http://dx.doi.org/10.5902/1984686X42598

Características das interações das díades mãe-criança com deficiência auditiva durante contação de história de livro infantil

Characteristics of hearing-impaired child-mother interactions during story time with children’s book

Características de las interacciones entre el niño con discapacidad auditiva y madre durante la hora del cuento con libro infantil

Larissa Aguiar

Mestranda na Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, SC, Brasil

E-mail: lariih_aguiar@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4872-1005

Nilton César Carlini Junior

Graduado pela Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, SC, Brasil

E-mail: jrcarlinilp@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5964-0043

João Rodrigo Maciel Portes

Professor doutor da Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, SC, Brasil

E-mail: joaorodrigo@univali.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2512-4491

Recebido em 18 de maio de 2020

Aprovado em 14 de setembro de 2022

Publicado em 25 de outubro de 2022

RESUMO

A pesquisa teve por objetivo geral analisar a interação das díades mãe-criança com deficiência auditiva ao contar história de livro infantil. Participaram cinco díades mãe-criança com deficiência auditiva que são atendidas por um Serviço de Atendimento à Pessoa Surda (SAPS) anexo a uma universidade comunitária no sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu através de uma ficha de dados sociodemográficos e da gravação de interação da díade. Dois observadores realizaram a análise dos dados separadamente e, após sua conclusão, calcularam o nível de concordância dos registros, assim, obteve-se o índice de fidedignidade de 81% para as mães e 92% para as crianças. Durante as interações, os comportamentos mais frequentes da mãe foram a mudança de entonação de voz e olhar o livro, já o comportamento mais frequente das crianças foi olhar o livro. Dessa forma, os resultados se assemelham à literatura na área e corrobora com a importância de utilizar a contação de história como um recurso que pode auxiliar no desenvolvimento das crianças com deficiência auditiva.

Palavras-chave: Educação Especial; Deficiência auditiva; Interação.

ABSTRACT

The research main objective was to analyze interaction of mother and hearing-impaired children during a story time with children's book. Five pairs of mother and hearing-impaired child attended at Attention Service to the Deaf Person (SAPS) in a Brazilian University. The data collected occurred through a socio-demographic data sheet and the date interaction agenda. Two observers performed a series of available data, and after their completion, by calculating the level of record agreement, they found the reliability index of 81% for mothers and 92% for children. During the interactions, the most frequent mothers’s behaviors were the change of voice intonation and look at the book, since the most frequent children’s behavior was to look at the book. Thus, the results obtained in the literature and in the research area are important for the execution of the story as a resource that is not an aid to hearing impaired children.

Keywords: Special education; Hearing-impaired; Interaction.

RESUMEN

El objetivo general de la investigación fue analizar la interacción de las díadas madre-hijo con pérdida auditiva al contar la historia de un libro infantil. Cinco díadas madre-hijo participaron en el estudio y cuentan con la asistencia de un Servicio de Asistencia para Personas Sordas (SAPS) adscrito a una universidad comunitaria en el sur de Brasil. La recopilación de datos se realizó por medio de una hoja de datos sociodemográficos y el registro de la interacción de la díada. Dos observadores realizaron el análisis de los datos por separado, y después de su conclusión, calcularon el nivel de acuerdo de los registros, obteniendo así el índice de confiabilidad del 81% para las madres y del 92% para los niños. Durante las interacciones, los comportamientos más frecuentes de la madre fueron cambiar su voz y mirar el libro, mientras que el comportamiento más frecuente de los niños fue mirar el libro. Por lo tanto, los resultados son similares a la literatura en el área y corroboran la importancia de usar la narración de cuentos como un recurso que puede ayudar en el desarrollo de niños con discapacidad auditiva.

Palabras clave: Educación Especial; Discapacidad auditiva; Interacción.

Introdução

A deficiência auditiva caracteriza-se pela privação sensorial, com consequências ao desenvolvimento da linguagem, fala, comunicação interpessoal e aprendizagem (ANGELO; BEVILACQUA; MORET, 2010; BRITO; DESSEN, 1999). A linguagem é a primeira forma de socialização da criança, através dela que a criança aprende a se comunicar (BORGES; SALOMÃO, 2003; CAPOVILLA, 2000), auxilia na organização perceptual, na recepção e estruturação das informações, além de fazer parte da aprendizagem e dos relacionamentos sociais (GATTO; TOCHETTO, 2007).

Quando trata-se de uma criança com deficiência, a mãe geralmente é a principal cuidadora dos filhos (BORSA; NUNES, 2011). Ela exerce um papel fundamental em seu desenvolvimento, pois todos os cuidados especiais, como saúde e educação, estão voltados a esta criança (SILVA; LIMA, 2018). Uma criança com deficiência auditiva exige algumas práticas de cuidado diferenciadas no que tange o desenvolvimento da linguagem. Geralmente, a mãe exerce um papel fundamental no desenvolvimento da linguagem do filho (VÉRAS; SALOMÃO, 2005). Ainda assim, as mães de crianças com deficiência auditiva podem encontrar dificuldades ao ensinar a comunicação oral, pois a linguagem está relacionada ao desenvolvimento de habilidades auditivas (OLIVEIRA; PENNA; LEMOS, 2015) e a compreender o que as crianças em fase de aprendizagem de linguagem estão falando (VÉRAS; SALOMÃO, 2005). É através da interação social que a criança aprende habilidades de comunicação e linguagem, conhece sobre a cultura, valores e crenças (MEDEIROS; SALOMÃO, 2014). Quando se estuda a interação da díade mãe-criança, consideram-se os comportamentos de toque e movimento, bem como contato visual e uso da linguagem (SEIDL-DE-MOURA; RIBAS, 2004). Nesse sentido, os pesquisadores observam os comportamentos visíveis que ocorrem entre a mãe e a criança.

Para Vygotsky, ter um adulto como mediador na relação de uma criança com o mundo possibilita que ela evolua e obtenha habilidades ainda não desenvolvidas (OLIVEIRA, 2011). Uma das possibilidades de mediação é a utilização da contação de histórias com livros infantis, a mãe, enquanto narradora, possibilita que a criança possa entrar em contato com a cultura (BEDRAN, 2012), além de ser a mediadora do filho com o mundo, auxiliando em seu desenvolvimento (NASCIMENTO; KESSLER, 2015), bem como a desenvolver a linguagem, que está intimamente ligada à audição. A criança, ao ter contato com livros infantis, desperta a imaginação e criatividade (BEDRAN, 2012), além de desenvolver processos psicológicos e estabelecer laços sociais (MEDEIROS; SALOMÃO, 2014). Dessa forma, o recurso de contação de histórias pode ser utilizado pela mãe para desenvolver as habilidades, tanto da criança com desenvolvimento típico, quanto da criança com deficiência auditiva.

O termo “contação de história” foi criado nas últimas décadas do século XX para se referir ao ato de contar histórias, que pode ser visto como um instrumento capaz de ligar diferentes dimensões e possibilitar que as pessoas sejam mais humanas, íntegras, solidárias e tolerantes. É um ato social e coletivo, que se materializa através da escuta afetiva e efetiva (BUSATTO, 2005). O ato de ouvir história desperta na criança a curiosidade e a imaginação, além de ter contato com a cultura em que está inserida, e, dessa forma, exercer sua cidadania e enriquecer-se psicossocialmente (BEDRAN, 2012).

Através de um levantamento de artigos publicados nos últimos 5 anos, com o cruzamento das palavras-chave: deficiência, deficiência auditiva com mãe-criança, mãe-filho e contar história, bem como os termos em inglês: disability, hearing loss, hearing impairment com mother-child e storytelling nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (Scielo), Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foram encontrados 228 artigos, porém apenas um referia-se à contação de história para crianças com deficiência auditiva. O artigo encontrado comparou os efeitos nas estratégias utilizadas por duas mães e uma avó de crianças surdas ao contar história com livros infantis, antes e depois de oficinas com fonoaudiólogo. Após as gravações de vídeos, registraram-se as frequências dos olhares dos familiares em direção à criança e das crianças em direção ao familiar. Os resultados obtidos foram estratégias diferentes utilizadas pelos familiares após as oficinas, como variação de entonação, utilização de onomatopeias, expressões faciais, movimentos corporais, toques na criança e destaque às ilustrações. Além disso, a díade passou a trocar mais olhares e as crianças olharam mais para o livro, comparado ao  primeiro momento. Concluiu-se que, através da contação de história, houve participações mais produtivas da díade para o desenvolvimento da linguagem dessas crianças (NASCIMENTO; KELLER, 2015).

Essa pesquisa teve por objetivo analisar a interação das díades mãe-criança com deficiência auditiva ao contar história de livro infantil, a partir disso, foram descritas as características sociodemográficas das díades e buscou-se identificar os recursos utilizados pelas mães ao contar história de livro infantil ao seu filho com deficiência auditiva, e os recursos utilizados por estas crianças em relação à contação de história pela mãe. Dessa forma, espera-se que os resultados obtidos forneçam subsídios para as intervenções dos profissionais que atendem crianças com deficiência auditiva e suas famílias.

Método

Essa pesquisa caracterizou-se como exploratória de caráter descritivo, pois buscou-se conhecer um assunto com profundidade, de forma a torná-lo mais preciso (GIL, 2008) e descreveu as características de uma população ou fenômeno (RAUPP; BEUREN, 2006). Além disso, configurou-se como estudo de caso, pois coletou e analisou informações das díades, e estudou aspectos da vida dos participantes que estão relacionados ao assunto da pesquisa (PRODANOV; FREITAS, 2013), além de verificar a relação entre o fenômeno e o contexto em que ele ocorreu (GRAY, 2012).

Participantes

O Serviço de Atendimento à Pessoa Surda (SAPS) faz parte do Instituto de Fonoaudiologia anexo a uma universidade comunitária no sul do Brasil e atende crianças, adolescentes e adultos com deficiência auditiva moradores da região em que a universidade está localizada. O SAPS é gratuito e tem por objetivo oferecer serviços de educação especial para apoiar e complementar serviços educacionais comuns, de forma a viabilizar e sustentar a construção da educação inclusiva. Para participar da pesquisa, as crianças deveriam ter idade entre quatro e 10 anos, ter deficiência auditiva com grau moderado, severo ou profundo e que com o uso de aparelho auditivo ou implante coclear tenham sua audição corrigida. As mães deveriam ser alfabetizadas, ouvintes e que acompanhassem o(a) filho(a) ao serviço. Participaram da pesquisa cinco díades mãe-criança com deficiência auditiva. Foram utilizados nomes fictícios para as mães e para as crianças de forma que suas identidades fossem preservadas.

Instrumentos

Foram oferecidos três livros para a primeira mãe participante: “A cigarra e a formiga”, “O leão e o camundongo” e “A lebre e a tartaruga”, o livro que a primeira mãe escolheu, foi o livro apresentado para as outras mães que aceitaram participar da pesquisa. Esses livros foram escolhidos por contarem histórias de animais e superação dos problemas encontrados por eles. Livros como esses são indicados para crianças entre três e dez anos por conter animais, aventuras e fábulas. Histórias com animais e aventuras, são apreciadas por crianças até os sete anos de idade, e as fábulas são apreciadas por crianças mais velhas, que conseguem interpretar seu significado (COELHO, 2003). A primeira mãe participante escolheu o livro “A lebre e a tartaruga”, da editora Rideel, que narra a história de uma lebre, conhecida por correr muito, e uma tartaruga muito esforçada. A tartaruga desafia a lebre para uma corrida e, caso ganhe, a lebre não deve mais caçoar dela. Ao final, a tartaruga vence a corrida e a lebre fica envergonhada por sua atitude.

Para a coleta de dados, utilizou-se a gravação da interação da díade, através de áudio e vídeo de forma a preencher o protocolo de análise dos comportamentos mãe/criança (CHELUCCI; NOVAES, 2005) com o registro das frequências dos comportamentos da díade. O protocolo é dividido em quatro categorias, as quais são: 1) Identificação do falante, com dados como idade, escolaridade, profissão e se há o hábito de contar histórias; 2) Direção do olhar, para onde a mãe ou a criança olham, definidas em: olhando o livro, olhando e apontando o livro, olhando o outro e olhando a filmadora; 3) Mudança de entonação da voz é registrada sempre que a mãe ou a criança alteram a maneira como estão falando e 4) Mudança de expressão facial ou gesto, são descritos conforme a mãe utiliza desses recursos para a contação de história.

Para a gravação da interação da díade, utilizou-se a câmera traseira do celular da marca Samsung, modelo J5, com o objetivo de registrar áudio e vídeo. A duração da gravação foi determinada pelo tempo de ação da díade durante a contação de histórias, que variou entre quatro a 10 minutos aproximadamente para cada díade. Durante a contação de história, a pesquisadora não estava presente no local. Utilizou-se, também, a ficha de dados sociodemográficos da família, com dados sobre: idade, escolaridade e profissão dos pais, composição familiar, renda, idade, escolaridade, tipo e grau da deficiência auditiva da criança.

Procedimentos de coleta de dados

A pesquisadora fez o convite pessoalmente às mães nas dependências do SAPS, explicando-lhes os objetivos, métodos da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, em caso de aceite pelas mães, solicitava-se sua assinatura. Após o termo assinado, agendou-se com as mães um dia e horário para coletar os dados da ficha de dados sociodemográficos da família. Com a primeira mãe que aceitou participar da pesquisa, apresentaram-se os três livros e da segunda mãe em diante apresentou-se somente o livro “A lebre e a tartaruga”, o qual a mãe ficou com uma cópia para ler em casa, e agendou-se o dia para a gravação da interação. Esse procedimento teve por objetivo homogeneizar os dados relacionados à história, de forma que fosse possível observar características semelhantes ou divergentes na contação de história. Os livros foram disponibilizados às mães com no mínimo 48 horas de antecedência à gravação, de forma que pudessem ler antecipadamente.

No dia da gravação das díades, a pesquisadora encontrou a mãe e as crianças no SAPS e acompanhou-as até a Clínica Escola de Psicologia. As gravações ocorreram em uma sala de atendimento da clínica. Após chegar à sala, explicou-se, individualmente, às crianças participantes, sobre a pesquisa e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, e, obtido seu assentimento, procedeu-se a contação de história.

Análise dos dados

Para análise do conteúdo gravado, utilizaram-se as transcrições que foram analisadas conforme as categorias do protocolo para a mãe e a criança: 1) Identificação do falante; 2) Direção do olhar; 3) Mudança de entonação e 4) Mudança de expressão facial ou gesto (CHELUCCI; NOVAES, 2005).

Registra-se a ocorrência quando tal ação aconteceu ou não, já a frequência indica quantas vezes a ação ocorreu no tempo estipulado. Para o registro da frequência das ações da díade, utilizou-se uma planilha do programa Microsoft Excel 2013, em que foram adotados intervalos de 1 minuto para a análise, também considerou-se que a direção do olhar deveria se manter de 3 a 5 segundos, tanto para a criança, quanto para a mãe, pois a díade realizava uma tarefa específica. Deve-se adotar intervalos curtos para comportamentos que ocorrem com mais frequência, como as mudanças de olhar e intervalos mais longos, como de 30 em 30 segundos para comportamentos que ocorrem com menos frequência (FAGUNDES, 2006).

Os vídeos passaram por análise de juízes de forma a registrar o índice de fidedignidade das análises, dessa forma, para verificar a confiabilidade dos dados, deve-se chegar em um índice de no mínimo 70%. Esse valor é definido por critérios estatísticos, pois quando dois observadores chegam a esse nível de concordância, demonstra que seus registros estavam alinhados, as categorias bem definidas e houve facilidade para identificar os comportamentos (FAGUNDES, 2006). Para obter o índice de fidedignidade utilizou-se a fórmula ΣA / Σ (A+D) x 100, isto é, a soma dos acordos dividido pela soma dos acordos e desacordos multiplicado por 100. Nessa pesquisa, dois observadores realizaram a análise dos dados separadamente, e, após sua conclusão, calcularam o nível de concordância dos registros, assim, obteve-se o índice de fidedignidade de 81% para as mães e 92% para as crianças.

Aspectos éticos

Essa pesquisa adotou as Resoluções nº 466 (BRASIL, 2012) e nº 510 (BRASIL, 2016), para garantir que os participantes fossem respeitados, ficando livres para desistir da pesquisa quando desejarem, sendo sua participação voluntária. Além disso, foram respeitados os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, como os hábitos e costumes dos participantes.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em janeiro de 2019 sob o Parecer nº 3.117.145. As mães, em acordo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e as crianças assentiram sua participação na pesquisa, cuja comprovação foi feita através da gravação de áudio e vídeo.

Resultados

Inicialmente, serão apresentados os dados sociodemográficos em que estão descritas as características das cinco díades participantes, a ocorrência e frequência da contação de história com livro infantil pela mãe, bem como o grau, o tipo e a origem da deficiência auditiva da criança. Posteriormente, serão apresentadas as descrições das interações diádicas e os resultados totais das categorias da mãe e das categorias da criança.

Quadro 1 – Dados sociodemográficos da mãe

NOME FICTÍCIO

IDADE

ESCOLARIDADE

PROFISSÃO

RENDA FAMILIAR

Cláudia (D1)

33 anos

Ensino Médio completo

Cabeleireira

De R$ 2.994,00 a R$ 4.990,00

Angélica (D2)

44 anos

Ensino Médio completo

Do lar

De R$ 998,00 a R$ 2.994,00

Lúcia (D3)

36 anos

Ensino Fundamental completo

Do lar

De R$ 2.994,00 a R$ 4.990,00

Adriana (D4)

30 anos

Ensino Médio completo

Modelista

De R$ 2.994,00 a R$ 4.990,00

Silvana (D5)

47 anos

Ensino Fundamental incompleto

Autônoma

De R$ 4.990,00 a R$ 6.986,00

Fonte: Elaboração própria (2019).

A idade das mães participantes varia de 30 a 47 anos, três delas possuem Ensino Médio Completo (D1, D2, D4). A renda familiar de três díades está entre 3 e 5 salários mínimos (D1, D3, D4). As participantes relataram que costumam contar histórias com livros infantis aos seus filhos, dessa forma, duas mães costumam contar histórias com livros infantis uma vez por semana (D2, D4) e duas relataram que realizam a contação de história uma vez ao mês, com livros enviados pela escola das crianças (D1, D5).

Quadro 2 – Dados sociodemográficos da criança

NOME FICTÍCIO

IDADE

ESCOLARIDADE

GRAU DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA

TIPO

ORIGEM

Gabriel (D1)

6 anos

1º ano

Moderada Bilateral

Mista

Adquirida

Felipe (D2)

6 anos

1º ano

Severa Bilateral

Neuros-sensorial

Adquirida

Júlia (D3)

10 anos

4º ano

Moderada Bilateral

Mista

Congênita

Sofia (D4)

4 anos

Pré-escolar I

Profunda Bilateral

Neuros-sensorial

Congênita

Bruno (D5)

8 anos

2º ano

Moderada Bilateral

Neuros-sensorial

Congênita

Fonte: Elaboração própria (2019).

Das cinco crianças participantes da pesquisa, três são do gênero masculino (D1, D2, D5) e possuem idades entre 4 e 10 anos. O grau da deficiência auditiva varia entre moderada, severa e profunda, e todas se caracterizam como bilaterais. O tipo da perda auditiva caracteriza-se como mista (D1, D3) ou neurossensorial1 (D2, D4, D5). Além disso, três crianças apresentam origem congênita da deficiência auditiva (D3, D4, D5). Todas as crianças usam Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) em ambas as orelhas que fornecem o ganho acústico necessário de acordo com sua perda auditiva. Gabriel (D1) utiliza também o Sistema FM2 na escola. Além desses dados, Bruno (D5) apresenta laudo médico para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade com características para Autismo infantil.

A contação de histórias ocorreu através da comunicação verbal, pois as crianças participantes dessa pesquisa, ao utilizarem o AASI, recebem o ganho acústico necessário de acordo com a perda auditiva, assim, utilizam a Língua Portuguesa para se comunicar, bem como suas mães.

Gráfico 1 – Categorias de análise da mãe em direção à criança

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Gráfico 2 – Categorias de análise da criança em direção à mãe

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

No início da interação da díade, Cláudia e Gabriel (D1) estavam sentados em um colchão com várias almofadas, um ao lado do outro. Após cerca de 40 segundos da contação de história, Gabriel mudou de posição, permanecendo deitado de bruços e mais próximo ao livro até o final da história, quando mudou de posição novamente para pegar o livro. Durante a contação da história, Cláudia encostava em Gabriel para chamar sua atenção. Os comportamentos mais evidentes da mãe foram a mudança de entonação de voz (f = 63) em que a mãe mudou a entonação e o ritmo para dar ênfase às palavras “rápido” e “lerdinho” em uma fala da lebre para o elefante “Eu corro mais rápido do que você! Você é lerdinho, lerdinho, lerdinho (Cláudia – D1)”; e olhar o outro (f = 24), já seu comportamento menos evidente foi olhar o livro (f = 10). Os comportamentos da criança foram olhar o livro (f = 25) e olhar o outro (f = 10). Cláudia fazia gestos para exemplificar a história, o que atraiu o olhar de Gabriel para ela, também fez questionamentos sobre os personagens para envolvê-lo na história. A mãe mudava a direção do seu olhar antes de completar 3 segundos, o que variou entre olhar o outro, olhar e apontar o livro e olhar o livro. Ao final, Gabriel pegou o livro e o fechou, assim, encerrou o momento de contação de história.

A díade Angélica e Felipe (D2) permaneceu sentada em um colchão e encostada nas almofadas durante toda a contação de história. A mãe segurou o livro entre ela e Felipe para que ambos pudessem acompanhar as figuras, além disso, realizou perguntas para verificar se o filho estava entendendo e mostrou semelhanças entre os personagens e a criança. Os comportamentos mais evidentes de Angélica foram a mudança na entonação de voz (f = 83) e olhar o livro (f = 44), seu comportamento menos evidente foi olhar o outro (f = 4). A mãe apontou o livro para mostrar as figuras e explicar a história, manteve seu olhar principalmente no livro e olhou rapidamente para a criança para verificar se estava prestando atenção. Já a criança permaneceu olhando o livro (f = 65) durante toda a contação da história. Ao final, a mãe perguntou se Felipe havia compreendido e se gostou da história. Felipe respondeu que sim com a cabeça e sorriu para a mãe.

Lúcia e Júlia (D3) estavam sentadas em cadeiras almofadadas, a criança estava com as mãos apoiadas nas coxas e permaneceu assim até o final da história. A mãe segurou o livro voltado para si, mas em uma altura que a criança conseguia acompanhar as figuras. Lúcia leu o livro e explicou algumas situações da história à Júlia. Durante a história, os comportamentos da mãe que obtiveram maior frequência foram olhar o livro (f = 47) e a mudança de entonação de voz (f = 9), e o comportamento que ocorreu com menor frequência foi olhar o outro (f = 1). A criança manteve seu olhar no livro (f = 53) durante toda a gravação e não fez perguntas. Ao final, a mãe fechou o livro e encerrou o momento de contação de história.

Em relação à Adriana e Sofia (D4), ambas estavam sentadas no colchão uma ao lado da outra. A mãe segurou o livro em uma altura em que a criança conseguiu acompanhar as figuras. Durante a história, os comportamentos de Adriana que mais ocorreram foram a mudança de entonação de voz (f = 119) e olhar e apontar o livro (f = 12), já o que obteve menor frequência foi olhar o outro (f = 6). O comportamento da criança que obteve maior frequência foi olhar o livro (f = 42) e olhar e apontar o livro (f = 8), conforme os personagens apareciam na história, e o que obteve menor frequência foi olhar a filmadora (f = 1). Sofia fez comentários sobre o livro, dos quais foram confirmados pela mãe e também apontou as figuras. Em alguns momentos, Sofia apontou o livro e tentou virar a página, mas Adriana segurou sua mão. Na metade da história, a criança olhou para outros espaços da sala e foi chamada pela mãe para voltar sua atenção ao livro. Ao final, a mãe perguntou se a filha gostou da história e ela respondeu balançando a cabeça de forma afirmativa. Sofia pegou o livro das mãos de Adriana para olhar as imagens e começou a folhear, enquanto que a mãe levantou-se e, assim, encerrou a contação de história.

Silvana e Bruno (D5), durante a contação de história, permaneceram sentados em poltronas, um ao lado do outro. Silvana segurou o livro entre ela e o filho para que pudessem acompanhar a história. Os comportamentos de Silvana que obtiveram maior frequência foram a mudança de entonação de voz (f = 58) e olhar o livro (f = 81), seu comportamento com menor frequência foi olhar e apontar o livro (f = 6). Durante a história, o principal comportamento de Bruno foi olhar o livro (f = 91), também olhou e apontou o livro (f = 1) e olhou a filmadora (f = 1). A mãe leu o livro e fez pausas para explicar algumas ações dos personagens, o que mudava o olhar de Bruno para a mãe, porém o tempo não era suficiente para registrar uma frequência. A criança tentou virar a página e apontar o livro, nesses momentos, Silvana segurou sua mão para impedi-lo. Ao final da história, a mãe fechou o livro e mostrou a capa, questionando se o filho havia entendido a história. Bruno respondeu “entendi”. Em seguida, a mãe começou a perguntar quais os nomes dos animais que estavam na capa do livro e Bruno respondeu. A mãe perguntou o que elas estavam fazendo, Bruno respondeu “uma corrida”, em seguida a mãe perguntou quem ganhou a corrida e ele respondeu “a tartaruga”. A mãe explicou porque o animal “devagar” ganhou a corrida, então Bruno levantou-se da poltrona e, assim, encerrou a contação de história.

Gráfico 3 – Total de frequência das categorias da mãe e da criança

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Quanto aos resultados totais da interação das mães, os comportamentos que obtiveram maior frequência foram a mudança de entonação de voz (f = 332) e olhar o livro (f = 193). As categorias que obtiveram menor frequência foram olhar e apontar o livro (f = 28) e olhar a filmadora (f = 0). Em relação à entonação de voz, as mães utilizaram esse recurso em pontos semelhantes da história, como para explicar sobre as características da personagem lebre “Ela era muito veloz, ela corria muito muito muito rápido” (D4), nesse exemplo, a mãe enfatizou as palavras “muito”. Nesta fala “Rá! Eu corro mais rápido do que você!” (D1), a mãe falou “rá” e “você” mais alto que o resto da frase, o que chamou a atenção da criança. E também ao final da história, quando a tartaruga ganhou a corrida “A tartaruga passou dela e chegou lá na frente. Ganhou, êee! A tartaruga ganhou!” (D1), nessa frase a mãe deu ênfase à palavra “passou” e “lá”, no trecho seguinte a mãe pronunciou “ganhou” mais alto que o resto da frase. No último trecho, a mãe falou “a tartaruga ganhou” pausadamente e mais alto que o restante da história. Outro exemplo, também do final da história, a mãe disse “E a tartaruga chegou antes dela!” (D2), nessa fala a mãe inicia a frase em ritmo normal e progressivamente diminui-o, de forma que fez sua fala ficar lenta nas últimas palavras.

Os comportamentos das crianças que ocorreram com maior frequência foram olhar o livro (f = 276) e olhar o outro (f = 12), e os que obtiveram menor frequência foram olhar e apontar o livro (f = 9) e olhar a filmadora (f = 2). Além das categorias registradas, as crianças apresentaram comportamentos como olhar para outros lugares da sala (D4, D5) e tentar virar a página do livro (D1, D4, D5).

Discussão

Durante a interação, as mães explicaram às crianças palavras da história de forma a aproximar o vocabulário do livro ao que a criança já conhece. Uma dessas palavras foi o termo “trajeto”, no qual a mãe falou “Trajeto é onde elas ficam... uma risca igual tem na escola, não tem?” (D5). As mães também buscaram mostrar características dos personagens semelhantes às das crianças. Ao iniciar a história a mãe fez uma breve explicação da personagem “A lebre é igual a você, ó! A lebre gosta de competir, ela sempre quer estar competindo com os amigos” (D2). Esse tipo de interação aproxima-se do conceito de Zona do Desenvolvimento Proximal de Vygotski, em que a mãe como mediadora da criança com o mundo, parte do nível de desenvolvimento real do filho em direção ao nível potencial, isto é, leva em consideração os conhecimentos que a criança possui e avança para aqueles que ainda não fazem parte de seu repertório. Nesse sentido, a mãe pode favorecer o desenvolvimento dos processos psicológicos ao exemplificar o conteúdo da linguagem verbal aos significados já conhecidos pela criança (OLIVEIRA, 2011; MEDEIROS; SALOMÃO, 2014).

A mãe pode utilizar os recursos disponíveis para envolver a criança na tarefa, bem como manter sua atenção à história. Um estudo realizado com uma díade mãe-criança com deficiência visual, a mãe como mediadora possibilitou à criança situações que lhe permitiu apreender os objetos e os acontecimentos ao redor, através da linguagem e do tato como suporte de apoio. Verificou-se que os comportamentos de comunicação da mãe foram utilizados para envolver a criança no processo de interação (MEDEIROS; SALOMÃO, 2014). Os achados dessa pesquisa se assemelham à esta, uma vez que as mães utilizaram a entonação de voz, apontaram as figuras do livro e tocaram nas crianças para verificar se estavam atentas à história.

A mãe, ao contar história para seu filho com deficiência auditiva, utiliza sua experiência enquanto ouvinte como referência para realizar a tarefa, dessa forma, a utilização da língua materna pode se tornar um fator que dificulta a compreensão e o envolvimento de uma criança com deficiência auditiva. Nesse sentido, uma pesquisa demonstrou que a deficiência auditiva e a capacidade de compreensão da língua materna podem interferir na qualidade da interação da díade, além disso, grupos de crianças com deficiência auditiva e suas mães apresentaram habilidades sociais menores quando comparadas ao grupo normativo da mesma pesquisa (BOLSONI-SILVA et al, 2010). Outra pesquisa relacionada à comunicação encontrou achados referentes à dificuldade de compreensão dos pais em relação à Língua Brasileira de Sinais (Libras), utilizada pelos filhos surdos, o que impactou o relacionamento das díades, além de gerar isolamento, agressividade, desentendimento, distanciamento e progresso intelectual prejudicado nas crianças (NEGRELLI; MARCON, 2006). Os resultados do presente estudo demonstram que as mães não deixaram de contar histórias aos seus filhos, ainda que estes possuíssem deficiência auditiva, eles compreendiam e utilizavam a língua materna para se comunicar com a mãe, o que pode contribuir para aumentar e qualificar a interação da díade. Constatou-se que esses fatores não foram limitadores para que as crianças prestassem atenção à história.

Em relação à direção de olhar, as mães olharam mais para o livro do que para a criança durante a contação de história, o que distingue-se dos resultados encontrados em um estudo realizado com duas díades, sendo uma criança ouvinte e uma criança com deficiência auditiva, com o objetivo de analisar como as mães contam histórias a partir de livros infantis, observou-se que a mãe da criança com deficiência auditiva olhava a filha com mais frequência em relação à díade mãe-criança ouvinte, para garantir que a criança estava compreendendo, além de antecipar perguntas e repetir palavras e expressões com maior frequência (CHELUCCI; NOVAES, 2005). Um estudo que comparou os efeitos de oficinas de contação de histórias realizadas por fonoaudiólogos, antes e depois destas, constatou-se que, antes das oficinas, as participantes olharam mais para o livro, dessa forma, foram encontrados resultados semelhantes a esse nessa pesquisa. No entanto, nesse estudo foram realizadas duas contações de história pelo mesmo familiar, na primeira as participantes não tiveram orientações de como contar a história, e a segunda foi realizada após a oficina, em que os resultados foram a diminuição da frequência de olhar o livro e o aumento da frequência de olhar a criança (NASCIMENTO; KESSLER, 2015).

Na presente pesquisa, as mães assumiram a responsabilidade de realizar a tarefa dada pela pesquisadora e não oportunizaram que as crianças questionassem ou comentassem o livro. Esse achado vai ao encontro da literatura, em que os pais tomam a iniciativa das interações e utilizam funções comunicativas que dão poucas possibilidades às crianças se desenvolverem, como colocar o objeto ao qual irão se referir diante da criança (BRITO; DESSEN, 1999). A contação de história pode ser utilizada para favorecer o desenvolvimento de crianças com deficiência auditiva, já que o hábito de contar histórias possibilita à mãe perceber seu filho como interlocutor (CHELUCCI; NOVAES, 2005). Pesquisas apontam que a utilização de histórias infantis favorecem a interação entre mãe e criança com deficiência auditiva (CHELUCCI; NOVAES, 2005; NASCIMENTO; KESSLER, 2015).

Ao contar a história, as mães seguraram os livros de forma que as crianças pudessem ver as figuras, enquanto que as crianças tentaram apontar o livro ou virar a página e foram interrompidas pelas mães. Essas ações se assemelham ao estilo autoritário de práticas parentais, em que a mãe tem o controle sobre a situação (BAUMRIND, 1966). Esse perfil de comportamento parental poderá trazer prejuízos para o desenvolvimento da criança, como o baixo repertório de habilidades sociais, diminuição da autoestima e características de depressão e estresse (SILVA, 2017). Outra hipótese para esse comportamento das mães é a superproteção da criança. Um estudo realizado com 10 mães de crianças com deficiência visual constatou que a superproteção dificultava o cuidado. As participantes perceberam infantilizar a criança e minimizar suas potencialidades, o que as fazia oferecer mais cuidados do que o necessário (PINTANEL; GOMES; XAVIER, 2013). Nesse sentido, a superproteção, um sistema controlador e com regras rígidas podem proporcionar baixa autoestima e insegurança (FISAK; GRILLS-TAQUECHEL, 2007).

Através de pesquisas realizadas com crianças com deficiência e suas famílias, percebeu-se que a mãe é a principal figura no contexto familiar para o desenvolvimento de crianças com deficiência (BRITO; DESSEN, 1999; CHELUCCI; NOVAES, 2005; DOMINGUES; MOTTI; PALAMIN, 2008; MEDEIROS; SALOMÃO, 2014; SILVA; LIMA, 2018). Nesse sentido, a mãe como uma figura autoritária ou superprotetora, pode influenciar negativamente no desenvolvimento do filho com deficiência, através de atitudes observadas na interação das díades, como não permitir a criança a tocar no livro ou não proporcionar que ela se desenvolva como interlocutora. A mãe como mediadora possibilita que a criança consiga desenvolver processos psicológicos ainda não adquiridos, dessa forma, ela tem papel fundamental para o estabelecimento de laços afetivos, cognitivos, sociais e linguísticos com a criança (MEDEIROS; SALOMÃO, 2014).

Estimular a interação da díade pode contribuir para o desenvolvimento das habilidades sociais da criança. Um estudo em que participaram 20 díades mãe-criança com deficiência auditiva sobre o brincar e as habilidades sociais, constatou que a interação com a mãe durante o brincar possibilita desenvolver habilidades sociais necessárias para se adequar ao meio. Se na interação houver variedade de estímulos e for motivadora para a criança, a eficiência no treinamento de habilidades sociais torna-se maior (DOMINGUES; MOTTI; PALAMIN, 2008).

Em relação ao comportamento de olhar a filmadora, verificou-se que a frequência deste comportamento para as mães foi nula, enquanto que duas crianças (D4, D5) olharam uma vez cada para a filmadora. Outras pesquisas realizadas com díades mãe-criança com deficiência auditiva e mãe-criança ouvinte, também obtiveram uma baixa frequência sobre o comportamento de olhar a filmadora (CHELUCCI; NOVAES, 2005; NASCIMENTO; KESSLER, 2015). Dessa forma, a utilização desse recurso para a coleta de dados não se caracterizou como uma distração para as crianças.

Um dos fatores que levou a criança a olhar em direção à mãe foi a utilização da mudança de entonação de voz e ritmo. Contudo, por não atingir o tempo mínimo requerido para registrar-se uma frequência, não é possível observar uma relação direta da mudança de entonação de voz da mãe com a mudança de direção do olhar da criança. Ao contar história, é necessário que haja olhar, intimidade e cumplicidade, priorizando espaços em que as interações, contador e ouvinte, possam ocorrer. O narrador deve envolver voz, movimento e sons ao performar sua história (BUSATTO, 2005). Dessa forma, a voz torna-se seu principal instrumento e ela deve ser empregada para envolver o ouvinte, criar expectativas e suspense até chegar ao clímax, ao final da história. Para isso, deve expressar-se de forma definida com variação vocal e pausas (COELHO, 2003). Cada contador de história a conta de uma forma diferente, mas é fundamental que se demonstre segurança e envolvimento para despertar o interesse do ouvinte (SANTOS, 2009).

A contação de história permite que a mãe possa auxiliar no desenvolvimento do seu filho, pois, para Vygotsky, a partir das interações sociais, a criança pode desenvolver as funções psicológicas superiores já que os elementos mediadores na relação homem-mundo são carregados de significado cultural, criados a partir da relação homem-homem. A linguagem tem função de intercâmbio social, isto é, através dela que os indivíduos interagem socialmente, mas para que essa interação ocorra, os signos devem ser simplificados e generalizados para serem compreendidos de forma precisa ao serem transmitidos (OLIVEIRA, 2011; VIGOTSKY, 2008). Nesse sentido, a forma como a mãe e a criança interagem, a partir da contação de história, estão relacionados à capacidade da criança de compreender as palavras utilizadas pela mãe.

Outra função dada à linguagem é a do pensamento generalizante, em que a linguagem possibilita o agrupamento de uma classe de objetos, eventos e situações em uma categoria conceitual, sendo assim, pensamento e linguagem estão relacionadas e são essenciais para compreender o funcionamento psicológico do ser humano (OLIVEIRA, 2011). Dessa forma, a díade pode utilizar uma categoria para se referir a um objeto ainda desconhecido. Durante a interação, uma díade (D4) apontou as figuras na capa do livro e utilizou a categoria “passarinho” e “piu piu” para se referir a uma ave. Através da capacidade do seu pensamento generalizante, a criança categorizou o desenho como uma ave ao observar que o animal tinha bico e asas. A mãe, ao confirmar que tal animal é uma ave, possibilita à criança incluí-lo em uma categoria que ela já conhece. Dessa forma, a audição está ligada ao desenvolvimento da linguagem (OLIVEIRA; PENNA; LEMOS, 2015), é através dela que a criança aprende a se comunicar e interagir com outras pessoas (BORGES; SALOMÃO, 2003; CAPOVILLA, 2000), auxilia na organização perceptual, na recepção e estruturação das informações, na aprendizagem e nos relacionamentos sociais (GATTO; TOCHETTO, 2007).

Uma pesquisa realizada com familiares de crianças surdas, cujo objetivo era analisar os efeitos das estratégias utilizadas pelos familiares ao contar história através de livros infantis, obtiveram-se resultados em que os efeitos proporcionaram participação mais produtiva da díade para o desenvolvimento da linguagem das crianças (NASCIMENTO; KESSLER, 2015). Ainda assim, as mães de crianças com deficiência auditiva podem encontrar dificuldades ao ensinar a comunicação oral e a compreender o que as crianças em fase de aprendizagem de linguagem estão falando (VÉRAS; SALOMÃO, 2005). Com a contação de história, a mãe pode ensinar à criança como falar as palavras que ela encontra dificuldade, através da repetição. Durante a interação, a mãe (D1) fez uma pergunta à criança e, após sua resposta, disse a palavra pausadamente, de forma que a criança a repetisse.

O principal comportamento das crianças durante a contação de história foi olhar o livro, este resultado é semelhante ao que foi encontrado em uma pesquisa realizada com familiares e crianças surdas com contação de história. Antes das oficinas as crianças olharam mais o livro. Após as oficinas com fonoaudiólogo sobre contação de história, em que os familiares participaram, observou-se o aumento da frequência do olhar da criança em direção ao outro (NASCIMENTO; KESSLER, 2015).

Conclusão

Essa pesquisa teve por objetivo analisar a interação das díades mãe-criança com deficiência auditiva ao contar história de livro infantil. Constatou-se que os comportamentos das mães que mais se destacaram foram a mudança de entonação de voz e olhar o livro, sobre as crianças houve predomínio de olhar o livro em detrimento de olhar o outro. Observou-se que a interação ficou limitada à tarefa e influenciou os comportamentos apresentados pela díade, isso pode estar relacionado ao nível de habilidade das mães para contar história. Outra hipótese em relação a estes acontecimentos é a desejabilidade social das mães de atender às expectativas da pesquisadora, o que restringe os comportamentos delas a tarefa dada inicialmente.

Algumas variáveis influenciaram na coleta de dados e apresentaram-se como limitações nesse estudo, como as condições de saúde, vida e trabalho das mães. Esses aspectos afetavam a permanência delas no serviço e dificultava o agendamento do dia e horário para a gravação da interação da díade.

O protocolo utilizado na análise dos comportamentos mãe/criança mostrou-se como um limitador à pesquisa, pois não explicava como registrar a frequência das categorias. Portanto, realizaram-se alterações para coletar os dados, como a definição do tempo de olhar para registrar-se uma frequência. Além disso, livros que contenham questionamentos ao leitor podem possibilitar às mães envolver a criança nas respostas, no entanto, o livro utilizado nessa pesquisa não tinha essa característica.

Como outras possibilidades de estudos associados a esse tema, sugere-se que seja realizado um estudo comparativo de díades mãe-criança com deficiência auditiva e da mesma mãe com seu filho ouvinte. Outra possibilidade é a contação de histórias para crianças com deficiência auditiva que não sejam oralizadas, isto é, através do uso de Libras. Além disso, outros estudos com contação de histórias podem realizar uma avaliação das funções executivas da criança, como a compreensão verbal, antes de ocorrer a interação da díade, pois esta pode ser uma variável importante para investigar as habilidades de compreensão da criança sobre o conteúdo da história. Novas pesquisas na área podem envolver outras figuras de cuidado que residem com a criança, como pai, padrasto, avó, avô, tio, tia. Além disso, podem ser inclusos os seus professores da escola e/ou profissionais dos serviços especializados frequentados por elas.

Esse estudo permite observar a importância de aprimorar técnicas de contação de história para crianças com deficiência auditiva. O recurso de contação de história pode ser utilizado por profissionais do serviço especializado ou da educação básica dessa população. O oferecimento de oficinas de contação de história para as mães pode contribuir para a habilidade delas em utilizar esse recurso para o desenvolvimento das crianças.

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Notas

1 O tipo de perda auditiva está relacionado às estruturas afetadas do aparelho auditivo. Na perda auditiva do tipo neurossensorial, há um distúrbio no sistema sensorial, já na perda auditiva mista há o envolvimento do distúrbio auditivo condutivo associado a uma alteração no mecanismo neurossensorial (SANTOS; MANFREDI; ISAAC, 2009).

2 É uma ferramenta de Tecnologia Assistiva que consiste em um microfone, a ser utilizado pelo professor, conectado por ondas de rádio ao AASI do aluno (JACOB et al, 2010).

 

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