http://dx.doi.org/10.5902/1984686X33613
Altas habilidades/superdotação
na perspectiva da inclusão escolar: experiências fenomenológicas a partir da
implementação de diretrizes municipais
High abilities/giftedness in the perspective of school inclusion:
phenomenological experiences from the implementation of municipal guidelines
Altas
habilidades/superdotación en la perspectiva de la inclusión escolar:
experiencias fenomenológicas a partir de la implementación de directrices
municipales
* Maria
Amelia Barcellos Fraga
Mestranda
pela Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil.
mabfraga@vitoria.es.gov.br
– http://orcid.org/0000-0002-3665-7237
** Vitor
Gomes
Professor
doutor na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo,
Brasil.
vitor.gomes@ufes.br
– http://orcid.org/0000-0003-3388-1054
Recebido em 11 de junho de 2018
Aprovado em 23 de janeiro de 2019
Publicado em 06 de maio de 2019
RESUMO
Este artigo possui como objetivo apresentar as
contribuições do método fenomenológico para o professor do Atendimento
Educacional Especializado (AEE) em Altas Habilidades/Superdotação
(AH/SD). Teoricamente, referencia-se em Holanda (2003), Merleau-Ponty (2011),
Perez (2009), Renzulli (2014), Virgolim
(2010) e outros. Em termos metodológicos, trata-se de pesquisa fenomenológica
eidética, cujo intuito é a elucidação do vivido. Utiliza como instrumentos:
Diário de campo, Versão de sentido e conversas não diretivas. Como resultados e
discussões, evidencia que urge a necessidade de revisão de estratégias e
instrumentos produzidos a partir de lógica psicométrica/quantitativa que
serviram exclusivamente para produção de estereótipos sobre a pessoa com AH/SD.
Nas conclusões, indica a necessidade de compreensão dos educandos em seus
aspectos multidimensionais, numa demonstração de que é necessário entendê-los
qualitativamente como indivíduos, em suas particularidades, numa atitude aberta
à inclusão escolar.
Palavras-chave: Altas
habilidades/superdotação; Educação especial; Fenomenologia.
ABSTRACT
This article aims to present the
contributions of the phenomenological method to the teacher of the Specialized
Educational Attendance (AEE) in High Abilities /Giftedness (AH/SD).
Theoretically, it is referenced in Holanda
(2003), Merleau-Ponty (2011), Perez (2009), Renzulli (2014), Virgolim (2010)
and others. In methodological terms, it is an eidetic phenomenological
research, whose purpose is the elucidation of the lived. It uses as
instruments: field diary, sense version and non-directive conversations. As
results and discussions, it is evident that it is urgent to review strategies
and instruments produced from psychometric / quantitative logic that
exclusively served to produce stereotypes about the person with AH / SD. In the
conclusions, it indicates the need to understand the students in their
multidimensional aspects, in a demonstration that it is necessary to understand
them qualitatively as individuals, in their particularities, in an attitude
open to school inclusion.
Keywords: High abilities/giftedness;
Special education; Phenomenology.
RESUMEN
Este artículo tiene
como objetivo presentar las contribuciones
del método fenomenológico al profesor
del Atendimiento Educativo
Especializado (AEE) en Altas Habilidades/Superdotación (AH/SD). Teóricamente,
se refiere en Holanda
(2003), Merleau-Ponty (2011), Perez (2009), Renzulli
(2014), Virgolim (2010) . y otra. En
términos metodológicos, se trata de una investigación
fenomenológica eidética, cuyo propósito es la elucidación de lo vivido. Utiliza como instrumentos: Diario
de campo, Versión de sentido y conversaciones
no directivas. Como resultados y discusiones,
evidencia que urge la necesidad
de revisión de estrategias
e instrumentos producidos a partir de lógica
psicométrica/cuantitativa que sirvieron
exclusivamente para la producción
de estereotipos sobre la
persona con AH/SD. En las conclusiones, indica la necesidad de comprensión de los educandos en sus aspectos multidimensionales,
en una demostración de que
es necesario entenderlos cualitativamente como individuos,
en sus particularidades, en
una actitud abierta a la inclusión escolar.
Palabras clave:
Altas Habilidades/superdotación; Educación
especial; La fenomenología.
Introdução
Ingressando
num Mestrado Profissional em Educação, fui apresentada a perspectivas de
compreensão da realidade (que até então) eram desconhecidas em minha prática
profissional. Destaco a fenomenologia,
que a partir de minha imersão e pertencimento, me induziram ao sentimento de
que foi retirada uma venda de meus olhos.
Desta forma,
o trabalho em conjunto com meu orientador, possibilitou-me o conhecimento do
método fenomenológico de pesquisa em seus aspectos procedimentais e concepções
particulares.
As
reflexões deste trabalho foram constituídas em concomitância com a elaboração
do projeto de pesquisa de minha dissertação, que, atualmente, se encontra em
fase pós-qualificação, em aprofundamento da revisão de literatura e coleta de
dados.
Este
artigo[1] foi criado sob a
supervisão do meu professor orientador, que me ensejou a construí-lo a partir
do entrelaçamento com a fenomenologia, indicando-me que minhas vivências eram
dados relevantes para descrição da experiência do vivido.
Possuímos
como objetivo a apresentação de contribuições do método fenomenológico para o
professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD). Para isto, “ilustramos” este trabalho
com vivências, aspectos teóricos, falas e entrelaçamentos realizados em
capacitação ministrada com professores de uma rede municipal de ensino que
atuam com este público-alvo.
Para o
alcance do intuito organizamos o artigo em quatro partes. Na primeira delas,
apresentamos os “Aspectos históricos e conceituais” concernentes às AH/SD e à
Fenomenologia. Em sequência: “A Fenomenologia do vivido: atravessamentos a
partir da implementação de diretrizes operacionais municipais”, entrelaça as
minhas experiências eidéticas ao local que habito.
Na
terceira parte, “Contribuições da fenomenologia ao professor de atendimento
educacional especializado (AEE), evidenciamos aspectos teóricos-conceituais
inerente a abordagem fenomenológica que desvelam uma ressignificação desconstrutora acerca de concepções ligadas a modelos
cognitivistas.
A última
parte, “A vivência fenomenológica na prática do professor especializado”,
entrelaça as diretrizes operacionais do município para inclusão de educandos
nas AH/SD e o método fenomenológico nas práticas e experiências do professor
especializado junto aos educandos encaminhados para o AEE.
Aspectos
históricos e conceituais
Um dos
aspectos constituintes nos estudos sobre AH/SD refere-se à associação entre o
desenvolvimento mental e a inteligência.
Nesse sentido, Perez (2009) enfatiza que seus indicadores de
manifestação refletem essa sincronia. Para Rangni e
Costa (2011), não há definição precisa sobre o que é inteligência e, no que se
que refere às AH/SD, o caminho é semelhante.
De
acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002), as indagações e reflexões mais
consistentes acerca do ato de pensar se realizaram na Grécia antiga e foram
concomitantes ao surgimento de ideias psicológicas sobre a
individualidade. Segundo os autores, os
primórdios da reflexão desse tema podem ser encontrados por volta do ano 700 a.C, com a superação das crenças em mitos e deuses existentes,
a partir da predominância do pensamento filosófico, caracterizado por
indagações e questionamentos, cujo intuito era explicar fenômenos da realidade
a partir de uma racionalidade, em oposição ao mitológico e, assim, servindo
como base, séculos mais tarde, para a Psicologia.
Com o advento dos estudos acerca da
inteligência e, consequentemente, de modelos educacionais para identificação e
atendimento nas AH/SD (ALENCAR; FLEITH, 2001; PEREZ, 2009; RENZULLI, 2014;
VIRGOLIM, 2010), o conceito de unidimensionalidade[2], provido pelos testes
padronizados, foi substituído pelo de multidimensionalidade[3]. Esses estudos indicam que o debate entre
diferentes concepções de AH/SD evidencia sua complexidade, o que ressalta ser
possível uma compreensão holística e distanciada da visão unidimensional
associada ao conceito de QI[4], predominante no início do
século XX.
Conforme
Zaia, Nakano e Peixoto (2018), as diversas formas de
identificação das AH/SD têm sido amplamente discutidas na literatura
científica, e os resultados desses estudos compreendem as AH/SD como um
fenômeno multidimensional, incluindo atributos que vão além do âmbito
intelectual. Assim, certas visões restritas ao campo educacional foram
substituídas por outras, em aspectos multidimensionais, que envolvem Biologia,
Psicologia, emoções e o social/histórico/cultural.
Essa
ampliação no modo de olhar as habilidades mentais leva autores a considerar que
há necessidade da revisão dos instrumentos e estratégias educacionais para
identificação das AH/SD que, para além de testes psicométricos, deve levar em
conta diferentes aspectos do indivíduo na percepção de suas habilidades,
desmistificando estereótipos e mitos acerca desses educandos, principalmente,
no contexto escolar.
No que concerne essas considerações, citamos
Mendes (2018), cujos estudos corroboram os questionamentos sobre a inclusão
escolar dos estudantes público-alvo da Educação Especial, ressaltando-a como um
problema complexo a ser
resolvido, desafiando o desenvolvimento teórico e sem simples soluções:
De
fato, a educação que separa fisicamente os alunos é
inerentemente discriminatória, desigual e, consequentemente, injusta. Por outro
lado, a educação que meramente iguala, oferecendo o mesmo ensino no mesmo
ambiente, também pode ser discriminatória, desigual e injusta se não responde
às necessidades diferenciadas de alguns alunos. (MENDES, 2018, p. 80)
Virgolim (2010) evidencia a necessidade de
programas voltados para a estimulação e enriquecimento do ambiente para
crianças e jovens com AH/SD, de forma que favoreçam o desenvolvimento de suas
potencialidades. Nesse sentido, vale destacar que, a partir de concepções
inclusivas, é necessária a implementação de propostas pedagógicas que propiciem
o desenvolvimento do talento de forma indistinta, envolvendo, assim, todos nos
processos de ensino e aprendizagem.
Dentro
da visão pluridimensional, os teóricos da área referem-se ao indivíduo com
AH/SD não restritamente à questão da inteligência/habilidades, mas também
voltados para os aspectos que envolvem a sua capacidade criativa e motivação.
Nesse
contexto, em consonância com a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva Inclusiva,
[...]
estudantes com altas habilidades/superdotação
demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou
combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além
de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de
tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL, 2008, p.11).
Apresentados
os aspectos iniciais, é necessário evidenciar que, tal como em uma pintura,
cuja influência se dá a partir de períodos históricos, os estudos sobre AH/SD
ainda carregam predominantemente influência e conceitos arraigados de um
cognitivismo catalogador do século passado. É nesse sentido, e com a intenção
de sua suplantação, que se faz necessária sua compreensão a partir de outros
matizes teórico-conceituais.
Nessa
perspectiva, a última década do século XIX, na Alemanha, caracteriza-se pela
derrocada dos grandes sistemas filosóficos tradicionais. Doravante o pensamento
positivista começa a sofrer abalos a partir dos questionamentos de seus
fundamentos/postulados, amparados na objetividade e neutralidade científicas e
também na compreensão de um “sujeito puro” (FORGHIERI, 2004).
Segundo Forghieri,
[...]
as dúvidas quanto à existência desse ‘sujeito puro’ e as preocupações com o
sujeito concreto em sua vida psíquica imediata passam a ter predominância nessa
época, preparando o terreno para o aparecimento da Fenomenologia moderna. (FORGHIERI, 2004, p.14)
A fenomenóloga ressalta que, no início do século XX, surgem
as primeiras obras sobre Fenomenologia, elaboradas por Edmund Husserl, com
influências dos filósofos Franz Brentano e Wilhelm Dilthey,
fato que influencia outros pensadores que deram continuidade às suas ideias,
problematizando/destituindo a teorização do conhecimento da época e sua
concepção da verdade pura, neutra, geral, estática e acabada.
A partir da Segunda Guerra Mundial e de
conceitos de pensadores como Maurice Merleau-Ponty, a Fenomenologia sofre
aproximações e influência do humanismo existencial. Nesse sentido, busca a
essência dos fenômenos na existência do ser em sua imersão no mundo, em
movimento num continuum espacial e temporal, captando
sentidos e significações em sua vivência concreta e cotidiana.
Assim, para Forghieri
(2004, p.18), “[...] a reflexão fenomenológica vai em direção ao ‘mundo da
vida’, ao mundo da vivência cotidiana imediata, na qual todos nós vivemos,
temos aspirações e agimos, sentindo-nos ora satisfeitos e ora contrariados”.
Dessa
forma, o método fenomenológico, a partir de sua perspectiva humanista, pode
contribuir significativamente na potencialização das habilidades nos indivíduos
com AH/SD e, fundamentalmente, no olhar do professor para além da lógica
psicométrica ou instrumentalizadora e, por conseguinte,
ele pode realizar um trabalho permeado pela lógica compreensiva da pessoa com
AH/SD dentro de perspectivas favorecedoras de seu empoderamento
e bem-estar.
Trata-se
da utilização da Fenomenologia, em seus aspectos potencializadores,
pelo professor em sua percepção acerca do outro, que desvela vivências,
experiências, inserções e atravessamentos numa lógica de imbricamento.
Nesse processo, deve prevalecer o pertencimento e bem estar da pessoa,
transcendendo o exclusivo desenvolvimento e/ou a potencialização de sua
habilidade.
A Fenomenologia do vivido: atravessamentos a partir da
implementação de diretrizes operacionais municipais[5]
Uma
trajetória de vida é marcada pela concretude de sua existência. Seja como corpo
carnal, situado num tempo/espaço, seja como sujeito histórico em movimentos que
atualizam experiências do passado e que as vivenciam no presente, dentro da
linha inconstante das escolhas e incertezas em relação ao futuro. Nesses
movimentos, enunciam-se opções que desvelam sentidos/ significados; experiências;
sentimentos cristalizados nas vivências, em um ser com/no mundo mediado pela
percepção (MERLEAU-PONTY, 2011).
Mas,
antes de tudo, tomo a dimensão do aqui e agora, para desvelar a consolidação de
minha existência fenomenológica. Para isto, devo expressar que, depois de anos
fora do universo acadêmico, no “primeiro contato” com a fenomenologia, sou
envolta pelo sentimento de insegurança.
Contudo,
no resgate da primeira fala de meu orientador, cujo sentido expressa o meu
ser-estar-vivenciar (atual), indica que sempre fui atravessada pela
fenomenologia em minha vida. Uma vez que cada experiência de sentido, percepção
e compreensão são experiências fenomenológicas.
Por
isto, o que produzimos, sentimos, realizamos é envolto dos processos intersubjetivos,
cuja interiorização produz a experiência do vivido. Desta forma, o que iniciei
(neste momento) foi o processo de apropriação teórica do que havia experienciado durante a minha vida.
Assim, a
partir da fenomenologia eidética, cujo intuito é o evidenciamento
do vivido (HOLANDA, 2003), desnudam-se minhas experiências/vivências em AH/SD,
cujo percurso tem como ponto de partida o início deste século. Neste sentido,
desvela-se meu ser/estar como psicóloga da gerência/coordenação de Educação
Especial de uma rede municipal de ensino, no início da implementação dos
atendimentos especializados em altas habilidades.
Esse
período foi marcado por políticas de atendimento restritas à aceleração de
estudos (para os educandos identificados com elevado potencial) e outros
programas de atendimento para o desenvolvimento de habilidades. Em nível
municipal, o Programa de Desenvolvimento da Criatividade (PDC) ensaiava seus
primeiros passos em três escolas de ensino fundamental.
Em 2005,
o Ministério da Educação (MEC) implantou, nas unidades da Federação e no
Distrito Federal, os Núcleos de Atenção às Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) [6],
considerados promissores para o desenvolvimento de processos formativos,
fortalecimento e qualificação dos programas de atendimento.
Municipalmente,
na nossa Rede pública de ensino, evidenciamos maior visibilidade à área de
AH/SD e o progressivo aumento de encaminhamentos desses educandos, resultando
em um número maior de atendimentos especializados. Vivenciaram-se embaraços,
mediante o sentimento de impotência dos professores para viabilizar os
atendimentos a partir das diferentes habilidades/áreas de conhecimento
apresentadas pelos educandos encaminhados.
Na
ocasião, o MEC ainda não dispunha de política nacional oficial para atendimento
ao público da modalidade. Dessa forma, a fim de otimizar os recursos existentes
para o financiamento da área, envolvendo espaços, materiais, pessoas e
parcerias, a gestão municipal implantou o modelo de Centro de Desenvolvimento
de Talentos (CEDET) [7], em parceria com a seccional estadual da
Associação Brasileira para Altas Habilidades/Superdotação
(ABAHSD).
Nessa
época, atuava como assessora especializada e coordenadora da Coordenação de
Formação e Acompanhamento à Educação Especial municipal. Contudo, depois de
algum tempo, como ser-no-tempo (GOMES, 2016; 2017), outras
experiências/movimentos me atravessaram na concretude da existência e, assim, a
atuação na área de AH/SD ficou em suspensão por sete anos de minha vida.
Meu
corpo tomou outras dimensões espaço/temporais e por quase 7 anos residi em
outro Estado da Federação desenvolvendo outras experiências como psicóloga e
professora do ensino superior. Tais experiências enriqueceram minha existência,
agregando-me outros sentidos/significados no existir.
Atravessada/perpassada
pelas características do existir, após esses anos residindo fora, retomo para a
minha cidade natal, para a Secretaria Municipal de Educação e para a área de
AH/SD, 14 anos mais tarde do início do PDC.
Assumo a função de assessora especializada da Coordenação de Educação
Especial, num momento de implantação das novas diretrizes operacionais para
encaminhamento de educandos às AH/SD.
Os
primeiros meses desse regresso à área de AH/SD foram marcados por interlocuções
cristalizadas por desencontros, desafetos e muitas incertezas, cujos conflitos
tornavam inviáveis os consensos e, assim, todo o processo global de trabalho e
seus atravessamentos num espaço-tempo de aproximações de diretivas nacionais.
Destarte,
o órgão gestor municipal delineia a necessidade de alinhamento à Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEE) (BRASIL, 2008),
em consonância com as diretrizes oficiais do MEC, formalizando o modelo de
atendimento educacional especializado (AEE) ofertado em Salas de Recursos
Multifuncionais (SRMs) para todos os educandos
público da educação especial, sendo os com deficiências, com transtornos
globais do desenvolvimento, com altas habilidades/superdotação.
Assim
se estabelecia o conflito, pois, na opinião dos professores especializados, o
órgão gestor deveria manter o modelo de desenvolvimento e atendimento dos
estudantes com AH/SD de forma semelhante ao CEDET e não o proposto pelas novas
instruções.
Nesse contexto,
o desafio consistia em mediar desacordos a partir dos diferentes pontos de
vista, buscando conduta e ações que fomentassem o conciliamento
e favorecimento das inter-relações pessoais e profissionais e, dessa forma, não
causassem prejuízos ao atendimento dos educandos com AH/SD.
Confesso
que as emoções e os sentimentos, nos primeiros seis meses desse processo, não
foram os melhores. Em muitos momentos, os ânimos se acirraram e houve fortes
resistências, pois toda mudança é permeada por incertezas como num mergulho em
oceano desconhecido e ameaçador. Entretanto, com a chegada dos educandos, ainda
que com discordâncias, ocorre o início da flexibilização de comportamentos
pelos professores e o alinhamento com novas diretrizes, a partir da crença de que
é possível a realização do trabalho.
As
diretrizes operacionais para encaminhamento dos educandos foram apresentadas de
acordo com os documentos normativos que regem a PNEE e o AEE. Dessa forma, em nível municipal, as SRMs são localizadas em seis unidades de ensino fundamental
(UEs), constituídas por professores especializados em
AH/SD. Nessas unidades, são identificados e desenvolvidos diversos projetos de
enriquecimento curricular baseados nos interesses dos educandos.
A partir
daí, organizam-se fluxos de atendimentos com o esboço de instrumentos que
personalizavam o AEE dos educandos encaminhados pelas UEs.
Esse foi o primeiro formato do trabalho constituído que, nos três anos
seguintes, se configurou pela busca de identidade do/no trabalho, cujos processos
formativos foram construídos a partir das demandas evidenciadas pelos
professores.
O
momento é de consolidação de ações com várias mãos e pensamentos, com idas e
vindas com o envolvimento de múltiplos atores. Relembrando João Cabral de Melo
Neto (2018, p.1)): “Um galo sozinho não
tece uma manhã, ele precisará de outros galos [...]”.
A partir
desses diversos braços e ações, participaram desse processo também os
professores de sala comum, em formações[8] teórico-práticas em AH/SD, assessorias às UEs para estudos de caso e observação direta de educandos,
parcerias e visitas a outros espaços da cidade, realização de Seminários de
AH/SD[9] e também do evento: “Encontro com famílias
nas AH/SD”
[10], cujo objetivo é propiciar interlocução entre
o órgão gestor e as UEs, professores especializados,
parceiros, educandos do AEE e suas respectivas famílias.
Por
último, e esperando ter apresentado os
atravessamentos das vivências, emoções e políticas municipais sobre altas
habilidades, é necessário destacar que, ainda que as políticas públicas no
atendimento ao educando com AH/SD possuam caráter diretivo, pela via de sentido
que intuímos/ compreendemos/ vivenciamos, o método da observação e
identificação de altas habilidades não precisa ser diretivo; pelo contrário, deve
se consistir pela abertura a uma percepção fenomenológica de compreensão do
indivíduo tendo como intuito fomentar seu bem estar.
É neste
percurso que os próximos tópicos caminharão.
Contribuições da fenomenologia ao professor de
atendimento educacional especializado
Dentro
de concepções atuais acerca das AH/SD, desvelam-se compreensões holísticas e
distanciadas da visão unidimensional associada ao conceito de QI. Assim, para
identificação desse público, urge a necessidade de revisão de estratégias e
instrumentos produzidos pelo cognitivismo[11] que, a partir de lógica
psicométrica/quantitativa, serve/iu exclusivamente na
produção de estereótipos sobre a pessoa altamente habilidosa.
Essa
ampliação instiga a consideração de diferentes aspectos do indivíduo na
percepção de suas habilidades, destituindo mitos acerca desses educandos em
contextos escolares ou não. Dessa forma, a concepção do sujeito com AH/SD não
deve se restringir à questão da inteligência/habilidades, mas também,
estender-se aos aspectos que envolvem sua capacidade criativa e de motivação
(FRAGA; FREITAS, 2016).
Nas
experiências de implementação das diretrizes municipais nas AH/SD, a PNEE
evidencia a necessidade de compreensão dos educandos em seus aspectos
multidimensionais[12], em demonstração que para
seu entendimento, é necessário entendê-los qualitativamente como indivíduos com
particularidades.
Nesse contexto, crendo nas contribuições do método
fenomenológico de pesquisa para os saberes/fazeres dos professores, e a partir
do evidenciamento de “ferramentas” que instigam a
percepção do docente especializado, pretendemos evidenciar concepções
existencialistas favorecedoras do empoderamento e bem
estar desse educando em especial.
Apontando contribuições da abordagem fenomenológica no
desvelamento/compreensão/identificação desse público-alvo da educação especial,
importa-nos apresentar alguns de seus fundamentos:
A
fenomenologia procura abordar o fenômeno, aquilo que se manifesta por si mesmo,
de modo que não parcializa ou o explica a partir de conceitos prévios, crenças
ou afirmações sobre o mesmo, enfim de um referencial teórico. Mas ela tem
intenção de abordá-lo diretamente, interrogando-o, tentando descrevê-lo e
procurando captar sua essência. Ela dirige-se para o fenômeno da experiência,
para o dado e procura ‘ver’ esse fenômeno de forma que ele se mostre na própria
experiência... Daí a própria nomenclatura fenomenológica – significando o
discurso sobre aquilo que se mostra como é (phenomenon+”logos”) (MARTINS; BICUDO, apud BRUNS, 2003, p. 70).
Em
seguida, enumeramos características da pesquisa fenomenológica:
1.
Ausência de uma compreensão prévia do
fenômeno, ou seja, inicia-se o trabalho interrogando o fenômeno. 2. A situação
da pesquisa não é definida pelo pesquisador, mas pelos próprios sujeitos
investigados. 3. O investigador se pauta pelo sentido (MARTINS; BICUDO, apud
HOLANDA, 2003, p. 49).
2.
Em
síntese, buscando descrever a atitude do sujeito-pesquisador com base na
pesquisa fenomenológica:
[...] uma pesquisa
fenomenológica deve buscar acessar a essência do fenômeno estudado com o
intuito de poder ser posteriormente generalizado (dado que estamos nos
referindo à experiência humana). Esta essência – o eidos, descrito por
Husserl – pode ser alcançada a partir de um método que contemple três elementos
fundamentais para se falar em pesquisa fenomenológica.
O primeiro desses
elementos é a redução fenomenológica ou abstenção de juízos que deve ter
o pesquisador sobre o tema pesquisado, permitindo-lhe o acesso aos significados
puros do sujeito; o segundo elemento é a intersubjetividade ou relação
que se estabelece entre sujeito-pesquisador e sujeito-pesquisado, seus
conteúdos e envolvimentos decorrentes desta relação, e o terceiro elemento é o retorno
ao vivido ou retomada do ‘mundo da vida’ do sujeito-pesquisado através do
seu depoimento (HOLANDA, 2003, p. 52-53).
Aqui,
a denominação pesquisador, como propõe Gomes (2012), é utilizada como sinônimo
daquele que observa antes de uma intervenção, aplicando-se a professores,
psicólogos e outros profissionais.
Nesse
sentido, num ato de desvelamento, é necessário iniciarmos pela redução
fenomenológica ou abstenção de juízos, a partir da busca
do dado/registro qualitativo do fenômeno (aquilo que se manifesta por si
mesmo), no caso o educando nas AH/SD, concebendo que a compreensão desse
indivíduo é iniciada a partir de sua identificação. Para que isso seja
possível, o que temos como instrumento é a percepção: ela é o fundo sobre o
qual todos os atos se destacam (MERLEAU-PONTY, 2011).
A
vivência fenomenológica na prática do professor especializado
Apresentados
os aspectos teórico-filosóficos, descreveremos as diretrizes operacionais
municipais em relação ao AEE, bem como, de maneira imbricada, as contribuições
do método fenomenológico para o trabalho de professores especializados, tomando
por base a fenomenologia eidética, cujo intuito é o evidenciamento
do vivido (HOLANDA, 2003).
Para
isto, realizamos encontros formativos na perspectiva fenomenológica com os
professores do AEE (das unidades de ensino da rede municipal) em parceria com a
Universidade. Nesse espaço/tempo, metodologicamente, apresentamos aos docentes
três instrumentos comuns às pesquisas fenomenológicas e indicamos suas
possibilidades de emprego com seu público-alvo. Foram eles: Conversas não
diretivas, Diário de campo e Versão de sentido, que se trata do registro
realizado após a vivência de uma experiência de sentido (AMATUZZI, 2001).
Desta
forma, evidenciaremos os envolvimentos existenciais, expressos por falas
(advindas dos encontros) e, a partir dessas, a contribuição da fenomenologia
para suas práticas profissionais em conformidade com a perspectiva das diretrizes
municipais.
Iniciando
a descrição, é preciso externar que, em conformidade com a PNEE (BRASIL, 2008),
o AEE é ofertado no contraturno escolar, SRMs, equipadas com materiais pedagógicos diversificados,
computador, internet, entre outros, além de realizar parcerias e visitas
monitoradas em escolas da ciência, cultura e tecnologias, planetário, galerias,
museus, parques, universidades, e em outros espaços da cidade.
Também
podem ser utilizados outros espaços/tempos das UEs,
além das SRMs; dentre eles: biblioteca, laboratório
de informática e sala multiuso. Para os educandos identificados com AH/SD, as
atividades de enriquecimento curricular têm o caráter de suplementação e podem
ser organizadas ora individualmente, ora em grupos, visando serem vivenciadas de
formas diversificadas e desafiadoras.
Para se
proceder ao encaminhamento ao AEE, os professores de classe comum realizam
observação direta e continuada do educando em sala de aula e no contexto
escolar, identificando seu alto potencial em alguma(s) área(s) de conhecimento
ou aspecto(s) do comportamento e, em seguida, elaboram um relatório descritivo
registrando esses dados coletados sobre o educando identificado. O relatório é
disponibilizado para que os professores especializados de AH/SD promovam a avaliação
pedagógica para desvelamento/compreensão/identificação de habilidades e
interesses dos estudantes e organizar os atendimentos junto às famílias.
Para
subsidiar a atuação pedagógica na área, utiliza-se autores como Virgolim (2007), Fleith (2007) e as
“Ferramentas para pensar” de Edward de Bono, assim como diversos sites de
buscas e pedagógicos, entre outros aportes que se fizerem necessários.
Por um
período estimado de um ano letivo, no AEE, procedemos à organização de programa
de enriquecimento curricular, no qual, realizamos entrevistas com o educando e
sua família, inicialmente, buscando perceber e registrar os aspectos observados
por eles sobre suas habilidades, interesses e comportamentos. Ainda realizamos
atividades exploratórias com base no relatório descritivo do professor de sala
comum, visando a evidenciar, com maior sentido/significado, sua percepção/olhar
sobre este educando, especialmente.
Em
seguida, constituímos com o educando projeto(s) de enriquecimento que atendam
às suas necessidades para produção de conhecimentos, por meio de roteiros de
pesquisas, entrevistas a terceiros, visitas monitoradas, experimentos, criação
de jogos e artes, entre outras possibilidades que podem ser usadas como
estratégias pedagógicas favorecedoras à sua imaginação, empoderamento
e bem-estar.
Dando
continuidade ao processo de avaliação pedagógica, ao final de cada ano letivo,
são identificados, no Censo Escolar com AH/SD, os educandos que, efetivamente,
demonstraram as habilidades identificadas, ou outras de seu interesse, com o
professor especializado e outros pares, por meio das suas experiências e das
trocas/relações vivenciadas no programa de enriquecimento, com originalidade e
envolvimento nas produções da sala de recursos. Como podemos perceber, todo esse
processo é registrado ao longo das atividades e vivências desenvolvidas, por
todos os envolvidos, e sistematizado em um plano de trabalho pedagógico de cada
educando, para ser publicizado entre eles, as escolas
e suas respectivas famílias.
Vale
registrar que, ao longo do processo, alguns educandos encaminhados não
apresentam de forma efetiva as habilidades inicialmente identificadas em sala
de aula, com envolvimento para problematizá-las ou aprofundá-las, como também
não despertam ou se envolvem com outras produções realizadas nas relações
vivenciadas/fomentadas no programa, junto aos pares, professor especializado ou
parceiros.
Alguns
deles não se identificam e deixam o programa; outros se mantêm, mas não são
identificados no Censo Escolar com AH/SD. Partimos do princípio de que, em
outros momentos, eles poderão demonstrar tais características em alguma área de
interesse... ou não. Mas, sem dúvida, as
experiências serão um ganho em suas vidas. Vimos no processo, dinamismo
constituído de intensas relações, vivências, trocas e percepções, com idas e
vindas em diferentes espaços-tempos, instituindo relações fenomenologicamente
existenciais.
Apresentados
os contextos de atendimento, de acordo com as diretrizes operacionais
municipais, e com o intuito da apresentação do entrelaçamento entre
instrumentos da fenomenologia e sua contribuição ao professor especializado,
resgatamos a fala de uma das professoras (expressa em um dos encontros)
indicando que, o professor do AEE, nos atendimentos iniciais com seu educando é
constituído de ideias preconcebidas acerca deste.
A partir
do relato, destacamos a importância do registro dia a dia, sobretudo nos
primeiros contatos com os educandos. Esse é um procedimento necessário para
realização de uma epoché/redução
fenomenológica. Ou seja: o afastamento existencial diante da experiência
visualizada para perceber o fenômeno como ele é.
Neste
sentido, indicamos o uso do Diário de Campo, no qual o professor
especializado registrará, de forma detalhada, os comportamentos, gestos,
olhares do educando do AEE, para descrever as vivências, sem qualquer emissão
interpretativa, procurando evidenciar o “desenho” do que se observa, num sublinhamento diante aos diversos acontecimentos
concomitantes.
Dessa
forma, o instrumento alimenta o processo fenomenológico para busca do
dado/registro qualitativo do fenômeno e sua descrição dentro de seu contexto
espaço-temporal. Esses registros possibilitarão a visão do ‘todo’
(HOLANDA, 2003) acerca desses educandos, materializada na avaliação pedagógica
e sistematizada no Plano de Trabalho Pedagógico de cada um deles.
Em
um segundo passo, a partir dos dados descritos pelo professor, para epoché/redução fenomenológica, devem-se realizar
várias leituras, procurando identificar unidades de significado, ou
seja, aquilo que é próprio do sujeito/educando, “a representação mental dos
fenômenos abordados de acordo com as experiências vividas, isto é,
o vivido do sujeito clarificado pela relação” (HOLANDA, 2003, p.61).
Em
outro momento, um professor relata o caso de um educando, com comportamento
introvertido e pouco verbal, encaminhado para o AEE na área de desenho,
derivada de sua habilidade identificada em sala de aula, inicialmente. Contudo,
em seu primeiro encontro, percebeu que ele estava vestido com uma camisa de um
personagem dos quadrinhos.
Com
base na busca de elementos significativos, indicamos a elaboração da Versão
de sentido, que seria o acompanhamento de expressões, de características
peculiares, ou seja, como o educando vê/percebe suas experiências, cabendo ao
professor captar/intuir os sentidos que integram essas experiências. Segundo
Holanda (2003, p.56), “trata-se de uma elaboração entre a linguagem do
depoente, a formulação geral do pesquisador e a subsequente colocação dos
pontos de uma forma geral”.
Assim, a
partir da experiência retratada pelo docente, e na elaboração da Versão do
sentido, é possível elencar que a identificação com personagens expressam muito
sobre nós. Não se trata ali de uma simples camisa, mas um dado que evidencia
possibilidades de conhecer o educando em certas particularidades. Desta forma,
por que não iniciar uma conversa a partir daquele personagem? Seu resultado
será (provavelmente) uma Versão de Sentido.
Um outro
encontro foi sucedido de falas dos professores acerca dos mitos e realidades
imaginárias criadas acerca do aluno com AH/SD. Neste sentido, alguns deles
próprios externaram que também possuíam apriorismos e, que isto gerava
sentimentos de angústia, uma vez que havia um abismo entre o real e o
“esperado”.
Questionando
acerca de suas abordagens iniciais com os educandos, percebemos que eles
traziam consigo repertório diretivo e indutivo a certas respostas. Neste
sentido, apresentamos que na fenomenologia não se pressupõe hipóteses.
Desta
forma, uma pesquisa/intervenção baseada em seus pressupostos deve se iniciar
por comportamentos não-diretivos, sobretudo nos primeiros contatos. Assim, indicamos o uso de conversas informais
não diretivas, tendo como ensejo o conhecimento do educando como ele é.
Exemplificando: Imagine que o educando possui interesse por arte barroca. Para
os professores especializados, abrem-se possibilidades de vivências com o
educando, a partir disso, favorecendo ‘o processo de descoberta de sua própria
humanidade’ (HOLANDA, 2003).
Instrumentos
como estes podem auxiliar aos professores no processo de desvelamento da
essência do fenômeno que, em casos específicos como estes, são as habilidades a
serem desenvolvidas nos educandos a partir de seus interesses de
sentido/existenciais, bem como, a sua identificação a partir de comportamentos
que favoreçam a abertura para sua percepção/compreensão.
Apresentadas
algumas das contribuições da fenomenologia ao trabalho do professor
especializado, é necessário destacarmos que a utilização desses procedimentos,
seja na compreensão/desvelamento/identificação dos educandos nas AH/SD, seja
nos projetos de enriquecimento curricular, é propiciadora de aporte teórico potencializador de espaços-tempos orgânicos
[13]
de bem estar.
Por
último, é necessário externar que, nessas relações e trocas de experiências,
desvelam-se as peculiaridades e idiossincrasias de cada educando nas AH/SD e,
dessa forma, favorecidos pelos preceitos do papel da percepção, o professor
especializado pode ser beneficiado nos entrelaçamentos e compreensão de seus
educandos, a partir do olhar sobre o experienciado,
cujo registro de depoimentos e comportamentos alimentará a compreensão eidética
do vivenciado (HOLANDA, 2003).
Considerações Finais
O ingresso no Curso de Mestrado Profissional em Educação, após
anos de uma caminhada no trabalho, construiu minha relação com a Fenomenologia
deslocando-me para caminhos distintos aos usualmente utilizados em minha vida.
Nesse espaço-tempo atual, no qual a pesquisa integra etapa de formação,
volto-me para a realidade profissional sobre a égide compreensiva/
transformadora.
Com a temática das AH/SD, iniciei imersões, com vieses
metodológicos da Fenomenologia, em autores que a compreendem numa perspectiva
psicológico/educacional, fato que serviu como amparo particular para uma
psicóloga/professora/assessora que vem atuando na área da educação. Assim,
beber nessas fontes ofertou novos sentidos ao meu projeto de pesquisa e me
sorveu outros atravessamentos como sujeito
carnal, em um tempo e espaço no mundo
humano, marcando o meu existir.
Desde então, o projeto deixou de ser o ser eu-no mundo para se transformar
em ser o ser com-no
mundo. Ou seja, promoveu outros encontros/relações e agregou novos
atores/seres, propiciando vivências e experiências, com o intuito de elaborar
ciência, definida como conjunto de proposições na experiência imediata com o
outro.
Desta forma, este artigo é consequência de minha incursão pela
fenomenologia, que atualmente transponho para minhas práticas pedagógicas. É a
partir desse sentimento que percebo a necessidade da compreensão dos educandos
em aspectos multidimensionais; numa demonstração de que é necessário
entendê-los qualitativamente como indivíduos, em suas particularidades, pois
apenas uma atitude aberta por parte dos educadores pode favorecer a inclusão
escolar.
Neste sentido, acreditamos ter alcançado nosso objetivo neste
trabalho, em que, apresentamos contribuições do método fenomenológico para o
professor do AEE nas AH/SD, em diálogos vivenciais e teórico-metodológicos,
constituindo-se no desvelamento da experiência fenomenológica eidética,
encarnada e desnudada a partir da expressão do vivido.
Em termos de prospectivas futuras, pretendemos fomentar outras
formações que possam possibilitar o conhecimento do professor dos instrumentos
e práticas do método fenomenológico para identificação de AH/SD, e desta forma,
desvelar possibilidades interventivas desconstrutoras
de modelos cognitivistas tão arraigados à área.
Baseado nesses preceitos, o trabalho do professor especializado
com educandos nas AH/SD, enriquece-se com infinitas possibilidades de
existir-no-mundo, uma vez que, para saber quem se é, precisa-se, de certo modo,
saber onde se está e com quem se encontra, pois a identidade de cada um está
implicada/imbricada nos acontecimentos que ele vivencia.
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Correspondência
Maria Amelia
Barcellos Fraga – Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando
Ferrari, 514 - Goiabeiras, Vitória. CEP: 29075-910. Vitória,
Espírito Santo, Brasil.
1 Com elementos integrantes de meu projeto de pesquisa
2 O conceito de unidimensionalidade,
no contexto deste estudo, é considerado como uma visão limitada do fenômeno da
inteligência, associado ao conceito de QI, que provém de instrumento
padronizado para se dimensionar a inteligência unicamente por meio de testes
psicológicos.
3 A concepção de multidimensionalidade considera mais de
uma dimensão para se observar o fenômeno da inteligência e envolve aspectos
biológicos, psicológicos, emocionais, sociais, históricos e culturais.
4 Quociente Intelectual (QI) trata-se de uma unidade de
medida da inteligência também chamada de Stanford-Binet Intelligence
Scale. Consta que, em 1904, o governo francês
solicitou a Binet que criasse um instrumento que pudesse prever se crianças
teriam sucesso nas escolas francesas. O instrumento
criado deu origem ao primeiro teste de QI (GAMA, apud RANGNI; COSTA, 2011, p.
2).
5 O relato está fundamentado a partir da experiência de
mestranda sob a supervisão do orientador, como parte integrante do projeto de
pesquisa, portanto algumas narrativas estão descritas na 1ª pessoa do singular.
6 Centro de Formação e Recursos (CAP, CAS e NAAHS) -
Portal do MEC. (Disponível em: portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17437.
Acesso em: 21 abr. 2018).
7 O Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento
(CEDET) é um centro de Educação Especial de reconhecimento internacional. Foi
idealizado em 1992, na cidade de Lavras (MG) pela educadora Zenita
Guenther, como um espaço físico e social estruturado
para a dinamização da metodologia CEDET.
8 Realizada a terceira turma para professores de sala
comum, pedagogos, coordenadores, diretores e convidados.
9 Realizada a terceira edição, aberta aos concludentes do
curso, comunidades escolares e convidados.
10 Realizada a segunda edição, envolvendo os educandos, as
famílias, professores especializados e convidados.
11 Concepção com ênfase na cognição, no ato de conhecer;
estuda os processos mentais, ou seja, como o ser humano conhece o mundo.
12 Biológico, psicológico e sociocultural.
13 Que estão em transformação de acordo com as
necessidades.
Revista Educação
Especial | v. 32 | 2019 – Santa Maria
Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial
[1] Com elementos integrantes de meu projeto de pesquisa
2 O conceito de unidimensionalidade, no contexto deste estudo, é considerado como uma visão limitada do fenômeno da inteligência, associado ao conceito de QI, que provém de instrumento padronizado para se dimensionar a inteligência unicamente por meio de testes psicológicos.
[3] A concepção de multidimensionalidade considera mais de uma dimensão para se observar o fenômeno da inteligência e envolve aspectos biológicos, psicológicos, emocionais, sociais, históricos e culturais.
[4] Quociente Intelectual (QI) trata-se
de uma unidade de medida da inteligência também chamada de Stanford-Binet Intelligence Scale. Consta que,
em 1904, o governo francês solicitou a
Binet que criasse um instrumento que pudesse prever se crianças teriam sucesso nas escolas francesas. O instrumento criado
deu origem ao primeiro teste de QI (GAMA, apud RANGNI; COSTA, 2011, p. 2).
[5] O relato está fundamentado a partir
da experiência de mestranda sob a supervisão do orientador, como parte
integrante do projeto de pesquisa, portanto algumas narrativas estão descritas
na 1ª pessoa do singular.
[6] Centro de Formação e Recursos (CAP,
CAS e NAAHS) - Portal do MEC. (Disponível em:
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17437.
Acesso em: 21 abr.
2018).
[7] O Centro para Desenvolvimento do
Potencial e Talento (CEDET) é um centro de
Educação Especial de
reconhecimento internacional. Foi idealizado em 1992, na cidade de Lavras (MG)
pela educadora Zenita Guenther,
como um espaço físico e social estruturado para a dinamização da metodologia
CEDET. (Disponível em: map.reevo.org/reports/view/810?l=pt_PT.
Acesso em: 21 abr. 2018
[8] Realizada a terceira turma para
professores de sala comum, pedagogos, coordenadores, diretores e convidados.
[9] Realizada a terceira edição, aberta
aos concludentes do curso, comunidades escolares e convidados.
[10] Realizada a segunda edição,
envolvendo os educandos, as famílias, professores especializados e convidados.
[11] Concepção com ênfase na cognição, no
ato de conhecer; estuda os processos mentais, ou seja, como o ser humano
conhece o mundo.
[12] Biológico, psicológico e
sociocultural.
[13] Que estão em transformação de acordo com as necessidades.