http://dx.doi.org/10.5902/1984686X55379

Projeto Pedagógico do curso de Letras Libras: o bilinguismo em questão

Pedagogical Project of the Letras Libras course: the bilingualism in question

El Proyecto Pedagógico del grado de Letras Libras: el bilinguismo en cuestión

Ritha Cordeiro de Sousa e Lima

Mestranda na Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB, Brasil

E-mail: ritha.lima@ifpb.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7062-317X

Ana Dorziat

Professora doutora da Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB, Brasil

E-mail: ana_dorziat@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1973-3613

Recebido em 26 de setembro de 2020

Aprovado em 24 de fevereiro de 2021

Publicado em 23 de março de 2021

RESUMO

A formação bilíngue das pessoas surdas tem ocasionado tensões, uma vez que a prática do ensino de línguas de modalidades distintas demanda não apenas estratégias de técnicas formais para apropriação de códigos linguísticos, mas principalmente reflexões sobre um currículo culturalmente situado. A partir dessa premissa, desenvolvemos uma pesquisa em um curso (Letras Libras) que tem como alvo as pessoas surdas. Para tanto, usamos as lentes epistemológicas dos Estudos Culturais e dos Estudos Surdos, por considerarmos que as mesmas permitem maiores incursões no fenômeno educacional que envolve as pessoas surdas. A partir da questão de pesquisa “de que forma o curso de Letras Libras aborda os aspectos que envolvem os princípios bilíngues em seu PP (Projeto Pedagógico)?”, buscamos, por meio de uma pesquisa documental, com foco no PP do curso de Letras Libras, atingir o seguinte objetivo: identificar aspectos dissonantes com relação aos princípios bilíngues no PP do curso de licenciatura em Letras Libras. Os resultados mostraram que há fragilidade quanto a esses princípios no documento analisado (PP), sobretudo acerca de como se dariam alguns procedimentos metodológicos quando o processo ocorresse por meio do uso da Libras.

Palavras-chave: Pessoas Surdas; Bilinguismo; Projeto Pedagógico.

ABSTRACT

The bilingual upbringing of deaf people has caused tensions since the teaching of languages of different modalities demands not only the strategies of formal techniques for the appropriation of linguistic codes, but mainly reflections on a culturally based syllabus. Based upon this premise, we have researched a Brazilian Sign Language (Libras, in Portuguese) undergraduate course, which targets deaf people. For this purpose, we applied the epistemological lenses of the Cultural Studies and the Deaf Studies, because we believe they allow greater forays into the educational phenomenon that involves deaf people. Based on the research question “in what way does the Libras undergraduate course approach the aspects involving the bilingual principles in its PP (Pedagogical Project)?”, and through a documentary research focused on the PP of the Libras undergraduate course, we sought to achieve the following objective: Identify dissonant aspects related to the bilingual principles in the PP of the Libras undergraduate course. The results showed that there is fragility regarding these principles in the analyzed document (PP), especially about how some methodological procedures would occur when the process occurred through the use of Libras.

Keywords: Deaf People; Bilingualism; Pedagogical Project.

RESUMEN

La formación bilingüe de las personas sordas ha ocasionado tensiones, una vez que la práctica de la enseñanza de lenguas de modalidades distintas demanda no apenas estrategias de técnicas formales para la apropiación de códigos lingüísticos, sino principalmente reflexiones sobre un currículo culturalmente situado. A partir de esta premisa, desarrollamos una pesquisa en un curso (Letras Libras) que tiene como objetivo a las personas sordas. Para ello, usamos las lentes epistemológicas de los Estudios Culturales y de los Estudios Sordos, por considerar que las mismas permiten mayores incursiones en el fenómeno educacional que envuelve a las personas sordas. A partir de la cuestión de la pesquisa “¿de qué forma el curso de Letras Libras aborda los aspectos que envuelven los principios bilingües en su PP (Proyecto Pedagógico)?”, buscamos, por medio de una pesquisa documental, con foco en el PP del curso de Letras Libras, alcanzar el siguiente objetivo: identificar aspectos disonantes con relación a los principios bilingües en el PP del curso de licenciatura en Letras Libras. Los resultados mostraron que existe fragilidad en cuanto a estos principios en el documento analizado (PP), sobre todo acerca de cómo se darían algunos procedimientos metodológicos cuando el proceso ocurriese a través del uso de Libras.

Palabras clave: Personas Sordas; Bilinguismo; Proyecto Pedagógico.

Considerações iniciais

Ao longo de anos, pudemos perceber um aumento considerável de sujeitos surdos no âmbito da educação regular brasileira, em especial no acadêmico. No entanto, esse quantitativo não tem sido acompanhado por ações educativas consistentes no interior das instituições de ensino, no que tange à língua natural das pessoas surdas (Libras- Língua Brasileira de Sinais), desconsiderando-a enquanto um dispositivo curricular potente, para além de recurso didático de transmissão de informações/conteúdos. Ao contrário, tal processo vem sendo materializado como um continuum do planejamento pedagógico para pessoas ouvintes, com o acréscimo de tradução da língua oral para a de sinais, em vistas de atingir às pessoas surdas.

A importância dos aspectos linguísticos para o desenvolvimento integral das pessoas levou a área de estudos/pesquisas sobre a educação de pessoas surdas a trazer esse componente para o centro das discussões, o que tem historicamente gerado polêmicas no universo surdo. A premissa de que a linguagem era fator essencial no desenvolvimento humano, inclusive, serviu de justificativa, por muitos anos, para prover as pessoas surdas de habilidades orais.

Após uma longa trajetória de debates e estudos sobre a constituição das línguas de sinais como língua de fato, adensada pelos movimentos surdos que a reivindicavam no seu cotidiano, a Libras foi legalmente reconhecida como primeira língua das pessoas surdas brasileiras, através da Lei nº 10.436/2002. Esta e outras legislações - Lei nº 8.213/1991, Lei nº 10.098/2000, Lei nº 13.146/2015 - foram importantes para as pessoas surdas ocuparem, cada vez mais, espaços educacionais e acadêmicos.

No entanto, mesmo reconhecendo a conquista que a ocupação desses espaços representa, é preciso ir além. No tocante à universidade, urge avaliar como elas estão sendo inseridas nos cursos superiores, sobretudo no curso de Letras Libras, que forma para a docência em Libras. Por ser um curso voltado para peculiaridades das pessoas surdas, é importante buscar desvendar estratégias educacionais que contribuam para essa formação.

Assim, definimos como questão de pesquisa1: De que forma o curso de Letras Libras aborda os aspectos que envolvem os princípios bilíngues em seu PP (Projeto Pedagógico)? Assim, o objetivo da pesquisa foi identificar aspectos dissonantes com relação aos princípios bilíngues no PP do curso de licenciatura em Letras Libras.

O caminho metodológico

Visão epistemológica de pesquisa

Iniciamos este tópico usando as palavras de Veiga-Neto, para quem, “a cada recomeço, não podemos pressupor e exigir que todos saibam onde estamos e de onde falamos, saibam em que paradigma nos movimentamos, saibam quais são as peças do nosso quebra-cabeça” (2007, p. 46).

Baseadas nisso, apresentamos nosso lugar de fala, expondo a aproximação desta pesquisa à perspectiva pós-crítica, por acreditarmos que ela abre caminhos para discussões mais engajadas às questões latentes dos grupos vulneráveis, trazendo como critério de análise as identidades/diferenças desses grupos, envoltos nas relações culturais e de poder.

Por estar aberta a traços que vão se definindo ao longo do caminho, a pesquisa pós–crítica está em constante processo de construção, desde a fase de elaboração do projeto até a leitura e análise atenta dos dados. Para Paraíso (2004, p. 284), “as pesquisas pós-críticas constituem sistemas abertos, compostos por linhas variadas, elas também compõem linhas, tomam emprestados algumas e criam outras”.

Sendo assim, não há uma captura irrepreensível de todos os objetos delineados, uma vez que as pesquisas ocorrem com pessoas e não em pessoas, pessoas únicas, contidas numa determinada realidade sócio histórica e cultural (ROMÁRIO, 2018).

No bojo das pesquisas pós-críticas, as visões epistemológicas presentes nos Estudos Culturais vêm oportunizando com maior contundência a superação de ideias positivistas, baseadas na neutralidade e na imparcialidade. Desse modo, desde o momento de delimitação do tema norteador da pesquisa e de seleção de autores e autoras com quem travamos diálogo com os dados, nossa visão epistemológica, enquanto pesquisadoras, ia se delineando e sendo implicada.

Lócus da pesquisa: o curso de Letras Libras da UFCG/PB

Após a bem-sucedida aceitação do público surdo ao curso a distância, foi implementado o curso presencial em algumas universidades do país, dentre elas a Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, campus Campina Grande, no ano de 2016, através da Resolução nº 08 (UFCG, 2016a).

O curso de Letras Libras estruturou-se em alguns núcleos de conteúdo que perfaziam 3.330 (três mil trezentas e trinta) horas de atividades didáticas, as quais correspondiam a 222 (duzentos e vinte e dois) créditos, da seguinte forma:

Quadro 1 – Estruturação do curso de Letras Libras

NÚCLEO DE CONTEÚDOS

CARGA HORÁRIA

CRÉDITOS

%

Básicos

1.560

104

46,9

Complementares obrigatórios

1.290

86

38,7

Complementares optativos

270

18

8,1

Atividades Acadêmico-Científico-Culturais

210

14

6,3

Total

3.330

222

100

Fonte: UFCG (2016a).

De acordo com a mencionada Resolução, o curso teria duração mínima de nove períodos e máxima de quatorze períodos, permitindo ao aluno e à aluna se matricularem em componentes curriculares que totalizassem até vinte e oito créditos por período.

Após contatos iniciais com a Unidade Acadêmica de Educação (UAEd), que é o setor da universidade que vem historicamente realizando formação de pedagogas e pedagogos em educação de surdos, responsáveis por estudos na área de línguas/idiomas, “entenderam que seria melhor alocar o curso na Unidade Acadêmica de Letras (UAL)”, a qual já contava com outros cursos de licenciatura destinadas ao ensino de línguas (UFCG, 2015a, p. 6).

A comissão organizadora contou com a participação de três professoras da Unidade Acadêmica de Letras (UAL) e duas professoras da Unidade Acadêmica de Educação (UAEd), as quais tinham experiência no desenvolvimento de formação e assessorias que envolviam a educação de pessoas surdas. Essa comissão determinou que o curso, com vistas a atender à comunidade surda de Campina Grande/PB e regiões circunvizinhas, deveria ter como prioridade a inserção de discentes e docentes fluentes em Libras. Tal habilidade ficou destacada, em se tratando de discentes, no processo seletivo específico em Libras. Para docentes, o domínio da língua foi averiguado na prova didática do concurso para docentes (UFCG, 2016b).

Após a implantação do curso, o primeiro processo seletivo para o ingresso na Licenciatura em Letras Libras ocorreu em 19 de março de 2017 (UFCG, 2016b). A prova foi gravada em Libras e transmitida aos candidatos e às candidatas através de projeção coletiva, um processo bastante semelhante ao exame Prolibras2, consistindo em trinta questões e uma proposta de redação, esta última a ser escrita em língua portuguesa por todos candidatos e todas candidatas, surdos, surdas e ouvintes. A duração do processo totalizou cinco horas, incluindo o preenchimento do cartão resposta (UFCG, 2016). No ano de 2020, o curso contava com a quantidade de 81 (oitenta e um) alunos e alunas, sendo 27 (vinte e sete) surdos e surdas e 55 (cinquenta e cinco) ouvintes.

A seleção dos docentes e das docentes do curso de licenciatura em Letras Libras se deu através de Concurso Público de Provas e Títulos, com oferta de nove vagas destinadas a Unidade Acadêmicas de Letras da UFCG, com carga horária de quarenta horas semanais em regime de dedicação exclusiva.

As vagas destinadas foram distribuídas por área da seguinte forma: sete vagas para a área de “Libras”, uma vaga para a área de “Libras: Literatura” e uma vaga para a área de “Português como segunda Língua para surdos”.

Como uma das etapas previstas no concurso, a prova didática deveria ser “realizada em Libras” pelos candidatos e pelas candidatas “para qualquer uma das áreas”, deixando em relevo a necessidade de haver fluência em Libras (UFCG, 2015b, p. 6). Desse modo, desde a seleção docente, foi possível identificar a necessidade de que a Libras assumisse o papel de língua de instrução no decorrer da formação dos estudantes e das estudantes que ingressassem no curso de Letras Libras.

As vagas que foram reservadas para o provimento do cargo de professor e professora de Libras nas três áreas foram preenchidas, tanto por aprovação no processo seletivo quanto por processo de remoção interna da UFCG, sendo duas professoras ouvintes sinalizantes, dois professores surdos e quatro professoras surdas.

Além da composição do quadro docente via concurso, o curso de Letras Libras contou com mais três professoras, sendo uma professora surda e duas professoras ouvintes. No momento da coleta de dados, o curso estava composto por um quantitativo de doze professores e professoras, sendo oito surdos e surdas e quatro ouvintes.

Pesquisa documental: da teoria à ação

Escolhemos a pesquisa documental por acreditarmos que ela possibilita “identificar informações factuais nos documentos a partir de questões e hipóteses de interesse” (CAULLEY, apud LUDKE; ANDRE, 1986, p. 38), com vistas à realização do encontro dessas fontes com as concepções teórico-epistemológicas que dão base à pesquisa.

Assim, a pesquisa documental pode ser considerada “um procedimento que utiliza técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos” (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p. 5), podendo, o documento, ser a única ou principal fonte para obtenção dos dados a serem analisados (KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015).

 Não obstante, o documento deve ter por característica não ter recebido “ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 2017, p. 45), visto que cada pesquisa é única, sendo seu desenvolvimento dependente do foco analítico de cada pesquisador ou pesquisadora. Isso quer dizer que os mesmos dados podem sofrer tratamentos diferentes, de acordo com a visão epistemológica e a subjetividade do pesquisador ou da pesquisadora.

Como, neste estudo, a pesquisa documental focou num curso implantado recentemente, as produções aqui desenvolvidas são inéditas em termos de estudo científico.

Tendo esses como pontos teóricos importantes, definimos o estudo do PP do curso de licenciatura Letras Libras da UFCG.

O ponto norteador no exame desse documento residiu na busca de que ele ofereceria “pistas, sinais, vestígios” (EVANGELISTA, 2008, p. 6), que julgamos serem de grande importância para realizar os recortes de análise sobre o processo bilíngue proposto pelo referido curso.

O corpus de análise do documento foi organizado no quadro a seguir:

Quadro 2 Corpus de análise


DOCUMENTO

RECORTES

PP

 

·         Perfil do curso

·         Metodologia

·         Objetivos geral e específicos

Fonte: UFCG (2015a).

Apesar da contribuição da fonte documental, a racionalidade que reside nela não é dada previamente. Antes, faz-se necessário que as objetivações do pesquisador e da pesquisadora estejam bem definidas para que não se trace caminhos de fuga do objetivo proposto no meio do processo (EVANGELISTA, 2008). Visando não fugir ao objetivo proposto, como salienta a autora, os recortes foram coletados do documento a partir de sua leitura na íntegra.

Análise de dados

Para o tratamento dos dados, fizemos uso da análise interpretativa, por julgar ser essa uma metodologia que nos permite tomar contornos com maior abertura, desestruturá-los, para então reestruturá-los, com vistas a responder as inquietações motivadoras do estudo (BARCELLAR, 2015). Nas palavras de Severino, a análise interpretativa é:

Interpretar em sentindo restrito, é tomar uma posição própria a respeito das ideias anunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas, é forçar o autor a um diálogo, é explorar toda a fecundidade das ideias expostas, é cortejá-las com outras, enfim, é dialogar com o autor (2007, p. 52).

A análise interpretativa é, portanto, uma – dentre outras - possibilidades metodológicas de compreender e interpretar o que os dados dizem. Embora tal análise traga uma maior leveza analítica, ela conduz o pesquisador e a pesquisadora a um “juízo de valor, uma tomada de decisão” (SEVERINO, 2007, p. 53) com a finalidade de uma avaliação de quais “critérios são determinados a partir da constituição do texto analisado” (SEVERINO, 2007, p. 54). Esta análise possibilitou a busca de uma compreensão interpretativa e um olhar crítico para os dados, ponderando sobre as questões que envolvem o processo educacional bilíngue.

O Bilinguismo e o curso de Letras Libras

O processo educacional de pessoas surdas é atravessado por fortes tensões oriundas, principalmente, do fato de, muitas vezes, a questão linguística3 ser desvinculada da cultural. Embora, ao tratar sobre bilinguismo, o próprio nome sugira que a questão linguística está em relevo, o grande desafio lançado por essa concepção de ensino para surdos é trazer à baila o respeito às idiossincrasias das pessoas surdas, abordando o tema a partir do viés cultural envolto no aspecto visual, sendo a língua de sinais parte desse processo.

A atenção ao critério da língua de sinais, portanto, não é uma iniciativa meramente didática, que se restringe ao seu uso como língua de tradução. Muito menos apenas a utilização de material visual. Ambas as ações devem ser consequência do estabelecimento de um currículo culturalmente engajado, com vistas a proporcionar o desenvolvimento integral das pessoas surdas, sobretudo o cognitivo, o que lhes vai permitir acessar aos vários outros tipos de conhecimentos, entre eles o da língua majoritária, a língua portuguesa (no Brasil), preferencialmente na modalidade escrita (PEREIRA; VIEIRA, 2009).

O currículo aqui tratado tem por suporte os Estudos Culturais, que é visto “como um campo de luta em torno da significação e da identidade” (SILVA, 2005, p. 134), rejeitando a visão que alguns saberes são superiores, lançando à margem diversas manifestações culturais e elegendo alguns conhecimentos como hegemônicos. Uma vez superada essa ilusão de uniformidade que há muito foi divulgada por uma perspectiva positivista, o currículo perde o seu poder de unicidade e passa ser pensado, elaborado, trabalhado, a partir da multiplicidade social existente (SILVA, 2001).

Esse tipo de visão curricular desnuda as relações de poder, quando questiona a escolha de um conhecimento e não de outro, denuncia a centralização de processos educacionais arraigados a uma visão burguesa de sociedade e desnaturaliza as verdades únicas e homogeneizadoras, que dificultam a ressignificação dos conhecimentos.

Ao se definir assim, “um currículo inspirado pelas teorias pós-críticas em Educação exige trazer ao centro do processo o outro que sempre foi excluído das discussões educacionais” (DORZIAT, 2009, p. 42). Esse entendimento é um convite a pensar fora da caixa4; a vislumbrar a diferença como parte do processo do se tornar humano e a desviar-se da concepção técnicas de ensino a serviço da construção mercadológica.

Trazendo essa perspectiva de currículo ao processo educacional de pessoas que sempre estiveram à margem, como as surdas, o princípio das diferenças como parte das trajetórias de vida emerge de forma contundente. Nesse sentido, os alunos surdos e as alunas surdas deixam de ser meros receptores passivos e passam a se reconhecerem sujeitos do processo de construção dos conhecimentos, a partir de suas elaborações culturais, tendo a língua de sinais como o instrumento de leitura de mundo.

Portanto, tão importante quanto entender que a Libras deve agir como primeira língua e a língua portuguesa, em sua modalidade escrita, como segunda língua (KOBER, 2008, p. 162), é saber que a abordagem bilíngue para pessoas surdas está diretamente vinculada ao uso dessas ferramentas linguísticas para além de estratégias didático-pedagógicas (DORZIAT, 1999). Se a Libras não for tomada como parte de um currículo engajado culturalmente, seu uso não passará de uma artificialização linguística.

Nesse contexto, o ensino bilíngue não deve ser regido pelo uso da língua de sinais, visando, unicamente, o ensino da língua portuguesa escrita e a consequente adequação das pessoas surdas ao mundo das ouvintes. A educação bilíngue é aquela que permite “clareza sobre quem é o surdo [e a surda] a quem ensinamos, sobre o que almejamos para ele [e para ela ] e, acima de tudo sobre o que ele [e ela] almejam para si próprios” (DORZIAT, 1999, p. 28).

Até quando as ações institucionais focam apenas nos aspectos linguísticos, utilizando intérpretes como tradutores de conhecimentos neutros e imparciais, elas desconsideram as diferenças substanciais presentes no uso de línguas, por exemplo, da Libras em relação à língua portuguesa, referentes à morfologia, sintaxe, semântica-pragmática. Nas palavras de Quadros (2019, p. 41), as “[...] estruturas fonética e fonológica das línguas de sinais as distingue das línguas orais por serem pautadas na articulação dos sinais, envolvendo braços, mãos, dedos, tronco e face”. Isso põe à mostra os enfrentamentos empreendidos pelas pessoas surdas com a transposição simples e literal entre as duas línguas. Esse quadro se complexifica quando se trata da aquisição da segunda língua (a língua portuguesa) sem que tenha sido lhes proporcionado experiências ricas, espontâneas e variadas na primeira língua (língua de sinais), promovendo o encontro com suas formas de apreender o mundo, sua cultura surda.

A educação bilíngue é assegurada pelas legislações vigentes, a Lei nº 10.436/02 (BRASIL, 2002) e o Decreto que a regulamenta, nº 5.626/05 (BRASIL, 2005), reconhecendo, desse modo, a condição bilíngue das pessoas surdas (QUADROS, 2019), o que significa uma conquista da comunidade surda, dado o percurso histórico de sua educação. Assim, a língua de instrução deverá ser a língua de sinais, uma vez que ela é a língua de interação das pessoas surdas, e a língua portuguesa deve ser estudada como conteúdo, fazendo parte de um componente curricular. É relevante, no entanto, chamar atenção para o fato de que “não basta usar a língua como instrumento, mas torná-la símbolo de uma cultura diferente. Nem pior, nem melhor, apenas diferente” (DORZIAT, 1999, p. 30).

As estratégias decorrentes de uma proposta bilíngue são oriundas da concepção de que as pessoas adquirem espontaneamente a língua, durante a exposição ao seu uso natural, nos primeiros anos de vida. Para isso, é preciso que essa língua circule nos ambientes sociais. O que tem acontecido é que a circulação se dá apenas nas modalidades orais, de natureza fonética, privando as pessoas surdas de um desenvolvimento linguístico-cognitivo-social adequado. Esta é considerada a maior dificuldade vivenciada tanto pelas pessoas surdas quanto pelos educadores e as educadoras, sobretudo os da escola regular.

Em se tratando da aquisição da língua portuguesa, sob quais formas seria, então, possível o reconhecimento da relação fonema-grafema por uma pessoa que, por suas diferenças biológicas, não possui feedback auditivo suficiente para realizar/controlar as emissões adequadamente? A questão não se refere à defesa de que as pessoas surdas não podem fazer uso da leitura e escrita, mas a afirmação de que elas podem adentrar no mundo da leitura e escrita através do estabelecimento de relações na prática social.

Considerando que a língua natural se torna indispensável nos processos de desenvolvimento humano, é possível afirmar que a língua de sinais para as pessoas surdas cumpre a mesma função que a língua oral para as ouvintes. Os pais dessas crianças criam um ambiente de leitura quando elas ainda são muito pequenas, fazendo perguntas investigativas sobre o que leem para aguçar nas crianças o processo de inferências. E quanto às crianças surdas? Estas, na maioria das vezes, chegam à escola sem nunca terem vivenciado um ambiente de leitura no seio familiar (SÁNCHEZ, 1999). Quando finalmente conseguem vivenciar um evento de leitura na escola, ele é feito, na maioria das vezes, de maneira artificial, descontextualizado e com pouca interação, já que a principal função daquele momento – que deveria ser prazeroso, para não dizer mágico – é a alfabetização numa língua que não é sua.

Desse modo, é possível inferir que será por meio da língua de sinais que os surdos e as surdas atribuirão sentido aos signos escritos, porque já são capazes de dar sentido ao mundo circundante. Assim, poderão abandonar o papel de decodificadores ou até mesmo copistas, e a dependência do outro, passando a ser protagonistas do processo de escrita (KARNOPP; PEREIRA, 2006). Concordamos com Sánchez, ao afirmar que “a aquisição da língua escrita não é possível se o ‘aprendiz’ não se encontra imerso em uma rede de interações com adultos usuários competentes nesta língua” (1999, p. 42, tradução nossa).

Embora a discussão pareça estar centrada na questão linguística de forma isolada, o foco nela é básico para mostrar o quão as pessoas surdas são alijadas de processos adequados, por eles se pautarem em padrões ouvintistas. Não é raro encontrar muitos profissionais que atuam no ensino de surdos e de surdas terem como parâmetro o ensino de pessoas não surdas. “Muitas vezes é difícil as pessoas se libertarem de seus próprios referenciais para procurar entender o/a do/a(s) outro/a(s)” (DORZIAT, 1999, p. 30).

A complexidade da educação como um todo e, especificamente, a de surdos, está em educar para a emancipação, considerando as especificidades culturais como definidoras das ações pedagógicas. É preciso educar sem a sombra de comparações com métodos de sucesso para os ouvintes (mesmo porque esse sucesso é apenas aparente), encontrando o caminho que envolva as diferentes pessoas. Um caminho em que os surdos e as surdas não façam de conta que aprendem e o os professores e as professoras não façam de conta que ensinam.

A Lei nº 10.436/02 (BRASIL, 2002) e Decreto nº 5.626/05 (BRASIL, 2005) tornou possível também inclusão da Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de licenciatura, pedagogia, curso normal de nível médio e superior (formação para o magistério), curso de educação especial e fonoaudiologia, sendo disciplina optativa nos demais cursos.

Com vista a atender a demanda que as legislações aprovadas criaram, foi possível, por um período de dez anos, que os profissionais e as profissionais interessados/as em atuar na área se submetessem ao Prolibras, cujo certificado era emitido pelo MEC em parceria com instituições de ensino, como a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES (KUMANA; PRIETO, 2019).

Passados os dez anos estabelecidos pelo Decreto supracitado, as instituições de nível superior teriam de ofertar o curso de Licenciatura Plena em Letras Libras, a fim de ofertarem formação adequada para o ensino de Libras.

O Decreto salienta que as pessoas surdas teriam prioridade nos cursos de Letras Libras (BRASIL, 2005), tornando-as protagonistas tanto na formação acadêmica quanto na atuação profissional e oportunizando-lhes, após graduadas, atuarem na formação acadêmica de seus pares como professores e professoras de Libras. Ao ter a Libras como mediadora de toda a instrução, as pessoas surdas passam a ser “[...] capazes de iniciar a construção de fronteiras identificatórias com o outro, bem como, obter o reconhecimento social dos demais grupos” (QUADROS; STUMPF, 2009, p. 171).

Em consonância com a proposta de uma formação que priorize a língua de sinais, “videoconferências, aulas presenciais, apresentação dos trabalhos dos alunos são em língua de sinais” (QUADROS; STUMPF, 2009, p. 171). Isso promove “uma inversão das práticas comunicativas, a Libras é a língua de instrução em um curso em que ela própria é estudada” (QUADROS; STUMPF, 2009, p. 171). Nesse contexto, a língua portuguesa surge como segunda língua com vistas a ser uma espécie de passaporte para o mundo letrado, já que a maioria dos registros acadêmicos são escritos.

Assumindo o comprometimento de formar professores e professoras de Libras, o curso de Letras Libras iniciou suas turmas na modalidade de ensino a distância e contou com a participação de vários surdos e surdas, tendo por finalidade colaborar com as tomadas de decisões e percursos do curso, oportunizando assim perseguir formas diversas sobre a educação de pessoas surdas (QUADROS; STUMPF, 2009).

Inicialmente, o curso foi ofertado em nove polos de diferentes universidade no Brasil, sendo: a Universidade Federal do Amazonas, a Universidade Federal do Ceará, a Universidade Federal da Bahia, a Universidade de Brasília, o Centro Federal Tecnológico do Estado de Goiás, a Universidade de São Paulo, o Instituto Nacional de Educação, a Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade Federal de Santa Catarina (QUADROS; STUMPF, 2009), através de parcerias feitas entre as instituições citadas e a Universidade Federal de Santa Catarina. As turmas iniciaram no ano em que o Decreto entrou em vigor, a partir de iniciativa do Centro de Ensino a Distância da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, com a participação da professora Ronice Quadros e do professor Vilmar Silva, assim como de alguns representantes surdos e surdas da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS (QUADROS; STUMPF, 2014).

A conclusão da formação da primeira turma na modalidade a distância ocorreu em 2010, e da segunda em 2012. Nesta segunda turma, outras universidades também aderiram ao projeto do Letras Libras, ampliando ainda mais a abrangência do curso em território nacional. Por ter mais de uma instituição de ensino promovendo o curso de Letras Libras, foi possível a formação de um total de 389 pessoas em 2010 e 378 no ano de 2012 (QUADROS; STUMPF, 2014). É relevante destacar que o fato de o curso ter sido ofertado, inicialmente, a distância possibilitou que um número considerável de pessoas concluísse a formação simultaneamente, em diferentes estados do Brasil. Houve, então, uma multiplicação de professores surdos e professoras surdas aptos – academicamente – para o ensino de Libras, tanto como primeira língua quanto como segunda língua.

Os ganhos desse curso de graduação foram mensuráveis no aumento de permanência e procura deste público específico pelo ingresso no meio acadêmico. “O ingresso dos surdos no curso superior era muito baixo (0,94%) em comparação aos ouvintes (17,8%)” (QUADROS; STUMPF, 2014).

Atrelamos a esse dado o fato de não haver, até a criação do Decreto, profissionais que ensinassem através da Libras, por esta não ser a língua de instrução no ambiente universitário. Isso mudou com o surgimento de uma proposta curricular que tinha como concepção evidenciá-la, estudando-a e protagonizando as pessoas surdas, como um povo, uma cultura que outrora foi apagada, negada, com incessantes tentativas de governamento, de categorização da deficiência no universo da incapacidade. Finalmente, com o curso, essas pessoas encontraram um ambiente que reconhecia, autenticava, explorava, apoiava, difundia, estudava a sua língua natural, contabilizando muitos benefícios para a comunidade surda brasileira.

Após tratar do curso Letras Libras de maneira historicizada e abrangendo todo o território nacional, nos ateremos a seguir ao curso de licenciatura em Letras Libras da UFCG-PB.

O PP do curso de licenciatura em Letras Libras/UFCG-PB

Quando uma pessoa quer conhecer determinado curso, é o PP desse curso que a dará condições de acessar de forma mais ampla objetivos, componentes curriculares, perfil do ingresso e concepções que permeiam a formação em nível superior.

O PP se apresenta como um documento básico, norteador da atuação docente bem como das ações do próprio curso, no que diz respeito a sua constituição enquanto graduação. “Os projetos de curso materializam as diretrizes, filosofias e pressupostos das políticas pedagógicas propostas pela instituição, sendo responsáveis diretos pela qualidade da formação oferecida pelas instituições de educação superior” (HAAS, 2010, p. 166).

Embora se apresente relevante, esse documento não se cumpre ao papel de limitar as ações de docentes. Ele é um parâmetro importante para abordagens mais situadas que envolvem a complexidade de textos e o aprofundamento de discussões, a depender do seu perfil reflexivo e do perfil de discentes do curso.

Não obstante, o PP é um instrumento que traduz uma concepção de currículo e, como tal, está a serviço da manutenção do status quo das pessoas na sociedade ou para o exercício de uma cidadania emancipatória (DORZIAT, 2009).

Portanto, estudar a composição do PP significa buscar entender quais ações estão sendo propostas para o curso de Letras Libras, com vistas a considerar as diferenças surdas, sua cultura, as questões pedagógicas e linguísticas. Entender, acima de tudo, que contribuições essa formação acadêmica está evidenciando, se está se dirigindo à verdadeira implementação da política da diferença ou continua a servir a interesses positivistas.

A partir dessas inquietações, buscamos analisar o PP do curso de licenciatura em Letras Libras em tela, orientadas pela questão: Quais os aspectos dissonantes com relação aos princípios bilíngues no PP do curso de Letras Libras? Esta questão decorreu do fato de existir uma explícita defesa do bilinguismo em todo processo de formação do curso, inclusive nos documentos que lhe deram base, sendo, portanto, importante analisar a coerência interna do documento, com foco nos aspectos dissonantes.

O documento supracitado (PP) que totaliza quarenta e seis páginas, em quatorze tópicos, versando sobre a identificação do curso, o histórico, o perfil do egresso, a organização curricular, os componentes curriculares e a minuta da resolução de criação do curso supracitado; teve como foco de análise, conforme exposto na metodologia desta pesquisa, o perfil do curso, a metodologia e os objetivos.

Quanto ao perfil do curso5, ainda no primeiro parágrafo, encontramos a seguinte afirmação:

Excerto 1

Fonte: UFCG (2015a).

Cotejando o excerto acima com todas as ações empreendidas para que o corpo docente e discente fossem fluentes em Libras, é possível inferir que há o desejo de que a língua de sinais seja meio de instrução, além de fonte de estudo.

Apesar dessa constatação, dois questionamentos emergiram: Como são os usos dessa língua? Quais conceitos de língua, surdez e cultura norteiam o estudo da língua?

A emergência de tais questionamentos se deu pelo fato de não haver no documento analisado a explicitação de conceitos substanciais para o processo educacional de pessoas surdas e para o ensino de Libras como primeira língua (L1) ou segunda língua (L2). Essa explicitação seria importante porque tais concepções serviriam como bússolas, indicando a visão de sujeito surdo e, até mesmo, do uso da língua de sinais, enquanto língua de instrução. Amparo-me em Iglesias e Costa que afirmam que deve conter no PP, além de outras questões, “as concepções” (2019, p. 3868). Julgo, portanto, que as concepções são de suma importância, pois refletem todas as escolhas ideológicas e teóricas que irão compor o documento.

Fazendo um contraponto com a metodologia6 presente no mesmo documento, tem-se:

Excerto 2

Fonte: UFCG (2015a).

O bilinguismo pode ter muitas nuances. Se por um lado ele pode suscitar o “uso que as pessoas fazem de diferentes línguas (duas ou mais) em diferentes contextos sociais” (QUADROS, 2012, p. 189), levando a interpretações limitadas sobre as dimensões dessa perspectiva da educação de surdos; por outro lado, esse termo também pode indicar um “enfoque educacional que envolve atitudes positivas com as pessoas surdas e a língua de sinais, e também o respeito pelas minorias linguísticas e por suas identidades”.

Essa reflexão é pertinente porque o uso técnico da língua de sinais parece caracterizar a educação para pessoas surdas ao longo desses anos de implementação do bilinguismo. Essa visão, embora traduza, da língua portuguesa para a Libras, informações/conhecimentos, utiliza-se de metodologias colonialistas, insistindo em preservar uma cultura majoritária, áudio-oral. O uso da língua de sinais é, muitas vezes, apenas ponte para a suposta assimilação de conhecimentos, entre eles o da língua portuguesa. Já o bilinguismo que adota uma visão mais alargada traz à tona uma concepção sócio antropológica, ao considerar o uso da língua de sinais como fazendo parte de um processo cultural e identitário, no qual os conhecimentos fluem de forma mais significativa.

Essas concepções devem ser problematizadas porque elas permitem esclarecimentos sobre a importância de considerar a diferença da pessoa surda em toda sua plenitude e integralidade. O reducionismo da visão bilíngue pode acarretar no retorno (ou aprisionamento) a uma ouvintização no ensino de pessoas surdas, mesmo quando a língua de uso é a Libras.

Outro ponto analisado consiste no eixo trino de formação proposto pelo curso, conforme segue:

Excerto 3

Fonte: UFCG (2015a).

Nesse trecho, há uma importante junção entre ensino, pesquisa e extensão, o que pode se apresentar como base para reflexões críticas sólidas. Como o perfil do curso prevê a materialização dessas três atividades acadêmicas, através de eixos de formação, para uma análise mais didática desse tópico, optamos por cruzá-lo com as descrições contidas na metodologia, exposta no quadro que segue:

Quadro 3 – Atividades acadêmicas

ENSINO

PESQUISA

EXTENSÃO

          As atividades processuais mediante a efetivação dos diferentes componentes curriculares.

          Participação da UAL em programas institucionais de iniciação à docência (programas de monitorias e PET).

 

          As atividades realizam-se necessariamente nas disciplinas de Metodologia de Pesquisa, Iniciação à Pesquisa I e II e Monografia I e II.

          O desenvolvimento da pesquisa também é fomentado no curso através de participação em projetos de iniciação científica.

          É entendia como processo educativo, vinculado ao ensino e a pesquisa. Tem como finalidade a difusão dos conhecimentos linguísticos e literários relativos à Libras.

          Se materializa através da participação da UAL em programas institucionais de extensão (PROBEX), oferta de cursos de língua e literatura e atividades de assessoria a professores da rede pública.

Fonte: UFCG (2015a).

Os eixos ligados à formação acadêmica estão alinhados, entretanto, não há uma descrição de como ocorrerá tal metodologia para as pessoas surdas e para as pessoas ouvintes. Considerando que o curso se constitui de turmas mistas (alunos surdos e alunas surdas e ouvintes), logo, há o encontro de duas línguas distintas entre si. Isso leva a necessidade de um maior detalhamento metodológico que expusesse finalidades e estratégias empreendidas na vivência acadêmica. Em que medida se dará a participação das pessoas surdas? Não pretendemos dizer, com esse questionamento, que: primeiro, deve haver uma separação entre pessoas ouvintes e surdas, mas considerar que as formas de ser das pessoas surdas deveriam vir mais marcadas no projeto, haja vista que, quando isso não acontece, a tendência é que as estratégias hegemônicas (ouvintes) sejam executadas; segundo, que não está em questão a liberdade de cátedra no âmbito acadêmico, porque consideramos que cada docente deve ter a liberdade de organizar seu trabalho educativo lançando mão de metodologias e estratégias que julgar necessárias.

A reflexão sobre a equidade entre as línguas e o direito de as pessoas surdas terem acessibilidade às informações é imprescindível. Por exemplo: quem fará a tradução e interpretação? Os professores surdos e as professoras surdas terão os serviços de tradução e interpretação?

A descrição de tais estratégias no PP corroboraria com a intenção de o curso exercer o respeito à língua de sinais, evidenciando que não basta desenvolver metodologias únicas, deve-se levar em consideração para quem se destina o processo de ensino e aprendizagem, como será realizado e qual sua finalidade. Uma vez determinadas essas ações, demarcadas por esses três princípios, é evidente que não poderá ser pautada uma única metodologia, sob o risco de negligenciar a um dos públicos de discentes do curso em questão.

Em Padilha, a metodologia deve evidenciar quais métodos serão empreendidos no processo de ensino e aprendizagem, baseados em: “o que, como e em que tempo será feito” (2001, p. 92). Isso evitaria improvisos que acarretam prejuízo acadêmico educacional para os graduandos e as graduandas.

Outro item passível de análise foi o objetivo7 geral e um dado específico do perfil do curso, que tratam de temas em comum, porém apresentam divergência. Quanto a isso, vejamos:

Quadro 4 – Objetivo e perfil do curso

Objetivo geral

Perfil do curso

Formar profissionais habilitados[as] a lecionar a Libras como L1 ou L2 na Educação Básica.

[...] o perfil de formação habilita o graduado[a] a lecionar Libras como L1 e L2 nos vários cenários, modalidades e níveis educacionais.

Fonte: UFCG (2015a).

O ponto de divergência analisado consiste no fato de, no objetivo geral do curso, dizer-se que se formarão profissionais para a docência no âmbito da Educação Básica, enquanto que, no perfil do curso, a atribuição da habilitação de graduado e graduada para a docência é em vários níveis e cenários educacionais.

Em conformidade com a legislação vigente, o Decreto Nº 5.626/05, no quesito que trata da formação do professor de Libras, prevê que essa formação, tanto para a Educação Básica como para o Ensino Superior, deverá ser feita por meio de “curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua” (BRASIL, 2005, p. 28).

Destarte, o que se descreve no perfil do curso segue a legislação de formação do professor e da professora de Libras, assim sendo, concluímos que o objetivo geral deve estar em concordância tanto com o perfil do curso quanto com a legislação vigente, visto que esta formação visa, de fato, atender a todos os cenários educacionais que demandem o ensino da língua de sinais, quer seja em L1 ou em L2, respeitando o processo de ensino bilíngue. Não há também descrição metodológica para os objetivos específicos, pairando o questionamento de como estes serão atingidos.

Ainda sobre os objetivos, nos objetivos específicos, o PP traz três deles, conforme o quadro a seguir:

Quadro 5 – Objetivos específicos

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Formar profissionais capazes de usar adequadamente, nas práticas escolares, acadêmicas e sociais de interação, conhecimentos relativos à leitura (literária e não literária), à produção de textos (sinalizados e escritos) e à estrutura e ao funcionamento da Libras.

Formar profissionais com visão crítica e analítica das perspectivas teóricas e metodológicas adotadas no ensino da Libras e de sua literatura.

Formar profissionais capazes de articular saberes teóricos e práticos, com vistas à análise crítico-reflexiva da própria atuação e do contexto sócio-político e educacional no qual estão inseridos.

Fonte: UFCG (2015a).

Conforme as informações que o quadro apresenta, é possível identificar, no primeiro objetivo, que há um investimento na difusão de conhecimentos de Libras, tanto no âmbito acadêmico como no social. Contudo, um ponto chamou atenção: a produção de textos sinalizados e escritos. Aqui, nesse encontro da língua oral – na modalidade escrita - e da língua de sinais está o grande ponto de tensão do ensino de e para as pessoas surdas, haja vista que, enquanto a língua portuguesa é apresentada como modalidade bastante usual entre as pessoas surdas, os textos sinalizados são pouco legitimados pelo meio acadêmico e social.

Esse tópico (textos sinalizados), em especial, levantou alguns questionamentos, tais como: quais as estratégias serão empreendidas para essa produção textual? Todos os componentes curriculares devem desenvolver essa capacidade nos alunos e nas alunas? A produção de textos sinalizados serve como método avaliativo? Os procedimentos metodológicos do curso não dão pistas sobre isso, concentrando-se, basicamente, nos eixos ensino, pesquisa e extensão.

Esse prisma de análise foi estendido aos outros dois objetivos. No segundo objetivo, tem-se que o curso formará profissionais com visão crítica e analítica sobre a teoria e a metodologia no ensino de Libras, sem uma posição sobre quais teorias nortearão a formação desse profissional e dessa profissional. Tal delimitação é crucial para determinar a visão crítica a ser disseminada pelos graduandos e pelas graduandas, indicando uma “frágil sustentação conceitual na formação profissional” (MARÇAL et al., 2014, p. 122).

O terceiro objetivo está relacionado ao segundo, com foco na análise reflexiva da própria atuação. Reiteramos a necessidade de uma explicitação das perspectivas teóricas para que seja empreendida uma análise reflexiva de que trata o objetivo em questão.

Outro ponto que deve ser ressaltado é a necessidade de o documento estar traduzido para Libras, visando o entendimento das pessoas surdas quanto à totalidade do mesmo, já que se trata de um curso que tem por primazia as pessoas surdas. Se as informações contidas no documento têm por objetivo tornar pública a proposta do curso, explicitando o perfil de ingressantes discentes e docentes, os componentes curriculares e todo o marco teórico e histórico que mobilizou a oferta do curso na cidade local, a disponibilidade do documento sinalizado na página da universidade poderia viabilizar uma procura mais autônoma por parte das pessoas surdas ao curso.

Considerações finais

Os resultados mostraram que há fragilidade sobre os princípios bilíngues no documento analisado (PP), sobretudo acerca de como se dariam alguns procedimentos metodológicos quando o processo ocorrer por meio do uso da língua de sinais, enquanto língua natural.

As análises feitas basearam-se no fato de que o “currículo tem como significado um caminho a ser percorrido” (CASTRO et al., 2009, p. 50) e como tal deve conter o máximo de informações, evitando assim o desencontro, o desacerto exacerbado e os atalhos que podem fazer o processo mais fácil, porém menos adequado, porque podem não considerar a constituição bilíngue das pessoas surdas.

Destarte, se faz de suma importância todo detalhamento possível de como se dará esse processo de ensino bilíngue, a fim de que esteja inteiramente de acordo com as particularidades necessárias ao processo, resguardando a igualdade material, pedagógica e curricular no âmbito educacional, há muito negada às pessoas surdas.

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Notas

1 Recorte de uma pesquisa mais ampla a nível de Mestrado.

2 O Prolibras foi criado pelo Ministério da Educação e consiste em um programa nacional que realizou exames no período que compreende de 2005 a 2015, para obtenção de dois tipos de certificados: “Certificado de Proficiência no Uso e Ensino da Libras” e “Certificado de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa”. O exame contou com 7 (sete) edições e estruturava-se em duas etapas: prova objetiva e prática (sendo apenas esta primeira etapa semelhante ao formado do vestibular promovido pela UFCG). A prova objetiva era sinalizada e apresentada na forma de um filme. Cada candidato/a recebia a prova, escrita em língua portuguesa, contendo apenas as alternativas equivalentes as questões transmitidas através da projeção (http://www.prolibras.ufsc.br/files/2013/10/PROLIBRAS_7_Edital-Final.pdf)

3 A questão linguística é, em geral, atribuída ao uso (ou não) da língua de sinais nos ambientes educacionais.

4 Expressão que significa pensar para além do instituído.

5 Perfil do curso na íntegra, segundo o PP: “5. Perfil do Curso - Com base nesse marco teórico, o perfil do Curso de Licenciatura em Letras Libras, nesta primeira proposta pedagógica, pauta-se na perspectiva de assumir a Libras como objeto de interesse dos estudos linguísticos e literários. Além disso, esse perfil, fundamentando-se nos documentos fundadores da UFCG, conforme estabelece o Estatuto dessa IES (cap. II, artigo 10, inciso I), consiste na indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão materializada em três eixos de formação – usuário, especialista e docente -, conforme será descrito mais adiante no item 12.1 e tal como ocorre nos demais cursos de Letras da UAL. Com esse perfil, o Projeto Pedagógico do Curso de Letras Libras visa estimular o desenvolvimento, por parte de professores e alunos, da capacidade de reflexão, sistemática e contínua, sobre as práticas educativas com as quais se envolvem e que os habilita a orientar as atuais e futuras experiências de aprendizagem, bem como a enfrentar os problemas de ordem teórica, metodológica, política e ética, característicos de sua área de atuação (cf. PERRENOUD, 2002). Assume-se, assim, a prática reflexiva como diretriz metodológica de ação do Curso de Licenciatura em Letras Libras. Tal princípio, concretizado, entre outros aspectos, no desenvolvimento de competências, na análise de práticas de ensino, na transposição didática dos conhecimentos, na articulação teoria/prática, que deve assumir o lugar central da formação, em todos os componentes e experiências formativas do processo de ensino-aprendizagem do Curso. Nessa perspectiva, um componente fundamental deste projeto é o Estágio Supervisionado. Reflexões recentes (cf. PIMENTA e LIMA, 2004; LISITA e SOUSA, 2003) indicam que esta experiência acadêmica deve se fazer com o menor grau de artificialismo possível e ao longo do curso de graduação, a fim de que o graduando possa, sob a supervisão de professores tutores, discutir, analisar e propor alternativas para situações práticas semelhantes àquelas com as quais se deparará na atuação docente. Por isso, as disciplinas de Laboratório, antecipam-se ao estágio, visando oferecer um espaço de experimentação pedagógica e transposição didática dos componentes teóricos. Recomenda-se, assim, que (1) essa experiência deva ser uma decorrência de projetos desenvolvidos pelo Curso/Universidade, a fim de que haja a constante realimentação da relação teoria/prática e pesquisa/extensão, ou que decorra de trabalhos iniciados nas disciplinas de Laboratório, e (2) que esta deva ser uma decorrência do engajamento do licenciando com situações de ensino (cf. MAGALHÃESALMEIDA, 2000). Assim sendo, o perfil do Curso de Licenciatura em Letras Libras pretendido com este Projeto, associa-se aos demais cursos da UAL, tendo em vista oferecer ao graduando uma formação que o habilite tanto como usuário competente da Libras, como seu especialista. Quanto à docência, considerando a perspectiva bilíngue Projeto Pedagógico do Curso de Letras Libras assumida por este Projeto pedagógico, o perfil de formação habilita o graduando a lecionar Libras como L1 ou L2 nos vários cenários, modalidades e níveis educacionais. Quanto ao perfil linguístico dos licenciandos, surdos ou ouvintes, espera-se proficiência em Libras, sendo aceitos trabalhos acadêmicos produzidos tanto nesta língua quanto em português, que será entendida como L2 para os surdos (UFCG, 2015a, p. 11-12-13).

6 Metodologia do curso na íntegra, segundo o PP: “Metodologia Orientado pelo princípio do bilinguismo, essencial para os surdos e para os ouvintes que venham a cursar essa licenciatura, e pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o Curso de Licenciatura em Letras Libras desenvolve ações que articulam essas três dimensões. Quanto ao ensino, as atividades são processuais e se realizam mediante a efetivação dos diferentes componentes curriculares, indicados no item 11 – Composição Curricular, apresentado mais adiante. Ademais, a participação da UAL em programas institucionais de iniciação à docência (ex. Programas de Monitoria e PET) permitirá aos licenciandos experiências de estágio, como monitores de disciplinas do próprio Curso ou de atividades de extensão. Quanto à pesquisa, entendida como dimensão de produção de conhecimento nas áreas objeto do Curso, as atividades realizam-se necessariamente nas disciplinas Metodologia da Pesquisa, Iniciação à Pesquisa I e II e Monografia I e II, com a finalidade pedagógica de iniciar o aluno na pesquisa e subsidiá-lo na elaboração de seu trabalho acadêmico, que é requisito parcial para a conclusão do Curso. Além disso, também se realizam nas demais disciplinas, a depender do planejamento pactuado entre o professor e os alunos, tendo em vista a concepção de formação docente como processo crítico-reflexivo. O desenvolvimento da pesquisa também é fomentado no Curso através da participação dos licenciandos em projetos de iniciação científica (PIBIC, PIVIC, PIBIAC, dentre outros). Já a extensão, em conformidade com a definição apresentada no Estatuto Geral da UFCG (Cap. III, art 70), é entendida neste Projeto como processo educativo, vinculado ao ensino e à pesquisa. No Curso aqui apresentado, essa dimensão, em Projeto Pedagógico do Curso de Letras Libras particular, tem como finalidade a difusão dos conhecimentos linguísticos e literários relativos à Libras, mediante intercâmbios com a comunidade acadêmica e a comunidade em geral, estabelecendo com estas relações de reciprocidade e de retroalimentação. O desenvolvimento da extensão se materializa através da participação da UAL em programas institucionais de extensão (PROBEX, por exemplo), da oferta de cursos de língua e de literatura, e de atividades de assessoria a professores da rede pública. Essas três dimensões se articulam com os eixos de formação do Curso, que serão apresentados no item 12.1. As atividades de ensino e de extensão se articulam com os eixos usuário, especialista e docente, enquanto as atividades de pesquisa com os eixos especialista e docente” (UFCG, 2015a, p. 13-14).

7 Objetivos do curso na íntegra, segundo o PP: “Objetivos do Curso 7.1 Objetivo Geral O Curso de Licenciatura em Letras Libras tem como objetivo geral formar profissionais habilitados a lecionar a Língua Brasileira de Sinais, quer como L1 quer como L2, na Educação Básica. 7.2. Objetivos Específicos: Conforme os eixos articuladores do Currículo, são objetivos específicos do Curso de Licenciatura apresentado neste documento: formar profissionais capazes de usar adequadamente, nas práticas escolares, acadêmicas e sociais de interação, conhecimentos relativos à leitura (literária e não literária), à produção de textos (sinalizados e escritos) e à estrutura e ao funcionamento da Libras; formar profissionais com visão crítica e analítica das perspectivas teóricas e metodológicas adotadas no ensino da Libras e de sua literatura; formar profissionais capazes de articular saberes teóricos e práticos, com vistas à análise crítico-reflexiva da própria atuação e do contexto sócio-político e educacional no qual estão inseridos" (UFCG, 2015a, p. 14).

 

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