http://dx.doi.org/10.5902/1984686X37838

Estratégias de Empoderamento na Constituição dos Sujeitos Surdos

Empowerment Strategies in the Constitution of Deaf Subjects

Estrategias de Empoderamiento en la Constitución de los Sujetos Sordos

Rachel Capucho Colacique

Professora doutora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

E-mail: r.colacique@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7728-7711

Mirian Maia do Amaral

Professora pós-doutora da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

E-mail: amaral3378@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0647-6427

Rosemary dos Santos

Professora doutora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

E-mail: rose.brisaerc@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0479-1703

Recebido em 24 de abril de 2019

Aprovado em 13 de junho de 2022

Publicado em 25 de julho de 2022

RESUMO

Este artigo, inspirado numa Tese de doutoramento, realizada em 2018, numa universidade pública de ensino superior, teve como objetivo compreender os usos que a comunidade surda faz das redes sociais para dar visibilidade as suas ações, com vistas a sua inclusão no cenário contemporâneo. Nesse contexto, apresentamos as estratégias de empoderamento utilizadas pelos surdos na constituição de suas identidades, ao longo do processo investigativo. Em termos metodológicos e, com base em alguns pressupostos netnográficos, utilizamos os princípios da multirreferencialidade (Ardoino, 1998, Macedo 2020), bricolando-os à abordagem da pesquisa com os cotidianos (Alves, 2008; Certeau, 2013). Desse modo, lançamos um olhar plural para o nosso objeto de estudo, numa perspectiva ecológica de saberes (Santos, B., 2005), mobilizando competências, fomentando aprendizagens e potencializando suas produções, tanto em seus aspectos linguísticos quanto culturais. Com efeito, pudemos perceber uma contribuição significativa do digital em rede para as línguas de sinais e para o empoderamento das comunidades de surdos, ao redor do mundo, ao dar visibilidade às narrativas e conversas que emergiram das práticas e acontecimentos vivenciados, junto com os praticantes.

Palavras-chave: Cibercultura; Cotidianos e multirreferencialidade; Visualidade e empoderamento surdos.

ABSTRACT

This article, inspired by a doctoral thesis, carried out in 2018 at a public university of higher education, aimed to understand the uses that the deaf community makes of social networks to give visibility to their actions, with a view to their inclusion in the contemporary scenario. In this context, we present the empowerment strategies used by deaf people in the constitution of their identities, throughout the investigative process. In methodological terms and based on some netnographic assumptions, we use the principles of multi-referentiality (Ardoino, 1998, Macedo 2020), bricolating them to the research approach to everyday life (Alves, 2008; Certeau, 2013). In this way, we launched a plural look at our object of study, from an ecological perspective of knowledge (Santos, B., 2005), mobilizing skills, fostering learning and enhancing their productions, both in their linguistic and cultural aspects. Indeed, we could see a significant contribution of the digital network to sign languages ​​and to the empowerment of deaf communities around the world, by giving visibility to narratives and conversations that emerged from the practices and events experienced together with practitioners.

Kewwords: Cyberculture; Everyday life and multireferenciality; Deaf visualitiy and empowerment.

RESUMEN

Este artículo, inspirado en una tesis doctoral, realizada en 2018 en una universidad pública de educación superior, tuvo como objetivo comprender los usos que la comunidad sorda hace de las redes sociales para dar visibilidad a sus acciones, con miras a su inclusión en la actualidad. guión. En este contexto, presentamos las estrategias de empoderamiento que utilizan las personas sordas en la constitución de sus identidades, a lo largo del proceso investigativo. En términos metodológicos y basado en algunos supuestos netnográficos, utilizamos los principios de la multireferencialidad (Ardoino, 1998, Macedo 2020), bricolando al enfoque investigativo de la vida cotidiana (Alves, 2008; Certeau, 2013). De ese modo, damos una mirada plural a nuestro objeto de estudio, desde una perspectiva ecológica del conocimiento (Santos, B., 2005), movilizando habilidades, fomentando el aprendizaje y potenciando sus producciones, tanto en su vertiente lingüística como cultural. Con efecto, pudimos ver una contribución significativa de la red digital a las lenguas de señas y al empoderamiento de las comunidades sordas en todo el mundo, al dar visibilidad a las narrativas y conversaciones que surgieron de las prácticas y eventos vividos junto con los practicantes.

Palabras clave: Cibercultura; Cotidianos y multireferencialidad; Visualizaciones y empoderamiento sordos.

Introdução

A história da educação de surdos, em todo o mundo, em diferentes épocas, é marcada pelas mais diversas formas de exclusão, silêncio e silenciamentos. Inúmeros relatos (MOURA, 2000; MOURA; LODI; HARRISON, 2013) mencionam mortes, segregação do convívio social, castigos físicos e práticas torturantes para impor a exigência de “normalização” por meio do modelo ouvintista, entre outras atrocidades cometidas contra as pessoas surdas. A educação de surdos é, ao longo do tempo, atravessada por questões clínicas, assistencialistas, sociais, pedagógicas, religiosas e políticas, que resultam diferentes práticas educativas. Essas práticas, além de produzirem saberes que nos ajudam a olhar e compreender esses sujeitos, também os subjetivam, na medida em que esses indivíduos passam a se olhar pelas lentes de quem os estuda. Desse modo, acabam construindo suas identidades em contextos nos quais o discurso estereotipado da normalização tenta lhes impor limitações, em virtude de suas perdas auditivas. Essa é a história que os traz até aqui. Pelo menos é a história que a História conta. Como afirma Strobel (2009, p. 3), existem diferentes olhares nos registros históricos, muitas vezes parciais, que acabam por apresentar a história de surdos “numa visão limitada que focaliza, na maior parte, os esforços de tornar os sujeitos surdos de acordo com os modelos ouvintes oferecendo "curas" para as suas "audições" danificadas”.

Mas a história não é feita somente daquilo que querem contar aqueles que têm o poder de narrá-la. Apesar dessa construção ser forjada, também, no aparente silêncio daqueles que a vivenciam cotidianamente, os surdos, munidos de esperança, lutaram e resistiram – cada um a sua maneira – às inúmeras tentativas sociais de mascaramento de suas personalidades. Preservaram a língua de sinais, não obstante toda pressão sofrida para seu abandono. Lutaram (e lutam ainda hoje) por espaços de pertencimento, direitos, oportunidades, assim como pela valorização de suas identidades e culturas. Em meio a uma realidade tão adversa, renasceram; construíram sua própria história.

Sobre o estar sendo surdo como autor de suas identidades, alteridades e diferenças, Perlim (2003, p. 58) afirma:

Se nos consideramos surdos não significa que temos uma paranoia. Significa que estamos sendo o outro com nossa alteridade. Somos o surdo, o povo unânime reunido na autopresença da língua de sinais, da linguagem que evoca uma diferença de outros povos, da cultura visual, do jeito de ser. Somos alteridades provadas pela experiência, alteridades outras. Somos surdos!

Toda nossa caminhada como surdo foi feita por experiências numa linha diferente da linha ouvicêntrica que os “ouvintes” querem para nós. Houve transações entre nós, mas prevaleceu o signo do ser surdo na experienciação, uma experienciação que tem no diferente de ser o aspecto visual.

Entre a proposta do “ouvinte” e a proposta do surdo surge essa diferença de ser, esta diferença que é perpassada pela experiência única e intransferível de cada sujeito. Experiências vividas em cada tempo, em cada realidade, em cada situação, nunca repetidas por outros, nunca iguais. Eis as experiências surdas no estar sendo surdos.

Essas identidades – fluidas e plurais – são tecidas cotidianamente, a despeito de qualquer tentativa de imposição de modos ‘ouvintistas’ e normalizadores de vida. Esses modos de estar sendo surdos, destacados pela autora, incluem a questão da visualidade, que assume um papel central na formação do sujeito surdo, seja em suas vivências nos ‘espaçostempos’ de aprendizado e/ou nos modos de apreensão da realidade.

Durante a Cerimônia de Posse do Presidente da República – Jair Bolsonaro, a Primeira-dama, Michelle Bolsonaro, ao lado de uma intérprete que lia o texto do pronunciamento, assim se expressou, em Libras1: “Eu gostaria de dirigir-me à comunidade surda, pessoas com deficiência e a todos aqueles que se sentem esquecidos. Vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados” (G1, 01.01.2018).

Por seu ineditismo, esse discurso foi visto como uma forma de dar visibilidade à comunidade surda, assim como um modo de conscientizar não só as pessoas, mas também os governos, em geral, da importância de ter Libras acessível em todos os lugares, inclusive nos órgãos públicos. Com efeito, essa atitude de respeito e apoio à comunidade surda foi considerada, à época, mais uma conquista dos surdos, no que se referem as suas aspirações, reivindicações, reconhecimento de sua língua, de sua cultura, na medida em que estimulou o sentimento de pertencimento de grupo e práticas solidárias e de reciprocidade, entre seus membros.

Esse processo de se reconhecer nos remete ao conceito de empoderamento, termo que, no Brasil, tem sido, em geral, empregado em dois sentidos: como o processo de mobilizações e práticas com vistas a promover e impulsionar grupos/comunidades por melhores condições de vida, aumentando sua autonomia; e (b) referindo-se a ações que visam à inclusão de pessoas em condição de vulnerabilidade social, dando-lhes condições mínimas de sobrevivência, mediante bens elementares e serviços públicos em sistemas geralmente precários, cujo atendimento é realizado por meio de projetos e ações de cunho assistencial (Gohan, 2004).

Nosso entendimento é o de que o indivíduo se autoempodera. Governos, profissionais ou agentes externos podem apenas catalizar ações ou ajudar na criação de espaços que favoreçam e sustentem processos e lhes permitam se transformar em sujeitos ativos, arquitetos de seu viver. Nas palavras de Lisboa (2008, p. 7), nesse processo, “as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir seus destinos”.

 Em outras palavras, o empoderamento dá sustentabilidade aos movimentos de resistência política, voltados para promoção da autonomia e liberdade dos indivíduos envolvidos, visando, sobretudo, à compreensão das causas subjacentes às formas opressivas de vida e ao seu engajamento em ações coletivas para transformá-las.

Com efeito, a Web interativa, por meio principalmente das redes sociais, vem contribuindo significativamente para o fortalecimento das identidades e, consequentemente, das diferenças. É nesse contexto que apresentamos este artigo, inspirado numa Tese de doutorado, realizada na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2018, com o objetivo de compreender os usos que a comunidade surda faz das redes sociais para dar visibilidade as suas ações, com vistas a sua inclusão no cenário contemporâneo. 

Aportes epistemometodológicos

Mas, como apreender e compreender essas manifestações que emergem nessas redes? Como nossa pesquisa foi pensada epistemológica e metodologicamente?

Tendo como base alguns dos pressupostos netnográficos, como a participação e a observação em ambiências culturais específicas, optamos por bricolar2, científico-epistemologicamente, a abordagem da pesquisa com os cotidianos – ‘espaçostempos’ de criações, de re(invenções), experiências e subjetividades, que valorizam as práticas e as narrativas dos praticantes (Certeau, 2013; Alves 2008; Andrade, Caldas e Alves, 2019)  aos princípios da multirreferencialidade que, a partir de sistemas de referências distintos, exigem-nos a adoção de um olhar plural, aberto ao acontecimento3. Desse modo, participamos  em ato, numa ‘aventura pensada (Macedo, 2016), tendo em vista o enfrentamento das incertezas decorrentes do próprio método; o que demanda experiência, criatividade, curiosidade e disponibilidade para mergulharmos com todos os sentidos, nesses ‘espaçostempos’, tendo em vista melhor compreendê-los.

Acreditamos que aí resida a tranquilidade de termos sido abraçados por essas opções metodológicas, dado que onde uma fala, a outra diz um pouco além, onde uma vê, a outra provoca ainda mais, como num balé em que, mesmo com passos diferentes, os dançarinos compõem um belo espetáculo.

“[...] traçando/trançando as redes dos múltiplos relatos que chegaram/chegam até nós [...]’ (Alves e Garcia, 2002, p. 274), procuramos, no diálogo com a empiria e a teoria, analisar essas produções, a fim de desvelar como os praticantes interpretavam seus cotidianos e qual o sentido de suas ações, gestos, palavras e discursos. Questionamos a relevância desses dados, verificando se eram suficientes para análise e interpretação final do corpus empírico. Para refletirmos sobre as experiências significativas, destacamos partes das narrativas que nos pareceram relevantes ou não, tendo em vista distinguir o objeto, as pessoas, as ações, os eventos, ou outros aspectos. Procuramos, então, codificá-las sob o ponto de vista cognitivo, afetivo-relacional e conotativo. Dessa forma, criamos ‘unidades de significados’, que foram sendo reagrupadas em categorias analíticas – as noções subsunçoras, sistematizando o conjunto das informações e interpretações que elaboramos; ou seja, o corpus analítico, escrito por meio de relações e/ou conexões estabelecidas no processo de ‘aprendizagemensino’, interpretando-as e as reinterpretando, exaustivamente (AMARAL; ROSSINI; SANTOS, 2021).

Com efeito, reafirmamos a existência de um leque de possibilidades. metodológicas a ser adotado numa investigação científica, o que demanda o exercício de um ‘rigor teórico-metodológico outro’, mais aberto, flexível e fundamentado no paradigma da complexidade (Morin 2015), que nos permite apreender e compreender a prática reflexiva, experenciando movimentos caóticos de ordem e desordem, juntamente com os praticantes culturais, numa relação de implicação e coautoria.

A constituição das identidades surdas e as relações de poder entre ouvintes e surdos.

Mesmo após séculos de vivências segregadoras, a luta para fortalecimento da chamada Cultura Surda tem se constituído e consolidado, trazendo intensas transformações às propostas educativas direcionadas a esse segmento, que se encontram cada vez mais alinhadas aos princípios da diversidade.

Como o surdo aprende? Como ele se constitui como sujeito ator e autor no mundo em que se insere? Como a concepção de surdez e deficiência subjacentes em suas vidas cotidianas contribuem para a formação de suas subjetividades e percepção de si?

Vieira (1999, p. 51) nos alerta, baseado no pensamento gramsciano, que “existe uma indissociável vinculação entre conhecimento histórico, práxis política, luta cultural e formação humana”. Dessa forma, é importante lembrarmos que, durante muitos anos, a surdez foi vista numa perspectiva clínica, em que os profissionais envolvidos com a educação dos surdos viam a surdez como uma deficiência a ser superada. A criança ouvinte era colocada como modelo de referência a ser alcançada, e isso não era restrito aos livros. A escola, a família e a própria sociedade, de modo geral, nutriam – e ainda nutrem em muitos momentos – uma expectativa de normalização do indivíduo diferente. Juntamente com essa busca pela normalização, as pessoas carregaram, por muito tempo, a crença incorreta do surdo como um ser humano inferior, incompleto e incapaz; um indivíduo menor, mesmo que não se deem conta, ou que não admitam para si mesmas. Olham para o surdo e só percebem a ausência de audição e da fala oralizada.

No período em que se utilizaram formas híbridas de comunicação, conhecido pela concepção da Comunicação Total, defendia-se a utilização de qualquer recurso linguístico – como a língua de sinais, a língua oral ou códigos manuais e gestos livres – a fim de viabilizar a comunicação com as pessoas surdas (CICCONE, 1990).

Na busca por comunicação, muitos educadores e familiares de surdos valiam-se de gestos ‘inventados’, juntamente com a língua falada; prática considerada, hoje, inadequada, na medida em que cria um entremeio comunicativo fragmentado, que prejudica a fluência linguística. Witkoski (2011, p. 54) afirma que “[...] o uso bimodal desvirtua a ambas: não se fala nem Português nem se sinaliza Libras em plenitude”.

Essa prática, ao não utilizar uma língua-padrão, acabava restringindo o círculo de contato, uma vez que o surdo não domina uma língua compartilhada por outros indivíduos, o que é fundamental para a constituição linguística e cultural desses sujeitos, e para sua formação identitária.

Como enfatizam Doron e Parot (2001 apud CROMACK, 2004, p. 70) “a identidade implica o processo de consciência de si próprio, sendo que esta ocorre por meio de relações intersubjetivas, de comunicações linguísticas e experiências sociais, tornando-se um processo ativo”. Essa consciência de si, fortaleceu os movimentos em defesa dos espaços de pertencimento dos surdos. Desse modo, a surdez é vista, na atualidade, não sob o viés clínico-patológico – que a compreende apenas como uma deficiência a ser superada – mas numa concepção socioantropológica, cujo foco está na diferença decorrente de um modo cultural próprio de se relacionar com o mundo (SKLIAR, 1997).

Sob essa ótica, a formação identitária do sujeito surdo perpassa, invariavelmente, a questão linguística desse indivíduo, dado que a linguagem – ou a sua ausência – afeta o crescimento intelectual, social e emocional dos sujeitos, que se organizam cultural e linguisticamente, de modo distinto da cultura hegemônica, o que implica formas outras de constituição da subjetividade e identidade (CROMACK, 2004).

A própria legislação brasileira destaca uma concepção de surdez que não está pautada apenas no grau de perda auditiva, mas que caracteriza a pessoa surda, considerando a forma como ela se constitui em decorrência dessa perda; ou seja, se “compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS” (BRASIL, 2005, cap. 1, art. 2º). Essa língua irá estabelecer um importante papel na organização cognitiva, emocional e cultural desses indivíduos. Portanto, quando falamos em práticas educativas, não basta ‘adaptar’ os métodos das pedagogias tradicionais para atender aos surdos, mas é preciso valorizar sua singularidade linguística e cultural, procurar caminhos mais apropriados para o aprendizado.

Sob esse prisma, é interessante mencionarmos iniciativas nessa direção, como a apresentação do documento “A educação que nós Surdos queremos4, elaborado para o V Congresso Latino Americano de Educação Bilingue para Surdos, realizado em Porto Alegre/RS, em 1999 - inspirado em outro documento anteriormente entregue ao Ministério da Educação – MEC, para um pré-congresso, sob o título “Que educação nós surdos queremos?”- o qual preconiza princípios, como: a garantia do uso e acesso ao conhecimento por meio da Língua Brasileira de Sinais; respeito e adequação metodológica para oferecer ensino de forma adequada aos processos visuais de aprendizagem dos surdos; a importância do profissional surdo atuando nos espaços educativos; a valorização da identidade e cultura surda, entre outros aspectos.

Posteriormente, outro documento, elaborado durante o Encontro de Surdos do Estado da Bahia, em 20065, reúne princípios semelhantes, além de enfatizar a importância de se garantir uma educação de qualidade para os surdos, considerando os desejos da própria comunidade, que questionam os modelos de educação inclusiva, defendendo a garantia de salas com turmas exclusivas de surdos.

Como podemos constatar, a luta pela prevalência sobre os poderes e os saberes que operam nas sociedades (Foucault, 2011), trava-se no meio social como um todo, tendo como motivação a opressão social e cultural, sobre as minorias. Desse modo, as pessoas ouvintes tecem redes de poderes camufladas sobre o discurso da fala, da integração e do colonialismo, utilizando o argumento de autoridade para disciplinar e colonizar os surdos. Como exemplo dessa prática, podemos citar: (a) a implementação da política de inserção dos alunos surdos em salas de aula com alunos ouvintes, no pressuposto de que todos os surdos possuem o conhecimento da LIBRAS, o que é discutível; (b) a escola com suas filosofias de ensino oralista, bimodal e bilinguista, entre outras, gerando diferentes modelos de escolarização para o surdo; e, finalmente, a desinformação no meio familiar sobre o surdo, visto como um doente que necessita ser curado, ou seja, uma reprodução de uma ideologia contra a diferença.

Todos esses mecanismos de poder reproduzem uma ideologia contra a diferença, passando a ideia de que a ‘fala’ e a ‘escuta’ constituem a normalidade humana. Com efeito, na dimensão cultural os sujeitos, considerados diferentes, ficam, em relação as suas identidades, à mercê do aculturamento e do que lhes é imposto pelo mundo ouvintista.

Foucault (2011) afirma que o discurso constitui o eco linguístico entre o poder e o saber, e que, a fala, como instância subjetiva, encarna uma prática de resistência à ‘objetivação discursiva’. Nessa perspectiva, a identidade surda se faz na proximidade com o outro, que lhe é igual, pela força da identificação cultural, bem como da subjetividade que os atrai num processo de evolução e interação permanente.

Por sua vez, Certeau (2013) enfatiza a capacidade anônima de os sujeitos se apropriarem e ressignificarem os objetos de consumo culturais ou materiais, no embate poder/saber, por meio de táticas diversas, que revelam uma astúcia manifesta sob a forma de resistência ou inércia, que subverte os instrumentos do poder em seu próprio interior, e que, a despeito de qualquer tipo de controle, e à revelia dessas instituições, desafia, manipula ou ignora esse ‘poder.

Sob esse olhar, Foucault (idem) reconhece que a elaboração de currículos escolares deve ser precedida de uma reflexão profunda sobre ‘poder’ e ‘saber’, devido à necessidade de se problematizarem as práticas pedagógicas que devem ser coerentes com os modos pelos quais os surdos aprendem. E, nos dias atuais, eles aprendem visualmente, estimulados pelas redes sociais.

Falar de redes na Web é um exercício bastante interessante. Redes são entrelaçamentos, em geral, sejam de tecidos, fibras, cabos, proteínas, ou mesmo de pessoas que interagem, entre si. São ajuntamentos com pontos em comum. Cada nó, ou elo dessa teia, pode ser originado por diferentes interesses, valores e objetivos. As redes podem se ampliar e reconfigurar, de maneira dinâmica e complexa, de acordo com o momento ou contexto em que se estabelecem.

Por sua vez, redes colaborativas consistem em cadeias de relações estabelecidas entre indivíduos ou grupos, com base em processos colaborativos, mediados, em geral, por tecnologias de informação. Mais do que estar em rede, o importante é fazer em rede.

As redes educativas são configuradas na multiplicidade de tantas outras redes, afirma Alves (2012). Como uma ‘colcha de retalhos’ são tecidas em suas tramas por outras menores que se entrelaçam em linhas tão tênues que nem sempre se percebe com clareza onde se iniciam as características de uma e onde terminam as de outras.

Essas redes que conjecturam saberes e fazeres, nas perspectivas familiares, do bairro, dos afetos e desafetos, no espaço da escola, entre outros, estão presentes nos cotidianos dos indivíduos, estruturando suas formas de agir no e sobre o mundo. O convívio diário dos indivíduos nessa multiplicidade de redes possibilita não apenas a divulgação e o desenvolvimento de suas próprias ideias, apresentadas em suas redes específicas, mas também a associação entre elas.

Do ponto de vista da educação e formação humana, a Internet tem um poder transformador sem precedentes. Contrapondo-se às mídias tradicionais de massa, não é apenas reprodutora de identidades, mas geradora das mesmas, como nos ensinam Soares e Rangel (2004), por acolher as mais diversas vozes, por mais baixinhas e silenciosas que sejam, possibilitando o encontro de pequenos córregos, que individualmente talvez sejam rasos, mas podem muito em suas afluências.

Ainda que os processos de globalização e midiatização tendam, por força do capitalismo e do neoliberalismo, à uniformização planetária, possibilitam a emergência de novas identidades, seja nas relações de consumo, ou mesmo em outras formas de identidade política e cultural, construídas na reação ou nas brechas abertas por esses processos, estabelecendo outra relação entre saber, poder e identidade.

Não se trata de celebrar a diferença e a diversidade, mas de questioná-las. Quais são os mecanismos de construção de identidade e de diferença e em que medida eles estão vinculados com relações de poder? [...]. Nas sociedades contemporâneas, os meios de comunicação e de informação corporificam muitos elementos verificados na cena cultural e social, tais como a fragmentação, o hibridismo, o pastiche, a colagem e a ironia. Observa-se a emergência de uma identidade descentrada, múltipla e fragmentada, que, em certa medida, pode ser interpretada como radicalização do questionamento às formas de conhecimento e comportamento dominantes (SOARES; RANGEL, 2004, p.8).

A esse respeito, destacamos, a seguir, um vídeo desses virais da Internet, no qual uma menina amputada ganha uma boneca com uma prótese e exclama: “Ela é igual a mim!” (Figura 1). A menina, de 10 anos, chora de emoção, abraça e beija o brinquedo, agradecendo por ter uma boneca igual a ela. O que nos leva a pensar: sim! Representatividade importa!

Figura 1 – “Ela é igual a mim!

Descrição: Resultado de imagem

Fonte: Disponível em https://noticias.terra.com.br/mundo/videos/menina-chora-com-boneca-com-protese-ela-e-igual-a-mim,8111346.html. Acesso em: 26 abr. 2018.

A surdez que nos faz ouvir: as estratégias de empoderamento

Os surdos se constituem em seus aspectos linguísticos, a partir de elementos de empoderamento, assumindo diferentes ‘espaçostempos’ de aprendizagem e formação. Ao usarem a língua dos sinais, que tem suas tradições culturais em experiências visuais, demarcam suas diferenças, tendo em vista preservá-las, e poderem viver, de forma condizente. Sob essa ótica, é preciso, entre outros sentimentos fundamentais à convivência digna em sociedade, resgatar a sensibilidade das pessoas, o sentido de empatia, tendo em vista o entendimento de suas lutas e necessidades.

Como mencionado, anteriormente, o processo de conscientização sobre si mesmo e sobre direitos sociais e civis constituem o alicerce de uma consciência – individual e coletiva – necessária para superar formas externas de dominação e imposição de papéis sociais. Candau (2009) afirma que o empoderamento começa por “liberar a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa, cada aluno, cada aluna tem para que possa ser sujeito de sua vida e ator social.” (p. 7). Para a autora, ainda que não possamos construir e implantar o sentido de poder em nossos alunos, podemos oferecer experiências que oportunizem e favoreçam essa construção por eles mesmos, ao oportunizar espaços educativos mobilizadores de mudanças sociais.

Em sendo o ‘universal sem totalidade’ a essência paradoxal da cibercultura, como nos ensina Lévy (1999), que abriga o aqui e o agora da espécie - seu ponto de encontro, é nessa ambiência que a comunidade surda tem defendido sua dignidade e buscado valorizar-se socialmente, o que nos remete à ideia de empoderamento, no sentido freiriano (coletivo); uma visão de mundo alicerçada no diálogo crítico com a realidade, tendo em vista agir sobre ela e transformá-la, na busca de uma educação libertadora.

Mesmo quando você se sente, individualmente, mais livre, se esse sentimento não é um sentimento social, se você não é capaz de usar sua liberdade recente para ajudar os outros a se libertarem através da transformação da sociedade, então você só está exercitando uma atitude individualista no sentido do empowerment ou da liberdade (FREIRE; SHOR, 1986, p. 135).

O empoderamento coletivo, portanto, resulta de um processo de ação social no qual os indivíduos arquitetam de suas próprias vidas, mediante interação com outros indivíduos, “gerando pensamento crítico em relação à realidade; o que favorece a construção da capacidade pessoal e social e possibilita a transformação de relações sociais de poder” (BAQUERO, 2012, p.181).

E de que modo podemos fomentar esse tipo de experiência?

Não há uma resposta pronta, ou um roteiro predefinido, mas temos observado, nas produções culturais dos surdos, na prática docente, que alguns aspectos potencializados pela cibercultura contribuem para criar essas ambiências formacionais, sustentadas em princípios, como: representatividade, protagonismo, autoria e autonomia e, perpassando isso tudo, a questão linguística e cultural.

Vejamos, por exemplo, a criação da TV INES, como mostra a Figura 2.

Figura 2 – TV INES

Fonte: Disponível em http://tvines.ines.gov.br/ . Acesso em: 06 jul. 2018.

A partir de uma parceria entre o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), em 24 de abril de 2013, a primeira WebTV em Libras foi para as redes, tendo conquistado milhares de espectadores, contando com uma grade de programação bilíngue desenvolvida em Libras, com legendas e locução em áudio para que todos – surdos ou não – pudessem acessar os conteúdos. O desafio diário de construir narrativas audiovisuais bilíngues foi encarado por uma equipe de profissionais de televisão surdos, ouvintes, tradutores intérpretes e profissionais do INES. A TV podia ser acessada por multiplataformas (smartTV, celular, tablet, entre outros), em qualquer lugar conectado à Web. Sua programação contava com três profissionais intérpretes e cinco apresentadores surdos, e contemplava desde noticiários, entrevistas, documentários, esportes, entretenimento, aulas de Libras, até programas infantis e desenhos animados. Seguindo o conceito de participação plena, a filosofia da WebTV seguia a proposta do ‘nada sobre nós, sem nós’.

No entanto, o fim do contrato da TV Escola com o Ministério da Educação e Cultura - MEC, em 2019, prejudicou significativamente a operação da TV INES, que teve cancelado, de forma unilateral, seu contrato com a Associação de Comunicação Roquette Pinto (ACERP).

Mas, por que trazemos esse exemplo?

Porque entendemos que criações como essa reúnem os princípios citados. Os surdos estavam ali representados e representando, carregando a comunidade surda e mostrando um perfil que não é o do ‘deficiente excluído’. Ele é protagonista. Ele é autor e apresentador da programação. Ocupa posição de destaque. Não está sob as marcas ouvintistas de criação televisiva, que coloca, por exemplo, uma pequena janela de intérprete que, às vezes, mal pode ser vista. O surdo ocupa a tela inteira. E essa ocupação não só é real e concreta, mas também simbólica (Figura 3).

Figura 3 – Tradicional janela de intérprete no canto inferior da tela

 

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Fonte: Disponível em http://www.surdosol.com.br/tag/tv/. Acesso em: 06 jul. 2018.

Em um episódio recente na televisão, o apresentador Luciano Huck e o humorista Whindersson Nunes se envolveram em uma polêmica com a comunidade surda. Enquanto o apresentador falava coma plateia, o youtuber se posicionou ao lado dele e começou a simular alguns gestos, de maneira vexatória, imitando um intérprete de Libras (Figura 4). A repercussão do caso foi instantânea, e uma onda de postagens se iniciou.

Figura 4 – Programa Caldeirão do Huck

Fonte: Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9Nel2GDCvgU . Acesso em 13 jul.2018.

Entre as inúmeras postagens, um dos internautas diz “Cadê o Respeito pela Língua de Sinais!? Eu sinceramente não entendo o que esses humoristas acham de engraçado em fazer algo assim! Isso nos machuca, porque é nossa Língua! Também estamos lutando para ter acessibilidade, e ainda vemos uma brincadeira dessas!?”

Situações como essa são recorrentes na televisão. Vários programas humorísticos utilizam a imagem do intérprete e da língua de sinais. Sem entrar no mérito de ser, ou não, adequado esse tipo de atitude, queremos destacar apenas os espaços de manifestação dos surdos. Para nós, isso é um indicativo forte do protagonismo surdo, seu empoderamento, suas autorias nas redes, mobilizando seus conhecimentos e exigindo seus direitos.

Não somos ‘nós’ ouvintes, que estamos fazendo algo por ‘eles’ surdos. E isso, considerando as muitas décadas de silenciamento imposto à comunidade surda, é um proeminente avanço. Principalmente quando começamos a ver o quão formativo tem sido o contato entre surdos e ouvintes, possibilitado, em muitos casos, pelas redes sociais da Internet. No caso do humorista, ele se retratou e divulgou um vídeo afirmando que não sabia que a ‘brincadeira’ poderia ser considerada ofensiva, comprometendo-se a aprender a língua de sinais.

O pedido de desculpas, feito pelo youtuber, foi publicado no stories do Instagram, e está disponível no Youtube e em vários sites na Web6:

É válido destacar que as possibilidades de expressão, potencializadas pelas redes sociais da Internet, não são trivialidades fortuitas compartilhadas sem intencionalidade. Elas são demonstrações de visibilidade. Indicam que, de algum modo, os surdos estão não apenas vendo, mas também sendo vistos. Essa é outra marca importante na luta por empoderamento.

Com a maior facilidade de produção e veiculação de conteúdos, a Internet tem possibilitado novas formas de ativismos. Fonseca (2016, p. 2) define como ativismo “toda ação resultante de um descontentamento contra as estruturas hegemônicas do poder que leva às expressões individuais ou coletivas com o intuito de dar visibilidade a uma causa”. Para Santana e Couto (2017), a visibilidade possibilitada pelas redes sociais da Internet é um valor por si só, dado que quanto mais conectados forem os sujeitos, maior a chance de obter informações e o alcance das informações que eles disponibilizam. “Alcançar visibilidade é acumular tipos de capital social”, o que pode ser, inclusive, uma estratégia profissional.

Bourdieu (1980) afirma que as redes sociais não são ‘dados naturais’; são construídas por meio de estratégias de investimento nas relações sociais, podendo ser utilizadas como fontes de benefícios. Nessa mesma direção, Lin (2007) as entende como um conjunto formado por atores que compartilham um mesmo interesse, num processo de reconhecimento mútuo. Para ele, o capital social como "investimento nas relações sociais, com resultados esperados no mercado, deve ser definido como recursos inseridos na estrutura social, acessíveis e/ou mobilizados com vistas à concretização de um objetivo”. Com efeito, a noção de capital social, ou seja, o capital apreendido nas relações sociais, constitui um bem social em virtude das conexões dos atores e do acesso aos recursos das redes das quais fazem parte. 

No caso específico das comunidades surdas, essa visibilidade, conquistada nas redes sociais da Internet, tem gerado mudanças e impactado a vida cotidiana também “fora” da Internet, inclusive as decisões no âmbito da legislação educacional, no que se refere à inclusão que, para muitos surdos, foi um fracasso.

Em 2019, compartilhamos em um grupo de surdos, sobre política, um vídeo feito por uma professora e sua turma de alunos surdos, que foi veiculado no Jornal Nacional, pela rede Globo de televisão, como parte da campanha lançada pela emissora com o tema “O Brasil que eu quero” (Figura 5).

Figura 5 – Vídeo - “O Brasil que eu quero”.

Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/ groups/448612172151244/ permalink/    671638863181906/. Acessado em: 17 jan. 2019.

No vídeo, a professora Leilane Monteiro, de Belém-PA, aparece junto com sua turma sinalizando: “nós queremos um Brasil com inclusão. Nós queremos Libras em todas as escolas. Nós queremos professores de Libras. Nós precisamos de legendas e intérpretes. E esse é o Brasil que queremos para o futuro”.

 Com mais de 130 reações – entre curtidas, corações e carinhas de espanto – vários surdos comentaram a postagem, apresentando suas opiniões sobre o vídeo. Alguns comentários indicavam insatisfação com a escola inclusiva, em função de ’nada ter aprendido; outros inseriam um emoticon de espanto para demonstrar que não concordavam, e ainda, outros, comentaram o post sobre o vídeo. Para uma internauta, a experiência inclusiva foi positiva. Mesmo já tendo estudado em uma escola para surdos (o INES), ela afirma que achou a opção melhor do que a proposta bilíngue que vivenciou, pois aprendeu mais coisas.

As iniciativas de criação de sinalários, manuários e aplicativos tradutores em Libras despontam, ainda, como uma conquista significativa para a comunidade surda, e para os demais interessados em aprender a LIBRAS, o que era impensável há 20 anos. Esses materiais temáticos reúnem surdos e profissionais diversos com conhecimento na área, e são disponibilizados como material de apoio para as aulas de professores e formação de intérpretes.

 Os princípios colaborativos da cibercultura nos trazem inúmeras possibilidades no que diz respeito ao uso e difusão das línguas de sinais, como o projeto “Sinalizando a Física”7 da Universidade Federal do Mato Grosso, publicado em 2010, com licença Creative Commons, e distribuído gratuita e livremente em PDF pela Internet, que se contrapõe diretamente à visão do material mencionado anteriormente. Esse material se refere a uma língua viva, em constante mudança; ou seja, admite que os sinais podem sofrer modificações pelo uso. A equipe apresenta três volumes com centenas de verbetes agrupados em grandes temas na área da física, e inicia o livro dedicando-o à comunidade surda, que “mesmo vivendo no século XXI, ainda é obrigada a lutar por um direito básico presente em diversos discursos, mas carente de ações: a Educação” (Figura 6).

Figura 6 – Livro sobre Física

Fonte: Disponível em https://sites.google.com/site/sinalizandoafisica/vocabularios-de-fisica. Acesso em: 06 jul. 2018.

De forma semelhante, outras instituições estão produzindo materiais temáticos, de livre acesso e contando com a colaboração do público usuário. Pode até parecer uma conquista pequena, limitada, mas quanto mais língua e mais comunicação, mais e novas formas de criar pensamentos e conhecimentos. De modo proeminente, o horizonte que se delineia talvez traga as flores de uma primavera surda, à semelhança do movimento intitulado Primavera Árabe8. E ela não virá pela ‘mão’ do ouvinte colonizador, mas será gerida e regada pelos milhares e milhares de mãos surdas desse mundo.

Conclusão

Além da importância para o empoderamento e fortalecimento da identidade cultural surda, de elementos como representatividade, protagonismo, autoria, emancipação e autonomia, mencionados ao longo deste artigo, questões linguísticas e culturais também são essenciais.

Pensar a língua como parte fundamental e estruturante dos indivíduos já não é novidade há muitas décadas. E à medida que a comunidade surda conquista novos espaços, o faz  linguisticamente, também. Por exemplo, se em outro tempo histórico a maioria dos surdos não chegava a cursar uma universidade – pelas inúmeras formas de exclusão a que estavam submetidos – hoje, com o ingresso crescente dessa população nos cursos de graduação e pós-graduação, cada vez mais será necessário que se ampliem e parametrizem os sinais referentes aos vocabulários acadêmicos.

Nesse sentido, podemos perceber uma contribuição significativa da Internet e do digital em rede para as línguas de sinais e as comunidades de surdos ao redor do mundo. Como exemplificamos, anteriormente, é possível acessar conteúdos em língua de sinais dos mais diversos países. Os inúmeros vídeos e materiais visuais produzidos e compartilhados em rede fortalecem o desenvolvimento linguístico das pessoas que podem ampliar seu repertório comunicativo. Esse é um ganho significativo, pois a Língua de Sinais, uma vez inserida na cultura do país, acaba auxiliando no fortalecimento da autoestima do surdo, constituindo-se num instrumento de poder.

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Notas

1 Língua Brasileira de Sinais.

2 Originária do termo bricoleur, cunhado por Lapassade (1998), a bricolagem consiste na arte de tecer, juntos, métodos, etnométodos, dispositivos e conhecimentos. Baseia-se no entendimento de que “a relação dos pesquisadores com os objetos de suas investigações é sempre complicada, volátil, imprevisível e, certamente, complexa. Essas condições descartam a prática de planejar as estratégias de pesquisa. Em lugar desse tipo de racionalização do processo, os bricoleurs ingressam no ato de pesquisa como negociadores metodológicos. Sempre respeitando as demandas da tarefa que tem pela frente [...]” (KINCHELOE, 2007, p.17).

3 Na ótica de Galeffi (2016), o acontecimento consiste num jogo-jogante, vida-vivente, passível de ser observado e, com o qual se pode aprender; mas jamais ser produzido, de forma induzida. Diferentemente do jogo-jogado, que é estabelecido pela sociedade, e no qual há regras para serem seguidas e valores preestabelecidos pela sociedade, o „jogo-jogante, propõe uma nova transformação no jogo jogado ou na organização social dada. Desse modo, requer olhar atento, para aprendermos sobre e com os sentidos e significados o que emerge nos cotidianos.

4 Disponível em: http://inclusao-jane.blogspot.com.br/2012/01/educacao-que-nos-surdos-queremos.html.  Acesso em: 30 abr. 2018.

5 Disponível em: http://www.eusurdo.ufba.br/textos.html. Acesso em: 07 abr.2018.

6 Pedido de desculpas disponível em:  https://www.youtube.com/watch?time_continue=109&v=Trgnj0P9858 . Acesso em 05 jul. 2018.

7 Disponível em: em https://sites.google.com/site/sinalizandoafisica/. Acesso em: 05 jul. 2018.

8 Referência à onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África a partir de 18 de dezembro de 2018, contra as más condições de vida, além do desemprego e da injustiça político-social decorrentes de seus governos, entre outros.

 

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