http://dx.doi.org/10.5902/1984686X41513
Técnicas básicas de autoajuda para a locomoção de alunos cegos em ambientes escolares: proposta de treinamento e avaliação
Basic self-help techniques for the movement of blind students in school environments: a training and evaluation proposal
Técnicas básicas de autoayuda para la locomoción de estudiantes ciegos en entornos escolares: propuesta de capacitación y evaluación
Loiane Maria Zengo Orbolato
Doutoranda na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Marília, São Paulo, Brasil.
lozengo@hotmail.com
ORCID – https://orcid.org/0000-0001-7396-0457
Eduardo José Manzini
Professor doutor na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Marília, São Paulo, Brasil.
ORCID – https://orcid.org/0000-0002-7157-8227
Recebido em 10 de dezembro 2019
Aprovado em 1 de julho de 2020
Publicado em 21 de agosto de 2020
RESUMO
A pesquisa objetivou avaliar um programa de treinamento de técnicas básicas de autoajuda nos ambientes escolares. Uma estudante de 13 anos, com cegueira congênita, matriculada no 6º ano do Ensino Fundamental, participou do estudo. Caracteriza-se como um estudo quase experimental e baseou-se em três etapas distintas: 1) pré-teste; 2) intervenções; e, 3) pós-teste. Os instrumentos utilizados para avaliação dessas etapas foram os protocolos de avaliação das técnicas básicas de autoajuda. As avaliações ocorreram em três ambientes: sala de vídeo, sala de leitura e estacionamento. A análise dos dados foi quantitativa para o desempenho da estudante no pré e pós-testes e qualitativa para a descrição das intervenções. Os resultados do pré-teste indicaram que a estudante executou todos os comportamentos caracterizados como básicos das técnicas propostas, em contrapartida, não executou a maioria dos comportamentos caracterizados como específicos. As intervenções tiveram como foco o ensino e treinamento dos comportamentos que a estudante não executou e/ou executou incorretamente no pré-teste. Utilizou-se como estratégia para as intervenções: instruções verbais, físicas, modelos cinestésicos e feedback positivo. Os resultados do pós-teste indicaram que a estudante conseguiu, de maneira natural e segura, executar a maioria dos comportamentos propostos em todos os ambientes. Conclui-se que os principais fatores para o sucesso do ensino, treinamento e avaliação das técnicas propostas foram: a sistematização do programa em conjunto com o delineamento quase experimental; o uso da filmagem e das fichas de registro; a aplicação consciente do uso das estratégias de ensino; e a identificação das características da estudante para uma aprendizagem mais efetiva.
Palavras-chave: Educação Especial; autoajuda; orientação e mobilidade.
ABSTRACT
The research aimed to evaluate a training program in basic self-help techniques in school environments. The study participant was a 13-year-old teenager with congenital blindness who was enrolled in the 6th grade of elementary school. The study was characterized as quasi-experimental research and was based on three distinct steps: 1) pre-test; 2) interventions; and 3) post-test. The instruments used to evaluate these steps were the protocols for the evaluation of basic self-help techniques. The assessments took place in three environments: a video room, a reading room, and a parking lot. Data analysis was quantitative for student performance during pre-test and post-test and qualitative for the description of interventions. The pre-test results indicated that the student demonstrated all behaviors characterized as basic among the proposed techniques. However, the participant did not demonstrate most behaviors considered specific. The interventions focused on instructional and training behaviors that the student did not perform and/or performed poorly in the pre-test. The strategy for interventions used verbal and physical instructions, kinesthetic models, and positive feedback. Post-test results indicated that the student was able to demonstrate most of the proposed behaviors naturally and safely in all environments. The analysis concluded that the main success factors in instruction, training, and evaluation of the proposed techniques were as follows: the systematization of the program along with the quasi-experimental design; video recording and detailed record-keeping; the deliberate application of the teaching strategies; identification of student characteristics for more effective learning.
Keywords: Special Education; self-help; orientation and mobility.
RESUMEN
El objetivo de la investigación fue evaluar un programa de capacitación de técnicas básicas de autoayuda en entornos escolares. Un adolescente de 13 años con ceguera congénita matriculado en el sexto grado de enseño básico participó en el estudio. Estudio de delineamiento cuasiexperimental, se basó en tres etapas: 1) preevaluación; 2) intervenciones; y 3) posevaluación. Los instrumentos para valorar estos pasos fueron los protocolos de evaluación de técnicas básicas de autoayuda. Las evaluaciones se hicieron en tres entornos: sala de video, sala de lectura y estacionamiento. El análisis de los datos fue cuantitativo para el rendimiento del alumno antes y después de las pruebas, y cualitativo para la descripción de las intervenciones. Los resultados preliminares indicaron que el alumno realizó todos los comportamientos caracterizados como básicos de las técnicas propuestas, en contraste, no realizó la mayoría de los comportamientos caracterizados como específicos. Las intervenciones se centraron en la enseñanza y capacitación que el alumno no realizó y/o realizó incorrectamente en la prueba preliminar. Se utilizó como estrategias: instrucciones verbales, físicas, modelos kinestésicos y retroalimentación positiva. Los resultados indicaron que el estudiante pudo realizar de forma natural y segura la mayoría de los comportamientos propuestos. Se concluye que los principales factores para el éxito de la enseñanza, capacitación y evaluación de las técnicas propuestas fueron: la sistematización del programa junto con el diseño cuasiexperimental, el uso de grabaciones y fichas de registro, la aplicación consciente del uso de estrategias de enseñanza y la identificación de características del alumno.
Palabras clave: Educacion Especial; autoayuda; orientación y movilidad.
Introdução
Dentre as técnicas propostas pelos programas de Orientação e Mobilidade, as técnicas de autoajuda podem ser consideradas como as mais simples de serem implantadas. Conforme o próprio termo informa, para a realização destas técnicas, a pessoa deve utilizar o próprio corpo - membros superiores e inferiores funcionam como proteção do sujeito - para direcionar-se, orientar-se e mover-se (GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010).
Embora não haja uma sequência lógica para que o ensino e treinamento das técnicas de Orientação e Mobilidade ocorra - uma vez que dependem exclusivamente das especificidades, necessidades e desejos da pessoa cega – as técnicas de autoajuda são, geralmente, ensinadas na fase inicial deste processo (MELO, 1991).
As técnicas de autoajuda, também chamadas de técnicas de autoproteção, têm como objetivo oferecer segurança no deslocamento da pessoa cega para que possa obter informações sobre o meio, localizar objetos e locomover-se de maneira autônoma e independente, sem que haja o auxílio de pessoas ou recursos para isso (FELIPPE, 2001; FELIPPE; FELIPPE, 1997; GARCIA, 2003; GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010).
Dentre os benefícios que a aprendizagem e a utilização das técnicas de autoajuda podem oferecer para locomoção de pessoas cegas, é possível destacar a realização mais natural possível das atividades de vida diária (AVD) como a principal delas (GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010).
As técnicas de autoajuda constituem-se como o alicerce para conquista da locomoção independente, uma vez que seu uso contribui para a compreensão mais completa do próprio corpo, da posição que ele ocupa no meio e dos diferentes movimentos que podem ser realizados por ele.
Além disso, é por meio do uso correto destas técnicas que a pessoa será capaz de estabelecer o mapa mental dos ambientes com maior riqueza de detalhes e, assim, locomover-se com maior independência. Por estes motivos, essas técnicas são, geralmente, utilizadas e treinadas em ambientes familiares.
De acordo com a literatura, são nove as técnicas de autoajuda mais utilizadas nacionalmente: 1) proteção superior; 2) proteção inferior; 3) rastreamento (ou seguir linhas guias); 4) enquadramento e alinhamento (ou tomada de direção); 5) localização de objetos; 6) familiarização de ambientes; 7) postura; 8) sentar-se frente à mesa; e, 9) sentar-se em auditório (BRUNO; MOTA, 2001; FELIPPE; FELIPPE, 1997; GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010; MELO, 1991).
Embora estas técnicas pareçam simples, é preciso que a pessoa saiba que cada uma delas é composta por diferentes comportamentos que devem ser executados rigorosamente. Para isso, é fundamental que a pessoa esteja apropriada de conceitos relacionados ao próprio corpo - e seus respectivos movimentos -, ao espaço, ao tempo, à lateralidade, à interpretação cinestésica, além de saber utilizar os sentidos remanescentes de maneira integrada.
É por meio da execução destes comportamentos que a pessoa poderá locomover-se de maneira mais segura, ou seja, com o risco mínimo de ocorrência de acidentes (GARCIA, 2003). Em outras palavras, cada técnica é o resultado final da execução correta dos comportamentos que as compõe.
Apesar de essas técnicas serem fundamentais para a conquista de uma locomoção segura, é possível perceber que nem todas as pessoas cegas possuem conhecimento sobre a importância de cada uma delas e/ou como executá-las corretamente.
No que diz respeito ao contexto escolar – no qual a criança/ adolescente passa a maior parte do dia –, o ensino e o treinamento das técnicas de autoajuda são fundamentais. Embora os alunos, mesmo com o conhecimento destas técnicas, locomovam-se com independência e autonomia nos ambientes que lhes são familiares, poucos levam em consideração a segurança física durante o deslocamento. Diante disso, acredita-se que a falta de conhecimento seja o principal fator para a não execução e/ou execução inadequada dos movimentos durante a locomoção.
Além disso, o material nacional disponibilizado referente ao processo de ensino, treinamento e a avaliação destas técnicas, principalmente, ao tratar dos ambientes escolares, é insuficiente. A maioria deles não apresenta um processo sistematizado. Diante disso, muitos profissionais da área acabam não proporcionando um ensino de qualidade para esses alunos.
Lançando um olhar mais cuidadoso para a relação entre a importância e os benefícios do uso, do ensino, do treinamento e da avaliação das técnicas de autoajuda em ambientes escolares e o número escasso de pesquisas, em âmbito nacional, o estudo baseou-se no seguinte problema de pesquisa: seria possível avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas de autoajuda nos ambientes escolares? A partir desse problema, o estudo teve como objetivo avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas de autoajuda nos ambientes escolares.
Método
A presente pesquisa1 é caracterizada como uma pesquisa quase experimental e utilizou o delineamento pré e pós-teste como procedimento metodológico para a coleta de dados (COZBY, 2003; PORTNEY; WATKINS, 2008).
A coleta de dados ocorreu em uma escola de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Para a seleção da estudante, foram estabelecidos os seguintes critérios: 1) ter diagnóstico de cegueira, garantindo a ausência de outras deficiências; 2) estar matriculado no ensino regular a partir do 6º ano; e 3) ter mais de 11 anos.
Participou deste estudo uma estudante, adolescente, de 13 anos, matriculada no 6º ano do Ensino Fundamental, diagnosticada com cegueira cega congênita. Os procedimentos para a coleta de dados foram realizados nas dependências da escola onde a estudante estava matriculada2.
Estudo exploratório e elaboração dos instrumentos para a coleta de dados
Inicialmente, foram identificadas, na literatura, as técnicas básicas de autoajuda mais requeridas nacionalmente. Foram elas: 1) proteção superior; 2) proteção inferior; 3) seguir linhas guias; 4) enquadramento e/ou alinhamento do corpo; e 5) localizar objetos caídos.
Posterior à identificação, iniciou-se o estudo exploratório da escola, que teve como objetivo identificar os ambientes escolares, internos e externos, que favorecessem a execução das técnicas básicas de autoajuda propostas. Por meio de um diálogo informal, tanto com o cuidador responsável por acompanhar o estudante nos momentos de chegada e saída, quanto com a diretora da instituição, foram identificados os ambientes escolares, internos e externos, mais e menos frequentados pela estudante. O cuidador não auxiliou na coleta de dados.
Posterior à identificação desses ambientes, iniciou-se o processo de elaboração do Circuito de Avaliação, que teve o intuito de oferecer à estudante um processo de ensino e treinamento o mais motivador, interessante e desafiador possível. Assim, a partir das informações obtidas por meio do estudo exploratório, três ambientes escolares foram selecionados.
Os critérios para seleção destes ambientes foram: 1) móveis e/ou estruturas posicionados na altura da cintura; 2) móveis e/ou estruturas posicionados na altura do rosto; 3) espaço para que a estudante conseguisse locomover-se em linha reta e 4) estrutura para que a estudante pudesse seguir diferentes linhas guias. Os ambientes escolares selecionados foram: 1) sala de vídeo; 2) sala de leitura; e 3) estacionamento.
Com o intuito de avaliar cada uma das técnicas básicas de autoajuda de maneira minuciosa, antes e após o treinamento, foi preciso que os conjuntos de comportamentos propostos por cada uma das técnicas – que garantem a segurança e naturalidade durante a locomoção – fossem identificados na literatura. A partir desta constatação, foram elaborados os Protocolos de Avaliação das Técnicas Básicas de Autoajuda. Foi elaborado um protocolo de avaliação para cada técnica.
Segue, como exemplo, o protocolo de avaliação da técnica de Proteção Superior:
Quadro 1 – Protocolo de avaliação: técnica de proteção superior
Técnica de Proteção Superior |
1. Posicionar uma das mãos na altura da face. |
2. Manter a palma da mão voltada para a face numa distância de aproximadamente 20 cm. |
3. Posicionar a outra mão na altura do tórax. |
4. Manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm. |
5. Retirar todo o pé do chão durante a passada (sem arrastar o calçado). |
6. Realizar passadas com os pés paralelos (sem dar passos para lateral ou realizar passos cruzados). |
7. Manter o peso do corpo distribuído entre os pés (sem transferir o peso para os lados enquanto se locomove). |
8. Manter a postura ereta. |
9. Manter ritmo de passada constante. |
Fonte: elaboração própria (2018).
Procedimentos para coleta de dados
Para constatação da veracidade dos dados obtidos durante o processo de avaliação e treinamento, utilizou-se a filmagem como forma de registro.
A coleta ocorreu em três fases distintas: 1) pré-teste; 2) treinamento; e 3) pós-teste.
Na primeira fase, o procedimento contou com a avaliação do desempenho da estudante durante a execução das técnicas básicas de autoajuda em cada um dos ambientes, sem que a pesquisadora intervisse. O pré-teste teve duração de um dia.
Foram elaboradas situações naturais, as quais a estudante já havia vivenciado ou poderia vivenciar no cotidiano escolar, em que deveria locomover-se. Posterior a cada situação apresentada pelo pesquisador3, a estudante deveria deslocar-se da forma que achasse ser correta. A avaliação do desempenho da estudante, ao realizar cada uma das técnicas básicas de autoajuda, ocorreu nos três ambientes propostos pelo circuito: sala de vídeo (A1), sala de leitura (A2) e estacionamento (A3).
Para que o desempenho da estudante pudesse ser avaliado e, consequentemente, quantificado, foram elaboradas as Fichas de Registro pré e pós-teste. Estas fichas foram compostas pelos mesmos comportamentos propostos pelos Protocolos de Avaliação (Quadro 1), somados a campos para o registro do desempenho da estudante tanto para a fase de pré-teste quanto para a fase de pós-teste. Foi elaborada uma Ficha de Registro para cada técnica.
Posterior à análise da filmagem referente ao pré-teste, foram registrados, nestas fichas de avaliação – com um “X” –, os comportamentos que a estudante realizou corretamente em cada um dos ambientes.
Posterior ao preenchimento das fichas de registro de cada técnica referente ao pré-teste, iniciou-se a segunda etapa da coleta de dados: o treinamento, que ocorreu diariamente, nos mesmos ambientes onde foram realizadas as avaliações pré-testes.
O treinamento focou principalmente na execução correta dos comportamentos que a estudante teve dificuldade em realizar durante o pré-teste. O treinamento encerrou-se assim que a pesquisadora identificou que a estudante havia compreendido a maneira correta de executar os comportamentos de cada uma das técnicas, em cada um dos ambientes do circuito. O treinamento teve duração de duas semanas, contabilizando 10 sessões.
Posterior à intervenção, iniciou-se a terceira fase da coleta de dados: o pós-teste. Para a avaliação do pós-teste foram propostas as mesmas orientações e situações do dia a dia escolar, apresentadas no pré-teste. A avaliação pós-teste ocorreu em um único dia.
Tratamento e análise dos dados
O tratamento e a análise dos dados deste estudo baseou-se na soma da frequência absoluta dos comportamentos que a estudante realizou corretamente nas avaliações pré e pós-testes, em cada um dos ambientes. A apresentação dos valores obtidos pela estudante ocorreu por meio de gráficos de barra, a fim de realizar uma análise quantitativa e minuciosa de cada um deles.
Resultados e discussão
O treinamento teve início com a técnica de proteção superior que, de acordo com Bruno e Mota (2001), Felippe e Felippe (1997) e Garcia (2003), tem o objetivo de permitir que a pessoa cega proteja a parte superior do seu corpo, detectando, com segurança e independência, objetos posicionados na altura do tórax e rosto.
O Gráfico 1 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de Proteção Superior.
Gráfico 1 - Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de proteção superior
Fonte: elaboração própria (2018).
A técnica de proteção superior foi composta por nove comportamentos distintos. Ao analisar as fichas de registro referentes ao pré-teste, foi possível observar que a estudante teve facilidade em executar cinco deles: 1) retirar todo o pé do chão durante a passada (sem arrastar o calçado); 2) realizar passadas com os pés paralelos (sem dar passos para lateral ou realizar passos cruzados); 3) manter o peso do corpo distribuído entre os pés (sem transferir o peso para os lados enquanto se locomovia); 4) manter a postura ereta; e 5) manter ritmo de passada constante.
Tais comportamentos podem ser caracterizados como básicos para a locomoção. Portanto, mesmo não tendo conhecimento sobre a existência da técnica e a importância dela para a locomoção nos ambientes escolares familiares - dados relatados pela estudante -, ela conseguiu manter-se equilibrado, com coordenação, ritmo e postura durante o deslocamento.
Dentre os benefícios que o domínio destas capacidades e habilidades acarreta para a locomoção, a segurança física e psicológica pode ser considerada como a principal. Além disso, ter um bom desenvolvimento das habilidades e capacidades físicas e motoras favorece significativamente a realização natural dos movimentos de membros superiores, inferiores, de tronco, pescoço, cabeça e quadril (GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010).
Por esta razão, acredita-se que o estímulo destas capacidades e habilidades deve fazer parte do processo inicial de aprendizagem. Em outras palavras, possuir tais capacidades e habilidades é ter a base para que o treinamento das técnicas propriamente ditas seja iniciado (GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010).
Em relação aos quatro comportamentos específicos da técnica de proteção superior, foi identificado que a estudante não executou nenhum deles: 1) posicionar uma das mãos na altura da face; 2) manter a palma da mão voltada para a face numa distância de aproximadamente 20 cm; 3) posicionar a outra mão na altura do tórax; e 4) manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm. Dessa forma, entende-se que este desempenho ocorreu pelo fato de a estudante não conhecer a existência da técnica, não saber a maneira correta de executar os comportamentos específicos dela.
Após analisar as filmagens referentes à avaliação pré-teste, em cada um dos ambientes, e após constatar os pontos fortes e fracos da locomoção da estudante, iniciou-se o treinamento propriamente dito. O treinamento da técnica de proteção superior teve como foco a execução dos comportamentos específicos que a estudante deixou de executar no pré-teste.
O treinamento iniciou-se com a pesquisadora informando a estudante quais os principais benefícios do uso da técnica de proteção superior, principalmente em ambientes que são familiares. Posteriormente, a estudante aparentou ficar mais motivada a treinar, pois, segundo ela, locomover-se com o auxílio de outra pessoa ou com a bengala, especialmente em ambientes internos – onde existem muitas pessoas e muitos móveis – não era uma estratégia de locomoção viável.
O fato de a pessoa cega não saber locomover-se independentemente e com segurança pode fazer com que - ao tentar realizar ações básicas, tais como, jogar um papel no lixo, ou ir até a mesa de um colega e pegar algo emprestado, ou guardar algo no armário da sala - ela necessite do auxílio de alguém. Nessas situações, a probabilidade de solicitar que alguém executasse a ação por ela é grande e pode tornar-se a forma mais eficiente para solucionar determinado problema.
Após esse momento de informações, iniciou-se o treinamento dos comportamentos que a estudante deixou de executar no pré-teste. Para que a estudante pudesse compreender a maneira correta de executar tais comportamentos, a pesquisadora tomou o cuidado de relacionar cada um deles com possíveis situações vivenciadas no dia a dia escolar. Concomitantemente à explicação, a pesquisadora fez uso de instruções cinestésicas, a fim de que ela pudesse identificar o local exato do posicionamento do corpo.
Para que o treinamento não se tornasse maçante e cansativo, muitas vezes, as correções verbais eram realizadas por meio de brincadeiras e/ou falas descontraídas. Além de posicionar-se corretamente, a estudante aparentava divertir-se.
O treinamento encerrou-se quando a pesquisadora percebeu que a estudante estava conseguindo executar todos os comportamentos propostos da maneira mais correta possível. Após o período de treinamento, deu-se início ao pós-teste.
Ao analisar a ficha de registro, percebeu-se que, na sala de aula e na sala de leitura (A1e A2), a estudante teve dificuldade em executar o comportamento de posicionar uma das mãos na altura da face, optando por posicionar a mão próxima a linha do queixo.
Uma possível causa para que a estudante executasse tal comportamento inadequadamente pode decorrer da sua familiaridade com os ambientes. Estar diariamente nesses ambientes – e saber que suas estruturas não ofereciam perigo – pode ter feito com que ela não se sentisse desafiada, e, por isso, não se preocupasse em executar este comportamento com precisão.
Ao analisar os dados referentes ao estacionamento (A3), foi possível identificar que, ao contrário do ambiente anterior, executou este comportamento – e todos os outros – com maior rigorosidade. Entende-se que, neste caso, por não ser um ambiente familiar – considerando que poderia passar por alguma situação imprevisível e/ou de risco –, ela foi mais precisa na execução dos comportamentos desta técnica.
Locais onde alunos possuem maior familiaridade são aqueles em que eles possuem um mapa mental bem elaborado. E, por estarem cientes de que esses ambientes possivelmente não oferecerão perigo, eles optam por “não se proteger” durante a locomoção (ZENGO; FIORINI; MANZINI, 2016). Dessa maneira, é preciso que esta certeza seja desmistificada, uma vez que mesmo em ambientes familiares, as estruturas podem ser alteradas sem que o aluno tenha conhecimento. Em situações como essas, a probabilidade de acidentes acontecerem é grande.
O Gráfico 2 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de proteção inferior.
Gráfico 2 – Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de proteção inferior
Fonte: elaboração própria (2018).
Para Bruno e Mota (2001), Felippe e Felippe (1997) e Garcia (2003), a técnica de proteção inferior tem a finalidade de permitir que a pessoa cega proteja a parte frontal e inferior do tronco, detectando obstáculos posicionados ao nível do tórax, cintura e órgão genital, evitando, assim, choques e/ou impactos nessas regiões.
Esta técnica propôs 10 comportamentos diferentes. Ao analisar a ficha de registro referente à avaliação no pré-teste, foi observado que a estudante executou corretamente todos os comportamentos que são básicos de locomoção: 1) manter a postura ereta; 2) manter ritmo de passada constante; 3) retirar todo o pé do chão durante a passada (sem arrastar o calçado); 4) realizar passadas com os pés paralelos (sem dar passos para lateral ou realizar passos cruzados); e 5) manter o peso do corpo distribuído entre os pés (sem transferir o peso para os lados enquanto se locomove).
Em contrapartida, não executou nenhum dos comportamentos específicos desta técnica: 1) estender um dos braços em posição diagonal em frente ao corpo; 2) posicionar a mão na altura do quadril, na linha central do corpo; 3) manter a palma da mão voltada para o quadril numa distância de aproximadamente 20 cm; 4) posicionar a outra mão na altura do tórax; e 5) manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm.
Embora a estudante não tenha utilizado os comportamentos corretos para proteger o quadril durante a locomoção - pois, não executou os comportamentos de estender um dos braços em posição diagonal em frente ao corpo e manter a palma da mão voltada para o quadril numa distância de aproximadamente 20 cm –, ela demonstrou ter conhecimento sobre a necessidade desta ação. Assim, seu conhecimento contribuiu para que, no momento do treinamento, poucas alterações no posicionamento dos membros superiores fossem recomendadas.
Após identificar o desempenho da estudante durante a avaliação pré-teste, iniciou-se o treinamento, que teve como foco a execução correta dos comportamentos específicos que a estudante não executou e/ou executou de maneira incorreta no pré-teste.
Dentre os comportamentos que a estudante teve dificuldade de executar durante o treinamento, estava o de posicionar a mão na altura do quadril, na linha central do corpo. De modo geral, a estudante teve dificuldade em compreender o local exato que a mão deveria permanecer. Para isso, foi preciso direcionar o treinamento para o estabelecimento de conceitos corporais.
Além da dificuldade em executar este comportamento, a estudante teve dificuldade em manter a palma da mão - voltada para o tórax e quadril - numa distância de aproximadamente 20 cm. Conforme a estudante locomovia-se, ela aproximava as mãos em direção ao corpo. Para isso, era preciso que a pesquisadora instruísse verbalmente e, quando necessário, oferecesse instruções físicas.
A partir dos dados do gráfico, foi possível perceber que o desempenho da estudante, ao realizar a técnica, melhorou significativamente após o treinamento.
Em destaque está a execução dos comportamentos na sala de vídeo/aula (A1), os quais a estudante executou com perfeição.
Para essa situação, não foi possível supor uma determinada causa, uma vez que além de serem comportamentos distintos, foram realizados corretamente nos dois outros ambientes.
Na sala de leitura (A2), a estudante não realizou o comportamento de posicionar a mão na altura do quadril, na linha central do corpo e, no estacionamento (A3), o de manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm.
O Gráfico 3 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de seguir linhas guias.
Gráfico 3 – Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de seguir linhas guias
Fonte: elaboração própria (2018).
A técnica de seguir linhas guias tem como objetivo auxiliar a pessoa cega a obter uma linha paralela de direção, a fim de que possa localizar objetos de seu interesse e/ou pontos de referências, além de permitir que, por meio de um contato constante com elementos do meio, mantenha sua orientação de forma segura e eficiente, facilitando, assim, a localização no espaço (BRUNO; MOTA, 2001; FELIPPE, 2001; FELIPPE; FELIPPE, 1997; GARCIA, 2003; MELO, 1991).
Esta técnica propôs 12 comportamentos, dos quais seis podem ser considerados como básicos e fundamentais para uma locomoção natural: 1) realizar passadas com os pés paralelos (sem dar passos para lateral ou realizar passos cruzados); 2) retirar todo o pé do chão durante a passada (sem arrastar o calçado); 3) manter o espaço da base de apoio (distância entre os pés durante a passada) sem aumentar ou diminuir durante a locomoção; 4) manter a postura ereta; 5) manter ritmo de passada constante; e 6) manter o peso do corpo distribuído entre os pés (sem transferir o peso para os lados enquanto se locomove).
Por meio da análise da ficha de registro referente ao pré-teste, foi possível verificar que a estudante não teve dificuldade em realizar nenhum dos comportamentos básicos de locomoção. Em outras palavras, ela locomoveu-se com postura, coordenação e equilíbrio, nos três ambientes propostos.
Dentre os comportamentos específicos, foi observado que a estudante conseguiu executar dois deles: 1) posicionar o corpo paralelamente a uma parede (muro, grade, dentre outros) e 2) manter uma distância aproximada de 20 cm da parede (muro, grade, etc.).
Além disso, deixou de realizar também os outros quatro comportamentos específicos propostos: 1) flexionar o braço paralelo à parede aproximadamente na altura da cintura; 2) manter o dorso dos dedos levemente em contato com a parede; 3) posicionar a outra mão na altura do tórax; e 4) manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm.
Para estes comportamentos, entende-se o fato de que a estudante não tinha conhecimento sobre a existência e/ou importância deles, o que fez com que ela não tivesse a intenção, em nenhum dos ambientes, em executá-los.
Posterior à identificação do desempenho da estudante no pré-teste, iniciou-se o treinamento. Como a estudante já havia recebido o treinamento das técnicas de Proteção Superior e Proteção Inferior, treinar os comportamentos de posicionar a outra mão na altura do tórax e o de manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm foi simples. Bastou relembrá-la sobre a importância deles nas técnicas anteriores, nas quais foram realizados corretamente.
Quanto ao restante dos comportamentos específicos, a pesquisadora instruiu verbalmente como cada um deveria ser executado. A cada instrução, a estudante tentava posicionar seu corpo. Nos casos em que ela não conseguia, instruções físicas eram oferecidas.
O treinamento encerrou-se após a pesquisadora perceber que a estudante realizou a técnica, e seus respectivos comportamentos, da maneira mais correta possível nos três ambientes. Após o período de treinamento, deu-se início ao pós-teste.
Ao analisar a ficha de registro do pós-teste, foi possível identificar que a estudante realizou corretamente e com eficiência os 12 comportamentos na sala de aula/vídeo e na sala de leitura (A1 e A2, respectivamente).
No estacionamento (A3), a estudante deixou de executar dois comportamentos, o de posicionar a outra mão na altura do tórax e o de manter a palma da mão voltada para o tórax numa distância de aproximadamente 20 cm.
Ao observar as filmagens, foi possível constatar que a estudante, ao invés de executar esses comportamentos, posicionou a mão voltada para o quadril.
O Gráfico 4 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de enquadramento e/ou alinhamento do corpo.
Gráfico 4 – Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de enquadramento e/ou alinhamento do corpo
Fonte: elaboração própria (2018).
A técnica de enquadramento e/ou alinhamento do corpo tem como objetivos permitir que a pessoa cega estabeleça uma linha retilínea de marcha, favorecer condições para determinar sua posição em relação aos objetos, e, a partir disso, identificar a linha de tomada de direção desejada (BRUNO; MOTA, 2001; FELIPPE; FELIPPE, 1997; FELIPPE, 2001; GARCIA, 2003; MELO, 1991).
Neste estudo, esta técnica foi composta por oito comportamentos. Destes, seis podem ser caracterizados como básicos da locomoção: 1) retirar todo o pé do chão durante a passada (sem arrastar o calçado); 2) realizar passadas com os pés paralelos (sem dar passos para lateral ou realizar passos cruzados); 3) manter o peso do corpo distribuído entre os pés (sem transferir o peso para os lados enquanto se locomove); 4) manter o espaço da base de apoio (distância entre os pés durante a passada) sem aumentar ou diminuir durante a locomoção; 5) manter a postura ereta; e 6) manter ritmo de passada constante.
Já os outros dois podem ser caracterizados como específicos: 1) permanecer com os braços e mãos livres durante a locomoção (movimentos naturais) e 2) realizar a locomoção em linha reta.
Ao analisar a ficha de registro desta técnica referente ao pré-teste, foi possível identificar que a estudante deixou de executar os dois comportamentos que são caracterizados como específicos e um que é básico (retirar todo o pé do chão na passada).
Em relação ao comportamento básico que a estudante deixou de executar, foi possível perceber que o fato de estar utilizando um calçado inadequado (estilo chinelo) pode ter interferido no seu desempenho. Por mais que a estudante erguesse o pé durante a marcha, a altura não era suficiente para que o calçado deixasse de arrastar no chão.
A escolha da vestimenta a ser utilizada por alunos cegos, durante o processo de ensino e treinamento das técnicas básicas de autoajuda, é um item que deve ser pensado com cuidado. Ao selecionar uma peça de roupa, um calçado ou um acessório, é preciso estar certo de que estes não prejudicarão a segurança física e a naturalidade dos movimentos do aluno. Em outras palavras, pessoas que são cegas possuem total direito de vestirem-se e/ou utilizarem o calçado/acessórios que desejarem, no entanto, é fundamental saber que nem todos contribuirão para a segurança física e naturalidade de movimentos durante a locomoção. Diante disso, é preciso que as caraterísticas físicas e motoras de cada aluno sejam identificadas para, posteriormente, saber quais são os itens que favorecerão – ou prejudicarão – sua segurança durante o deslocamento.
Embora o comportamento de permanecer com os braços e mãos livres durante a locomoção (com movimentos naturais) possa ser caracterizado como um comportamento simples, no caso de pessoas cegas, ele torna-se complexo, uma vez que para executar este comportamento é preciso que a pessoa locomova-se sem o auxílio da bengala ou de uma pessoa vidente. Situações como essas podem gerar insegurança e comprometer a realização natural dos movimentos. Considerando que a estudante não fazia uso desta estratégia – pois, sempre que se locomovia estava acompanhado de outra pessoa, – supõe-se que ela tenha ficado insegura e tivesse dificuldade em executar o movimento no pré-teste.
Referente à dificuldade em realizar a locomoção em linha reta, foi possível inferir duas das possíveis causas: a dificuldade em localizar sons à distância e a dificuldade em compensar a diferença de tamanho existente das pernas.
Por meio das filmagens, foi possível constatar que o fato de a estudante possuir uma diferença de tamanho das pernas – e que devido ao uso de palmilha não foi percebido no pré-teste – pode ter sido uma possível causa para que ela tivesse dificuldade em realizar o deslocamento em linha reta. Desse modo, não ter a habilidade de compensar essa diferença durante a passada pode ter feito com que ela se deslocasse para o lado da perna que era menor.
Além disso, a estudante não demonstrava ter certeza da origem do som. Considerando que a estudante relatou não ter nenhum déficit auditivo, tais dados remetem a necessidade de que o sentido auditivo fosse estimulado.
Ao discorrer sobre o uso dos sentidos remanescentes durante o deslocamento, a literatura aponta que seu uso correto contribui diretamente para que a locomoção torne-se orientada e segura, por isso, é importante que a pessoa cega esteja bem apropriada para que possa locomover-se (BRUNO; MOTA, 2001; FELIPPE; FELIPPE, 1997; FELIPPE, 2001; GARCIA, 2003; GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010; MACIEL, 1988; 2003; MELO, 1991; NOVI, 1996). Vale ressaltar que, em casos de déficit sensorial e/ou perceptivo, o treinamento dos sentidos preceda o das técnicas específicas de locomoção (GARCIA, 2003; GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010; MACIEL, 1988; 2003).
Diante dos dados, além de treinar a execução dos três comportamentos que a estudante teve dificuldade no pré-teste, o treinamento teve como foco a estimulação auditiva. A estimulação auditiva ocorreu em todos os ambientes propostos pelo circuito e encerrou quando a estudante apresentou um bom desempenho em todos eles.
Referente ao comportamento de permanecer com os braços e mãos livres durante a locomoção (com movimentos naturais), foi possível perceber que a estudante teve muita dificuldade em executá-lo. Os motivos dessa insegurança não foram possíveis de serem identificados.
Ao analisar a ficha de registro do pós-teste, observou-se que o único comportamento que a estudante não executou em nenhum dos três ambientes, foi o de permanecer com os braços e as mãos livres durante a locomoção (com movimentos naturais). Porém, diferentemente do ocorrido no pré-teste, ela optou por utilizar comportamentos que oferecessem proteção da face e do tórax, ou seja, os comportamentos utilizados e treinados na técnica de Proteção Superior. Neste caso, ao invés do medo, tensão e/ou insegurança, a estudante demonstrou ter a preocupação de proteger-se para que pudesse locomover-se com segurança.
No estacionamento (A3), foi observado que a estudante teve um decréscimo na pontuação, pois, deixou de realizar os comportamentos de manter um ritmo constante de passada e de locomover-se em linha reta. Decréscimo este que pode ter sido pelo fato de, no momento da avaliação pós-teste, algumas salas terem sido liberadas, permitindo que os estudantes ficassem nos ambientes externos da escola (pátio, refeitório, etc.). Nesse caso, o barulho pode ter feito com que escutar e identificar a localização do som se tornassem tarefas difíceis de serem executadas. Apesar de a pesquisa ter sido delineada para o treinamento ocorrer em situações fora dos momentos do intervalo, alguns professores liberaram os alunos bem antes do horário estabelecido. Numa pesquisa realizada em ambiente natural, nem sempre é possível controlar variáveis externas ou intervenientes (COZBY, 2003).
O Gráfico 5 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de localizar objetos caídos.
Gráfico 5 - Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de localizar objetos caídos
Fonte: elaboração própria (2018).
Como o próprio nome diz, a técnica de localizar objetos caídos tem a intenção de auxiliar a pessoa cega a realizar uma busca de objetos caídos de maneira sistemática, segura, eficiente e rápida (BRUNO; MOTA, 2001; FELIPPE; FELIPPE, 1997; FELIPPE, 2001; GARCIA, 2003; MELO, 1991).
De modo geral, a procura de um objeto para a pessoa cega já é um desafio por si só, pois, diferentemente de uma pessoa que não possui restrições visuais, ela tem que utilizar os sentidos concomitantemente ao uso de algumas habilidades motoras, capacidades físicas e técnicas específicas de uma só vez.
A técnica de localizar objetos caídos foi composta por 8 comportamentos e que são, em sua totalidade, específicos: 1) ir em direção ao objeto; 2) posicionar uma das mãos na altura da face (durante o agachamento); 3) voltar a palma da mão para a face; 4) manter a palma da mão voltada para a face numa distância de aproximadamente 20 cm; 5) agachar-se; 6) apoiar um dos joelhos no chão; 7) tocar o dorso da outra mão no chão; e 8) realizar o rastreamento em movimentos espirais (circulares ou de grade).
Ao analisar a ficha de registro referente ao pré-teste, foi possível perceber que a estudante deixou de realizar seis deles e executou apenas dois, ir em direção ao objeto, na sala de leitura/ vídeo e no estacionamento (A2 e A3) e agachar-se nos três ambientes.
Posterior à análise do desempenho da estudante no pré-teste, deu-se início ao treinamento que teve como base o ensino dos comportamentos que a estudante não realizou e/ou realizou incorretamente.
Durante o treinamento, foi possível perceber que a estudante não teve dificuldades em executar corretamente estes comportamentos. A possível causa para este bom desempenho pode ter sido o fato de que esses comportamentos estavam presentes nas outras técnicas já treinadas, fazendo com que a instrução verbal fosse o suficiente para que ela compreendesse como executá-los.
Após o período de treinamento, a estudante teve uma melhora significativa no seu desempenho, uma vez que na sala de aula/ vídeo e na sala de leitura (A1 e A2) ela conseguiu realizar, com autonomia, segurança e naturalidade, todos os comportamentos propostos.
No entanto, no estacionamento (A3), a estudante deixou de utilizar o dorso da mão para realizar a busca pelo objeto, optando por utilizar a palma da mão que estava rastreando. Nesse caso, não é possível associar uma causa para a execução incorreta deste comportamento.
Conclusão
Tendo como objetivo avaliar o programa de treinamento de técnicas básicas de autoajuda nos ambientes escolares, as conclusões não devem recair sobre os desempenhos dos estudantes, mas o desempenho é que deve nortear a avaliação do programa. Nesse sentido, alguns itens do programa de treinamento devem ser ressaltados: 1) a escolha do delineamento; 2) o estudo exploratório; 3) uso de circuitos para avaliação; 4) a operacionalização das fichas de registro para avaliação; 5) a filmagem como forma de registro; e 6) as estratégias de ensino. Tais itens compuseram a sistematização para o treinamento e a avaliação das técnicas básicas de autoajuda.
Após os resultados da implantação do programa, é possível concluir que a sistematização para o treinamento e a avaliação das técnicas básicas de autoajuda foram as principais causas do sucesso da aprendizagem da estudante. Essa sistematização, apoiada no delineamento quase experimental, proporcionou que cada técnica fosse ensinada passo a passo e monitorada e avaliada em cada uma das fases da pesquisa.
O estudo exploratório permitiu que o desenvolvimento da pesquisa fosse pautado em situações naturais, considerando os ambientes mais utilizados pela estudante. Recomenda-se que pesquisas dessa natureza realizem esse estudo anterior ao treinamento de técnicas de orientação e mobilidade.
O uso de circuitos para avaliação parece ser uma importante inovação em programas de orientação e mobilidade. A escolha de diferentes ambientes naturais de uso da estudante, como sala de leitura, sala de vídeo e estacionamento, portanto dentro da escola, foi fonte de motivação para o ensino e as técnicas aprendidas tornaram-se funcionais para a estudante.
A operacionalização das fichas de registro para avaliação também foram fundamentais para a execução da pesquisa, pois cada comportamento a ser ensinado estava descrito, de forma clara e precisa, no instrumento, que serviu para a avaliação e para o ensino. A filmagem como forma de registro foi primordial para rever, analisar e avaliar as ações do programa, auxiliando na modelagem dos comportamentos. A avaliação constante e o registro dos acertos e erros foram eficazes para ampliar ou finalizar a intervenção.
Outro ponto que merece destaque refere-se às estratégias de ensino aplicadas de forma consciente durante as ações do programa: as instruções verbais e físicas, e os modelos cinestésicos.
Limitações do estudo
A quantidade de participantes foi uma limitação do estudo, pois com mais dois estudantes, nas mesmas condições, seria possível realizar uma pesquisa experimental para evidenciar as potencialidades do programa de ensino. O estudo inicial possuía dois participantes na mesma cidade, mas, na avaliação de uma delas, o treinamento de técnicas de orientação e mobilidade não era prioritário para aquela estudante.
Na aplicação do treinamento, deveria ser enfatizada, em todas as fases, a seleção das roupas, calçados e outros acessórios utilizados pela estudante. Essa é uma variável importante para que a aprendizagem não fique comprometida. O uso de chinelos pode dificultar o levantar do pé do chão, ou trazer instabilidade quando ao ritmo e à coordenação motora de cada passada. Mesmo sabendo que o uso de chinelos é algo social no território nacional, isso devia ser mais enfatizado.
Referências
BRUNO, Marilda Moraes Garcia; MOTA, Maria Glória Batista da. Programa de capacitação de recursos humanos do ensino fundamental: deficiência visual. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2001. Disponível em: http://migre.me/w7aFX. Acesso em: 13 jan. 2016.
COZBY, Paul C. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo: Atlas, 2003.
FELIPPE, João Álvaro de Moraes. Caminhando juntos: manual das habilidades básicas de orientação e mobilidade. São Paulo: Laramara, 2001.
FELIPPE, João Álvaro de Moraes; FELIPPE, Vera Lucia Rhein. Orientação e mobilidade. São Paulo: Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, 1997.
GARCIA, Nely. Como desenvolver programas de orientação e mobilidade para pessoas com deficiência visual. In: MACHADO, E. V. et al.(org.). Orientação e mobilidade: conhecimentos básicos para a inclusão do deficiente visual. Brasília, DF: MEC, SEESP, 2003. p. 67-120. Disponível em: http://migre.me/w7aGH. Acesso em: 22 jan. 2016.
GIACOMINI, Lilia; SARTORETTO, Mara Lúcia; BERSCH, Rita de Cássia Reckziegel. A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: orientação e mobilidade, adequação postural e acessibilidade espacial. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2010. Disponível em: http://migre.me/w7aEn. Acesso em: 11 jan. 2016.
MACIEL, Sylas Fernandes. Manual de orientação e mobilidade: subsídios para o ensino das técnicas de locomotilidade ao deficiente visual. Belo Horizonte: Convenio SEE - MG/FAFI-BH, 1988.
MACIEL, Sylas Fernandes. Manual de orientação e mobilidade: o “ir e vir” do deficiente visual. São Paulo: CMDV - Portal do Deficiente Visual, 2003. Disponível em: http://migre.me/w7aDL. Acesso em: 17 jan. 2016.
PORTNEY, Leslie Gross; WATKINS, Mary P. Foundations of Clinical Research: Applications to Practice. Philadelphia: F. A. Davis, 2008.
MELO, Helena Flávia. Deficiência visual: lições práticas de orientação e mobilidade. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991.
NOVI, Rosa Maria. Orientação e Mobilidade para Deficientes Visuais: “O sol que faltava em minha vida”. Londrina: Cotação da Construção, 1996.
ZENGO, Loiane Maria; FIORINI, Maria Luiza Salzani; MANZINI, Eduardo José. Estratégias de locomoção utilizadas por alunos cegos em diferentes ambientes escolares. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 7, São Carlos, 2016. Anais..., São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2016, p. 1. Disponível em: http://migre.me/w7aBG. Acesso em: 25 nov. 2016.
Notas
1 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Unesp, campus de Marília, processo n° 1.804.012/2016.
2 Os Termos de Consentimento e Assentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e de Fotografia e Filmagem foram entregues e assinados pelos responsáveis da estudante.
3 A pesquisadora tem formação em Educação Física e realizou curso de capacitação promovida pelo Instituto Educacional do Estado de São Paulo, com carga horária de 120 horas, e possui o título de técnico em orientação e mobilidade. O segundo autor possui certificação de 40 horas pelo Instituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro.
Correspondência
Loiane Maria Zengo Orbolato – Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, Rua Hygino Muzy Filho, 737, Marília, São Paulo – Brasil.
CEP: 17525-900
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