http://dx.doi.org/10.5902/1984686X31781

 

Educação inclusiva: um diálogo com a Educação Básica a partir do Ciclo de Políticas

Inclusive Education: a dialogue with Basic Education stemmed from the Policy Cycle

Educación inclusiva: un diálogo con la Educación Básica a partir del Ciclo de Políticas

 

* Priscila Pacheco

Mestranda pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná, Brasil.

pryscillap@hotmail.com – https://orcid.org/0000-0003-1176-2345

 

** Elisandra Aparecida Czekalski

 Mestranda Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná, Brasil. elisandra_czk@hotmail.com – http://orcid.org/0000-0002-4631-019X

 

*** Khaled Omar Mohamad El Tassa

Professor doutor pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná, Brasil.

khaled@unicentro.br

 

**** Gilmar de Carvalho Cruz

Professor doutor pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná, Brasil.

gilmailcruz@gmail.com

 

Recebido em 23 de março de 2018

Aprovado em 22 de outubro de 2018

Publicado em 06 de maio de 2019

 

RESUMO

O discurso sobre uma educação de qualidade para todos tem sido objeto de preocupação no âmbito político, acadêmico, de organizações não-governamentais e de diversos outros campos. Essas discussões vêm refletindo historicamente na produção de um número significativo de aparatos legais que legislam sobre a Educação Especial e Inclusiva. O objetivo deste estudo é discutir, a partir da abordagem do Ciclo de Políticas, as concepções de profissionais da Educação Básica a respeito da inclusão escolar, partindo dos resultados obtidos através de um encontro organizado por meio de grupo focal. Para isto, restringimos o estudo ao contexto da prática, que nos indica que as concepções dos profissionais a respeito da inclusão estão fortemente relacionadas com as barreiras ou obstáculos que se colocam para sua efetivação no ambiente escolar. As vozes dos docentes estão carregadas de uma certa angústia, pela não efetivação de uma Educação que inclua a todos no processo de ensino-aprendizagem. Em vista disto, esses discursos explicitam as justificativas para a não inclusão, através da exaltação dos obstáculos que permeiam suas práticas.

Palavras-chave: Educação inclusiva; Educação básica; Políticas públicas.

ABSTRACT

The discussion about quality education for all has been the subject of concern in political, academic, non-governmental organizations and in several other fields. These discussions have been historically reflecting in the production of a significant number of legal devices that legislate on Special and Inclusive Education. The objective of this study is to present and discuss, stemmed from the Policy Cycle approach, the conceptions of Basic Education professionals, regarding to the inclusion, steaming from the results obtained through a meeting organized through a focus group. In order to do this, we restricted the study to the context of practice, which indicates that the professionals' conceptions regarding to inclusion are strongly related to the barriers or the obstacles that emerge against their effectiveness in the school environment. The voices of the teachers are loaded with a certain anguish, for the failure to carry out an Education that includes everyone in the teaching-learning process. In view of this, these discourses explain the justifications for non-inclusion, by exalting the obstacles that permeate their practices.

Keywords: Inclusive education; Basic education; Public policies.

 

RESUMEN

El discurso acerca de la educación de calidad para todos ha sido objeto de preocupación en el ámbito político, académico, de organizaciones no gubernamentales y de diversos campos otros. Estas discusiones reflejan, históricamente, en la producción de un número significativo de aparatos legales que legislan acerca de la Educación Especial e Inclusiva. El objetivo de esta investigación es discutir, a partir del abordaje del Ciclo de Políticas, las concepciones de los profesionales de la Educación Básica respecto a la inclusión escolar, teniendo como punto de partida los resultados obtenidos por medio de un encuentro organizado por medio de grupo focal. Para esto, restringimos la investigación al contexto de la práctica, que nos indica que las concepciones de los profesionales respecto a la inclusión están fuertemente relacionadas a las barreras u obstáculos que se ponen para su efectuación en el ambiente escolar. Las voces de los docentes están cargadas de cierto tono de angustia, por la no efectuación de una Educación que incluya a todos en el proceso de enseñanza-aprendizaje. Teniendo esto en vista, estos discursos explicitan las justificativas para la no inclusión, a través de la exaltación de los obstáculos que permean sus prácticas.  

Palabras clave: Educación inclusiva; Educación básica; Políticas públicas.

Palavras Iniciais

Principalmente a partir da década de 90, observamos que o movimento de inclusão escolar ganhou maior espaço nos debates acadêmicos e nos discursos políticos, especialmente em decorrência da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade (1994), que resultou na Declaração de Salamanca (1994). Esse documento expressa as orientações para a realização de ações em âmbito regional, nacional e internacional, e se configura como importante marco da Filosofia da Educação Inclusiva (MENDES, 2006).

Deste modo, é necessário observar que a inclusão escolar não é um movimento isolado e descontextualizado, mas vem se constituindo, conforme aponta Mendes (2006), a partir de um movimento mundial de inclusão social, que defende a equiparação de oportunidades para todos e o reconhecimento político das diferenças.

Destarte, a inclusão escolar necessita ser compreendida como um princípio e um processo permanente e contínuo, e não apenas como resultado de uma ordenação legal que define as datas que determinam quando as escolas passarão a ter o status de inclusivas (CARVALHO, 2005).

Observamos, com isto, que a discussão em torno de uma Educação de qualidade para todos não é algo novo, já há algum tempo tem estado presente nos discursos legais. Isto vem resultando, historicamente, em um número significativo de aparatos que regem a Educação Especial e Inclusiva.

Nos ambientes escolares, observamos alguns obstáculos que se colocam frente à Educação Inclusiva, que são revelados pelos profissionais que atuam nas instituições escolares. Tais obstáculos vão desde recursos materiais e pedagógicos, formação docente, e a necessidade de políticas públicas efetivas. Todavia, devemos olhar com cautela para essas questões, para que não realizemos uma análise superficial e imprecisa sobre a relação entre as políticas educacionais e o contexto da prática. 

Um referencial teórico-metodológico que têm auxiliado neste sentido é a abordagem do Ciclo de Políticas (BOWE et al., 1992; BALL, 1994), que oferece análise crítica e ampliada da política educacional, por intermédio do estudo de cinco contextos: contexto de influência; contexto da produção de texto; contexto da prática; contexto dos resultados/efeitos; contexto de estratégia política. Os contextos segundo Mainardes (2006), são interdependentes e não apresentam uma dimensão temporal ou sequencial, se configuram em etapas não lineares, as quais envolvem embates e disputas de interesses entre diferentes grupos.

O contexto de influência é o espaço no qual os conceitos ganham autenticidade e formam a base para a política. Ainda neste espaço as políticas são apresentadas e os discursos políticos são construídos, o que contribui para que grupos de interesses disputem o poder de influenciar na definição das finalidades sociais da educação. Conforme Lopes e Macedo (2011), esse contexto é compreendido como a arena de início das políticas públicas, visto que é nela que os conceitos centrais das políticas são reconhecidos, assim como são criados os discursos e terminologias que objetivam legitimar a intervenção.

Em 1994, Ball acrescentou mais dois contextos: contexto dos resultados/efeitos, que é uma extensão do contexto da prática e refere-se a análise dos impactos e interações de justiça, igualdade e liberdade, com as formas de desigualdade e injustiças; e o contexto da estratégia política, que faz parte do contexto de influência e relaciona-se às formas de contestar as desigualdades e injustiças criadas ou mantidas pelas políticas. (MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011).

A representação da política, por meio de textos legais oficiais, comentários formais ou informais, pronunciamentos, vídeos e outros, ocorre no contexto de produção de texto, e compreende a materialidade linguística dos discursos apresentados no contexto de influência. Esta materialidade representa o resultado dos embates e dos acordos políticos fixados para o desenvolvimento de uma política pública (MAINARDES, 2006).

Os textos políticos são compreendidos como texto de ação, assim as respostas a eles têm consequências reais, que são experienciadas no contexto da prática.  O espaço da prática é onde a política é interpretada e recriada, conforme as concepções dos sujeitos. Configura-se em interpretações diferentes daquelas dos sujeitos envolvidos na elaboração inicial da política e podem representar mudanças ou transformações, dada a pluralidade de leitores e de condições e interpretações distintas.

Essa abordagem contribui para a análise das dificuldades relatadas pelos profissionais em implementar as políticas de Educação Inclusiva, pois, conforme Ball, Maguire e Braun (2016), as políticas não são simplesmente implementadas, mas decodificadas, interpretadas e recriadas de modos diferentes em cada espaço escolar.

Nesse sentido, objetivou-se no presente estudo discutir, a partir da abordagem do Ciclo de Políticas, as concepções de profissionais da Educação Básica a respeito da inclusão escolar. Delimitamos a referida discussão ao contexto da prática, compreendido como aquele onde a política é interpretada e recriada, de acordo com as concepções dos atores. Resulta em variadas interpretações que se diferem dos sujeitos envolvidos na elaboração inicial da política e, deste modo, podem ocasionar variações na política originária (MAINARDES, 2006).           

É fundamental ressaltar, que não se trata de desconsiderar a importância dos demais contextos apontados pela abordagem do ciclo de políticas, mas este recorte é necessário dado os limites desta discussão, no entanto, nada impede que futuramente esta discussão seja retomada, para abarcar os demais contextos de forma inter-relacionada.

O caminho para construção do diálogo

Para a realização da pesquisa, optamos pela utilização da técnica de Grupo Focal, por se tratar, de acordo com Morgan (1997, apud FIORINI; MANZINI, 2014), de uma forma de entrevista que ocorre em grupo, porém, sem uma alternância entre perguntas do pesquisador e respostas dos participantes. De outro modo, exige a interação dentro do grupo, que deve ser direcionada por questões trazidas pelo pesquisador. 

O grupo focal esteve restrito, para fins desta análise, a apenas um encontro, organizado no primeiro semestre letivo de 2017, com professores e pedagogos que atuam na Educação Básica em Rio Azul – PR. O encontro foi coordenado por duas pesquisadoras, através de planejamento estruturado antecipadamente.

O encontro teve a duração de aproximadamente uma hora e, com a finalidade de reunir as informações, o diálogo foi gravado, assim como anotações foram feitas ao longo do encontro, no qual os participantes estavam organizados em círculo. A gravação foi iniciada com a autorização de todos e finalizada ao término do diálogo. Em seguida, a transcrição do arquivo de áudio foi realizada na íntegra. Para facilitar a identificação dos participantes, atribuímos códigos (P1, P2, P3, P4 e P5).

Após a autorização para a gravação, iniciamos o diálogo com a apresentação de todos os participantes, explicitando o nome, formação inicial e continuada, e o tempo de atuação com a Educação e/ou Educação Especial. Desta forma, caracterizamos os participantes conforme o quadro abaixo.

Quadro 1 – Caracterização dos participantes

 

 

PARTICIPANTES

FORMAÇÃO

ESFERA DE ATUAÇÃO

TEMPO DE ATUAÇÃO

Licenciatura seguida de Pós-Graduação lato sensu

Ensino Médio na modalidade normal (Magistério)

Colégio Estadual

Escola Municipal

Até 5 anos

Entre 9 e 15 anos

P1

X (História)

 

X

 

 

X

P2

X (Matemática)

 

X

 

 

X

P3

X (Pedagogia)

 

X

 

X

 

P4

X (Pedagogia)

 

X

X

 

X

P5

 

X

 

X

X

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para motivar as discussões, foram lançados alguns temas disparadores relacionados à Educação Inclusiva, com a finalidade de estimular a participação de todos os profissionais. As questões foram elaboradas tendo como objetivos: compreender o conceito dos professores sobre a inclusão; conhecer o cenário atual da escola de atuação no que se refere à inclusão escolar; saber se existem debates/discussões sobre a inclusão na instituição; verificar qual a contribuição individual dos professores para a inclusão de seus alunos.

Porém, para fins desta discussão, priorizaremos a compreensão sobre inclusão escolar explicitada nos discursos dos professores. Observamos ainda, nas falas dos participantes, que a concepção deles está diretamente relacionada com a prática da inclusão, pois se referem constantemente a obstáculos e/ou barreiras que se colocam para a efetivação do processo.

As concepções sobre a inclusão escolar subjacentes no diálogo: análise e discussão

A abordagem do ciclo de políticas oportuniza reconhecer que no contexto da prática, as políticas são colocadas em ação de modos distintos, e resultam em uma variedade de interpretações e tradução dos textos legais. Estas realizadas por uma pluralidade de leitores, conforme podemos evidenciar com as falas dos participantes, a respeito de suas concepções sobre a inclusão.

Esta interpretação/tradução ativa que ocorre na vivência da prática, é realizada pelos diferentes atores sociais de maneira não-neutra e permeada por teias de relações sociais e de poder (FOUCAULT, 2011), que configuram a realidade escolar. Além disso, estes atores não são meros receptores das políticas, pois sua cultura profissional, ou seja, seus valores, compromissos e experiências, influenciam em suas leituras e ações.

A partir das concepções trazidas pelos professores, a inclusão é entendida como uma educação que garanta, aos alunos, um ensino de qualidade e que atenda a suas especificidades. Conforme aponta um participante, deve ocorrer

[...] de uma forma consciente e responsável, não de uma forma radical, porque, como eu trabalhei na APAE, vejo que muitos casos, muitas deficiências, não têm como incluir esses alunos aqui (referindo-se à escola regular), lá tem uma equipe multidisciplinar, que pode atender esses alunos. É psicólogo, tem fisioterapeuta, enfim, que podem dar uma assistência maior para esses alunos, que eles não precisam necessariamente só da área educacional, e aqui nós não temos esse respaldo todo pra atender esses alunos (P1)[1].

A forma consciente e responsável, no sentido amplo, diz respeito a sua maneira de ser e estar na sociedade de que fazem parte e, além disso, de serem aceitos e respeitados naquilo que os diferencia dos outros. O contexto educacional está relacionado a defender o direito de todos os alunos desenvolverem e concretizarem suas potencialidades, bem como de se apropriarem de conhecimentos que lhes permitam exercer seus direitos, através de uma educação que considera suas necessidades, interesses e características. A inclusão deve ser compreendida como um movimento complexo, que extrapola a esfera educacional, sendo estendida para além das esferas sociais e políticas (FREIRE, 2008).

Para Minetto (2008), falar de inclusão é, ao mesmo tempo, discutir um propósito muito abarcante, uma caminhada que propiciará, aos professores, o direito de construir e expandir suas habilidades como sujeitos e profissionais. Inclusão no sentido amplo é o direito do professor receber apoio e oportunidades para o seu desenvolvimento profissional e, também, o direito da família de esperar que seus filhos recebam uma educação adequada.

Quando a gente fala em inclusão, a gente tá falando de um número grande de várias condições dos alunos, e um é diferente do outro [...]. Então, cada situação vai ter uma avaliação e um direcionamento diferente. Eu não posso dizer: - Inclusão, ah ... vamos pôr todo mundo lá, faz tudo igual e vai dar tudo certo [...]” (P4).

Portanto, a inclusão demanda mobilização de toda a comunidade escolar, em seus diversos âmbitos. Conforme Stainback e Stainback (1999), a inclusão é uma consciência de comunidade, uma aceitação das diferenças e uma corresponsabilização para obviar as necessidades de outros, ou seja, pressupõe uma consciência coletiva.

Neste viés, pudemos observar que as concepções sobre inclusão escolar explicitadas pelos professores estão fortemente relacionadas às dificuldades ou obstáculos encontrados nesse processo, os quais caracterizamos como: suporte, distanciamento teoria-prática, e resistência[2].

Quadro 2 – Obstáculos no processo de inclusão: suporte

PARTICIPANTES

EXPRESSÃO UTILIZADA

P3

[...] como é o caso do aluno que tem autismo e o aluno surdo, por exemplo, o professor, ele precisa daquela ponte [...], [...] caso da surdez, o professor não domina a LIBRAS, então ele vai precisar desse professor de suporte para que ele consiga, inclusive, se comunicar com o aluno.

P4

[...] não adianta eu colocar o aluno na sala da professora e falar: - oh, ele tem a síndrome, o transtorno, e não dar, para ela, nenhum tipo de suporte.

P5

[...] eu não tenho nenhum suporte, eu tento pesquisar, mas não sei também qual fonte que é segura, então eu não tenho nenhum suporte pra colocar ele [...], não sei se é por ser uma escola rural, por ser Educação Infantil, mas é muito vago, esse suporte com a criança e para o profissional da escola toda [...].

Fonte: Elaborado pelos autores.

Consideramos que o suporte foi o principal obstáculo apresentado nos relatos dos profissionais, e que se configura, principalmente, através da necessidade de políticas públicas efetivas, conforme explicitado pelos participantes.

 É importante considerar que, no âmbito federal, os princípios inclusivos são encontrados nos discursos legais, especialmente a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que explicita, em seu artigo 277, parágrafo 1º, inciso I:

[...] criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação (BRASIL, 1988).

A legislação brasileira vem demostrando, historicamente, grande variedade de aparatos legais[3] que objetivam direcionar as ações inclusivas. Entretanto, o discurso em torno da necessidade de políticas públicas inclusivas ainda é muito frequente entre os profissionais, como podemos observar

Eu acredito que, apesar da gente conseguir, hoje, esse atendimento [...] de alguns alunos, [...], do aluno autista, de alunos surdos, eu acredito que há uma necessidade de política pública que garanta esse atendimento de uma forma satisfatória. [...] eu acredito que deve ter a questão da política pública, só que isso vem desde a formação do profissional, e depois continua impactando na escola, por exemplo, que sejam regulamentadas as leis que garantam esse acesso do aluno, de forma satisfatória, não só que ele seja inserido na escola, porque é dessa forma que é feito, ele é inserido na escola, ele não é incluído (P3).

Na maioria das vezes, os aparatos legais apresentam prescrições sobre variadas questões: acessibilidade, flexibilização do currículo, suporte para professores e alunos, entre outros (como exemplo, podemos citar as instruções normativas do Estado do Paraná: nº016/2011 - S.R.M; nº01/2016 - P.A.E.E; 08/2016 - S.R.M/surdez, e outras).

Porém, a política não pode ser vista somente nos termos de normativas e prescrições que são voltadas à prática local ou nacional. Os outros momentos, como a atividade política de negociação, de coalizões, assim como as vozes de todos que participam das políticas educacionais (professores, estudantes, etc.) também fazem parte do universo complexo das políticas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016).

Deste modo, não podemos compreender o sentido de política de forma superficial, mas como

[...] um processo, tão diverso e repetidamente contestado e/ou sujeito a diferentes “interpretações” conforme é encenado (colocado em cena, em atuação) (ao invés de implementado) de maneiras originais e criativas dentro das instituições e das salas de aula [...] (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 13, grifos dos autores).

Além disso, é importante mencionar que as políticas educacionais não dizem precisamente “o que” fazer, visto que são elaboradas de modo que as ações das escolas, assim como dos educadores, são moderadas. E converter políticas em práticas é um processo complexo, pois as políticas são e estão “codificadas” em textos e documentos legais e, quando chegam às escolas, são “decodificadas”, interpretadas e recriadas de diferentes formas, tendo em vista as características próprias de cada espaço escolar (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016).

O distanciamento teoria-prática também foi citado pelos professores, quando questionados sobre as compreensões de inclusão, conforme observamos nos relatos:

 

Quadro 3 – Obstáculos no processo de inclusão escolar: distanciamento teoria-prática

PARTICIPANTES

EXPRESSÃO UTILIZADA

P2

Então, existe a teoria, e eu tenho conhecimento da teoria, mas como que eu vou chegar com essa teoria dentro da sala? Como que a gente vai agir? Eu acho que falta uma ligação [...], é um distanciamento muito grande entre a teoria que existe, toda essa parte teórica que existe, e o agir. A teoria a gente conhece, a teoria está disponível, e como você vai chegar aqui?

P3

Eu tenho que pegar o pouco conhecimento que eu tenho, teórico, do magistério, e até mesmo Educação Especial. Eu tive um dia, dois, de estágio na APAE [...]. Eu achava que não iria acontecer comigo, [...] a gente sempre achava que não precisa melhorar, até ter uma criança ali, precisando de uma ajuda diferenciada e você pensar: - poxa, o que que eu fiz todo esse tempo que eu não melhorei, eu não fiz algo a mais na minha formação, tenho que correr atrás do prejuízo para dar conta e ajudar aquela criança no que ela precisa.

P4

Aí você precisa de um apoio, o Núcleo vinha e trazia para você uma apostila de LIBRAS, o que que você vai fazer com uma apostila de LIBRAS? Eu não faço o trabalho sozinha, da inclusão.

Fonte: Elaborado pelos autores.

A relação teoria-prática explicitada também está relacionada, especialmente, com a formação inicial do professor. Neste sentido, faz-se necessário considerar a deficiência dos cursos de licenciatura, principalmente em relação à educação inclusiva. Conforme apontam Cruz e Glat (2014), a Universidade está atrasada no reconhecimento de que as escolas de Educação Básica estão recebendo alunos com condições peculiares de aprendizagem, e que esse descompasso contribui, de certa forma, para práticas pedagógicas excludentes. Mesmo sendo ela responsável pela formação dos professores da Educação Básica, em muitos casos, mostra-se como uma torre de marfim, insensível aos problemas do mundo (SANTOS, 1999).

De acordo com Pimenta (2010, p. 92), a oposição entre teoria e prática se mostra de variadas formas,

A teoria se vê a si mesma como tão onipotente em suas relações com a realidade que se concebe como práxis, onde a prática é considerada mera aplicação ou degradação de teoria. A teoria se coloca como autônoma e não reconhece na práxis possibilidade de enriquecimento de si mesmo. (PIMENTA 2010, p. 92)

Em alguns casos, a prática é concebida com primazia sobre a teoria. Porém, existe uma oposição relativa e não absoluta, como afirma Vásquez (1977), que está relacionada à autonomia e dependência. Ou seja, a atividade prática, que é a fonte da teoria, necessita de uma prática ainda inexistente; e a teoria, enquanto projeto, define a prática real e efetiva. Isto ocorre em um processo contínuo, pois “a teoria que ainda não está em relação com a prática, porque se adianta a ela, poderá ter essa relação posteriormente – nova teoria, a partir de nova prática e assim por diante” (PIMENTA, 2010, p. 92-93,).

Também se faz necessário repensar a finalidade educativa da escola e do papel do professor, que não deve se restringir apenas em uma transmissão metódica do conhecimento, mas que é produzida, também, na construção e reconstrução da prática, tendo os fundamentos teóricos como relação. Talvez repensar sobre o papel da escola, como na visão de Young (2007), que seria o de promover a igualdade social através do conhecimento poderoso; ou seja, um conhecimento que seja útil para que os alunos possam ser capazes de caminhar intelectualmente, e que possibilite a eles transcenderem sua condição atual.

É necessário que haja compreensão de que teoria e prática constituem-se em um todo unívoco, conforme explicita Vásquez (1977), compreendido como um percurso complexo em que, muitas vezes, se passa da prática à teoria e em outras desta à prática.      

O último obstáculo explicitado nos relatos dos participantes, para a efetivação da inclusão, é a resistência de alguns profissionais, que consideram que alunos com algum tipo de deficiência e/ou transtorno devem ser atendidos em escolas especiais, visto que tiram o direito dos outros alunos de aprenderem.

Quadro 4 - Obstáculos no processo de inclusão escolar: resistência

PARTICIPANTES

EXPRESSÃO UTILIZADA

P1

[...] eu, que trabalho com a Sala de Recursos, percebo que tem muitos professores que não querem trabalhar, fazer um atendimento individualizado com aquele aluno, porque vai perder tempo, e eles já falaram pra mim: mas como que eu vou deixar a turma toda de trinta alunos pra trás, por causa de um que não aprende? Por mim, então, que não aprenda! Eu vou atender os outros trinta! Já falaram isso pra mim, então, é difícil fazer o atendimento. Mas se a pessoa tiver um suporte, ela pode fazer as adaptações curriculares e atender a todos ao mesmo tempo.

Fonte: Elaborado pelos autores.

A resistência de alguns profissionais também contribui para que a inclusão não seja efetivada, de fato, nas escolas e, como podemos observar, ela está articulada com os outros obstáculos apresentados, já que muitos profissionais justificam essa resistência para com a inclusão através da reprodução de discursos de responsabilização e vitimização. O querer incluir é processo de aceitação e de responsabilidade pela inclusão efetiva do aluno especial. Neste sentido, um processo que exige ações do profissional, principalmente em sua prática pedagógica,

E quando o aluno está inserido na rede regular de ensino, nós temos que propiciar a ele a adaptação curricular, que é a adaptação de pequeno porte, no caso na avaliação, dos objetivos, dos conteúdos, na temporalidade, pra que esse aluno possa aprender significativamente. Não adianta a gente só inserir ele e não fazer tudo que é necessário de adequações no currículo. Então, tem que ter os objetivos bem definidos para atender esses alunos, essa demanda (P1).

 

As adaptações curriculares de pequeno porte são ajustes/modificações que podem ser realizadas pelos professores, dentro de suas funções e atribuições formais como, por exemplo, promover os ajustes na utilização do espaço para que todos possam ter acesso ao conhecimento que lhe cabe socializar (ARANHA, 2000). Em outras palavras, são ações que também cabem ao trabalho do professor, já que a inclusão exige mobilização coletiva.

Não se trata de oferecer conteúdos diferentes ao aluno, pelo contrário, “pretende-se com a inclusão que todos os alunos acedam a um mesmo currículo e, para tal, é essencial a criação de condições promotoras de equidade” (FREIRE, 2008, p. 9). Neste sentido, não é mais sobre se a escola consegue dar as respostas aos alunos que apresentam peculiaridades, mas sobre como a escola pode se organizar de forma a dar uma resposta de qualidade a esse aluno. Isto provoca uma grande mudança de concepções e de estrutura, que passa por uma nova forma, não só de conceber a escola, também de conceber a diferença.

É importante ressaltar que não se trata de interpretar a resistência demostrada por parte de alguns profissionais decorrentes de meras questões subjetivas, mas é necessário que se faça uma análise da realidade local e global e de suas influências nas práticas inclusivas ou excludentes. É fundamental, portanto, superar a visão objetivista de que o contexto macrossocial determina o micro, pois estes se conectam a partir das interações dos atores com as políticas, através da autonomia moderado que têm nas escolas e pelo modo como interagem com as políticas educacionais.

Também não se trata apenas de responsabilizar o docente pela não efetivação da política existente, visto que é preciso uma análise de todos os contextos que influenciam na sua implementação (MAINARDES, 2006), análise esta que não realizamos devido aos limites de nossa discussão.

 

Palavras finais

Retomando os questionamentos iniciais deste trabalho, de certo modo, fica claro que os discursos dos professores apontam para os obstáculos que a escola enfrenta para acomodar a inclusão, que são indicados como: recursos materiais e pedagógicos, formação docente, e a necessidade de políticas públicas efetivas.

Isto mostra que esta concepção está relacionada com certa angústia, pela não efetivação de uma Educação que inclua a todos no processo de ensino-aprendizagem. Em vista disto, esses discursos explicitam as justificativas para a não inclusão, através da exaltação dos obstáculos que permeiam suas práticas.

As discussões sobre a Educação Inclusiva, no ambiente escolar ou fora dele, são constantemente remetidas a esses obstáculos e/ou barreiras que dificultam o processo de inclusão. Talvez essa relação que se estabelece nas falas dos atores educacionais possa ser compreendida tomando emprestada a discussão proposta por Bachelard (1996), sobre os obstáculos epistemológicos, na qual afirma que o nosso espírito tem a tendência em julgar como mais óbvia a ideia que utiliza com mais frequência (BERGSON, 1934, apud BACHELARD, 1996).

No entanto, esses obstáculos devem ser analisados em sua complexidade, e não apenas como uma questão de ordem subjetiva, na qual a inteira responsabilidade é atribuída ao professor e à escola. Para não incorrermos nesse erro, se faz necessária uma análise ampliada da política educacional, em seus contextos global e local. Desta forma, poderemos compreender as possíveis relações da política com a prática, esta vista como resultado das interpretações ativas feitas pelos atores. Nesse sentido, a abordagem do ciclo de políticas contribui para a ampliação de nossa compreensão do relacionamento entre as dimensões da política e da prática docente em nosso contexto socioeducacional.

O objetivo de tornar a Educação acessível a todos aos alunos, respeitando suas singularidades, como observamos no discurso da maioria dos documentos oficiais que regem a Educação e Educação Inclusiva, esbarra com a rigidez dos tempos, com a propensão à homogeneização e com a necessidade de obter alto desempenho, através de medidas da qualidade. A compreensão da dimensão dessa difícil tarefa pode estar no esforço em construir as capacidades conceituais e reflexivas, bem como suas consequências nas práticas e na formação dos sujeitos, nas suas perspectivas e nas suas trajetórias.

À vista disso, nós, educadores, podemos desenvolver e envolver-nos como um coletivo, através de uma consciência institucional, de escola, avaliando as possibilidades de sucesso e estabelecendo as prioridades e estratégias a serem utilizadas em cada situação. No caso da inclusão, isso é especialmente importante no que se refere às lacunas apresentadas nas tentativas de explicar as políticas formuladas e as práticas implementadas.

Referências

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Correspondência

Priscila Pacheco– Universidade Estadual do Centro-Oeste. PR 153, Km 7 s/n, Riozinho. CEP: 84500-000. Irati, Paraná, Brasil.

 

1 Os relatos dos participantes estarão em itálico.

2 O conceito de resistência utilizado nesta discussão está relacionado como uma força que se opõe à inclusão.

3 Entre esses aparatos podemos citar: LDB 9.394/96, Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na Educação Básica (2001), Decreto 3.956 (Convenção da Guatemala), Plano Nacional da Educação (2001, 2014), Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), Lei Brasileira de Inclusão (2015), entre outros.

 

Revista Educação Especial | v. 32 | 2019 – Santa Maria

Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial



[1] Os relatos dos participantes estarão em itálico.

 

[2] O conceito de resistência utilizado nesta discussão está relacionado como uma força que se opõe à inclusão.

[3] Entre esses aparatos podemos citar: LDB 9.394/96, Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na Educação Básica (2001), Decreto 3.956 (Convenção da Guatemala), Plano Nacional da Educação (2001, 2014), Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), Lei Brasileira de Inclusão (2015), entre outros.