Desafios e possibilidades da inclusão escolar de crianças
com a Síndrome Congênita do Vírus Zika: o olhar
docente
Challenges and possibilities of school inclusion of children with Zika Virus Congenital Syndrome: the teacher’s view
Desafíos y posibilidades
de la inclusión escolar de niños con el Síndrome Congénita del Virus Zika: la mirada docente
* Gessivânia de Moura Batista
Doutoranda
pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil.
gessivaniamoura@hotmail.com
**
Ana
Karina Moutinho
Professora
doutora na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Pernambuco,
Brasil.
karinamoutinho@gmail.com
Recebido em 13 de janeiro de 2019
Aprovado em 01 de maio de 2019
Publicado em 05 de junho de 2019
RESUMO
A Síndrome Congênita do Vírus Zika
(SCVZ) acometeu, entre 2015 e 2018, 3.226 crianças em todo Brasil. Estas
crianças nasceram com um padrão de múltiplas deficiências, incluindo déficits
visuais, auditivos, motores e cognitivos. Passados três anos desde o início da
epidemia, acentua-se a necessidade de discutir sobre sua inclusão escolar, uma
vez que, em virtude dos agravos ocasionados pela Síndrome, o suporte social e
educacional especializado é imprescindível. O objetivo do presente estudo é
apresentar os resultados de uma investigação acerca dos desafios e
possibilidades da docência a crianças com a SCVZ, sob a ótica de duas
professoras atuantes na Educação Infantil da rede pública de ensino de
Pernambuco. Utilizamos como instrumento de investigação um total de cinco
entrevistas semiestruturadas. Os resultados obtidos neste estudo apontam que os
principais fatores que dificultam a inclusão de crianças com a SCVZ,
reconhecidos pelas docentes são: as más condições na estrutura física da escola
e a falta de conhecimento das especificidades da Síndrome. Porém, ao longo da
pesquisa, quando continuavam a prospectar sobre o futuro, as profissionais
consideram que diante da situação de lecionar para crianças com a SCVZ,
promoveriam situações de inclusão, a partir do uso de materiais concretos,
coloridos e de texturas. Diante dos resultados obtidos, concluímos que as
professoras imaginam desafios, e até possibilidades para que docência a
crianças com a SCVZ seja exitosa, porém, por falta de preparo técnico sobre a
Síndrome, não conseguem traçar possibilidades de ação mais direcionadas a
estimulação multissensorial cognitiva, motora e socioafetiva
desses discentes.
Palavras-chave: Formação
de professores; Inclusão; Síndrome Congênita do Vírus Zika.
ABSTRACT
The Congenital Syndrome of the Zika
Virus (SCVZ) rushed in, between 2015 and 2018, 3.226 children throughout
Brazil. These children were born with a pattern of multiple disabilities,
including visual, auditory, motor, and cognitive deficits. Three years have
passed since the beginning of the epidemic, and there is a need to discuss
their inclusion in school, since, due to the problems caused by the Syndrome,
specialized social and educational support is essential. The objective of the
present study is to present the results of an investigation about the
challenges and possibilities of teaching to children with SCVZ, from the
perspective of two teachers working in Early Childhood Education in the public
school system of Pernambuco. We used as a research
instrument a total of five semi-structured interviews.
The results obtained in this study indicate that the main factors that hinder
the inclusion of children with SCVZ, recognized by teachers are:
poor conditions in the physical structure of the school; and the lack of
knowledge of the specificities of the Syndrome. However, during the research,
when they continued to prospect about the future, the professionals consider
that in view of the situation of teaching for children with SCVZ, they would
promote situations of inclusion, from the use of concrete, colored materials
and textures. Faced with the results obtained, we conclude that the teachers
imagine challenges, and even possibilities for
teaching children to SCVZ to be successful, but due to a lack of technical
preparation on the Syndrome, they can not trace
possibilities of action more directed to multisensory, cognitive, motor and
socio-affective of these students...
Keywords: Teacher training; Inclusion;
Congenital Zika Virus Syndrome.
RESUMEN
El Síndrome Congénito del Virus Zika (SCVZ), acomete, entre
2015 y 2018, 3.226 niños en
todo Brasil. Estos niños, nacieron con un
patrón de múltiples deficiencias, incluyendo déficits
visuales, auditivos, motores y cognitivos. Después de tres años desde el inicio
de la epidemia, se acentúa la necesidad de discutir sobre su inclusión escolar, ya que, en virtud
de los agravios ocasionados
por el Síndrome, el soporte social y educativo especializado es imprescindible. El objetivo del
presente estudio es presentar los
resultados de una investigación acerca de los desafíos y posibilidades de la docencia a los niños con la
SCVZ, bajo la óptica de dos profesoras
actuantes en la Educación Infantil de la red pública de enseñanza de Pernambuco. Utilizamos como instrumento de investigación un total de cinco
entrevistas semiestructuradas. Los resultados obtenidos en este estudio apuntan que los principales factores que dificultan la inclusión de niños con la
SCVZ, reconocidos por las
docentes son: las malas
condiciones en la estructura física de la escuela; y la falta de conocimiento de las
especificidades del Síndrome. Sin
embargo, a lo largo de la investigación, cuando continuaban prospectando sobre el
futuro, las profesionales consideran que ante la situación de enseñar para niños con la
SCVZ, promoverían situaciones
de inclusión, a partir del
uso de materiales concretos, coloridos y de texturas.
En cuanto a los resultados obtenidos, concluimos que las profesoras imaginan desafíos, e incluso posibilidades
para que docencia a niños con la SCVZ sea
exitosa, pero por falta de preparación técnica sobre el Síndrome, no consiguen trazar posibilidades de acción más dirigidas a la estimulación multisensorial,
cognitiva, y en el caso de las mujeres..
Palabras clave: Formación de profesores; la inclusión; Síndrome Congénito del
Virus Zika.
Introdução
No ano de 2015 os profissionais da saúde
começaram a reportar simultaneamente um aumento no nascimento de crianças com
microcefalia no Nordeste e, posteriormente, nas demais regiões do Brasil. Tal
aumento foi de 400% em relação ao ano de 2014 (BRASIL, 2017), o que gerou uma
mobilização entre médicos e pesquisadores do Brasil e do exterior com objetivo
de descobrir o que poderia estar ocasionando essa má formação congênita. A
partir de investigações, descobriu-se a Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ), onde a infecção pelo vírus Zika
- essa transmitida pelo Aedes Aegypti durante
a gestação - expunha o bebê a um quadro infeccioso capaz de causar um padrão de
múltiplas deficiências, incluindo deficiência visual, auditiva, motora,
cognitiva, crises epiléticas, distúrbios de deglutição, hipertonia e hiperreflexia (EICKMANN, 2016).
O caráter inédito dessa síndrome no Brasil e
no mundo gerou um impacto tanto nas famílias, como nos âmbitos da saúde,
políticas públicas e educação. Um desafio evidente é a necessidade de encontrar
formas de assistir uma geração cujo prognóstico de desenvolvimento ainda é
desconhecido. Programas de estimulação precoce foram implantados em caráter
emergencial, porém, passados três anos desde o início da epidemia, a
preocupação começa a voltar-se para o processo de inclusão escolar dessas
crianças. Sabendo-se que, entre 2015 e 2018 há 3.226 casos confirmados da SCVZ
em todo Brasil (BRASIL, 2018a), torna-se premente discutir acerca do processo
de inclusão escolar desse público, que demandará um suporte especializado.
De acordo com Villachan-Lyra
e Almeida (2018), a inclusão de crianças com a SCVZ constitui um desafio,
porque é preciso adequações na infraestrutura das escolas, de modo que se
tornem acessíveis a estas crianças; entretanto, como veremos no presente
estudo, a reformulação estrutural de algumas escolas é urgente para o/a
usuário/a e trabalhador/a da educação. Há necessidade ainda de um investimento
no preparo técnico dos profissionais para que esses possam ter conhecimentos
específicos sobre o quadro clínico da Síndrome, e sejam capazes de criar estratégias
didáticas que atendam às demandas desse público.
Mediante os desafios acerca da inclusão
escolar de alunos com deficiência, e considerando que as primeiras crianças
nascidas com a SCVZ estarão em 2019 com 04 anos, em idade de ingressar na pré-escola,
traçamos como objetivo geral desta pesquisa investigar o que professoras,
atuantes na Educação Infantil da rede pública de ensino, imaginam acerca da
docência a crianças com a SCVZ.
Aspectos sintomatológicos da
Síndrome Congênita do Vírus Zika
O crescente nascimento de crianças com
microcefalia em Pernambuco e, posteriormente, em outros estados do Brasil no
ano de 2015, indicava o início de uma epidemia que acometeu, até o ano de 2018,
pelo menos 3.226 crianças em todo território Nacional (BRASIL, 2018a). O Vírus
da Zika, esse transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, não apresenta grandes
danos ao organismo humano, e se manifesta com sintomas de febre, dor de cabeça
e nas articulações que tendem a desaparecer em uma semana (LUZ; SANTOS; VIEIRA,
2015). Porém, ao infectar uma gestante, o vírus é capaz de causar sérios danos
ao bebê, que em período de formação, tem o Sistema Nervoso Central gravemente
afetado. A infecção causa calcificações intracranianas e consequentes
anormalidades cerebrais, que refletem em um padrão de múltiplas deficiências,
incluindo alterações oculares, auditivas, cognitivas e motoras (RIBEIRO et al.,
2017).
A microcefalia não é um agravo novo e não é
uma doença em si, mas um sinal de destruição ou déficit do crescimento cerebral,
que por ser de etiologia complexa e multifatorial, pode estar relacionada a
fatores genéticos e cromossômicos, bem como a exposições ambientais da gestante
ao consumo de álcool, drogas, contato com substâncias químicas ou radiação
ionizante. Pode estar atrelada ainda a distúrbios metabólicos e processos
infecciosos, como rubéola, herpes e sífilis (VARGAS et al., 2016).
Como o vírus da Zika
causa um processo infecioso, pelo menos 91% das crianças nascidas com a SCVZ
apresentam microcefalia (WHEELER, 2018). Porém, conforme as investigações
avançaram, foi possível constatar que “a microcefalia não é a única forma de
manifestação de alterações neurológicas decorrentes da infecção pelo vírus Zika” (VILLACHAN-LYRA; ALMEIDA, 2018, p. 81), já que
algumas crianças nasciam com perímetro cefálico dentro dos parâmetros normais,
e apresentavam comprometimentos neurológicos característicos da SCVZ.
Devido ao amplo espectro da Síndrome, os
graus de comprometimentos tendem a variar, entretanto, quanto mais precoce acontece
a infecção, maiores são os danos ao Sistema Nervoso Central. Dentre os
comprometimentos ocasionados pela Síndrome, Wheeler
(2018) ressalta que as crianças terão algum nível de comprometimento cognitivo,
o que irá exigir um suporte educacional e social que atenda a essas
especificidades. Espera-se, ainda, que haja nelas uma severa dificuldade no que
concerne à capacidade de compreender e produzir linguagem. Crianças com a SCVZ
possuem atrasos no desenvolvimento motor, muitas não são capazes de rolar, sentar,
ou, em alguns casos, manter o controle da própria cabeça. Alterações sociais,
emocionais e comportamentais também são esperadas a longo prazo (WHEELER,
2018).
Ressalta-se ainda que, graças a programas de
estimulação precoce, as crianças com a SCVZ têm obtido avanços nos aspectos
sensoriais, motores e cognitivos. Nos primeiros 3 anos de vida o sistema
neurológico está sensível às boas influências externas, pois existem as
chamadas “janelas de oportunidades”: são os períodos críticos de neurodesenvolvimento, onde determinadas áreas do cérebro
estão mais suscetíveis para receber influências do ambiente e modificar-se em
função dessas influências (VILLACHAN-LYRA; ALMEIDA, 2018). Além dos centros
especializados para estimulação destas crianças, a escola também constitui um
importante espaço de estimulação. Portanto, é de suma importância que a
inclusão escolar de crianças com a SCVZ seja bem planejada pela escola, a fim
de que os avanços no desenvolvimento destas crianças sejam cada vez mais expressivos.
A Inclusão de crianças com a
Síndrome Congênita do Vírus Zika na Educação Infantil
No que concerne à legislação vigente, a Lei
nº 8.069/90 no Art. 54, inciso III, determina “o atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino” (BRASIL, 2010a, p. 31). Consta na Declaração de Salamanca que “as
escolas terão de encontrar formas de educar com sucesso as crianças, incluindo
aquelas que apresentam incapacidades graves” (UNESCO, 1994, p. 06).
Dentre os marcos legais que asseguram os
direitos das pessoas com deficiência, convém mencionar a LEI Nº 13.146, nomeada
de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. No que concerne aos
direitos à educação, no Capítulo IV Art. 27 a referida Lei, assegura que:
A educação constitui
direito da pessoa com deficiência, assegurado sistema educacional inclusivo em
todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o
máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas,
sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e
necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015, p. 34).
Contudo, é pertinente considerar que os
documentos que respaldam o direito dos estudantes à educação inclusiva têm
avançado no país, de maneira mais efetiva em relação à ampliação do acesso, mas
não na melhoria da qualidade dos processos educacionais inclusivos (RECIFE,
2015). Isso porque, um sistema educacional só pode ser considerado inclusivo
quando abrange a definição ampla desse conceito, ou seja, reconhece que todas
as crianças podem aprender, e para isso, é necessário que haja estrutura física
adaptada, profissionais habilitados e metodologias de ensino que sejam capazes
de atender as especificidades individuais.
A real inclusão permite ao aluno sentir-se
pertencente à escola e ao grupo, e a escola sente-se responsável pelo aluno, de
modo a comprometer-se em desenvolver uma pedagogia capaz de educar a todos,
inclusive aqueles com múltiplas deficiências. Para tanto, as escolas precisam
considerar a diferença não somente como um desafio, mas como uma oportunidade
para a criação de novas situações de aprendizagem, que venham a contribuir para
o desenvolvimento de todos os discentes (SANCHES; TEODORO, 2006). Sabendo-se da
importância da escola enquanto um espaço de socialização e promoção de
desenvolvimento, é fundamental que a inclusão ocorra já na Educação Infantil.
A Educação Infantil constitui a primeira
etapa da Educação Básica e, a partir da Emenda Constitucional nº 59/2009, passa
a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos, e opcional para aquelas de 0
a 4 anos em ambientes de creches. Os eixos estruturantes das práticas
pedagógicas da Educação Infantil são as interações e a brincadeira, pois essas
oportunizam às crianças aprenderem por meio das interações entre pares e com
adultos, e com isso, o desenvolvimento e a socialização são oportunizados
(BRASIL, 2018b).
Assim, quanto mais cedo a inclusão escolar
acontece, maiores serão os benefícios. De acordo com Mendes (2016, p. 252) “com
o suporte necessário e apropriado, as crianças pequenas com necessidades
educacionais especiais podem tanto adquirir habilidades complexas quanto
participar com sucesso de ambientes inclusivos”. É importante reiterar que a inclusão
na Educação Infantil propicia ainda o aprendizado ao respeito às diversidades, onde
o convívio entre crianças com desenvolvimento típico e atípico auxilia a
minimizar a incidência da discriminação e preconceito.
Entretanto, a inclusão de crianças com
deficiência na Educação Infantil constitui um cenário de desafios a serem
enfrentados pelos educadores, que relatam a insuficiência de treinamento que os
subsidie quanto aos cuidados necessários, e as estratégias capazes de promover
o desenvolvimento desses discentes, havendo ainda queixas quanto ao baixo
salário, sobrecarga de trabalho e carência de suporte familiar da criança
(MENDES, 2016). Ainda de acordo com Mendes (2016, p. 259) “no caso de crianças
com limitações desenvolvimentais mais severas, se observa
um desconhecimento total do educador sobre como proporcionar melhores condições
para atender as necessidades dessas crianças”.
Diante do exposto, é possível presumir que é
de suma importância que instituições de Educação Infantil recebam um maior
suporte, e haja uma melhoria na estrutura física das escolas, bem como um maior
investimento em formações continuadas que instrumentalize os docentes para
lidar com crianças com deficiência, inclusive aquelas com múltiplos
comprometimentos, tais como as com a Síndrome Congênita do Vírus Zika. Ainda são incipientes os saberes acerca da inserção
de crianças com a Síndrome Congênita no cenário escolar, porém em 2016 foi
lançada a Nota Técnica Nº 25 (BRASIL, 2016), que dispõem sobre a escolarização
das crianças com microcefalia. O referido documento diz que:
Os bebês com
microcefalia devem ter acesso ao conjunto de cuidados próprios da primeira
infância e, sobretudo, àqueles, inerentes a sua condição específica. Sabendo
que as crianças com microcefalia também podem aprender, se tiverem oportunidade
de interagir desde a mais tenra idade, as creches devem acolher os bebês com
microcefalia em ambientes inclusivos, ricos e estimulantes, que ofereçam por
meio de ação interdisciplinar, as condições necessárias ao seu desenvolvimento
integral (BRASIL, 2016, p. 47).
Em função dos comprometimentos ocasionados
pela Síndrome, as crianças precisarão de um suporte especializado. Conforme
reitera Da Silva et al. (2018) é importante que os professores e cuidadores
tenham contato com profissionais de saúde que ofertem informações quanto a
importância de estimular a postura correta da criança, podendo para isso utilizar
instrumentos como calça de posicionamento, cadeira de rodas, cadeira de
posicionamento para o chão, mesa recortada, e também como segurar a criança no
colo da maneira adequada e transportá-la com o máximo de segurança. Sobre o
brincar, no momento do recreio, devem ser analisados quais tipos de
brincadeiras poderão ser desenvolvidas com as crianças com SCVZ, entretanto, de
forma alguma isso implica dizer que elas não deverão participar das
brincadeiras ofertadas, ao contrário, deve-se formular estratégias de modo que
a brincadeira se adeque as limitações da criança.
Dado o elevado número de casos da Síndrome, é
possível considerar que instituições de ensino no Brasil todo irão receber essa
nova demanda de discentes. Com isso, é necessário que haja professores
especializados em Educação Inclusiva, espaços físicos adaptados e uma série de
recursos que garantam em termos educacionais todo o desenvolvimento possível.
Lançamos então algumas questões que nos parecem pertinentes por se tratarem de
um agente importante na Educação Infantil: como os/as professores/as imaginam
sua intervenção para crianças com a Síndrome Congênita do Vírus Zika? O que sabem sobre a Síndrome e seus impactos sobre o
desenvolvimento humano? Como eles/elas imaginam que devem planejar uma aula e
quais as estratégias didáticas que consideram adequadas para atender as
especificidades das crianças com a SCVZ?
Imaginação como caminho
investigativo
Neste estudo a imaginação será tomada como um
processo cognitivo capaz de nos auxiliar a entender como professores prospectam
uma situação futura. Em estudos recentes, é conceituada como um processo que
permite que seres humanos, em sua constante direcionalidade
ao futuro, lidem com incertezas e mudanças que um futuro imprevisível pode
trazer, ao mesmo tempo em que, no presente, nos integramos ao passado (TATEO,
2015, 2017; VALSINER, 2014). Mais especificamente consideraremos a definição de
imaginação proposta por Tateo (2015), segunda a qual
é uma função psicológica “dedicada à manipulação de um conjunto complexo de signos
icônicos e linguísticos” (p.1, tradução nossa). Por esta razão, o desenho do
estudo e a proposta analítica que seguem à luz desta compreensão (por exemplo,
BATISTA, 2019; CARVALHO, 2019), buscam propor o caminho de significação
construído pelas participantes em relação com a pesquisadora.
O estudo: aspectos
metodológicos
Participaram do estudo duas professoras de
Educação Infantil que atuam na rede pública de ensino de uma Escola de
Referência em Educação Especial, situada em um município da Mesorregião da Mata
de Pernambuco. A fim de manter o sigilo das participantes do estudo, bem como
da instituição que sediou a pesquisa, as docentes receberam o codinome de Íris
e Dália, e a instituição de ensino será chamada de Escola Recanto do Saber.
Íris tinha 45 anos na época em que a pesquisa
foi desenvolvida (no ano de 2018). Ela é pedagoga e pós–graduada em
Psicopedagogia Institucional; Educação Especial e Práticas Inclusivas; e
Psicopedagogia Clínica. Em 2016 concluiu o Mestrado e teve como tema de sua
dissertação o Atendimento Educacional Especializado. Atua como professora há 17
anos e há 3 anos trabalha em turmas de Educação Infantil. A professora Dália de
48 anos é graduada em Letras e em Psicologia, Pós-graduada em Psicomotricidade
Relacional, atua há 23 anos como docente, e há 3 anos leciona em turmas de
Educação Infantil.
A pesquisa foi desenvolvida em uma escola que
é referência municipal no Ensino Fundamental I e recebe uma considerável demanda
de alunos com deficiência: no ano de 2018 havia 79 crianças com deficiência
matriculadas. Também é considerada como escola de referência no município em
Educação Especial. Essa instituição fica localizada na Mesorregião da Mata
Pernambucana, em município situado a 48 km de Recife-PE. Na Escola Recanto do
Saber, no ano de 2018, 1.294 alunos estavam matriculados nas seguintes
modalidades de ensino: Educação Infantil, Educação Especial e Ensino
Fundamental I, distribuídos nos turnos matutino e vespertino. A escola contava
com um total de 121 funcionários.
Na
estrutura física foram observados alguns problemas, tais como: as salas de aula
não possuíam portas, alguns banheiros estavam quebrados e, embora seja uma
escola de referência em Educação Especial, das 25 salas de aula existentes,
apenas 6 são acessíveis para alunos com mobilidade reduzida; as demais possuem
degrau, o que dificulta o acesso para aqueles que possuem limitações físicas e fazem
uso de cadeira de rodas ou muletas. Até o término da pesquisa, os profissionais
da escola não haviam participado de cursos, palestras ou formações continuadas
que os instrumentalizassem para a docência a crianças com a Síndrome Congênita
do Vírus Zika. As duas professoras entrevistadas,
atuantes na Educação Infantil, lecionavam para 20 alunos na faixa etária de 04
anos, e não contavam com a ajuda de um professor auxiliar. Esses fatores do
contexto de trabalho das participantes nos auxiliam na compreensão de como elas
imaginam a docência para crianças com a SCVZ.
O planejamento metodológico incluía a
realização de 3 entrevistas semiestruturadas com as participantes. Cada
entrevista teve como objetivo: 1) investigar acerca das informações que as
docentes tinham sobre a SCVZ e suas experiências anteriores quanto a lecionar
para crianças com deficiência. Nessa etapa, iniciou-se ainda a sondagem do que
as participantes imaginavam acerca da docência a crianças com a SCVZ; foi
solicitado nesta ocasião que trouxessem ao encontro seguinte um plano de aula
considerando a inclusão de crianças com a SCVZ em sua sala de aula; 2)
investigar sobre os desafios e possibilidades imaginados para a docência a
crianças com a SCVZ e discutir sobre como foi pensada a aula planejada pelas
docentes considerando a inclusão desse público e 3) discutir acerca das
estratégias didáticas pensadas pelas
participantes como eficazes na docência de crianças com a SCVZ.
O estudo foi planejado em uma sequência de
encontros para oportunizar um processo de reflexão às docentes sobre o tema,
face o ineditismo da Síndrome. Embora o desenho de 3 encontros tenha sido
elaborado, Dália participou apenas de duas entrevistas, porque alegou não ter
disponibilidade para um terceiro encontro. A segunda entrevista de Dália
incluiu os objetivos previstos para a terceira entrevista. As entrevistas
ocorreram na própria Escola Recanto do Saber, em sala de aula, sem a presença
de estudantes. Foi estabelecido um intervalo de ao menos uma semana entre as
entrevistas, mas a definição do encontro era feita de acordo com a
disponibilidade das docentes. A construção e análise dos dados seguiram os
pressupostos de uma pesquisa qualitativa, mediante o reconhecimento de que os
objetos de investigação são únicos e contingentes ao contexto. Para tanto, as
entrevistas realizadas com as duas participantes não se destinaram a uma
extração de informações, e sim, foram uma ferramenta interativa que adquiriu
sentido a partir da inter-relação entre pesquisador e participante (MADUREIRA;
BRANCO, 2001).
Resultados e discussão
O material deste estudo inclui o resultado de
5 entrevistas realizadas com as duas participantes. No processo analítico se
buscou identificar as manifestações discursivas em que as docentes se
reportavam aos pontos que motivaram desta investigação: seus conhecimentos
sobre a síndrome e o que imaginavam sobre a aula a crianças diagnosticadas com
a síndrome. Ou seja, como seria a aula, que estratégias seriam utilizadas por
elas, dificuldades e potencialidades da escola e das professoras para o
exercício da docência nestes casos. Estes pontos foram considerados importantes
por nos esclarecerem sobre formação para a prática docente na particular
situação de lecionarem a crianças cuja sintomatologia ainda é pouco conhecida
no contexto escolar. Deste modo, a partir do trabalho de análise das
entrevistas por duas investigadoras do tema imaginação, foram selecionados
fragmentos das entrevistas que traziam preocupações comuns a ambas professoras.
Foram então propostos os seguintes temas: 1) preparo da escola para a inclusão
de crianças com a SCVZ; 2) desafios da inclusão escolar em função das condições
na estrutura física da instituição; 3) Sentimentos das docentes sobre o
lecionar para crianças com a SCVZ; 4) estratégias pensadas para a inclusão de
crianças com a SCVZ; 5) possibilidades de ação para lecionar conteúdos específicos às crianças com a SCVZ; e 6) ausência
de suporte ao docente no processo de inclusão à crianças com a SCVZ.
Quadro1- Fragmentos de entrevistas elaborados por Íris e Dália a
respeito de temas referentes ao ensino a crianças com a SCVZ.
Temáticas abordadas |
Íris |
Dália |
Preparo
da escola para a inclusão de crianças com a SCVZ. |
“Não estamos prontos ainda, não temos
conhecimento suficiente [...] eu acho que falta a escola direcionar sabe?
[..] Hoje a escola não está preparada,
ainda não, ela pode até se preparar amanhã, mas hoje não está”. |
“Eu
respondo a você com todas as letras, a
prefeitura não está pronta para receber, por que precisa de algumas
coisas que favoreça a essas crianças”. |
Desafios
da inclusão escolar em função das condições na estrutura física da
instituição |
“Se
eu tiver um aluno cadeirante, olha pra minha sala, qual a acessibilidade que
ela tem? Ela tem a largura para passar
uma cadeira de rodas, mas ela não tem acessibilidade [...] E veja bem,
nós receberemos essas crianças ok, só que com qual estrutura? A gente tem que ter isso também, estrutura
de tudo, não adianta dizer, ah a minha escola é inclusiva de quê, só da boca
pra fora? Tem que ter também um apoio”. |
“Aqui
o que eu acho pra mim o principal, que
me dificulta a inclusão está no próprio ambiente, uma educação infantil
que o piso não favorece pra gente estar no chão, pra gente rolar, pra gente
brincar. O espaço em si, quando chove
vaza água aqui na sala, recursos a gente não tem, a gente não tem pátio de
recreação, a gente não tem nada que diga assim: pronto isso aqui é uma
educação infantil, entendeu?” |
Sentimentos
das docentes sobre o lecionar para crianças com a SCVZ |
“É um sentimento que vem medo, vem dúvida,
vem insegurança, eu acho que o último que vai vir é segurança, por que é novo
[...] Dependendo da situação com certeza tem que ter o cuidador, por que você
não vai conseguir trabalhar só, o professor não vai dar conta sozinho, e
principalmente se a criança for uma criança que não anda, ou uma que não
fale, ou uma que não veja, e aí como é que a gente vai fazer?” |
“Ai
eu me pergunto, toda vez quando escuto alguma coisa, se eu receber ano que vem, elas com
4 anos na minha sala, onde eu vou sentar? Onde eu vou colocar essa criança?
Se essa criança tiver uma convulsão como eu vou agir com essa criança? Qual é
a cuidadora que eu vou poder estar com 18 alunos dentro de uma sala e com
essa criança dentro da minha sala. Ela vai poder levar uma pancada, ela vai
poder ter alguma coisa, se ela quiser correr como eu vou agir? Então eu venho agora com essas angústias
por que eu sei que o meu ambiente não vai favorecer pra ela, então o meu
primeiro ponto é: como eu vou agir com ela hoje, com o pouco que eu tenho?” |
Estratégias
pensadas para a inclusão de crianças com a SCVZ |
“Olhe,
os desafios são muitos, mas primeiro eu acredito que é preciso trabalhar nos demais a aceitação dessa criança. E trabalhar
a aceitação da própria família também [...]. Vamos ter que nos adaptar
para atender essa criança, por que ela ficar sozinha lá no cantinho sem
desenvolver, não é inclusão, é exclusão”. |
“Para mim ter inclusão na sala, é poder trabalhar com o grupo, mas ela
dentro desse grupo, de forma nenhuma excluí-la, então coloca-la dentro desse
grupo, pra depois eu tratá-la individualmente, enquanto esse grupo faz alguma
coisa, eu vou poder estimulá-la, por que microcefalia vai sempre pedir isso,
me estimule, me estimule, me estimule, o máximo que você me estimular pra
que eu possa desenvolver” . |
Possiblidades
de ação para lecionar conteúdos específicos às
crianças com a SCVZ |
“Eu
sei que eu enquanto ser humano preciso me preparar, estudar sobre o assunto,
conhecer as atividades que eu possa trabalhar com essa criança, conhecer as
atividades para adaptar [...] Será
preciso trabalhar com materiais concretos e materiais de sucata também são
riquíssimos [...] Digamos que eu fosse trabalhar hoje o numeral 3, quanto
mais brilho e colorido pra essa realidade melhor, posso fazer o numeral em
alto relevo, no guache ou com algodão [...] Com a criança com
microcefalia tem que ter muito material didático [...] O brincar é muito
importante, a professora vai ter que ensinar brincando”. |
“Quando
essa criança chegar, o primeiro passo que eu preciso dar é conhecê-la, depois
que eu conhecê-la, depois que eu souber o que é que ela pode me apresentar,
eu vou ter que descobrir também o que eu posso apresentar pra ela e de que
forma né? [...] Com a microcefalia
precisa ser uma coisa mais concreta, que ela possa pegar, que ela possa
sentir, precisa ser colorido [...] Então eu pensei em trabalhar as formas geométricas com ela a partir
dos blocos lógicos, feitos de madeira, onde ela vai estar em contato, vai
pegar. Tem blocos que são finos, e blocos mais grossos, então além da
forma a gente trabalha a espessura também”. |
Ausência
de suporte ao docente no processo de inclusão à crianças com a SCVZ |
“Eu tô pra receber, mas eu
já sei que não tenho apoio, e a escola sabe, o governo sabe, mas sozinha eu
não dou conta, sozinha nenhum professor dá conta, não é que é incapaz,
não é isso, é que tem que ter o apoio, essa criança vai precisar muito de
alguém, ela vai ser muito dependente”. |
“A
microcefalia pra mim vai ser o desafio do estudo e eu sei que eu vou ter que
garimpar isso sozinha, por que não vai
chegar ninguém pra me dizer não”. |
A partir dos fragmentos de entrevistas
exibidos no quadro acima podemos fazer algumas reflexões acerca dos desafios e possibilidades
da docência a crianças com a SCVZ, que foram indicados pelas participantes do
estudo. Supomos que o fato das docentes partilharem do mesmo contexto de
trabalho ao passo que vivenciam desafios semelhantes, gera aproximações quanto
ao que imaginam sobre a possível docência a crianças com a SCVZ.
O contexto é compreendido por nós como um
espaço dialógico onde as atividades mentais humanas se desenvolvem, e as
pessoas constroem sentidos em relação a tudo que lhes circunda (GAMSAKHURDIA,
2018). Assim, a escola ser referência em Educação Especial no município é uma
informação do contexto das participantes que nos permite compreender o porquê
de elas considerarem possível receber esses discentes em 2019. Além disso, no
município onde a escola Recanto do Saber se localiza há pelo menos 13 casos de
crianças com a SCVZ (SOUZA, 2017).
No primeiro e segundo eixos temáticos
exibidos no quadro 1, vê-se que as docentes consideram que a Escola Recanto do
Saber não está apta para incluir alunos com a SCVZ, tanto porquê os
profissionais não têm recebido preparo técnico que os instrumentalize para a
docência desse público, quanto pelas más condições na estrutura física da
escola; embora seja tida como de referência em Educação Especial, não possui
estrutura física adaptada, nem mesmo um parque ou qualquer espaço de lazer que
propicie a interação e o desenvolvimento dos alunos através do brincar.
Essa realidade não está circunscrita à escola
onde a pesquisa foi desenvolvida.O censo escolar
aponta que, em 2018, pelo menos 50% das escolas públicas brasileiras que
ofereceram a modalidade de Educação Infantil, não dispunham de estrutura
adequada por não possuírem parques e área verde para lazer. O mais
surpreendente é que apenas 26,1% das creches públicas no Brasil possuem vias
acessíveis para crianças com mobilidade reduzida (MARTINS, 2018). Desse modo, o
modelo de escolas que temos atualmente está aquém de suprir as necessidades das
crianças, e menos ainda daquelas com múltiplos comprometimentos.
Nas palavras de Silva et al. (2018, p. 34) “o
que dificulta o processo de inclusão escolar é a falta de preparo, capacitação
dos profissionais e a falta de estrutura das escolas”. A fala das participantes
tem elementos deste sentido compartilhado por estudiosos, já que o contexto de
problemas com a estrutura física da escola e a falta de recursos, constituem
desafios para que a inclusão se efetive conforme recomenda a legislação.
Outra observação a ser feita diz respeito à
insegurança das docentes com relação a como assistir adequadamente a criança
com a SCVZ no caso dela possuir múltiplas deficiências, e como proceder caso
ela venha a ter alguma intercorrência em sala de aula. Convém frisar que Íris
possui conhecimento em Educação Inclusiva em virtude das pós-graduações que cursou,
e Dália, além de psicóloga, já há três anos consecutivos tem, em sua sala de
aula, crianças com paralisia cerebral e autismo. Porém, dado o caráter inédito
da SCVZ e o padrão de múltiplas deficiências, a fala das docentes aponta para a
antecipação de uma experiência imaginada caracterizada por uma série de tensões
relativas à docência a esse público.
A partir dessa observação, julgamos que seria
de suma importância que as formações continuadas sobre a SCVZ fossem feitas em
parceria com os profissionais de saúde, pois os psicólogos, fonoaudiólogos,
fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais poderiam instruir os profissionais da
educação acerca das melhores estratégias de cuidado a serem empreendidos a
esses discentes. É preciso considerar que algumas crianças tem disfagia, assim
os alimentos e as técnicas de alimentação devem ser pensadas para evitar
engasgos.
Uma das inquietações imaginadas por Dália
refere-se à possibilidade de a criança ter uma crise convulsiva na escola.
Nesses casos, os profissionais de saúde podem orientar que o professor deite a
criança de lado para que evite engasgos, não contenha a criança e espere entre
2 a 10 minutos até que a crise passe. No caso de convulsões prolongadas ou a
criança apresente cianose (fique com a pele roxa), ela deve ser encaminhada a
um serviço de saúde (VILLACHAN-LYRA, ALMEIDA, 2018). Receber essas instruções
pode deixar as docentes menos apreensivas quanto a como proceder nesses casos e
a antecipação do futuro ser então feita com base em informações precisas que
efetivamente auxiliem no cuidado aos discentes. Até o momento em que a pesquisa
foi finalizada, Dália e Íris afirmaram não ter tido acesso a essa informações,
ou a qualquer conhecimento mais específico sobre a Síndrome.
Felizmente, as docentes parecem acreditar que
a inclusão de crianças com a SCVZ é possível. Elas relatam os desafios, porém,
dizem que imaginam trabalhar o processo de inclusão através da inserção da
criança nas brincadeiras, e mediante um trabalho de aceitação, que deve
envolver a família da criança, os profissionais da escola e demais alunos.
Dália enfatiza a importância da estimulação para que a criança desenvolva, e
conforme mencionado anteriormente, essa estimulação não é circunscrita
exclusivamente às terapias desenvolvidas pelos profissionais de saúde, mas
acontecem, sobretudo, na escola onde através de jogos, brincadeiras e contação de histórias, as crianças têm promovido seu
desenvolvimento motor, cognitivo e sensorial.
Quando questionadas sobre as estratégias
didáticas que imaginam desenvolver para a docência de crianças com a SCVZ,
tanto Íris quanto Dália enfatizam a importância de utilizar objetos concretos,
coloridos, com texturas, e que possam ser tocados pela criança. Íris enfatiza
ainda a importância de conhecer sobre a Síndrome a fim de aprender quais
materiais poderá confeccionar para trabalhar com a criança de modo a atender
suas especificidades.
As estratégias imaginadas pelas docentes são
úteis para crianças com a SCVZ, já que algumas podem ter cegueira ou baixa
visão. Nesta mesma direção tem-se os profissionais de saúde, que recomendam o
uso de objetos coloridos, grandes e de diferentes texturas (MARÇAL; OLIVEIRA,
2017). Supomos que as profissionais acreditam na eficácia dessas estratégias
porque as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil
preconizam que os eixos estruturantes
das práticas pedagógicas dessa etapa de ensino são as interações e a brincadeira, que explorem
os movimentos, gestos, sons, formas, texturas e cores (BRASIL, 2010b).
O Guia de Estimulação para crianças com
Síndrome do Vírus Zika, desenvolvido por Marçal e
Oliveira (2017), exibe as atividades a serem empreendidas na estimulação de
crianças com a SCVZ. Os autores apresentam as estratégias para a estimulação
multissensorial, incluindo visão, audição, tato, olfato e paladar. Observou-se
que as participantes do estudo enfatizaram apenas a estimulação visual, porém
não conseguiram imaginar estratégias capazes de estimular os outros sentidos. O
guia instrui ainda quanto as formas de segurar a criança com a Síndrome, bem
como aponta para as estratégias de estimulação da linguagem, da motricidade e
da socioafetividade, fatores esses que também não
foram mencionados pelas docentes.
Isso reitera a importância de cursos e
formações continuadas que possam apresentar aos profissionais da educação, além
das especificidades da SCVZ, os objetos do dia a dia que podem ser utilizados
como instrumentos de estimulação. O Guia de Estimulação mostra como caixas de
papelão, bacias, lanternas, chocalhos, rolos, bolas, etc,
podem ser importantes aliados para desenvolvimento de crianças com a Síndrome.
Outro aspecto curioso diz respeito a uma
transformação no processo de significar a docência a crianças com a SCVZ. Íris
e Dália no primeiro momento relatam sentimentos de
insegurança, de não saber como proceder diante das especificidades da Síndrome,
e apontam os problemas de estrutura física e ausência de recursos, como dificultadores do processo de inclusão. Porém, quando
questionadas sobre como fariam para dar aulas considerando a presença da
criança com a Síndrome, elas imaginam como trabalhar números (Íris) e formas
geométricas (Dália), de modo a atender às especificidades da criança.
Entende-se, assim, que a experiência de
imaginar a docência para crianças com a Síndrome promove uma adaptação em meio
aos desafios e dúvidas da docência a esse público. Como propõe Tateo (2015), a imaginação é uma função psicológica
fundamental que auxilia no gerenciamento das incertezas da vida cotidiana,
sendo uma forma específica de adaptação que ocorre por meio da elaboração de
significados. Assim, quando as docentes prospectam o futuro, elas começam a ver
possibilidades em meio aos desafios, e substituem algumas interrogações por
algumas certezas e dizem: “vou trabalhar com o concreto”, “com o colorido”,
“vou buscar conhecer sobre a Síndrome”, “vou trabalhar a aceitação dessa
criança”, “vou buscar conhecer a criança”, “estudar sobre a Síndrome”, etc.
O último eixo temático das entrevistas diz
respeito à ausência de suporte para a inclusão de crianças com a SCVZ se
efetive com êxito. Quanto a isso Íris diz: “Eu tô pra
receber, mas eu já sei que não tenho apoio”, já Dália diz: “a microcefalia pra
mim vai ser o desafio do estudo e eu sei que eu vou ter que garimpar isso
sozinha”. A fala das docentes em seu processo de imaginar a atuação junto aos
alunos com a SCVZ demonstra sobre elas uma sobrecarga de responsabilidade nesse
processo de inclusão escolar. É como se as profissionais tivessem certeza que
não poderão contar com o apoio da escola e dos governantes, e tivessem que
desenvolver, sozinhas, estratégias de atenção e cuidado a crianças com a SCVZ.
A
dificuldade das profissionais em imaginar suportes para suas atuações junto a
esses discentes faz pensar sobre a importância de os sistemas educacionais,
através dos gestores escolares inclusive, atentarem para a necessidade de
fortalecimento de vínculos entre sua equipe. Faz-se mister unir forças em prol
da superação dos desafios que venham surgir nesse cenário, assim como da
imprescindível atuação do Estado, seja na promoção da capacitação do corpo de
funcionários, seja na transformação da estrutura e da equipe de suporte para as
diversidades de experiências que cada estudante leve a sala de aula.
Em linhas gerais, observa-se que as docentes
consideram desafiadora a docência a crianças com a
SCVZ, tanto por se tratar de uma síndrome inédita, quanto pelo contexto da
Escola Recanto do Saber não oferecer condições favoráveis para que essa
docência seja exitosa. Porém, as participantes imaginam que poderão contribuir
para o processo de aprendizagem e desenvolvimento dessas crianças. Isso fica
perceptível quando Íris diz que vai estudar, conhecer sobre a Síndrome para
poder aprender quais atividades poderão ser desenvolvidas com esses discentes.
Nessa direção Dália diz que irá buscar conhecer a criança a fim de saber como
poderá apresentar os conteúdos a ela. Nesses dois casos, é possível ver uma
disponibilidade em querer ensinar e contribuir para o desenvolvimento desses
discentes, porém isso não é o suficiente para que a inclusão se efetive
conforme recomenda a legislação.
Para que uma criança com a SCVZ seja
incluída, a escola precisa ter espaço físico, mobília e brinquedos adaptados, e
então os estudantes possam participar das vivências que ocorram no espaço
escolar. A escola precisará ainda dispor do suporte de uma cuidadora, como bem
sinalizou Íris. Convém ressaltar que o/a cuidador(a) é o cargo de Agente de
Apoio ao Estudante com Deficiência, que foi criado em 2015, através de um
projeto de lei (autoria do executivo municipal de Recife-PE), e tem por
objetivo oferecer garantia de apoio necessário a alunos com deficiências nas
instituições escolares. Os cuidadores acompanham a criança com deficiência no
dia a dia escolar, e ficam responsáveis por atender suas necessidades básicas,
tais como: dar o lanche, levar ao banheiro, auxiliar no processo de inclusão
nas brincadeiras, auxiliar as crianças na locomoção, execução de atividades
pedagógicas desenvolvidas na escola (FARIAS; VILLACHAN-LYRA, 2018).
É animador saber que as participantes da
pesquisa acreditam no desenvolvimento da criança com a SCVZ e se propõem a se
esforçar para contribuir para que ele ocorra da melhor maneira possível. Porém,
precisamos considerar que o êxito da inclusão se dará mediante a realização de
um trabalho em rede, onde saúde, educação e políticas públicas possam se unir
em prol da oferta de condições para que as crianças tenham a assistência que lhes
é de direito.
Considerações finais
O presente estudo buscou investigar os
desafios e possibilidades da docência a crianças com a Síndrome Congênita do
Vírus Zika imaginados por duas professoras atuantes
na Educação Infantil da rede pública de ensino. Diante dos resultados obtidos
foi possível identificar que o caráter inédito da Síndrome, os problemas na
estrutura física da escola, a escassez de recursos didáticos e a ausência de
formações continuadas, cursos e palestras sobre a SCVZ, são os principais fatores
imaginados pelas participantes como dificultadores do
processo de inclusão escolar a esses discentes.
Conforme discutido anteriormente, diante da
possibilidade de lecionar para crianças com a SCVZ, as profissionais apontaram
alguns desafios e tensões, como por exemplo: o que fazer diante da
possibilidade da criança ter múltiplas deficiências ou apresentar crises
convulsivas. Porém no movimento de distanciar-se do aqui-agora, ou seja,
prospectar-se ao futuro, as profissionais passaram a considerar algumas
possibilidades de ação. Imaginaram que para ensinar os numerais (Íris) e as
formas geométricas (Dália), precisariam desenvolver recursos pedagógicos
concretos, coloridos e com texturas que pudessem ser sentidos pelos alunos com
a Síndrome.
As profissionais enfatizaram ainda a
importância de estudar sobre a SCVZ. Reconhecem que precisarão conhecer as
especificidades da Síndrome para saber como agir com os discentes. Cabe refletir que, embora as profissionais
tenham imaginado algumas estratégias de estimulação, como por exemplo o uso de
objetos coloridos e de textura, esses foram pensados com base nas experiências
que elas têm na docência a crianças de Educação Infantil com desenvolvimento
típico, ou com outra deficiência que não a SCVZ, porém não garantem que serão
igualmente eficazes se tratando de alunos com a síndrome em questão. Com isso, julgamos que seria imprescindível
que as docentes pudessem tomar conhecimento de estratégias que promovam a
estimulação multissensorial, cognitiva, motora e socioafetiva
desses discentes, e, para isso, o investimento em formações continuadas em
parceria com profissionais da saúde torna-se muito relevante.
Indubitavelmente, discutir a inclusão das
crianças com a SCVZ ainda envolve muitos desafios. Ainda não se sabe ao certo
sobre as deficiências, o padrão das lesões, as repercussões em outras áreas do
organismo, e todo o desenvolvimento desses bebês que nasceram de uma gestação
onde a mãe havia sido infectada por Zika. Essas são
questões que estão sendo descobertas e discutidas com caráter inédito no mundo
todo (BRASIL, 2017). Precisamos conceber que a inclusão escolar de crianças com
a SCVZ é um novo capítulo que começa a ser escrito na história da educação
brasileira, e é preciso unir forças para que esse seja escrito da maneira mais
bela possível.
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Correspondência
Gessivânia de Moura Batista – Universidade Federal de Pernambuco.Rua:
Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária. CEP: 50670-901. Recife, Pernambuco,
Brasil.
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