http://dx.doi.org/10.5902/1984686X44073
Soluções visuais atípicas em vídeos digitais em línguas de sinais: proposta de um catálogo para os produtores de vídeo
Atypical visual solutions in digital videos in sign languages: a catalog proposal for video producers
Soluciones visuales atípicas en videos digitales en lenguajes de señas: propuesta de un catálogo para productores de videos
Luiz Alexandre da Silva Rosado
Professor doutor no Instituto Nacional de Educação de Surdos, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
alexandre.rosado@gmail.com
ORCID – https://orcid.org/0000-0002-2702-5617
Cristiane Correia Taveira
Professora doutora no Instituto Nacional de Educação de Surdos, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
cristianecorreiataveira@gmail.com
ORCID – https://orcid.org/0000-0001-9626-4921
Recebido em 4 de maio 2020
Aprovado em 19 de julho de 2020
Publicado em 21 de agosto de 2020
RESUMO
É recente a expansão das línguas de sinais em espaços digitais. Esse crescimento é, em parte, devido aos meios de produção de vídeos, cada vez mais acessíveis (câmeras e softwares de edição de vídeo), e aos recursos de armazenagem e acesso em grande escala, através de repositórios de vídeos digitais online, que ascenderam nos últimos quinze anos. Para além da janela do intérprete e das legendas amarelas, visando contribuir com novas produções, o artigo apresenta o mapeamento de 13 soluções visuais atípicas, a partir de análise empreendida pelo grupo de pesquisa “Educação, mídias e comunidade surda” de 24 vídeos digitais, em que a língua de sinais é predominante. Entre as marcas distintivas destas soluções visuais estão (1) a variação original de uma ou mais propriedades dos elementos básicos da composição visual, (2) a relação original do elemento básico com alguma informação que só seria identificada por uma pessoa não-surda e (3) as ênfases que complementam visualmente tanto sentimentos quanto informações expressas pelo ator/intérprete, seja sinalizante ou oralizante. Esperamos que com este detalhamento, além de novas pesquisas sobre soluções visuais incomuns, estas que mapeamos também sejam replicadas em futuras produções de vídeos voltados à comunidade surda.
Palavras-chave: Vídeos digitais; gramática visual; soluções visuais.
ABSTRACT
The expansion of sign languages in digital spaces is recent. This growth is partly due to the increasingly accessible means of video production (cameras and video editing software), and the large-scale storage and access resources through online digital video repositories that have risen in fifteen years. In addition to the interpreter's window and the yellow captions, aiming to contribute to new productions, the article presents the mapping of 13 innovative visual solutions based on the analysis undertaken by the research group “Education, media and deaf community” of 24 digital videos in which sign language is predominant. Among the distinguishing marks of these visual solutions are (1) the original variation of one or more properties of the basic elements of the visual composition, (2) the original relationship of the basic element with some information that would only be identified by a non-deaf person and (3) the emphases that visually complement both feelings and information expressed by the actor / interpreter, whether signaling or verbalizing. We hope that with this detail, in addition to new research on unusual visual solutions, these that we have mapped will also be replicated in future video productions aimed at the deaf community.
Keywords: Digital videos; visual grammar; visual solutions.
RESUMEN
La expansión de los lenguajes de signos en espacios digitales es reciente. Este crecimiento se debe en parte a los medios cada vez más accesibles de producción de video (cámaras y software de edición de video) y al almacenamiento a gran escala y a los recursos de acceso a través de repositorios de video digital en línea que han aumentado en los últimos quinze años. Además de la ventana del intérprete y los subtítulos amarillos, con el objetivo de contribuir a nuevas producciones, el artículo presenta el mapeo de 13 soluciones visuales innovadoras basadas en el análisis realizado por el grupo de investigación "Educación, medios y comunidad sorda" de 24 videos digitales en los que predomina el lenguaje de señas. Entre las marcas distintivas de estas soluciones visuales se encuentran (1) la variación original de una o más propiedades de los elementos básicos de la composición visual, (2) la relación original del elemento básico con alguna información que solo sería identificada por una persona no sorda y (3) los énfasis que complementan visualmente los sentimientos y la información expresada por el actor / intérprete, ya sea señalando o verbalizando. Esperamos que con este detalle, además de nuevas investigaciones sobre soluciones visuales inusuales, estas que hemos mapeado también se reproduzcan en futuras producciones de video dirigidas a la comunidad sorda.
Palabras clave: Videos digitales; gramática visual; soluciones visuales.
Introdução: os vídeos digitais em línguas de sinais, a surdo-memória e os estudos da visualidade
Em recente anúncio, a empresa norte-americana de vídeos por demanda Netflix, em sua filial brasileira, comunicou que a série Crisálida1, dividida em quatro episódios em sua primeira temporada, seria disponibilizada na plataforma de entretenimento digital a partir de maio de 2020. Este anúncio gerou repercussão positiva na comunidade de surdos e de usuários de língua brasileira de sinais (Libras) que logo compartilharam a notícia2. Inicialmente fazendo parte da grade de programação da TV Cultura3, a série agora atinge um dos principais meios de distribuição de vídeos por assinatura existentes no país, com cerca de 15 milhões de pagantes (dados de janeiro de 2020), praticamente igualando-se ao número de assinantes de todas as operadoras de TV a cabo4.
Coloquemos então a nossa atenção em seu formato, na composição visual. A série de ficção dramática Crisálida, conforme definição própria em seu website, tem como diferença fundamental as línguas em que os atores desenvolvem a narrativa da trama: a Libras em conjunto com a língua portuguesa oral e, para todas as duas, a legenda em língua portuguesa escrita. Portanto, um elemento específico, o linguístico-comunicacional, aqui entendido também como elemento visual ao mobilizar a gestualidade, é o responsável pela subversão do formato geralmente esperado de um seriado. A língua de sinais deixa de ser eventual coadjuvante e passa também a ser protagonista, através da atuação de inúmeros personagens surdos sinalizantes, equivalendo-se em peso (medido pelo tempo que aparece na tela) à língua majoritária oral5. Essa pequena inversão de peso e ênfase, em um dos elementos composicionais de um seriado de TV (a língua dos personagens), com a adoção da abordagem comunicacional bilíngue6, foi fundamental para sua construção, sendo uma solução atípica (no sentido de ser original e incomum) para que sua narrativa, focada em vivências de pessoas surdas, pudesse ser então desenvolvida.
Trazemos este caso do seriado Crisálida para análise, porque ele simboliza a ascensão e popularidade crescente dos vídeos digitais em línguas de sinais, agora chegando a canais de TV e plataformas online de grande acesso. Este é um crescimento que acompanhamos especialmente a partir do surgimento dos websites dinâmicos, ou da “Web 2.0” conforme caracterizada por O’Reily (2005) há cerca de quinze anos. Os vídeos digitais, em que a língua de sinais é predominante ou equivalente em peso à língua oral, crescem em importância nos repositórios de vídeos na internet, sendo o mais conhecido deles o YouTube7, mas também em redes sociais como Facebook e aplicativos de mensagens e conversação instantânea como Messenger e WhatsApp, em que frequentemente são compartilhados8. São justamente estes repositórios de vídeos digitais e aplicativos de compartilhamento em rede social que permitem a rápida expansão, catalogação e disponibilização de uma língua que depende fundamentalmente, ao menos por enquanto9, da modalidade fílmica (vídeo) para que seus discursos possam ser acessados por seus usuários e a língua possa consolidar-se.
Figura 1 – Canais no Youtube que se tornaram repositórios online com vídeos digitais em língua de sinais.
Fonte: elaboração própria com capturas de tela no site do Youtube com os canais Visurdo, TV Tube Libras, TV INES e UFPR Tradução Libras.
As condições materiais aqui descritas, ou a materialidade dos meios digitais de comunicação contemporâneos, talvez não determine, mas é peça de fundamental importância para a construção social e fortalecimento daquilo que alguns autores chamam de cultura surda (KARNOPP; KLEIN; LUNARDI-LAZZARIN, 2011) e as comunidades em que esta cultura desenvolve-se. Afinal, não seria a cultura surda baseada, fundamentalmente, no uso comunitário das línguas de sinais? Ou seja, uma cultura calcada em uma forma de comunicação dependente do próprio corpo e performance dos seus comunicantes? E quando essa comunicação passa também a ser mediada por artefatos de captura e registro óptico, o que acontece?
Partilhamos aqui a ideia de que uma cultura tem, em sua constituição, forte vinculação com os meios de comunicação que os indivíduos têm a sua disposição, meios esses que ampliam o alcance dos sentidos e das capacidades comunicacionais do corpo humano (McLUHAN, 2001). Se a civilização ocidental floresceu intelectualmente e cientificamente após a invenção da prensa de Gutenberg em 145510, a civilização surda mundial constrói aos poucos seu renascimento visual usando, em grande parte, as mídias ópticas11 analógicas, em um primeiro impulso no século XX e, logo após, as de configuração digital, principalmente nas duas primeiras décadas do século XXI12.
Se inicialmente o registro, ou seja, a produção de inscrições13 em vídeo das línguas de sinais, era realizado em meios difíceis de transportar e reproduzir em larga escala (um filme Super 8 ou uma fita magnética VHS, por exemplo), com o surgimento do formato digital processado em computadores portáteis e das redes de dados de alta capacidade (banda larga) a tarefa ficou bem mais facilitada14. Em verdade, além do formato de armazenamento e da infraestrutura das redes digitais, tivemos também a recente ampliação do acesso aos softwares de edição de vídeo e ao barateamento das mídias ópticas utilizadas para registro fílmico (câmeras portáteis de baixo custo, tablets e celulares). Nesse cenário, formou-se uma ecologia da produção, circulação e consumo de vídeos digitais, resultando naquilo que denominamos em trabalhos anteriores de uma surdo-memória, talvez ainda em sua fase nascente (TAVEIRA; ROSADO, 2018; ROSADO; TAVEIRA, 2019). É uma memória construída e compartilhada coletivamente por surdos e não-surdos, diretamente em uma língua viso-gestual, em rápido crescimento nas duas últimas décadas.
Figura 2 – Dois momentos de armazenagem das produções fílmicas: as estantes com rolos de fitas magnéticas analógicas e os atuais servidores de dados digitais.
Fonte: infografia criada pelos autores com imagens capturadas da internet (https://www.mcmurraystern.com/portfolio-page/pacific-archives/ e https://www.manufacturing.net/industry40/blog/13109274/can-you-keep-up-with-the-cloud)
Dito isto, para entender melhor essas materialidades e seus produtos visuais gerados, resgatamos e valorizamos o entendimento sobre os elementos constituintes da linguagem visual, visto que a experiência visual é tema fundamental no campo de estudos da Educação de Surdos, em que o corpo e o olhar15 são predominantes na comunicação. Esses elementos constituintes da visualidade foram mapeados em diferentes sistemas gramaticais, ao longo das décadas de 50, 60 e 70 do século XX, por estudiosos dos campos da Psicologia, da Arte e do Design e sintetizados por autores como Leborg (2015 [2004]), Dondis (2007 [1973]) e Arnheim (1992 [1954, 1974])16.
Historicamente, o interesse desses estudos é consequência direta de dois movimentos. O primeiro movimento é o significativo aumento da presença da pintura, do desenho e, principalmente, da fotografia e do cinema ao longo do século XX (artes visuais através de mídias ópticas), com a expansão progressiva da reprodução técnica em larga escala da imagem (BENJAMIN, 1987) em veículos de comunicação tais como jornais, livros e revistas, a chamada indústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985); o que fez aumentar o questionamento sobre os fundamentos de análise da imagem em comparação ao que já se conhecia sobre a estrutura dos textos escritos.
O segundo movimento veio com a intenção de extrapolar a falsa ideia de que basta ter bons olhos para compreender e descrever obras de arte, o que prescindiria de um aprendizado e desenvolvimento desse olhar. Por não ser verdade, propõe-se o alfabetismo / letramento visual (DONDIS, 2007; SANTAELLA, 2012) como forma de educação da percepção (do nosso olhar) no lugar de um suposto inatismo visual, em que o modo de olhar seria condicionado por propriedades inatas, ou seja, biologicamente herdadas.
Apesar da também crescente presença de vídeos reproduzidos na TV e no Cinema, o interesse gramatical desses autores sobre elementos da visualidade se ateve muito mais às mídias que produzem imagens estáticas, especialmente a pintura e a fotografia, e às variações e às relações desses elementos, o que pode ser adaptado para os quadros estáticos (frames) capturados de um vídeo. (ROSADO; TAVEIRA, 2019, p. 358).
Sabemos que nesse tipo de análise da imagem, estruturalista em sua essência e inspirado na gramática dos textos escritos, que disseca elementos basilares e procura os distinguir do conjunto de uma imagem, categorizando-os e identificando suas inter-relações, nunca será suficiente para interpretar a imagem em sua totalidade (partindo-se da ideia que seria possível existir essa totalidade!). Contexto de produção e exibição de uma obra, expectativas do seu receptor a partir de sua história pessoal e de seu consumo cultural, enfim, fatores que estão além do formato e da imagem em si, também são importantes na apreensão da significação de uma imagem visual, conforme argumenta e exemplifica Joly (2012).
Mesmo assim, confiamos no potencial da análise composicional (ROSE, 2007) para guiar não somente a distinção de elementos fundamentais em vídeos em línguas de sinais, mas também na conscientização de soluções visuais que foram mobilizadas por seus criadores ao manipular elementos básicos em um contexto relativamente novo: a produção massiva de vídeos pela e para comunidade surda e a explosão de recursos visuais digitais disponíveis através de softwares de edição e de pós-produção de vídeo digital.
Metodologia da pesquisa17
Este artigo atende parcialmente a um dos objetivos de nossa pesquisa em andamento, realizada pelo nosso grupo de pesquisa18 e com previsão de execução entre 2019 e 2022, a saber:
Oferecer aos estudiosos do campo da surdez um catálogo de destaques visuais e elementos constituintes de uma gramática visual dos vídeos em língua de sinais que está em elaboração desde o primeiro projeto19, e a ser publicado, futuramente, em formato de um manual técnico. Para isso, serão enumeradas invenções concretas, e seus apelos criativos, aliado a uma reflexão teórica sobre dilemas a serem enfrentados para a significação coletiva desses materiais fabricados na/com/pela comunidade surda. (TAVEIRA; ROSADO, 2019, p. 5).
Selecionamos para análise um conjunto de produções em formato vídeo digital em que a Língua de Sinais é a língua central e os surdos são o principal público-alvo. A partir dessa análise, propomos e descrevemos um conjunto de soluções visuais atípicas (incomuns), que consideramos úteis para aplicação em outras produções em vídeo. Nossa abordagem foi centrada nos formatos (a forma dentro do binômio forma-conteúdo) ou, de modo mais preciso, nas composições visuais obtidas de quadros (frames) capturados dos vídeos em línguas de sinais.
A análise composicional, definida por Rose (2007, p. 35-36), é uma abordagem que leva mais em consideração os elementos presentes no material em si do que o contexto em que ele foi produzido, ou a cultura própria dos receptores que os assistem e interpretam seus significados, embora reconheçamos a importância destes outros fatores. Neste tipo abordagem, analítica, com os elementos basilares identificados como partes distintas da imagem, o pesquisador passa a prever e observar combinações, relações e variações que em uma abordagem sintética, que pretende extrair significados somente a partir da observação do todo, cada imagem seria vista como única a cada produção fílmica observada.
Nossa análise empírica partiu de um recorte amostral de vídeos produzidos para fins didáticos e acadêmicos-culturais, incluindo os vídeos em categorias como artísticos-literários, novelísticos e jornalísticos, criadas conforme progredia a análise. Para isso, construímos uma ficha de análise padrão, dividida em três partes e utilizada pelos integrantes do grupo. A primeira parte identifica dados básicos da produção (título do material, ano de produção, ano de publicação, título da coleção e duração do vídeo). A segunda parte procura reproduzir tanto a apresentação do material feita pelos seus produtores (quando existe essa informação) quanto a apresentação sintético-analítica redigida pelo membro (ou membros) do grupo de pesquisa que assistiu(ram) a todo o material.
Por fim, a terceira parte, mais importante em nosso estudo, contém 14 categorias de análise, a saber: (1) tipo de conteúdo do material; (2) línguas presentes; (3) disposição das línguas; (4) facilitadores de leitura; (5) linguagem; (6) gêneros; (7) tipo de material final; (8) ambiência de aplicação do artefato; (9) modo de distribuição; (10) público-alvo; (11) faixa etária do público-alvo; (12) responsável pela produção; (13) dispositivos de acessibilidade; e (14) efeitos de edição e pós-produção. Cada categoria, na ficha, deve ter a marcação de seus itens justificada pelo(s) pesquisador(es)/analista(s), compondo a defesa da escolha e visando contribuir para a progressiva elucidação do significado da categoria entre os pesquisadores.
De outubro de 2017 a dezembro de 2018, completamos a análise de 24 vídeos, todos em Libras, com exceção de um deles em Língua de Sinais do Uruguai (LSU). Os vídeos foram capturados e arquivados pelos líderes do grupo de pesquisa, sendo a sua busca e seleção resultado de sugestões dos membros do grupo a partir de suas vivências enquanto espectadores (receptores) desses vídeos em diferentes repositórios da internet. Esse trabalho de análise gerou as respectivas fichas preenchidas pelos membros do grupo de pesquisa “Educação, mídias e comunidade surda”, ora individualmente, ora em duplas, sendo, em seguida, debatidas coletivamente nas reuniões com os demais integrantes do grupo no INES, momento que acréscimos são realizados e a ficha é validada e arquivada. Essas reuniões contaram, em média, com 5 integrantes-analistas.
Neste artigo, utilizaremos as categorias 4, 13 e 14. A categoria 4, facilitadores de leitura, procurou mapear soluções visuais que facilitassem a leitura da informação presente no vídeo, com o foco na relação conteúdo-forma, no que tange ao entendimento do público-alvo surdo e usuário de Libras sobre aquilo que é proposto pelo produtor do vídeo. De que forma o produtor facilita a leitura dos significados pretendidos em seu vídeo? É uma categoria centrada em destaques visuais (elementos textuais, de sinalização em língua de sinais, de cores e de imagens), em que a relação de contraste entre os elementos da composição e o uso e manipulação de propriedades incomuns destes elementos é buscada pelos pesquisadores. Já a categoria 13 faz uma leitura clássica da palavra acessibilidade como conjunto de recursos mobilizados para o acesso da pessoa-alvo sobre aquilo que está sendo comunicado: descrição de imagens, imagens como complemento da informação verbal, sínteses visuais na forma de gráficos e tabelas, símbolos visuais para sons, legendagem em língua de sinais e em língua oral escrita, janela para intérprete de língua de sinais, entre outros recursos. Já a categoria 14 é referente aos recentes efeitos de edição e pós-produção de vídeo que, em boa parte, hoje permitem que aquilo buscado nas categorias 4 e 13 sejam tecnicamente viabilizados. Enfim, as três categorias complementam-se e servem para a identificação de soluções visuais atípicas presentes nos vídeos analisados.
Sobre esta última categoria, vale dizer que o trabalho posterior à gravação em estúdio, com a popularização de softwares como Adobe Première e Final Cut Pro (para edição de vídeo) e Adobe After Effects e Motion (para efeitos de pós-produção), entre outros semelhantes:
se tornaram fundamentais na criação de vídeos multimodais em línguas de sinais, em que na composição estão presentes, além do intérprete sinalizante, imagens fotográficas, gráficos e esquemas, textos em variadas tipografias e animações computadorizadas de todos esses elementos. São esses softwares que permitem boa parte das recentes soluções visuais que encontramos nos vídeos analisados. De certa forma, esses softwares e suas possibilidades de tratamento de vídeo em múltiplas camadas sobrepostas condicionam hoje as composições visuais de grande parte dos vídeos que encontramos no YouTube e em outros repositórios online de vídeos, constituindo uma versão contemporânea da afirmação clássica de McLuhan (2001 [1964]): “o meio [de pós-produção] é a mensagem”. (ROSADO; TAVEIRA, 2019, p. 359).
Sob o enfoque analítico estimulado pelos estudos da gramática visual, os integrantes do grupo de pesquisa sentiram necessidade de descrever também as diferentes disposições, relações e variações dos elementos básicos detectados nos vídeos em línguas de sinais, requalificando essa categoria para a análise composicional dos frames dos vídeos. O detalhamento desta proposta de gramática visual, própria para vídeos digitais em línguas de sinais, foi publicado por Rosado e Taveira (2019) e seus elementos identificados e descritos (p. 362-369) serviram de base para a composição dos frames icônicos utilizados para representar as soluções visuais mapeadas em nossa análise.
Mapeamento de soluções visuais atípicas identificadas em nossa análise
Este catálogo inicial de soluções visuais visa elencar e agrupar um conjunto de composições visuais utilizadas de modo atípico, muitas vezes único e isolado, em vídeos digitais em línguas de sinais dispersos na rede internet. Encontramos, nos 24 vídeos analisados, um total de 13 soluções visuais consideradas originais ou inovadoras pelos membros do grupo de pesquisa e seus líderes.
Pensamos que estas soluções visuais atípicas, uma vez reunidas e decompostas em suas especificidades, poderão ser adotadas por produtores de novos vídeos. O objetivo é prover um catálogo técnico que permita a escolha de alternativas que se somem ao uso da tradicional janela de intérprete, que é a solução visual mais comum e que permanece em pleno uso após décadas, apesar das críticas pelo seu reduzido tamanho e excessivo direcionamento do olhar do surdo para um canto fixo da tela (BRITO, 2018); assim como a legenda amarela comumente utilizada na parte inferior de filmes no cinema e em novelas e seriados de televisão, muito mais direcionada para a tradução de uma língua oral estrangeira (o inglês, por exemplo) do que na acessibilidade, visto que filmes nacionais raramente são legendados.
A janela de intérprete, que é uma modalidade de PIP (picture-in-picture), foi um recurso adotado especialmente nas ilhas de edição de vídeo analógicas e em transmissões analógicas em tempo real. Esse recurso pode agora ser escolhido, entre muitos outros, através da aplicação de elementos em multicamadas nos softwares das ilhas de edição digitais, especialmente em vídeos não transmitidos em tempo real (ao vivo). O mesmo vale para a legenda amarela que ganha outras possibilidades com a ampla paleta de cores e tipos de fontes ofertados pelos softwares de edição de vídeo.
Figura 3 – Três elementos básicos em uma configuração típica de “janela de intérprete” (primeira imagem) e em uma configuração típica de “legenda amarela” (segunda imagem).
Fonte: elaboração própria.
Para construir nosso catálogo, elencamos, em uma tabela, as soluções visuais que mapeamos até o presente momento (maio de 2020), utilizando quatro variáveis de análise:
(1) descrição: resumo sobre o contexto em que uma solução visual atípica foi detectada;
(2) elementos mobilizados: escolha, entre os 7 elementos básicos já catalogados, daqueles presentes na solução visual (ator/intérprete sinalizante, ator/intérprete usando língua oral, massa textual, ilustração/imagem, legenda em língua oral escrita, cenário natural/fundo artificial e vídeo menor sobre vídeo - PIP);
(3) variações: são as variações dos elementos básicos a partir das 6 tipologias básicas (tamanho, corte, posição, grupos, formato e espaçamento);
(4) relações: são as relações desenvolvidas entre os 7 elementos básicos (repetição, simetria, assimetria, ampliação/redução, atração/proximidade, peso, quantidade/predomínio, espaço, sobreposição).
Os elementos utilizados nas variáveis 2, 3 e 4 são aqueles descritos no artigo de Rosado e Taveira (2019). Apresentamos, a seguir, a tabela com as soluções visuais atípicas mapeadas por nosso grupo de pesquisa em 5 grandes grupos: (a) soluções visuais relativas à legendagem; (b) soluções visuais relativas aos subtítulos; (c) soluções visuais relativas ao ator/intérprete de língua de sinais; (d) soluções visuais relativas às imagens e (e) soluções visuais relativas ao cenário.
Tabela 1 – Soluções visuais atípicas encontradas na amostra de vídeos digitais em línguas de sinais.
LEGENDAGEM |
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Descrição: Em uma novela em Língua de Sinais Uruguaia (LSU), os atores presentes em cena são traduzidos para o espanhol por meio de legendas em que cada cor representa um dos personagens presentes na cena. Elementos mobilizados: legenda em língua oral escrita alfabética. Variações: formato (cor da legenda). Relações: contraste de cor (entre as legendas) e atração/proximidade (entre personagens e legendas). |
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Descrição: Em um filme popular no Brasil traduzido para Libras, as legendas são todas com atores/intérpretes sinalizantes, sendo que para cada personagem do filme em cena há um ator/intérprete sinalizante. A legenda em língua oral escrita foi dispensada. Elementos mobilizados: ator/intérprete usando língua oral, ator/intérprete usando língua de sinais (legenda em língua de sinais). Variações: posição do ator/intérprete (legenda), espaçamento dos atores/intérpretes sinalizantes (legenda) e grupos de atores/intérpretes sinalizantes (legenda). Relações: repetição, atração/proximidade, peso e sobreposição. |
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Descrição: Em um vídeo em Libras traduzindo literatura de cordel, o texto original em Língua Portuguesa rola na tela de baixo para cima e tem como área de destaque aquela que está sendo sinalizada pelo intérprete/ator naquele momento. Elementos mobilizados: massa de texto e legenda em língua oral escrita alfabética. Variações: cor da legenda e cor de fundo da legenda. Posição da legenda (movimento). Relações: contraste de cor, simetria (com o ator/intérprete). |
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Descrição: Variação do anterior. Em um vídeo em Libras traduzindo literatura de cordel, o texto original em Língua Portuguesa está parado e o que rola na tela de baixo para cima é a área em destaque com o que está sendo sinalizado pelo intérprete/ator naquele momento. Elementos mobilizados: massa de texto e legenda em língua oral escrita alfabética. Variações: cor da legenda e cor de fundo da legenda. Posição da legenda (movimento). Relações: contraste de cor, simetria (com o ator/intérprete). |
SUBTÍTULOS |
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Descrição: Variação do anterior. Em um vídeo jornalístico, em determinado momento alguns conceitos em Libras são ensinados. Os subtítulos dessa aula são sobrepostos em tamanho grande ao ator/intérprete sinalizante, subvertendo posições clássicas de subtítulos em vídeos, em geral separados dos elementos principais. Elementos mobilizados: ator/intérprete sinalizante e massa de texto (subtítulos). Variações: tamanho (ampliado) e posição (centralizado). Relações: contraste, atração/proximidade (subtítulo e ator/intérprete) e sobreposição. |
ATOR/INTÉRPRETE |
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Descrição: Em um vídeo didático, o intérprete de Libras, quando ganha destaque e passa a ser protagonista nas falas, tem a sua imagem aumentada e passa a ocupar o lugar central do vídeo, passando o usuário da língua oral a ocupar a “janelinha” (tamanho menor) geralmente reservada ao intérprete de Libras. Elementos mobilizados: ator/intérprete sinalizando e ator/intérprete usando língua oral. Variações: tamanho. Relações: assimetria (entre os atores) e ampliação/redução. |
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Descrição: Em um vídeo jornalístico, o ator-intérprete sinalizante é colocado em tamanho equivalente àquele utilizado, em geral, pelos atores que usam língua oral. Ao lado, o vídeo em língua oral que está sendo traduzido para língua de sinais é então reduzido, não havendo sobreposição. Elementos mobilizados: ator/intérprete sinalizando e vídeo menor (com atores em língua oral) sobre o vídeo principal. Variações: tamanho (do ator/intérprete sinalizante). Relações: simetria (entre ator/intérprete sinalizante e vídeo com atores em língua oral). |
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Descrição: Em um vídeo didático voltado à educação a distância para surdos, o ator/intérprete é constantemente deslocado para as laterais e para o centro do frame, interagindo com imagens e objetos inseridos no vídeo e que complementam o conteúdo sinalizado. Elementos mobilizados: ator/intérprete sinalizando. Variações: posição (laterais e centro). Relações: simetria e atração/proximidade. |
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Descrição: Em um vídeo de TCC em Libras, os elementos textuais notas e citações são transpostos para o vídeo através de uma sobreposição em tamanho menor (PIP - Picture in Picture) do ator/intérprete sinalizante, enquanto o original é posto “em pausa”, ou seja, imóvel. Elementos mobilizados: ator/intérprete sinalizando. Variações: tamanho, formato (cor de fundo amarela para nota e vermelha para citação) e posição na tela (TAVEIRA; ROSADO, 2018). Relações: atração/proximidade, peso e sobreposição. |
IMAGENS |
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Descrição: Durante um vídeo didático a explicação sobre determinados detalhes de uma imagem era auxiliada pelo efeito “zoom”, ou seja, pela aproximação da informação a que o narrador se referia. Uma espécie de “plano detalhe” da imagem. Elementos mobilizados: a ilustração/imagem, gráfico ou fotografia. Variações: tamanho e corte. Relações: ampliação/redução e atração/proximidade. |
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Descrição: Durante um vídeo didático sobre a história de um alimento, as imagens complementares à sinalização (imagens ilustrativas) aparecem e desaparecem pelas laterais do frame, em movimento coordenado com a narrativa. Elementos mobilizados: a ilustração/imagem, gráfico ou fotografia. Variações: grupos (de imagens), posição na tela e giro no próprio eixo. Relações: atração/proximidade (entre imagem e ator/intérprete sinalizante). |
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Descrição: Em uma novela em Língua de Sinais Uruguaia (LSU), os atores presentes em cena, pais do protagonista, tem suas cores modificadas com alto contraste e mudanças de tonalidade durante a simulação de sonho pesadelar do seu filho. Os gritos e gestos orais dos pais são intensificados pelas cores fortes e distorções de imagem. Elementos mobilizados: ator/intérprete usando língua oral e cenário. Variações: formato (cor do frame). Relações: -. |
CENÁRIO |
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Descrição: Em uma novela em Língua de Sinais Uruguaia (LSU), o protagonista ao ficar alcoolizado (bebendo por toda noite), ao cair no chão e desfalecer, a cena se torna desfocada, indicando o grau de embriaguez do personagem. Elementos mobilizados: ator/intérprete sinalizante e cenário. Variações: formato (foco da câmera / efeito blur). Relações: -. |
Fonte: elaboração própria.
Marcas distintivas das soluções visuais atípicas mapeadas
As soluções visuais atípicas (incomuns) apresentam algumas características que as distinguem das soluções visuais convencionais (comuns). A pergunta que fazemos, neste tópico, é: o que nos levou a distingui-las como atípicas? Além da baixa frequência de uso e, por isso, sua catalogação empreendida neste trabalho em busca de maior visão de conjunto, tivemos também outras formas de identificá-las em nossa pesquisa empírica empreendida, cabendo uma breve síntese sobre suas três especificidades:
1. Primeira especificidade - variação original de uma ou mais propriedades de um ou mais dos sete elementos básicos: neste caso, um dos 7 elementos básicos, ou um conjunto desses elementos, que normalmente esperamos comportar-se apresentando determinado formato-padrão (nossa expectativa enquanto receptores), é modificado de maneira surpreendente, contrastando com os demais vídeos digitais em línguas de sinais que observamos em nosso dia a dia. Este foi o caso do nosso exemplo inicial, o seriado Crisálida, em que a língua utilizada pelos personagens foi a variação mais marcante, ao menos para os receptores sempre acostumados a ver filmes em que a língua oral é a principal, criando então um contraste com os demais seriados de TV.
Mais exemplos:
a) A legenda, que normalmente é amarela ou branca, centralizada e posicionada na parte inferior do vídeo, passa a ter inúmeras cores (variação de formato: contorno e cor), cada uma delas associada a um personagem da trama de uma novela. A variação de formato, de modo mais preciso da cor e contorno da legenda, é o elemento de distinção sobre os demais vídeos.
b) Um título ou subtítulo que, em geral, localizamos posicionado na parte superior do frame, ocupando local discreto com tamanho de fonte pequeno ou médio, distinto dessa forma dos demais elementos básicos, é encontrado em tamanho exageradamente grande (variação de tamanho), centralizado no frame e sobreposto a outro elemento básico, no caso, o ator/intérprete de língua de sinais.
c) Um ator/intérprete de língua de sinais que, em geral, encontramos em escala pequena, no canto inferior esquerdo ou direito do vídeo, compondo a janela de intérprete padrão, torna-se maior (variação de tamanho), equivalente ao espaço que vemos normalmente ser ocupado pelo não-surdo usando língua oral.
2. Segunda especificidade - relação original do elemento básico com alguma informação que só seria identificada por uma pessoa não-surda (ouvinte): neste caso, a variação de formato de um ou mais elementos básicos é utilizada de maneira original como forma de identificar relações e informações sonoras (e rítmicas) que o surdo não identificaria caso a solução visual não fosse mobilizada pelos produtores do vídeo. Aqui podemos perceber claramente que uma das matrizes de linguagem e pensamento (SANTAELLA, 2005), a sonora, mescla-se com a matriz visual, tendo esta última adquirido fortes características da primeira.
Exemplos:
a) A legenda que modifica sua cor para associá-la a um personagem da trama, equivalente à identificação do tom/timbre de voz característico de cada personagem feita pelo ouvinte.
b) O ator/intérprete de língua de sinais que acompanha, na legenda em Libras, o personagem que está utilizando a língua oral, situando-se logo abaixo dele e aparecendo somente quando este está pronunciando alguma fala, estabelecendo uma relação de atração/proximidade e ajudando o leitor de língua de sinais a observar a cena sem precisar mobilizar sua atenção inteira para um canto da tela, como normalmente encontramos nas janelas de intérprete em canto inferior esquerdo ou direito do frame.
c) A imagem que é ampliada e tem seu detalhe destacado (variação de tamanho com a aplicação de um plano detalhe) ao mesmo tempo em que o ator/intérprete sinalizante ou o ator/intérprete usuário de língua oral aborda alguma questão específica sobre aquela imagem. Embora o surdo pudesse identificar a mesma informação tanto quanto o não-surdo, caso o recurso de ampliação não fosse mobilizado, é notório que o não-surdo, ao escutar a explicação e não precisar assistir simultaneamente a sinalização, tem maior liberdade em seu olhar de deslocar-se para a observação dos detalhes da imagem que está sendo descrita.
3. Terceira especificidade - ênfases que complementam visualmente tanto sentimentos quanto informações expressas pelo ator/intérprete, seja sinalizante ou oralizante: neste caso, as variações e relações são mobilizadas como forma de reforçar uma informação que, de certa forma, seria já percebida pelo espectador surdo através de expressões corporais dos atores, do contexto da trama ou de sinalização da informação em língua de sinais.
Exemplos:
a) O surgimento de imagens pelas diversas laterais do frame que, de modo não convencional, complementam a informação sinalizada pelo ator/intérprete de língua de sinais. Eventualmente, o ator/intérprete sinalizante interage (na forma de simulação de uma interação) com essas imagens que pulam e surgem no frame, evidentemente sendo geradas por efeitos de pós-produção através do uso de chromakey (tela verde por trás do ator/intérprete).
b) Variação nas cores e no foco de imagens que indicam estados emocionais que o personagem de uma novela/filme está manifestando naquele momento: estado de confusão (alto contraste de cores e tonalidade) ou estado de embriaguez (desfoque da imagem).
Reflexões finais: em busca do compartilhamento de soluções visuais atípicas entre seus produtores
Procuramos, neste artigo, compilar aquilo que denominamos de soluções visuais atípicas (incomuns, originais ou inovadoras), a partir do trabalho empreendido pelos integrantes do grupo de pesquisa “Educação, mídias e comunidade surda”. Este esforço, desenvolvido nos últimos três anos (2018-2020), teve como inspiração nossos referenciais teóricos-conceituais sobre gramática visual e letramento/alfabetismo visual estudados e debatidos pelo grupo (LEBORG, 2015; DONDIS, 2007; ARNHEIM, 1992). Por ser uma proposta inicial, intentamos ampliar este catálogo pouco a pouco, à medida que ampliarmos nossa base de vídeos coletados, aplicando a cada um deles nossa ficha de análise e os elementos da gramática visual para vídeos digitais em línguas de sinais anteriormente proposta pelos autores do artigo (ROSADO; TAVEIRA, 2019).
A criação sistematizada de três marcas distintivas de soluções visuais atípicas, face aquelas soluções consideradas convencionais, permitiu-nos perceber exatamente em que critérios poderíamos classificar uma solução visual como incomum, contrastando com aquilo que existe já consolidado em grande parte dos vídeos digitais voltados à comunidade surda, como reduzidas janelas de intérprete e legendas amarelas na parte inferior do frame. Seguindo a abordagem das matrizes de linguagem e pensamento de Lucia Santaella (2005), a matriz sonora encontra formas de manifestar-se nas matrizes visual e verbal com intensidade de mesclagem maior quando o esforço é a comunicação voltada à comunidade de usuários de línguas de sinais, em que o canal sonoro do vídeo não deve fazer parte do ferramental para a criação fílmica.
É neste jogo entre as três matrizes de linguagem e pensamento que os produtores de vídeo encontram soluções visuais não convencionais que podem ser aplicadas a outros vídeos digitais em que as línguas de sinais são centrais e a comunidade surda é o público-alvo. De modo geral, percebemos que estas inovações ocorrem de modo eventual e transgridem algumas propriedades dos sete elementos básicos mapeados, assim como algumas de suas variações e relações, porém não percebemos estas soluções visuais conjugadas em uma só produção visual, ou em uma rede de mútuas influências necessária a esta categoria emergente de vídeos digitais (a surdo-memória nascente). O que esperamos com a gramática visual proposta e o catálogo aqui esboçado é que esta rede de soluções visuais estabeleça-se e floresça de maneira intencional entre os produtores, ao identificarem aquilo que emerge dos vídeos produzidos pelos seus pares.
Referências
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Notas
[1] O site da série pode ser acessado em: https://www.seriecrisalida.com.br/.
2 Uma postagem na página da série na rede social Facebook informando a ida da série para a Netflix, gerou entre 24 e 29 de abril de 2020 cerca de 920 compartilhamentos e 110 comentários. Link de acesso à postagem em: https://www.facebook.com/seriecrisalida/photos/a.1673862016216217/2569702943298782/?type=3.
3 As informações sobre a série Crisálida no site da TV Cultura podem ser encontradas no link: https://tvcultura.com.br/programas/crisalida/.
4 Informações sobre número de assinantes pode ser encontrada na matéria do CanalTech em: https://canaltech.com.br/entretenimento/no-brasil-netflix-ja-tem-praticamente-o-mesmo-numero-de-assinantes-que-tv-paga-159683/. Contando que uma assinatura permite que o usuário acesse em até quatro locais diferentes a sua conta, estima-se que o serviço chegue a cerca de 50 milhões de pessoas no Brasil.
5 No Uruguai, a novela Identidades, com 12 capítulos produzidos em sua primeira temporada, cuja estreia ocorreu em setembro de 2014 através do canal no Youtube "TUILSU FHCE” foi um pouco mais além da série Crisálida, pois a única língua utilizada pelos personagens é a Língua de Sinais Uruguaia (LSU), além das legendas em língua espanhola escrita. O coordenador do projeto foi o professor universitário Leonardo Peluso (Universidade da República do Uruguai) e o link do canal no Youtube é https://www.youtube.com/channel/UCk2lQJLeZ1s8z1QxHf0eEhw. Iniciativa semelhante ocorre atualmente no Departamento de Ensino Superior do INES, em seu curso de Pedagogia na disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), em que curtas-metragens foram produzidos, em sua maioria, com alunos atores sinalizantes, ou seja, com a Libras como língua principal (ROSADO; SOUSA; NEJM, 2017).
6 Para diferentes tipos de bilinguismo ver o artigo de Felipe (2012).
7 Além dos canais do Youtube voltados à comunidade surda e usuária de língua de sinais, no Brasil tem destaque a TV INES, disponível no endereço http://tvines.org.br/, sendo um projeto iniciado em 2013 pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos, com grade de programação em que a Libras é a língua principal, tendo sua distribuição realizada via internet e em aplicativos para celular. Importante trabalho sobre esta TV, e o consumo de seus programas por surdos, foi realizado por Brito (2018).
8 Optamos por não inserir links destes sites e aplicativos por considerarmos sua ampla utilização e, portanto, amplo conhecimento de acesso aos mesmos por parte dos potenciais leitores deste artigo.
9 O vídeo em Libras continua sendo a principal forma de registro linguístico e, consequentemente, educacional, social e cultural para as comunidades surdas, apesar de termos experiências bem desenvolvidas com o registro da Libras na forma escrita. No Brasil é forte a presença do SignWriting, detalhado por Stumpf (2005) em sua tese e a Elis - Escrita das Línguas de Sinais, explicada de maneira didática por Barros (2015) em seu livro, que vem se estabelecendo como alternativa desde o fim dos anos 1990. São duas formas de notação já presentes e ensinadas em universidades como a UFSC e a UFG.
[1]0 Detalhes sobre o surgimento e desenvolvimento (e retrocessos) da escrita nos últimos milênios podem ser encontrados em Fischer (2009) e uma visão mais contemporânea da escrita (últimos 500 anos), especialmente a partir da prensa gutenberguiana, é abordada por Burke (2003).
[1]1 Uma ampla análise histórica das técnicas ópticas do ponto de vista europeu desde a alta Idade Média até o século XX, entre elas a câmara obscura e a lanterna mágica, assim como as mídias modernas geradas a partir delas (cinema e fotografia), pode ser encontrada em Kittler (2016 [1999]).
[1]2 Esse aumento da presença da imagem e dos recursos técnicos de produção e circulação de imagens, a revolução visual marcada pela revolução do digital, gera nos anos 90 o que foi chamado na área das humanidades de “virada pictórica”, se opondo ao que anteriormente foi chamado de “virada linguística”, ou seja, uma recusa de explicações e descrições de mundo geradas somente a partir dos meios verbais/escritos de comunicação. O “retorno do icônico” e os estudos da imagem tem como um dos autores centrais W. J. T. Mitchell (1986) e o contexto de seu surgimento pode ser consultado no artigo de Harot (2014).
[1]3 Um conceito amplo de inscrição/escrita e a luta através do tempo pela fixação humana de sua história em objetos técnicos, com o humano buscando sua imortalidade, pode ser encontrado no capítulo 2 de Flusser (2010).
[1]4 Os estudos de Shirky (2012) sobre a sociologia das redes digitais, em que trabalha com a ideia de custo transacional reduzido, ou seja, a facilidade que a rede internet ofereceu a todos os seus usuários de serem também autores instantâneos em blogs, redes sociais, repositórios de vídeos e fotografias, contribui para explicar o aumento significativo de produções visuais surdas online. Ou seja, a expansão surda no ciberespaço não é algo isolado e único, faz parte de um movimento global. Uma discussão sobre quem de fato se torna autor no ciberespaço pode também ser encontrada em Rosado (2019).
[1]5 Para Aumont (1993), há uma importante distinção entre o olho e o olhar. Quanto estudamos o olho, estudamos os mecanismos fisiológicos da visão, o modo como a luz exterior é capturada pela rede sensória e interpretada pelo sistema neurológico (o autor desenvolve detalhadamente o tema em seu primeiro capítulo de A Imagem). Já o olhar “é o que define a intencionalidade e a finalidade da visão. É a dimensão propriamente humana da visão” (p. 59).
[1]6 Joly (2012), em seu livro publicado em 1994, faz um resumo sobre o desenvolvimento do campo da análise das imagens visuais no primeiro capítulo de seu livro e utiliza como referência principal em sua análise a Semiótica proposta por Pierce. A autora não menciona Dondis ou Arnheim na revisão de literatura de sua obra.
[1]7 Em parte, a metodologia descrita no artigo de Rosado e Taveira (2019) que resultou no detalhamento de uma gramática visual para os vídeos em línguas de sinais, é a mesma que resultou na criação desde catálogo de soluções visuais atípicas (o recorte amostral e a ficha utilizada é a mesma). Por isso, adaptamos procedimentos particulares desta última, mas a essência do percurso metodológico é a mesma.
[1]8 O grupo de pesquisa “Educação, mídias e comunidade surda”, formado por docentes, discentes, discentes bolsistas, intérpretes e assistentes vem desenvolvendo continuamente projetos de pesquisa e de extensão que atendem a ideia de experimentação e catalogação de práticas pedagógicas e artefatos tecnológicos pertinentes à educação bilíngue de surdos (pesquisa-ação). Estas experimentações vem sendo narradas e analisadas em diversos artigos publicados pelos participantes do GP e os materiais produzidos são disponibilizados no endereço https://edumidiascomunidadesurda.wordpress.com/.
[1]9 O projeto primeiro projeto de pesquisa do grupo “Educação, Mídias e Comunidade surda” (TAVEIRA; ROSADO, 2015) teve como um dos objetivos alcançados a proposição de uma gramática visual para os vídeos digitais em Libras (ROSADO; TAVEIRA, 2019).
Correspondência
Luiz Alexandre da Silva Rosado – Instituto Nacional de Educação de Surdos, DESU (Departamento de Ensino Superior), Rua das Laranjeiras, 232, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – Brasil.
CEP: 22240-003
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