http://dx.doi.org/10.5902/1984686X34415
Ensino de habilidades rítmicas para meninos com
Transtorno do Espectro do Autismo
Teaching rhythmic skills for boys with Autism Spectrum Disorder
Enseñanza de habilidades
rítmicas para niños con Trastorno del Espectro del Autismo
* Valéria
Peres Asnis
Doutora
pela Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.
valeria.asnis@gmail.com
** Ana
Arantes
Professora
doutora pela Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.
ana.arantes@gmail.com
*** Nassim
Chamel Elias
Professor
doutor pela Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.
nchamel@terra.com.br
– http://orcid.org/0000-0003-4197-623X
Recebido em 23 de agosto de 2018
Aprovado em 05 de novembro de 2018
Publicado em 06 de maio de 2019
RESUMO
Crianças são diagnosticadas com Transtorno do Espectro do
Autismo (TEA) quando apresentam déficits na comunicação e interação sociais e
comportamentos e interesses restritos e repetitivos. Estudos afirmam que usar
estratégias adequadas para o ensino de música para pessoas com TEA pode
colaborar para um ambiente propício à aprendizagem musical, desenvolvimento de
comportamentos sociais adequados e diminuições de comportamentos inadequados.
Este trabalho teve como objetivo verificar os efeitos do uso de reforçamento
diferencial e esvanecimento de dicas no aprendizado de habilidades rítmicas ao
tocar instrumentos musicais na presença de cantigas de roda com quatro meninos
com idades entre oito e 12 anos diagnosticados com TEA e se o engajamento nas
atividades musicais levaria à redução de comportamentos inadequados e aumento
de comportamentos adequados. Foi utilizado um delineamento de linha de base
múltipla entre repertórios musicais, em que o participante foi ensinado a tocar
um instrumento musical acompanhando um ritmo pré-estabelecido. Os resultados
indicam que todos os participantes aprenderam a resposta ao pulso musical e
generalizaram para todas as cantigas deste estudo. Este estudo corroborou
outros estudos que indicam a efetividade de atividades musicais como ferramenta
para desenvolver e ampliar comportamentos adequados e diminuir aqueles
socialmente inadequados
Palavras-chave: Análise
do Comportamento Aplicada; Transtorno do Espectro do Autismo; Música.
ABSTRACT
Children are diagnosed with
Autism Spectrum Disorder (ASD) when they present deficits in social
communication and interaction and restricted and repetitive behaviors and
interests. Studies suggest that using appropriate strategies for teaching music
to people with ASD can contribute to an environment conducive to musical
learning, developing appropriate social behaviors, and diminishing
inappropriate behaviors. This study aimed to verify the effects of the use of
differential reinforcement and prompt fading in the learning of rhythmic skills
when playing musical instruments in the presence of popular Brazilian songs
with four eight-to-12-year-old boys diagnosed with ASD and if the engagement in
the musical activities would lead to the reduction of inappropriate behaviors
and increase of appropriate behaviors. A multiple baseline design across
musical repertoires was used, in which the participant was taught to play a
musical instrument at a pre-established rhythm. The results indicate that all
participants learned the response to the musical pulse and generalized to all
songs in this study. This study corroborated other studies that indicate the
effectiveness of musical activities as a tool to develop and expand appropriate
behaviors and diminish those that are socially inadequate.
Keywords: Applied Behavior Analysis;
Autism Spectrum Disorder; Music.
RESUMEN
Los niños son diagnosticados con trastorno
del espectro del autismo (TEA) cuando presentan déficits en la comunicación e
interacción social y comportamientos e intereses restringidos y repetitivos.
Los estudios afirman que utilizar estrategias adecuadas para la enseñanza de
música para personas con TEA puede colaborar para un ambiente propicio para el
aprendizaje musical, el desarrollo de comportamientos sociales adecuados y
disminuciones de comportamientos inadecuados. Este trabajo tuvo como objetivo
verificar los efectos del uso de reforzamiento diferencial y el desvanecimiento
de consejos en el aprendizaje de habilidades rítmicas al tocar instrumentos
musicales en presencia de cantigas de rueda con cuatro niños con edades entre
ocho y 12 años diagnosticados con TEA y si el compromiso en las actividades
musicales llevaría a la reducción de comportamientos inadecuados y el aumento
de comportamientos adecuados. Se utilizó un delineamiento de línea de base
múltiple entre repertorios musicales, en que el participante fue enseñado a
tocar un instrumento musical acompañando un ritmo preestablecido. Los
resultados indican que todos los participantes aprendieron la respuesta al pulso
musical y generalizaron para todas las canciones de este estudio. Este estudio
corroboró otros estudios que indican la efectividad de actividades musicales
como herramienta para desarrollar y ampliar comportamientos adecuados y
disminuir aquellos socialmente inadecuados.
Palabras clave:
Análisis del Comportamiento Aplicado; Trastorno del Espectro del Autismo;
Música.
Introdução
O diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) tem sido
alterado ao longo dos anos e, atualmente, de acordo com a quinta versão do
Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2014),
para que uma pessoa seja diagnosticada com esse transtorno precisa apresentar
(i) déficits persistentes na comunicação e na interação social e (ii) padrões
restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, em diversos
contextos. Segundo os critérios diagnósticos para o TEA, indivíduos dentro do
espectro podem apresentar sensibilidade alterada a estímulos do ambiente,
incluindo os estímulos sonoros, e responder de forma incomum ou inadequada a
essas estimulações. Por exemplo, Gallastegi (2005) indicou que participantes
com TEA, quando comparados com participantes com síndrome de Down ou
deficiência intelectual, apresentaram a média mais baixa em habilidades
perceptivas auditivas, o que pode dificultar o aprendizado de habilidades
musicais.
As habilidades musicais envolvem percepção e discriminação
auditiva pela prática instrumental repetitiva de tarefas sensoriais e motoras
simultâneas, como tocar piano ou um instrumento de percussão. Algumas pesquisas
têm fornecido evidências de que o treinamento musical modifica as regiões
cerebrais correspondentes, tanto no nível funcional quanto no estrutural
(BAILEY; ZATORRE; PENHUNE, 2014; KLEBER et al., 2010; STEELE et al., 2013).
Atividades de musicalização também podem ser um meio significativo para
aprimorar as diferentes formas de comunicação de pessoas com atraso no
desenvolvimento (LOURO, 2006), servindo de estímulo para o controle de
movimentos específicos, colaborando para atividades em grupo e favorecendo a
comunicação. De acordo com Srinivasan e Bhat (2013), o treino musical impacta
positivamente no desenvolvimento da comunicação, da interação social e de
aspectos emocionais e motores em crianças com autismo e outros atrasos de
desenvolvimento.
Segundo Martin (2013), profissionais da música poderiam utilizar
intervenções comportamentais em suas sessões com alunos com TEA, incluindo
estratégias adequadas para o ensino e adaptações que atendam às suas necessidades
específicas, o que poderia gerar um ambiente propício à aprendizagem musical e
o desenvolvimento de comportamentos sociais adequados e possíveis diminuições
de comportamentos inadequados. Entretanto, os estudos da área comportamental
ainda estão restritos ao uso da música como consequência para respostas
adequadas. Lanovaz, Sladeczek e Rapp (2011), Lanovaz, Rapp e Ferguson (2012) e
Saylor, Sidener, Reeve, Fetherston e Progar (2012), por exemplo, reportaram
redução de estereotipia vocal em crianças com autismo quando introduziram
acesso não-contingente a música. Silva e Elias (2017) utilizaram música como
consequência para o ensino de respostas de ouvinte para relações espaciais de
direita-esquerda envolvendo partes do corpo a cinco participantes com autismo e
dois com deficiência intelectual, obtendo resultados positivos na aprendizagem
das habilidades ensinadas.
Para o ensino de música para as crianças que se encontram dentro
do espectro do autismo é necessário considerar alguns pontos importantes como a
comunicação entre o educador musical e seu aluno com TEA e a adaptação de
atividades musicais de acordo com as características do aluno. Segundo Hammel e
Hourigan (2013, p. 84), o “objetivo fundamental dessas mudanças nos planos de
aula diários é aumentar a ocorrência de comportamentos apropriados, diminuir a
ocorrência de comportamento negativo e ensinar um comportamento apropriado que
esteja ausente no repertório desses estudantes”, o que vai melhorar o ambiente
e favorecer o aprendizado musical.
Considerando os benefícios que podem derivar do aprendizado de
habilidades musicais, esta pesquisa teve como objetivo verificar os efeitos do
uso de reforçamento diferencial e esvanecimento de dicas no aprendizado de
habilidades rítmicas ao tocar instrumentos musicais na presença de cantigas de
roda com quatro meninos com idades entre oito e 12 anos diagnosticados com TEA
e que frequentavam instituição especializada. Adicionalmente, foi verificado se
o engajamento nas tarefas com atividades musicais levaria à redução da
frequência de comportamentos inadequados e aumento de comportamentos adequados.
Reforçamento diferencial implica em reforçar determinadas
respostas de uma classe que atendam a um critério específico ao longo de alguma
dimensão (frequência, topografia, duração, latência ou magnitude) e deixar de
reforçar todas as outras respostas na classe (extinção). Dicas são estímulos
antecedentes suplementares usados para ocasionar uma resposta correta na
presença de um estímulo discriminativo que acabará por controlar o
comportamento. Esvanecimento refere-se ao procedimento utilizado para
transferir o controle da resposta de um estímulo (dica) para outro (estímulo
discriminativo), em que os estímulos podem ser gradualmente introduzidos ou
gradualmente removidos (COOPER; HERON; HEWARD, 2007; MARTIN; PEAR, 2009).
Método
Participantes
O estudo teve a participação de quatro
meninos (P1, P2, P3 e P4) diagnosticados com TEA. Para participar da pesquisa,
a criança deveria ter diagnóstico de TEA, sem impossibilidades motoras para o
manejo de instrumentos musicais e que nunca tivesse tido aulas formais de
música antes do início da pesquisa. Para o recrutamento dos participantes, foi
realizada uma reunião com a coordenadora e a psicóloga da instituição
especializada em que os participantes estavam matriculados, para apresentar e
esclarecer os objetivos e procedimentos da pesquisa, devidamente aprovada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São
Carlos (Parecer nº 829.680). Após a indicação dos participantes, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi encaminhado aos pais e/ou
responsáveis, para obtenção das devidas assinaturas. O Comitê de Ética permitiu
dispensa da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido pelos
participantes. A coleta de dados iniciou somente após assinatura do TCLE.
P1 tinha oito anos, com diagnóstico F-84
(autismo infantil) de acordo com classificação do CID-10 (Classificação
Internacional de Doenças; Organização Mundial de Saúde [OMS], 1993) e autismo
moderado (pontuação 32) pelo CARS (Childhood Autism Rating Scale; SCHOPLER;
REICHLER; RENNER, 1988). Ele emitia respostas de imitação em algumas ocasiões,
evitava contato visual, necessitava de repetição para prestar atenção,
apresentava ecolalia moderada e não compreendia a comunicação não verbal dos
outros. P2 tinha nove anos, com diagnóstico F-84 de acordo com o CID-10 e
autismo moderado pelo CARS (pontuação 36,5). P2 tinha dificuldade em imitar
movimentos complexos, fazia contato visual curto, apresentava episódios de
autolesão, pouca fala espontânea e fala fora de contexto, riso e choro sem
motivo aparente e dificuldade em ficar sentado. P3 tinha nove anos, com
diagnóstico F-84 de acordo com o CID-10, mas ele não foi submetido a nenhuma
avaliação padronizada. Ele não mantinha contato visual, mas seguia instruções,
falava algumas palavras e apresentava episódios de grito. P4 tinha 12 anos, com
diagnóstico F-84 de acordo com o CID-10 e se encontrava no Nível C da Escala de
Maturidade Mental Colúmbia (ALVES; DUARTE, 2001), ou seja, o participante
apresentava um nível de maturidade mental condizente com o QI de uma criança
típica de seis a seis anos e meio de idade. P4 tapava os ouvidos para alguns
sons, evitava contato visual e resistia a contato físico, respondia a
comunicação verbal de outros, falava fora de contexto, apresentava riso ou
choro sem motivo aparente, tinha boa memória visual, mas déficits na
gesticulação e na coordenação motora. Esses dados foram obtidos a partir dos
protocolos médicos e consulta à equipe técnica da Instituição em que os
participantes estavam matriculados.
Local e Materiais
A pesquisa foi realizada na
copa/cozinha do setor de autismo da instituição especializada em que os
participantes estavam matriculados. No local havia uma geladeira, um
micro-ondas, dois armários, duas mesas com oito cadeiras, uma mesa pequena com
um filtro de água, uma lixeira e um quadro de parede para anexar avisos. Foram
utilizados um chocalho, um guizo, um par de clavas e um aparelho de som (para
tocar as cantigas de roda). Duas
cadeiras foram utilizadas nas sessões de intervenção e de teste. Todas as
sessões foram vídeo-gravadas com uma câmera da marca Sony – Cyber-shot que
ficava posicionada em cima de uma mesa de forma a captar uma imagem focada no
participante juntamente com a pesquisadora.
Instrumentos
Foram elaborados três
protocolos para registrar as respostas dos participantes bem como os
comportamentos apresentados em cada sessão:
1. Tempo de permanência na atividade. Após iniciada a
cantiga, assim que o participante emitia respostas de tocar o instrumento da
forma estabelecida como correta pela pesquisadora, iniciava-se a contagem do
tempo; a contagem era interrompida caso o participante tocasse o instrumento de
outra forma e era reiniciada assim que ele se engajava novamente na forma
correta de tocar o instrumento. O comportamento esperado para cada instrumento
em cada cantiga está definido no item “Procedimentos Experimentais”.
2. Comportamentos adequados. Neste protocolo foram
registrados os comportamentos considerados socialmente adequados funcionalmente
definidos da seguinte forma:
-
Seguir comando:
Quando a pesquisadora dava alguma instrução vocal (exp.: sente-se, pegue o
instrumento musical, etc.), o participante respondia de acordo com a instrução
em até 5s;
-
Responder sob
controle temático (intraverbal): Quando a pesquisadora perguntava algo ou
iniciava algum diálogo e o participante respondia de acordo com a pergunta ou
falava alguma palavra dentro do contexto da conversa iniciada pela pesquisadora
em até 5s;
-
Aceitar ajuda: Quando
o participante permitia que a pesquisadora mantivesse a mão encostada em seu
braço ou mão por pelo menos 50% do período total de cada cantiga;
-
Atentar: Quando o
participante direcionava o olhar para a pesquisadora ou materiais após instrução
fornecida pela pesquisadora;
-
Cumprimentar e/ou
despedir-se: Quando o participante realizava algum sinal ou emitia uma fala de
cumprimento ao entrar na sala de coleta e/ou despedida ao final da sessão de
ensino (exp.: falar oi, fazer sinal de tchau, falar tchau, abraçar a
pesquisadora).
3. Comportamentos inadequados. Neste protocolo foram
registrados os comportamentos considerados socialmente inadequados
funcionalmente definidos da seguinte forma:
-
Desobedecer a
comandos: Quando a pesquisadora dava alguma instrução verbal vocal (exp.: sente-se,
pegue o instrumento musical, etc.), o participante emitia respostas que não
correspondiam à instrução;
-
Recusar ajuda: Quando
o participante não permitia que a pesquisadora mantivesse a mão encostada em
seu braço ou mão por pelo menos 50% do período total de cada cantiga;
-
Fugir da atividade:
Quando, após instrução ou iniciada uma tentativa, o participante levantava-se
da cadeira em que estava realizando as atividades para olhar pela janela ou ir
em direção da porta. Interromper as atividades e se dirigir em direção à
janela, interruptor ou quadro de informações existentes na sala de coleta de
dados, ou virar o corpo para trás no meio das tentativas de ensino;
-
Chorar: Quando caíam
lágrimas dos olhos do participante ao mesmo tempo em que chamava pela mãe ou
pelo pai.
Avaliação Indireta de
Itens de Preferência
Para a seleção de itens de
preferência a serem utilizados como consequências para as respostas corretas em
tentativas de ensino, foram consultadas a psicóloga e a coordenadora da
Instituição. Para P1, foram indicados a pipoca e chocolates M&M®. Para P2
foi indicada a pipoca, mas no decorrer da pesquisa, a pipoca perdeu seu valor
reforçador, sendo substituída por uma cama elástica de pular; porém, a cama
logo perdeu seu valor reforçador, optando-se em voltar a usar a pipoca. Para P3
foram indicados a pipoca e chocolates M&M®. Para P4 foi indicada a bala de
amendoim. Para todos os participantes, no decorrer da pesquisa, os itens
indicados inicialmente foram pareados e, quando possível, gradualmente substituídos
por consequências sociais (abraços e elogios).
Estímulos Experimentais
Foram selecionadas,
inicialmente três cantigas e três instrumentos musicais (ver Figura 1). A
cantiga “Carneirinho, carneirão” foi introduzida para P4, pois, na presença da
cantiga “Capelinha de Melão”, o participante apresentou comportamentos
incompatíveis com a atividade, como tampar os ouvidos e recusar-se a
realizá-la. Para a escolha da cantiga “Carneirinho, carneirão” o pai do
participante indicou esta cantiga como uma das preferidas pelo filho. A seguir
são apresentadas as cantigas e o comportamento esperado para cada uma. As
quatro cantigas de roda selecionadas para esta pesquisa foram retiradas do
livro de Pimentel (2002). Segundo Ilari (2002, p. 84), este tipo de cantiga
possui “intervalos melódicos pequenos, ritmos bastante simples e uma quantidade
grande de repetições de frases musicais”, sendo, portanto, ideal para trabalhar
com os participantes deste estudo.
Figura 1 - Foto dos instrumentos utilizados no estudo, da
esquerda para a direita: chocalho, guizo e par de clavas
Fonte:
Fonte própria.
Repertório 1 - Meu limão,
meu limoeiro. Para esta cantiga, com duração de 36s, foi selecionado o
instrumento musical “chocalho”. A cantiga possui um compasso quaternário (4/4 –
leia-se quatro por quatro) e o participante deveria tocar o chocalho no pulso da
cantiga (Figura 2). Ao ouvir o início da cantiga, o participante deveria
realizar movimentos verticais (de cima para baixo e vice-versa) com o chocalho,
de forma contínua, a cada 48 décimos de segundos, aproximadamente, até o final
da cantiga. Respostas corretas foram seguidas de acesso ou consumo do item de
preferência.
Figura 2 - Representação de um compasso escrito em tempo
quaternário. O participante deveria tocar o instrumento musical em cada
semínima
Fonte:
Fonte própria.
Repertório 2 - Sereno. Para
esta cantiga, com duração de 40s, foi selecionado o instrumento musical
“guizo”. O participante deveria tocar o guizo toda vez que a palavra “sereno”
fosse pronunciada. Portanto, os participantes deveriam tocar o guizo por quatro
vezes nesta cantiga, que tem a seguinte letra: “Sereno, eu caio eu caio! /
Sereno, deixai cair! / Sereno da madrugada não deixou meu bem dormir. / Sereno
da madrugada não deixou meu bem dormir”.
Na presença de quatro
estímulos distintos da cantiga (cada um deveria funcionar como estímulo
discriminativo para o início de uma resposta) o participante deveria agitar o
guizo, enquanto a palavra “sereno” fosse emitida. Os estímulos que sinalizavam
o início de cada resposta foram, na seguinte sequência: (i) a primeira vez em
que a palavra “sereno” é cantada, logo no início da cantiga, em que há somente
a presença de uma melodia sendo tocada por instrumentos musicais,
aproximadamente aos nove segundos; (ii) após ouvir a segunda palavra “caio” na
primeira estrofe, aproximadamente aos quatorze segundos; (iii) após ouvir a
palavra “cair” na segunda estrofe, aproximadamente aos dezoito segundos; (iv)
após ouvir a palavra “dormir” na quarta estrofe, aproximadamente aos vinte e
sete segundos. Resposta corretas foram seguidas de acesso ou consumo do item de
preferência.
Repertório 3 - Capelinha de
Melão (para P1, P2 e P3). Para esta cantiga, com duração de 40s, foi
selecionado o instrumento musical “clavas”. A cantiga possui um compasso
binário (2/4 – leia-se dois por quatro) e o participante deveria tocar as
clavas na subdivisão do tempo (Figura 3). Ao ouvir o início da cantiga, o
participante deveria bater uma clava perpendicularmente à outra, de forma
contínua, a cada 36 décimos de segundos, aproximadamente. Respostas corretas
foram seguidas de acesso ou consumo do item de preferência.
Figura 3 - Representação de um compasso
binário. As figuras musicais escritas na parte de cima da linha preta mostram
os tempos do compasso binário ou o pulso musical e as figuras musicais escritas
abaixo da linha preta indicam a subdivisão de cada tempo/pulso musical que
deveria ser tocada pelos participantes
Fonte: Fonte própria.
Repertório 3 - Carneirinho, carneirão (para P4). Para
esta cantiga, com duração de 35s, foi selecionado o instrumento musical “clavas”.
A cantiga possui um compasso binário (2/4) e o participante deveria tocar as
clavas na subdivisão da melodia, como representada na Figura 4. Ao ouvir o
início da cantiga, o participante deveria bater uma clava perpendicularmente à
outra, de forma contínua, a cada 21 décimos de segundos, aproximadamente.
Respostas corretas foram seguidas de acesso ou consumo ao item de preferência.
Delineamento
Experimental
Foi utilizado um
delineamento de linha de base múltipla (COZBY, 2014) entre repertórios musicais,
composto por três pares “cantiga de roda/instrumento musical”. Assim que o
participante alcançou o critério de aprendizagem para o primeiro par, foi
realizada sonda para os três pares; ao término do ensino do segundo par, foi
realizada nova sonda.
Procedimento
experimental
Linha de Base: Na Linha de Base, para cada par instrumento/cantiga de
roda, a pesquisadora entregou o instrumento musical ao participante, colocou o
CD com a cantiga de roda designada para o instrumento no aparelho de som e
iniciou sua execução, sem dar nenhuma instrução prévia, e observou se a
resposta selecionada para tocar o instrumento ocorreu. Foram feitas três
tentativas para cada cantiga, no mesmo dia, em momentos diferentes. A
ocorrência dos comportamentos adequados e inadequados do participante desde sua
chegada à sala de coletas de dados até o final da sessão foram registrados.
Ensino:
Em cada sessão de ensino, a cantiga a ser ensinada foi apresentada quatro
vezes. Foram utilizadas dicas de imitação e ajuda física total e parcial, com
retirada gradual assim que o participante apresentava respostas consistentes
consecutivas. Ao iniciar o ensino de uma cantiga, em cada tentativa,
participante e pesquisadora manipulavam o mesmo tipo de instrumento musical,
sendo um para o participante e um para a pesquisadora. Assim que a pesquisadora
apertava o botão de tocar no aparelho de som, dando início à cantiga, a
pesquisadora fornecia a instrução “Toque o <nome do instrumento>” (por
exemplo, “Toque o chocalho”), enquanto fazia o movimento de pegar e tocar o
instrumento conforme procedimento descrito no item “Estímulos Experimentais”,
para que o participante imitasse a ação sendo realizada. Caso o participante
não imitasse a ação, na tentativa seguinte, a pesquisadora fornecia ajuda física.
Para a ajuda física total do chocalho, a pesquisadora mantinha sua mão na mão
em que o participante estava segurando o instrumento e realizava movimentos
verticais (de cima para baixo e vice-versa) de forma contínua até o final da
cantiga. Para o guizo, a pesquisadora mantinha sua mão na mão em que o
participante estava segurando o instrumento e o agitava, enquanto a palavra
“sereno” era emitida. Para as clavas, a pesquisadora mantinha suas mãos nas
mãos do participante segurando o instrumento e batia uma clava perpendicularmente
à outra, de forma contínua, até o término da cantiga. A retirada gradual se deu
pela magnitude da força aplicada ao segurar as mãos do participante. Respostas corretas, com ou sem ajuda, foram
seguidas da entrega de itens de preferência. O critério de aprendizagem para
cada par foi de três respostas corretas, para a cantiga inteira, independentes
(sem ajuda) e consecutivas.
Sondas:
As sondas ocorreram no dia de coleta imediatamente após o participante alcançar
critério de aprendizagem para um par instrumento/cantiga de roda. Cada sonda
iniciava com o participante sentado em frente à pesquisadora, com um dos
instrumentos à sua frente. Ao iniciar uma cantiga (por exemplo, “Meu limão, meu
limoeiro”), a pesquisadora forneceu a instrução “Toque o <nome do
instrumento>” (por exemplo, “Toque o chocalho”). Ao final de cada cantiga, o
instrumento era retirado e iniciava a próxima tentativa, como novo par. Era
feita uma sonda para cada par.
Generalização: Após o participante alcançar critério de aprendizagem para
os três pares, foi aplicada uma sonda com a recombinação entre as cantigas e os
instrumentos selecionados, de modo que o participante tocasse um dos
instrumentos musicais para uma das cantigas que não aquela ensinada para tal
instrumento, a partir da instrução verbal fornecida pela pesquisadora. As
recombinações foram: chocalho com Sereno e com Capelinha de Melão; guizo com
Meu limão, meu limoeiro e Capelinha de Melão; as clavas com Meu limão, meu
limoeiro e Sereno. O procedimento foi semelhante ao aplicado nas sondas.
Resultados
A Figura 4 apresenta os
desempenhos de P1, P2, P3 e P4 nas sessões de linha de base, ensino, manutenção
e generalização em relação aos comportamentos-alvo. No Eixo Y é apresentada a
porcentagem de tempo total em que o participante emitiu respostas corretas em
relação ao tempo total da sessão para cada par instrumento/cantiga.
Os dados de linha de base
indicam que nenhum participante apresentava os comportamentos-alvo antes do
ensino. De maneira geral, após o ensino, todos os participantes alcançaram
critério para os pares “Meu limão meu limoeiro/chocalho” e “Capelinha de melão ou
Carneirinho carneirão/clavas” (primeiro e terceiro gráficos de cada
participante na Figura 4). Para essas cantigas, apesar dos instrumentos e,
portanto, as ações motoras serem distintos, os participantes deveriam tocar os
instrumentos de forma contínua, de acordo com pulso ou subdivisão da cantiga.
Os dados de manutenção para esses pares indicam que os participantes
continuaram a emitir essas respostas ao longo de todo procedimento. Para o par
“Sereno/guizo” (segundo gráfico de cada participante na Figura 4), os
desempenhos foram distintos, sendo que somente P1 e P3 alcançaram o critério de
aprendizagem e mantiveram essas respostas ao longo do procedimento. Para essa
cantiga, diferentemente das outras duas, os participantes deveriam discriminar
a passagem do tempo ou a presença de determinadas palavras que deveriam evocar
a resposta definida como correta, ao invés de tocar o instrumento de forma
contínua, segundo pulso ou subdivisão.
Figura 4 - Desempenhos de
P1, P2, P3 e P4 nas sessões de linha de base, ensino, manutenção e
generalização em relação às habilidades musicais. Os círculos pretos
representam o desempenho musical do participante ao longo das sessões. Os
triângulos cheios representam dados de manutenção e os círculos brancos
representam dados de generalização (novos pares instrumento/cantiga). As linhas
pontilhadas indicam a introdução da fase de ensino e representam o delineamento
de linha de base múltipla entre repertórios musicais
Fonte:
Fonte própria.
Os dados também indicam que
houve generalização parcial das respostas aprendidas em um determinado par para
outros pares não ensinados diretamente. No caso da cantiga “Sereno”,
esperava-se que os participantes tocassem os instrumentos musicais “chocalho” e
“clavas” toda vez em que a palavra “Sereno” fosse pronunciada, porém, o que se
verificou é que todos os participantes ficaram sob controle das respostas
aprendidas anteriormente de tocar os outros instrumentos de maneira contínua,
portanto, a generalização se deu em função do instrumento e não da cantiga.
A Tabela 1 mostra a média de
ocorrência dos comportamentos adequados e inadequados nas sessões de linha de
base e de ensino para cada par instrumento/cantiga. Conforme descrito no
método, foram registrados seis comportamentos adequados e seis inadequados,
sendo que foi registrada somente se determinado comportamento ocorreu durante a
sessão, independentemente do número de vezes. Os dados da Tabela 1 indicam que,
para todos os participantes, a média de comportamentos adequados aumentou e a de
inadequados diminuiu das sessões de linha de base para as sessões de ensino, em
que os itens de preferência eram apresentados como consequências para respostas
corretas, ocasionando maior interação entre participante e pesquisadora, em
função da apresentação dos itens de preferência e de dicas e ajudas. Para o
terceiro par ensinado, os comportamentos inadequados não apareceram mais.
Tabela 1 - Média da ocorrência dos
comportamentos adequados e inadequados nas sessões de linha de base e de
intervenção para os quatro participantes
Repertório 1 |
Repertório 2 |
Repertório 3 |
||||||||||
Linha de base |
Intervenção |
Linha de base |
Intervenção |
Linha de base |
Intervenção |
|||||||
Adeq[1] |
Inad |
Adeq |
Inad |
Adeq |
Inad |
Adeq |
Inad |
Adeq |
Inad |
Adeq |
Inad |
|
P1 |
1 |
1 |
2,8 |
1 |
2,7 |
0,7 |
3,2 |
0,5 |
2,4 |
0 |
3,9 |
0 |
P2 |
2 |
0,3 |
3,2 |
1 |
1,7 |
0,7 |
3,2 |
0,5 |
1,6 |
0 |
4,2 |
0 |
P3 |
0 |
0 |
4,3 |
0,1 |
1 |
0 |
3,7 |
0 |
1,4 |
0 |
3,8 |
0 |
P4 |
0,3 |
2 |
4 |
0,1 |
0,7 |
0 |
4 |
0 |
1,2 |
0 |
3 |
0 |
Fonte: Fonte própria.
Discussão
De forma geral, pode-se
inferir que o procedimento de ensino de habilidades musicais com uso de
reforçamento diferencial e esvanecimento de dicas proposta nesta pesquisa foi
suficiente para ensinar habilidades rítmicas a quatro meninos com TEA,
utilizando instrumentos musicais e cantigas de rodas. Verificou-se também
redução a quase zero de comportamentos inadequados e aumento de comportamentos
adequados durante as sessões de ensino e teste. Para os Repertórios 1 e 3, os
resultados positivos apresentados pelos participantes evidenciam a eficácia dos
procedimentos de ensino utilizados. As quatro oportunidades de aprendizagem
oferecidas por sessão estabeleceram uma rotina de repetição de tocar os
instrumentos musicais. Nesse sentido, o procedimento proposto vai ao encontro
das sugestões apresentadas por estudiosos da área da educação musical especial
(HAMMEL; HOURIGAN, 2013) e dos pressupostos da intervenção comportamental
(MARTIN; PEAR, 2009).
Durante o ensino do primeiro
repertório, em que os participantes deveriam tocar de acordo com o pulso
musical, eles apresentaram baixa frequência de respostas corretas por algumas
sessões até alcançarem o critério de aprendizagem estabelecido. Para o terceiro
repertório é possível inferir, com base no menor número de sessões para alcance
de critério, que a resposta aprendida para o primeiro repertório (tocar o
instrumento de forma contínua, a cada 48 décimos de segundos) deu base para que
os participantes tocassem de acordo com o especificado para a terceira cantiga
(tocar o instrumento de forma contínua, a cada 36 décimos de segundos para P1,
P2 e P3 e a cada 21 décimos de segundos para P4). A literatura ressalta que
essa “batida” do pulso musical é realizada sem esforço por seres humanos e que
um dos aspectos do comportamento musical é o movimento espontâneo sob controle
do pulso e do ritmo da música (REPP; SU, 2013; TRAINOR, 2015). Essa capacidade
de perceber batimento ou pulso regular, duração e sequência sonora foi
identificada inclusive em bebês recém-nascidos (STEFANICS et al., 2007; WINKLER
et al., 2009), sugerindo que tais capacidades se estabelecem no início do
desenvolvimento infantil.
Apesar dos resultados
positivos para os Repertórios 1 e 3, os participantes mostraram dificuldade
para alcançar critério de aprendizagem para o Repertório 2, evidenciado pelo
maior número de sessões e pelo fato de somente P1 e P3 alcançarem esse
critério. Isso pode ter ocorrido em função da discriminação mais complexa
exigida para a cantiga “Sereno”. Para os Repertórios 1 e 3, pode-se considerar
o início da cantiga como único estímulo discriminativo (SD) para que
o participante começasse a tocar o instrumento de uma determinada forma e segue
assim até o final da cantiga e um SD final (término da cantiga ou
fim do estímulo auditivo) que indicava que o participante deveria parar de
tocar o instrumento. Entretanto, para o Repertório 2, a contingência foi
diferente, pois o participante deveria iniciar e finalizar o comportamento de
tocar o instrumento musical em determinados momentos (em que é cantada a
palavra “sereno”). Nesse sentido, no segundo Repertório, vão ocorrer diferentes
SDs (por exemplo, a palavra que antecede imediatamente a palavra
“sereno”) ao longo da cantiga, tornando este repertório mais complexo. Para a
cantiga “Sereno”, os participantes poderiam ficar, também, sob controle da
passagem do tempo, considerando os intervalos entre cada aparição da palavra
“sereno”, que variavam de uma ocorrência para a próxima.
Uma primeira hipótese sobre
a dificuldade encontrada pelos participantes em alcançar critério no Repertório
2 poderia estar relacionada com o fato da palavra “sereno” não fazer parte do
repertório verbal deles, por isso, provavelmente não era um estímulo fortemente
discriminável ou saliente (COOPER; HERON; HEWARD, 2007). Uma possibilidade para
reduzir essa dificuldade, seria apresentar o item de preferência cada vez que o
participante tocasse corretamente o instrumento na presença da palavra
“sereno”. Entretanto, isso dificultaria que o participante respondesse à
cantiga inteira em cada tentativa, o que não corresponderia ao objetivo dessa
pesquisa. Assim como no estudo de Gallastegi (2005), pode-se inferir que a
dificuldade encontrada, principalmente por P2 e P4, possa estar relacionada ao
déficit em habilidades perceptivas auditivas e reconhecimento de aspectos
relacionados à linguagem, principalmente quando a palavra foco é apresentada
junto com uma melodia, o que pode ter dificultado o reconhecimento da palavra
“sereno”.
Uma segunda hipótese é que
os participantes, principalmente P2 e P4, não estabeleceram controle temporal
para realizar a atividade, principalmente, em função do reforço ser apresentado
somente após o término da cantiga e não no exato momento após os participantes
terem tocado o chocalho em cada palavra “sereno”. Tal esquema de reforçamento
pode não ter sido eficaz para estabelecer o aprendizado, porém, é preciso
ressaltar, novamente, que apresentar o reforço a cada resposta correta
inviabilizaria a atividade proposta, interrompendo o andamento da cantiga.
Os resultados das sondas de
generalização vão ao encontro da afirmação de Cox (1985) de que as habilidades
musicais adquiridas em um processo de musicalização possibilitam a emissão
dessas respostas em outros contextos. Nas sondas de generalização, a resposta
alvo era que os participantes tocassem os instrumentos musicais aprendidos na
presença de determinada cantiga também na presença das outras cantigas, o que
ocorreu para os Repertórios 1 e 3. No caso da cantiga “sereno”, esperava-se que
os participantes tocassem os instrumentos “chocalho” e “clavas” toda a vez em
que a palavra “sereno” fosse pronunciada. Porém, o que se verificou é que todos
os participantes generalizaram a forma de tocar continuamente, sob controle do
instrumento, ou seja, com o instrumento chocalho, eles tocaram o instrumento de
forma contínua, a cada 48 décimos de segundos, e com as clavas, eles tocaram de
forma contínua a cada 36 décimos de segundos (P1, P2 e P3) ou a cada 21 décimos
de segundos (P4).
Os dados apresentados para
os Repertórios 1 e 3 (tocar no pulso e na subdivisão, respectivamente) mostram
que o comportamento de imitar a resposta da pesquisadora de tocar continuamente
determinado instrumento foi de fácil assimilação para todos os participantes
transferindo-se, portanto, para todos os repertórios. Esses resultados sugerem
a eficácia do uso de imitação e de reforçamento diferencial como uma estratégia
de ensino para o aprendizado de novos repertórios (LOVAAS, 1981; MILLER;
RODRIGUEZ; ROURKE, 2015). Musicalmente falando, o pulso possui uma importância
fundamental na música, pois ele é a base que proporcionará a sincronia com o
ritmo musical além de favorecer a coordenação entre percepção musical ou
auditiva e ação (LARGE; SNYDER, 2009), o que pode ser operacionalizado como o
controle exercido pelo estímulo auditivo da cantiga sobre a resposta motora de
tocar o instrumento. Portanto, pode-se inferir que os todos os participantes
tiveram um ganho significativo em termos de aprendizagem musical.
Os comportamentos adequados
registrados neste estudo tiveram sua frequência aumentada durante as sessões de
ensino para todos os participantes. Esses comportamentos são comumente
indicados como deficitários nessa população e são necessários em ambiente
escolar, como seguir comandos e instruções, responder a perguntas, aceitar
ajudas que impliquem em contato físico, atentar para os materiais e fazer
contato visual, e em ambiente social, como cumprimentar e despedir-se. Estes
resultados corroboram aqueles encontrados por Alves, Vieira e Serrano (2010),
que observaram o aumento de comportamentos adequados após intervenções musicais
com três crianças com TEA.
Somente a título de
exemplificação, as análises dos vídeos mostram que P1 manteve sorriso no rosto
em aproximadamente 90% das sessões. Esta é uma informação relevante, pois,
segundo a professora da instituição, P1 não apresentava tal comportamento em
sala de aula, indicando, possivelmente, que as atividades musicais e/ou a
pesquisadora tornaram-se reforçadores para P1. Esse comportamento de P1
confirma o que a literatura sobre educação musical diz sobre os benefícios da
música. Ela pode promover e desenvolver diferentes emoções, como a felicidade,
a sociabilidade e a sensibilidade (HAMMEL; HOURIGAN, 2013; JOLY; ALLIPRANDINI;
ASNIS, 2008).
Outro fator que pode inferir
o valor reforçador do contexto em que essa pesquisa foi conduzida é a diminuição
dos comportamentos inadequados apresentada, de maneira geral, por todos os
participantes. Ressalta-se, ainda, que a utilização de um ensino por tentativas
discretas (DTT, do inglês Discrete Trial
Teaching) pode ter contribuído para a diminuição de comportamentos
inadequados dos quatro participantes, corroborando com resultados encontrados
em outros estudos (DIB; STURMEY, 2007; KOEGEL; RUSSO; RINCOVER, 1977; SAROKOFF;
STURMEY, 2004). Essa diminuição pode ter sido função do acesso constante aos
reforçadores, comum em sessões de ensino que utilizam o DTT, pois a privação
desses estímulos pode gerar uma operação estabelecedora para a emissão de
comportamentos inadequados, quando os adequados não os produzem de forma
consistente.
Estudos futuros poderiam verificar
a generalização dos repertórios observados nessa pesquisa, tanto os musicais
quanto os comportamentos adequados, para outros ambientes e na presença de
outras pessoas. Uma das limitações deste estudo foi a não realização de uma
avaliação de repertório verbal dos participantes e uma avaliação itens de
preferência pré-experimento, procedimentos estes considerados importantes para
a obtenção de resultados mais eficazes, portanto, sugere-se que para novos
estudos estes procedimentos sejam realizados. A limitação de bibliografia que
contemplasse o ensino de habilidades musicais para pessoas com TEA utilizando
intervenção comportamental, excluindo-se pesquisas sobre musicoterapia,
restringiu a discussão deste trabalho.
Finalmente, vale ressaltar
que a musicalização contempla uma gama de atividades que contribuem para a
formação integral da criança, entretanto, esta pesquisa se propôs estudar
apenas um recorte deste grande tema, oportunizando aos participantes, um
contato inicial com a linguagem musical de forma estruturada e adaptada às
características deles.
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Agradecimentos
Os autores agradecem à CAPES pela bolsa de doutorado para a primeira autora e pela bolsa de pós-doutorado para a segunda autora. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – CAPES/PROEX Nº do Processo: 23038.005155/2017-67. Esse trabalho é derivado da tese de doutorado da primeira autora.
Correspondência
Valéria Peres Asnis – Universidade
Federal de São Carlos. Rod. Washington Luiz, s/n, São Carlos. CEP: 13565-905. São
Carlos, São Paulo, Brasil.
http://orcid.org/0000-0002-1825-0097
Revista Educação
Especial | v. 32 | 2019 – Santa Maria
Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial
[1] “Adeq” refere-se aos comportamentos adequados
e “Inad” refere-se aos comportamentos inadequados.