação ao atendimento especializado a estes estudantes, contribuindo para o acolhimento e inclusão destes em sala de aula.
Enquanto Oliveira (2017), acerca da avaliação da aprendizagem no acesso à graduação de estudantes com deficiência visual em uma universidade estadual, destaca que, em termos teóricos, a literatura indica haver uma “identidade da pessoa com deficiência visual”, que consiste no “reconhecimento de que pessoas cegas e com baixa visão percebem o mundo ao seu redor por outras perspectivas para além da visão. Eles estabelecem suas relações com seu eu, o outro e suas vivências partindo de uma perspectiva não visual” (OLIVEIRA, 2017, p. 191). Os resultados do estudo mostraram que ainda existem inadequações nos recursos de acessibilidade, no sentido de reconhecer que as demandas de estudantes com cegueira total e os com baixa visão são diferentes.
O estudo de Martins, Leite e Ciantelli (2018) realiza o mapeamento de estudantes com deficiência em três universidades públicas brasileiras, entre 2013 e 2016, e ressalta as dificuldades de identificação destes e dos tipos de deficiência. As autoras enfatizam que, apesar de existirem políticas mais recentes em favor de pessoas com deficiência no ensino superior, as matrículas são ainda inexpressivas e há muito a se fazer em termos de acesso e permanência. Sinalizam, também, a ausência de estudos sobre o tema, que permitam a identificação do perfil dos estudantes e de outros aspectos institucionais.
De um modo geral, observou-se que a literatura que trata da inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior e, mais especificamente, dos estudantes cegos, é ainda reduzida e com foco principalmente para o contexto pedagógico e de desempenho, barreiras na acessibilidade e na permanência e ações afirmativas. Entendemos que a formulação de políticas de acesso e permanência de estudantes cegos no ensino superior, que reduzam desigualdades e assegurem sucesso na conclusão do curso, implica conhecer o perfil geral desses estudantes e das instituições de ensino superior por eles frequentadas. O estudo aqui apresentado visa contribuir com o preenchimento dessa lacuna.
Método
Este estudo utiliza dados do Censo da Educação Superior (CenSup) de 2018, de acesso aberto e obtidos no portal do Inep. O CenSup é realizado anualmente, com base no fornecimento de informações pelas IES públicas e privadas de todo o país por meio do sistema e-MEC. O tratamento, validação e divulgação do CenSup é de responsabilidade do Inep. Para este estudo foram utilizadas informações dos módulos “aluno”, “curso” e “IES” dos microdados2 do CenSup. Os dados referentes às matrículas de estudantes cegos por regiões e unidades da federação, foram retirados da “Sinopse Estatística da Educação Superior 2018” (Inep, 2019).
O CenSup possui informações sobre as IES públicas e privadas, nas suas diferentes formas de organização administrativa, cursos, vagas oferecidas, matrículas, ingressantes, concluintes, dados pessoais e acadêmicos dos estudantes. Para esse estudo, a base do Censo foi recortada apenas para estudantes com deficiência, especificamente com cegueira total, matriculados no ensino superior em 20183. Para a caracterização do perfil dos estudantes e das IES foram utilizadas as seguintes variáveis: IES; Unidade da Federação (UF) da IES; Região da IES; modalidade de ensino; categoria administrativa da IES; organização acadêmica da IES; cursos de graduação; grande área de conhecimento4; grau acadêmico do curso; turno do curso; forma de ingresso; reserva de vagas; apoio financeiro5; sexo; faixa etária; e raça/cor.
A análise dos dados foi realizada por meio de estatísticas descritivas, com base em frequências simples e análises bivariadas. Para tanto, contou-se com o auxílio do Sistema Statistical Package for Social Sciences (SPSS) e do Excel.
Os resultados absolutos e relativos estão reportados descritivamente no decorrer do texto, de modo a facilitar a acessibilidade da leitura para pessoas cegas, uma vez que a leitura de tabelas elaboradas no Microsoft Word com o leitor de telas NVDA (NonVisual Desktop Access) não permite a compreensão de informações que não estão disponibilizadas de maneira linear.
Resultados
Esta seção apresenta os resultados do estudo e se encontra organizada em duas partes: a primeira apresenta aspectos institucionais e acadêmicos, ou seja, a inserção de estudantes cegos segundo os tipos de IES, cursos, regiões, formas de ingresso e recebimento de apoio financeiro; e a segunda apresenta características relacionadas ao perfil desses estudantes.
Aspectos institucionais e acadêmicos
Conforme os dados do Censo, dos estudantes cegos matriculados no ensino superior em 2018 (2.537), a maioria se encontra em IES da Região Sudeste, um total de 1.202 estudantes (47,4%), principalmente no Estado de São Paulo, com 738, que representa 29,1%, entre as demais unidades federativas. O segundo Estado com maior número de estudantes cegos no ensino superior é o Rio de Janeiro, com 237 (9,3%), seguido de Minas Gerais, com 198 (7,8%) (Inep, 2019). Em relação a distribuição das matrículas desses estudantes nas demais regiões do país6, 566 (22,3%) estavam concentradas na Região Nordeste; 425 (16,8%) na Região Sul; 175 (6,9%) na Região Centro-Oeste e 168 (6,6%) na Região Norte.
Com relação à modalidade de ensino, 75,8% estudam no modo presencial e 24,2% na modalidade à distância (Ead). Quanto à categoria administrativa da IES, 62,2% estudam em IES privadas, sendo predominantes as instituições privadas com fins lucrativos, e 37,8% estudam em IES públicas, majoritariamente em federais. Ainda que a matrícula de estudantes cegos seja predominante nas IES privadas, a presença de 37,8% deles em IES públicas é superior ao percentual de matrícula dos demais estudantes, que é de 24,5% (INEP, 2019), o que pode indicar reflexos positivos das políticas de cotas destas IES. As regiões Norte e Nordeste concentram a maioria dos estudantes cegos matriculados em IES públicas; nas demais regiões, a maioria se encontra matriculada na rede privada.
Os estudantes cegos estão distribuídos em 462 IES em todo o Brasil. Destas, 420 possuem até 10 estudantes cegos; 40 possuem de 10 até 100 e apenas duas IES possuem acima de 100: a Universidade Presbiteriana Mackenzie, com 282 estudantes (11,1%) e o Centro Universitário Internacional, com 141 (5,6%). O Centro Universitário de Maringá (Unicesumar) possui 100 estudantes cegos (3,9%). Essas três IES são privadas e possuem polos/unidades espalhados por todo o Brasil.
Com relação à organização acadêmica das IES, 60,9% dos estudantes cegos estudam em Universidades; 22,3% em Centro Universitários; 13,6% em Faculdades e 3,3% em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ou Centro Federal de Educação Tecnológica.
Os cursos de graduação mais frequentados por estes estudantes são: Direito (324); Pedagogia (227); Administração (158) e Psicologia (137). Ao fazer uma relação com o ensino superior como um todo no país, destaca-se que os cursos de Direito, Pedagogia e Administração são os que apresentam o maior número de ingressantes e concluintes, tendência que tem se mantido nos últimos dez anos (INEP, 2019). Ao analisar os cursos por grandes áreas de conhecimento, destacam-se as que mais abarcam estudantes cegos: Negócios, administração e direito (805); Educação (598); Saúde e bem-estar (294) e Engenharia, produção e construção (265). As áreas de conhecimento menos acessadas por estudantes cegos correspondem a Programas Básicos (8); Ciências naturais, matemática e estatística (31) e Serviços (39). A área de Programas Básicos contempla um conjunto de disciplinas de formação básica e não confere um diploma de ensino superior, correspondendo apenas a um ciclo para que o estudante possa, num segundo momento, ingressar em um curso de graduação com certificação (BRASIL, 2019). A área de Educação contempla todos os cursos de licenciatura voltados para a formação de professores. Esta área é a que mais possui estudantes cegos na modalidade Ead, 42,5%. No curso de Pedagogia, por exemplo, um dos mais frequentados por estes estudantes, mais de 50% estão nesta modalidade.
Quanto ao grau acadêmico, 61,4% dos estudantes cegos se encontram matriculados em cursos de bacharelados; 23,6% em licenciaturas e 14,7% em cursos tecnológicos. O turno com a maior frequência de estudantes cegos é o noturno, correspondente a 35,3%. Em seguida está a modalidade Ead com 24,2%, seguido pelo turno matutino, com 20,0% e integral, com 14,0%.
As duas formas de ingresso mais comuns entre os estudantes cegos são o vestibular e o Enem. Em seguida, destacam-se também outras formas, como o acesso por vagas remanescentes e por meio de seleção simplificada. Dos 2.537 estudantes cegos no ensino superior, 480, ou seja 18,9%, ingressaram por meio de reserva de vagas na seleção e, destes, 372 na reserva específica para pessoas com deficiência. A partir da modificação da Lei de Cotas, em 2016, que incluiu também a reserva de vagas para pessoas com deficiência, espera-se que continue nos próximos anos o aumento no número de matrículas de estudantes cegos e com outras deficiências, especialmente nas universidades e institutos federais.
Outro aspecto institucional que pode ser destacado a partir dos dados do Censo, é o apoio financeiro do Estado às IES, seja por meio de auxílios e bolsas voltadas para a permanência, considerado como apoio social, ou para custear as mensalidades no caso das IES privadas, como, por exemplo, o financiamento estudantil. Nas IES públicas, o apoio social é destinado principalmente para subsidiar gastos como transporte, alimentação, moradia e material didático. Destaca-se como um dos principais programas de apoio social o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), criado pelo MEC em 2007 e regulamentado em 2010 por meio do Decreto nº 7.234/2010, que tem como objetivo apoiar a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica em cursos de graduação nas Instituições Federais de Ensino Superior (BRASIL, 2010).
Entre os estudantes cegos matriculados, 41,1% são beneficiados com algum programa de apoio financeiro, sendo 15,4% com alguma modalidade de apoio social e 25,7% com alguma modalidade de financiamento estudantil. No caso das IES privadas, o financiamento estudantil ocorre na modalidade reembolsável, como é o caso do FIES, e não reembolsável, como é o ProUni. O FIES foi criado em 2001, com o objetivo de financiar estudantes de graduação no pagamento das mensalidades em IES privadas em até 100%, tendo um prazo de carência para o início do pagamento, após o término do curso, mediante condições e regras estabelecidas pelo MEC (BRASIL, 2001). O ProUni foi instituído em 2005, com o objetivo de conceder bolsa integral e parcial para estudantes de Instituições privadas, por meio de critérios, como renda, escola pública, deficiência e condição racial (preto, pardo ou indígena) (BRASIL, 2005).
Quanto à participação em atividades extracurriculares, como pesquisa, estágio, monitoria e extensão, 22,3% (566) dos universitários cegos participaram destas atividades em 2018. A maioria se envolveu em projetos de extensão universitária, 57,2% (324 estudantes), e de estágio, 29,8% (169 estudantes). É interessante destacar que quase 80% dos estudantes se envolvem de forma voluntária nestas atividades, pois apenas 115 (20,3%) deles recebem bolsa remunerada, sendo 60 com bolsas de extensão; 24 de estágio; 19 de pesquisa e 12 de monitoria.
Os programas de apoio financeiro e de atividades extracurriculares contribuem significativamente para o fortalecimento da permanência estudantil. Pesquisas, como de Sales Junior et al. (2016), Li e Chagas (2017), Costa (2018), Soares e Oliveira (2020), têm mostrado que estudantes que recebem apoio financeiro da IES e participam de atividades extracurriculares possuem menos chances de evadir e maiores condições de permanência e conclusão dos cursos.
Perfil dos estudantes
De acordo com os dados do Censup de 2018, com relação à distribuição dos estudantes cegos por gênero, 55% (1.396 alunos) são do sexo masculino e 45% (1.141) do sexo feminino. Na rede pública, a presença masculina é ainda maior que na privada (58,5% e 41,5%, respectivamente). Com base em outros dados produzidos pelo Inep (INEP, 2019; SEMESP, 2020), é possível perceber que esse dado difere do perfil geral dos alunos dos cursos de graduação no país, cuja predominância é do gênero feminino, com uma ocupação de 57% das vagas do ensino superior, em 2019, independentemente da modalidade (presencial ou EAD). Aliado a isso, de acordo com os dados da “Cartilha do Censo 2010: Pessoas com Deficiência” (OLIVEIRA, 2012), a prevalência para a deficiência visual é maior entre as mulheres, o que nos leva a pensar que o processo de inserção das mulheres cegas no ensino superior está ocorrendo de forma mais lenta, considerando as discriminações/desigualdades sofridas pelo gênero feminino, agravada pela deficiência visual. De acordo com Saffioti (2004), as pessoas com deficiência, ainda que estejam de certa forma protegidas pelo Estado, são marcadas pelos estigmas da dificuldade e da impossibilidade, sendo que as desigualdades que permeiam a sociedade são ainda mais sentidas quando envolvem pessoas com deficiência que sejam mulheres, negras ou pobres (FERREIRA, 2016).
Ao estratificar a presença de homens e mulheres pelas áreas de conhecimento, chama a atenção que nas IES públicas as mulheres apenas são maioria em cursos na área de “Saúde e bem-estar”. Mesmo na área de Educação, composta por todos os cursos de licenciatura, e que em geral possui uma maior composição feminina, no caso dos estudantes cegos a maior presença é masculina. Já na rede privada, além da área de “Saúde e bem-estar”, as mulheres são maioria também nas áreas de “Educação” e de “Ciências Sociais, jornalismo e informação”.
No que diz respeito à autoidentificação étnico-racial, 45,4% dos estudantes se declaram brancos, 30,2% pardos, 8,8% pretos, 1,7% amarelos e apenas 0,8% indígenas. Além desses, cerca de 13% optaram por não informar, ou a IES não dispõe da informação sobre a raça/cor dos discentes. Ainda que a maioria dos estudantes cegos se encontre vinculada a IES privadas, entre os autodeclarados negros, considerando pretos e pardos, essa realidade é um pouco diferente, pois 51,7% frequentam IES públicas. Esse dado é diferente dos dados do ensino superior como um todo no país, os quais indicam que a grande maioria dos estudantes negros se encontrava matriculada em IES privadas, no ano de 2018, mais especificamente, 72,2% dos universitários brasileiros, enquanto 27,8% estavam matriculados em IES públicas (SEMESP, 2020, p. 35). Destaca-se, também, que apesar do aumento gradual de estudantes negros cegos no ensino superior, impulsionados pelas políticas de cotas, a desigualdade e a exclusão ainda persistem. O maior percentual de estudantes cegos negros matriculados em IES públicas, face aos estudantes negros videntes, talvez se deva a superposição das cotas nas políticas afirmativas voltadas para negros e para pessoas com deficiência, o que pode indicar um acerto das políticas, na medida em que favorece o ingresso em instituições públicas de pessoas negras e cegas.
Com relação à faixa etária dos estudantes cegos, 62,9% possuem idade entre 16 e 30 anos, sendo que, desse total, 47,8% possuem até 25 anos; 11,7% entre 31 e 35 anos; 9,9% de 36 a 40 anos; 6% de 41 a 45 anos, e 9,5% têm acima de 46 anos. A distribuição dos estudantes cegos segundo as faixas etárias nas categorias administrativas das IES é semelhante. Em todas as faixas etárias há predominância de matrículas nas IES privadas, com uma tendência à concentração dos alunos com mais idade. Para a faixa etária entre 16 e 20 anos, por exemplo, 56,8% dos estudantes estão vinculados a IES privadas, já na faixa etária de 51 anos ou mais o percentual de matriculados em IES privadas chega a 66,1%.
Outro aspecto interessante é que 85,7% (1.370 alunos) dos estudantes cegos na faixa etária entre 16 e 30 anos, utilizam-se da modalidade presencial. Considerando a faixa etária a partir dos 31 anos, apesar da predominância do ensino presencial, esse percentual cai para 58,9%. Assim, nota-se que a modalidade presencial e a Ead possuem públicos diferentes. Enquanto os mais jovens buscam predominantemente o ensino presencial, o modelo EaD atrai um público com mais idade, confirmando assim os dados do ensino superior como um todo, no qual cerca de 83,5% dos cursos presencias públicos e 77,3% dos cursos presenciais privados são frequentados por estudantes com idades entre 18 e 29 anos (SEMESP, 2020).
Considerações finais
Este estudo permitiu conhecer melhor quem são os estudantes cegos que frequentam o ensino superior no Brasil e as características institucionais das IES em que estes estão matriculados, especialmente as políticas de permanência. Sem deixar de considerar a série de desafios impostos a esse público, é importante destacar que as ações afirmativas implementadas nos últimos anos, especialmente a Lei de Cotas, têm desempenhado um papel relevante no aumento das oportunidades de acesso ao ensino superior para pessoas cegas e/ou com demais tipos de deficiências.
Os dados evidenciam que os estudantes cegos que frequentam o ensino superior estão distribuídos em 462 IES, sendo a maioria em universidades. Estudantes negros frequentam mais as IES públicas, o que evidencia o impacto de políticas de ação afirmativas associadas. A concentração das matrículas dos estudantes cegos em IES privadas pode estar relacionada não apenas com o fato de 88% das IES do país pertencerem à rede privada, mas principalmente à qualidade da aprendizagem e da inserção dos alunos cegos em escolas de Educação Básica, nem sempre preparadas para garantir a estes a apropriação dos conhecimentos necessários para a aprovação no Enem e/ou vestibular. Isso acaba também por constranger as oportunidades de ingresso em instituições públicas.
Um dos principais achados deste estudo é a presença majoritária de cegos do sexo masculino (55%), o que contrasta com a presença massiva e crescente de mulheres no ensino superior. Sugerem-se novas pesquisas que possam aprofundar questões relacionadas ao perfil destes estudantes e à presença de mulheres cegas neste nível de ensino, principalmente quando associam a condição de serem pobres e negras (FERREIRA, 2016).
Além disso, os dados e a literatura levantada neste estudo apontam para a necessidade de políticas mais consistentes voltadas ao acesso e a permanência de estudantes cegos no ensino superior, que possam atentar para demandas pedagógicas, que respeitem a identidade destes universitários e para o rompimento de barreiras de acessibilidade que se iniciam ainda nas provas de seleção dos candidatos e na sua trajetória, caracterizadas pelas dificuldades de recursos tecnológicos adaptados e a falta de sensibilização institucional (SILVA JÚNIOR, 2013; OLIVEIRA, 2017; MARTINS; LEITE; CIANTELLI, 2018). Destaca-se, também, a necessidade de rompimento às barreiras atitudinais que remetem ao preconceito e à exclusão das pessoas com deficiência (CASTRO; ALMEIDA, 2014). O estudo de Ferreira (2016) mostrou que essas barreiras envolvendo a falta de interação, empatia, o estranhamento e o preconceito que acometem estudantes com deficiência visual, são apontadas como as maiores dificuldades para o acesso e a permanência, e que superam inclusive as barreiras tecnológicas e físicas. Pieczkowski e Grapilha (2016) salientam a importância do conhecimento docente acerca do atendimento inclusivo.
Apesar dos avanços na inserção de estudantes cegos no ensino superior, ainda há muito a ser feito pelas políticas educacionais e pelas IES para garantir igualdade de oportunidades, justiça social e a preservação do princípio da dignidade humana dessa população específica.
Referências
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Notas
1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
2 Dados retirados do Portal do Inep: http://portal.inep.gov.br/web/guest/microdados.
3 A escolha pelo ano de 2018 ocorreu pelo fato de trazer o dado do censo mais atualizado no momento da escrita deste artigo.
4 Variável construída pelo Inep, conforme o “Manual para classificação dos cursos de graduação e sequenciais – CINE BASIL 2018”.
5 Variável organizada a partir da identificação do recebimento de apoio social ou financiamento estudantil por parte do estudante, sem especificar as modalidades de apoio.
6 Destaca-se que um estudante constava com matrícula no exterior.
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