http://dx.doi.org/10.5902/1984686X31781
Educação inclusiva: um diálogo com a Educação Básica a
partir do Ciclo de Políticas
Inclusive Education: a dialogue with Basic Education stemmed from the
Policy Cycle
Educación inclusiva: un diálogo con la Educación Básica a
partir del Ciclo de Políticas
* Priscila
Pacheco
Mestranda
pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná, Brasil.
pryscillap@hotmail.com
– https://orcid.org/0000-0003-1176-2345
** Elisandra
Aparecida Czekalski
Mestranda Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná, Brasil.
elisandra_czk@hotmail.com – http://orcid.org/0000-0002-4631-019X
*** Khaled
Omar Mohamad El Tassa
Professor
doutor pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná,
Brasil.
khaled@unicentro.br
****
Gilmar de Carvalho Cruz
Professor
doutor pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, Paraná,
Brasil.
gilmailcruz@gmail.com
Recebido em 23 de março de 2018
Aprovado em 22 de outubro de 2018
Publicado em 06 de maio de 2019
RESUMO
O discurso sobre uma educação de qualidade para todos tem
sido objeto de preocupação no âmbito político, acadêmico, de organizações
não-governamentais e de diversos outros campos. Essas discussões vêm refletindo
historicamente na produção de um número significativo de aparatos legais que
legislam sobre a Educação Especial e Inclusiva. O objetivo deste estudo é
discutir, a partir da abordagem do Ciclo de Políticas, as concepções de profissionais
da Educação Básica a respeito da inclusão escolar, partindo dos resultados
obtidos através de um encontro organizado por meio de grupo focal. Para isto,
restringimos o estudo ao contexto da prática, que nos indica que as concepções
dos profissionais a respeito da inclusão estão fortemente relacionadas com as
barreiras ou obstáculos que se colocam para sua efetivação no ambiente escolar.
As vozes dos docentes estão carregadas de uma certa angústia, pela não
efetivação de uma Educação que inclua a todos no processo de
ensino-aprendizagem. Em vista disto, esses discursos explicitam as
justificativas para a não inclusão, através da exaltação dos obstáculos que
permeiam suas práticas.
Palavras-chave: Educação
inclusiva; Educação básica; Políticas públicas.
ABSTRACT
The discussion about quality
education for all has been the subject of concern in political, academic,
non-governmental organizations and in several other fields. These discussions
have been historically reflecting in the production of a significant number of
legal devices that legislate on Special and Inclusive Education. The objective
of this study is to present and discuss, stemmed from the Policy Cycle
approach, the conceptions of Basic Education professionals, regarding to the
inclusion, steaming from the results obtained through a meeting organized
through a focus group. In order to do this, we restricted the study to the
context of practice, which indicates that the professionals' conceptions
regarding to inclusion are strongly related to the barriers or the obstacles
that emerge against their effectiveness in the school environment. The voices
of the teachers are loaded with a certain anguish, for the failure to carry out
an Education that includes everyone in the teaching-learning process. In view
of this, these discourses explain the justifications for non-inclusion, by
exalting the obstacles that permeate their practices.
Keywords: Inclusive education; Basic
education; Public policies.
RESUMEN
El discurso acerca de la educación de calidad
para todos ha sido objeto de preocupación en el ámbito político, académico, de
organizaciones no gubernamentales y de diversos campos otros. Estas discusiones
reflejan, históricamente, en la producción de un número significativo de
aparatos legales que legislan acerca de la Educación Especial e Inclusiva. El
objetivo de esta investigación es discutir, a partir del abordaje del Ciclo de
Políticas, las concepciones de los profesionales de la Educación Básica
respecto a la inclusión escolar, teniendo como punto de partida los resultados
obtenidos por medio de un encuentro organizado por medio de grupo focal. Para
esto, restringimos la investigación al contexto de la práctica, que nos indica
que las concepciones de los profesionales respecto a la inclusión están
fuertemente relacionadas a las barreras u obstáculos que se ponen para su
efectuación en el ambiente escolar. Las voces de los docentes están cargadas de
cierto tono de angustia, por la no efectuación de una Educación que incluya a
todos en el proceso de enseñanza-aprendizaje. Teniendo esto en vista, estos
discursos explicitan las justificativas para la no inclusión, a través de la
exaltación de los obstáculos que permean sus prácticas.
Palabras clave: Educación inclusiva; Educación básica; Políticas
públicas.
Palavras Iniciais
Principalmente a partir da década de 90,
observamos que o movimento de inclusão escolar ganhou maior espaço nos debates
acadêmicos e nos discursos políticos, especialmente em decorrência da
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e
Qualidade (1994), que resultou na Declaração de Salamanca (1994). Esse
documento expressa as orientações para a realização de ações em âmbito
regional, nacional e internacional, e se configura como importante marco da
Filosofia da Educação Inclusiva (MENDES, 2006).
Deste modo, é necessário observar que a
inclusão escolar não é um movimento isolado e descontextualizado, mas vem se
constituindo, conforme aponta Mendes (2006), a partir de um movimento mundial
de inclusão social, que defende a equiparação de oportunidades para todos e o
reconhecimento político das diferenças.
Destarte, a inclusão escolar necessita ser
compreendida como um princípio e um processo permanente e contínuo, e não
apenas como resultado de uma ordenação legal que define as datas que determinam
quando as escolas passarão a ter o status de inclusivas (CARVALHO, 2005).
Observamos, com isto, que a discussão em
torno de uma Educação de qualidade para todos não é algo novo, já há algum
tempo tem estado presente nos discursos legais. Isto vem resultando,
historicamente, em um número significativo de aparatos que regem a Educação
Especial e Inclusiva.
Nos ambientes escolares, observamos alguns
obstáculos que se colocam frente à Educação Inclusiva, que são revelados pelos
profissionais que atuam nas instituições escolares. Tais obstáculos vão desde
recursos materiais e pedagógicos, formação docente, e a necessidade de
políticas públicas efetivas. Todavia, devemos olhar com cautela para essas
questões, para que não realizemos uma análise superficial e imprecisa sobre a
relação entre as políticas educacionais e o contexto da prática.
Um referencial teórico-metodológico que têm
auxiliado neste sentido é a abordagem do Ciclo de Políticas (BOWE et al., 1992;
BALL, 1994), que oferece análise crítica e ampliada da política educacional,
por intermédio do estudo de cinco contextos: contexto de influência; contexto
da produção de texto; contexto da prática; contexto dos resultados/efeitos;
contexto de estratégia política. Os contextos segundo Mainardes (2006), são
interdependentes e não apresentam uma dimensão temporal ou sequencial, se
configuram em etapas não lineares, as quais envolvem embates e disputas de
interesses entre diferentes grupos.
O contexto de influência é o espaço no qual
os conceitos ganham autenticidade e formam a base para a política. Ainda neste
espaço as políticas são apresentadas e os discursos políticos são construídos,
o que contribui para que grupos de interesses disputem o poder de influenciar
na definição das finalidades sociais da educação. Conforme Lopes e Macedo
(2011), esse contexto é compreendido como a arena de início das políticas
públicas, visto que é nela que os conceitos centrais das políticas são
reconhecidos, assim como são criados os discursos e terminologias que objetivam
legitimar a intervenção.
Em 1994, Ball acrescentou mais dois
contextos: contexto dos resultados/efeitos, que é uma extensão do contexto da
prática e refere-se a análise dos impactos e interações de justiça, igualdade e
liberdade, com as formas de desigualdade e injustiças; e o contexto da
estratégia política, que faz parte do contexto de influência e relaciona-se às
formas de contestar as desigualdades e injustiças criadas ou mantidas pelas
políticas. (MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011).
A representação da política, por meio de
textos legais oficiais, comentários formais ou informais, pronunciamentos,
vídeos e outros, ocorre no contexto de produção de texto, e compreende a
materialidade linguística dos discursos apresentados no contexto de influência.
Esta materialidade representa o resultado dos embates e dos acordos políticos
fixados para o desenvolvimento de uma política pública (MAINARDES, 2006).
Os textos políticos são compreendidos como
texto de ação, assim as respostas a eles têm consequências reais, que são
experienciadas no contexto da prática. O
espaço da prática é onde a política é interpretada e recriada, conforme as
concepções dos sujeitos. Configura-se em interpretações diferentes daquelas dos
sujeitos envolvidos na elaboração inicial da política e podem representar
mudanças ou transformações, dada a pluralidade de leitores e de condições e
interpretações distintas.
Essa abordagem contribui para a análise das dificuldades relatadas
pelos profissionais em implementar as políticas de Educação Inclusiva, pois,
conforme Ball, Maguire e Braun (2016), as políticas não são simplesmente
implementadas, mas decodificadas, interpretadas e recriadas de modos diferentes
em cada espaço escolar.
Nesse sentido, objetivou-se no presente estudo discutir, a partir
da abordagem do Ciclo de Políticas, as concepções de profissionais da Educação
Básica a respeito da inclusão escolar. Delimitamos a referida discussão ao
contexto da prática, compreendido como aquele onde a política é interpretada e
recriada, de acordo com as concepções dos atores. Resulta em variadas
interpretações que se diferem dos sujeitos envolvidos na elaboração inicial da
política e, deste modo, podem ocasionar variações na política originária
(MAINARDES, 2006).
É fundamental ressaltar, que não se trata de desconsiderar a
importância dos demais contextos apontados pela abordagem do ciclo de
políticas, mas este recorte é necessário dado os limites desta discussão, no
entanto, nada impede que futuramente esta discussão seja retomada, para abarcar
os demais contextos de forma inter-relacionada.
O caminho para
construção do diálogo
Para a realização da
pesquisa, optamos pela utilização da técnica de Grupo Focal, por se tratar, de
acordo com Morgan (1997, apud FIORINI; MANZINI, 2014), de uma forma de
entrevista que ocorre em grupo, porém, sem uma alternância entre perguntas do
pesquisador e respostas dos participantes. De outro modo, exige a interação
dentro do grupo, que deve ser direcionada por questões trazidas pelo
pesquisador.
O grupo focal esteve
restrito, para fins desta análise, a apenas um encontro, organizado no primeiro
semestre letivo de 2017, com professores e pedagogos que atuam na Educação
Básica em Rio Azul – PR. O encontro foi coordenado por duas pesquisadoras,
através de planejamento estruturado antecipadamente.
O encontro teve a
duração de aproximadamente uma hora e, com a finalidade de reunir as
informações, o diálogo foi gravado, assim como anotações foram feitas ao longo
do encontro, no qual os participantes estavam organizados em círculo. A
gravação foi iniciada com a autorização de todos e finalizada ao término do
diálogo. Em seguida, a transcrição do arquivo de áudio foi realizada na
íntegra. Para facilitar a identificação dos participantes, atribuímos códigos
(P1, P2, P3, P4 e P5).
Após a autorização
para a gravação, iniciamos o diálogo com a apresentação de todos os
participantes, explicitando o nome, formação inicial e continuada, e o tempo de
atuação com a Educação e/ou Educação Especial. Desta forma, caracterizamos os
participantes conforme o quadro abaixo.
Quadro 1 – Caracterização
dos participantes
PARTICIPANTES |
FORMAÇÃO |
ESFERA DE ATUAÇÃO |
TEMPO DE ATUAÇÃO |
|||
Licenciatura
seguida de Pós-Graduação lato sensu |
Ensino
Médio na modalidade normal (Magistério) |
Colégio
Estadual |
Escola
Municipal |
Até 5 anos |
Entre 9 e
15 anos |
|
P1 |
X
(História) |
|
X |
|
|
X |
P2 |
X
(Matemática) |
|
X |
|
|
X |
P3 |
X
(Pedagogia) |
|
X |
|
X |
|
P4 |
X
(Pedagogia) |
|
X |
X |
|
X |
P5 |
|
X |
|
X |
X |
|
Fonte: Elaborado pelos
autores.
Para
motivar as discussões, foram lançados alguns temas disparadores relacionados à
Educação Inclusiva, com a finalidade de estimular a participação de todos os
profissionais. As questões foram elaboradas tendo como objetivos: compreender o
conceito dos professores sobre a inclusão; conhecer o cenário atual da escola
de atuação no que se refere à inclusão escolar; saber se existem
debates/discussões sobre a inclusão na instituição; verificar qual a
contribuição individual dos professores para a inclusão de seus alunos.
Porém,
para fins desta discussão, priorizaremos a compreensão sobre inclusão escolar
explicitada nos discursos dos professores. Observamos ainda, nas falas dos
participantes, que a concepção deles está diretamente relacionada com a prática
da inclusão, pois se referem constantemente a obstáculos e/ou barreiras que se
colocam para a efetivação do processo.
As concepções sobre a
inclusão escolar subjacentes no diálogo: análise e discussão
A abordagem do ciclo
de políticas oportuniza reconhecer que no contexto da prática, as políticas são
colocadas em ação de modos distintos, e resultam em uma variedade de
interpretações e tradução dos textos legais. Estas realizadas por uma
pluralidade de leitores, conforme podemos evidenciar com as falas dos participantes,
a respeito de suas concepções sobre a inclusão.
Esta
interpretação/tradução ativa que ocorre na vivência da prática, é realizada
pelos diferentes atores sociais de maneira não-neutra e permeada por teias de
relações sociais e de poder (FOUCAULT, 2011), que configuram a realidade
escolar. Além disso, estes atores não são meros receptores das políticas, pois
sua cultura profissional, ou seja, seus valores, compromissos e experiências,
influenciam em suas leituras e ações.
A partir das
concepções trazidas pelos professores, a inclusão é entendida como uma educação
que garanta, aos alunos, um ensino de qualidade e que atenda a suas
especificidades. Conforme aponta um participante, deve ocorrer
[...]
de uma forma consciente e responsável, não de uma forma radical, porque, como
eu trabalhei na APAE, vejo que muitos casos, muitas deficiências, não têm como
incluir esses alunos aqui (referindo-se à escola regular), lá tem uma equipe
multidisciplinar, que pode atender esses alunos. É psicólogo, tem fisioterapeuta,
enfim, que podem dar uma assistência maior para esses alunos, que eles não
precisam necessariamente só da área educacional, e aqui nós não temos esse
respaldo todo pra atender esses alunos (P1)[1].
A forma consciente e
responsável, no sentido amplo, diz respeito a sua maneira de ser e estar na
sociedade de que fazem parte e, além disso, de serem aceitos e respeitados
naquilo que os diferencia dos outros. O contexto educacional está relacionado a
defender o direito de todos os alunos desenvolverem e concretizarem suas
potencialidades, bem como de se apropriarem de conhecimentos que lhes permitam
exercer seus direitos, através de uma educação que considera suas necessidades,
interesses e características. A inclusão deve ser compreendida como um movimento
complexo, que extrapola a esfera educacional, sendo estendida para além das
esferas sociais e políticas (FREIRE, 2008).
Para Minetto (2008),
falar de inclusão é, ao mesmo tempo, discutir um propósito muito abarcante, uma
caminhada que propiciará, aos professores, o direito de construir e expandir
suas habilidades como sujeitos e profissionais. Inclusão no sentido amplo é o
direito do professor receber apoio e oportunidades para o seu desenvolvimento
profissional e, também, o direito da família de esperar que seus filhos recebam
uma educação adequada.
Quando
a gente fala em inclusão, a gente tá falando de um número grande de várias
condições dos alunos, e um é diferente do outro [...]. Então, cada situação vai
ter uma avaliação e um direcionamento diferente. Eu não posso dizer: -
Inclusão, ah ... vamos pôr todo mundo lá, faz tudo igual e vai dar tudo certo
[...]” (P4).
Portanto, a inclusão demanda mobilização de toda a comunidade escolar,
em seus diversos âmbitos. Conforme Stainback e Stainback (1999), a inclusão é
uma consciência de comunidade, uma aceitação das diferenças e uma
corresponsabilização para obviar as necessidades de outros, ou seja, pressupõe
uma consciência coletiva.
Neste viés, pudemos
observar que as concepções sobre inclusão escolar explicitadas pelos
professores estão fortemente relacionadas às dificuldades ou obstáculos
encontrados nesse processo, os quais caracterizamos como: suporte, distanciamento
teoria-prática, e resistência[2].
Quadro 2 – Obstáculos no
processo de inclusão: suporte
PARTICIPANTES |
EXPRESSÃO UTILIZADA |
P3 |
[...]
como é o caso do aluno que tem autismo e o aluno surdo, por exemplo, o
professor, ele precisa daquela ponte [...], [...] caso da surdez, o professor
não domina a LIBRAS, então ele vai precisar desse professor de suporte para
que ele consiga, inclusive, se comunicar com o aluno. |
P4 |
[...]
não adianta eu colocar o aluno na sala da professora e falar: - oh, ele tem a
síndrome, o transtorno, e não dar, para ela, nenhum tipo de suporte. |
P5 |
[...]
eu não tenho nenhum suporte, eu tento pesquisar, mas não sei também qual
fonte que é segura, então eu não tenho nenhum suporte pra colocar ele [...], não sei se é por ser uma escola rural,
por ser Educação Infantil, mas é muito vago, esse suporte com a criança e
para o profissional da escola toda [...]. |
Fonte: Elaborado pelos
autores.
Consideramos que o
suporte foi o principal obstáculo apresentado nos relatos dos profissionais, e
que se configura, principalmente, através da necessidade de políticas públicas
efetivas, conforme explicitado pelos participantes.
É importante considerar que, no âmbito
federal, os princípios inclusivos são encontrados nos discursos legais,
especialmente a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que
explicita, em seu artigo 277, parágrafo 1º, inciso I:
[...]
criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas
portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração
social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens
e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas
as formas de discriminação (BRASIL, 1988).
A legislação brasileira vem demostrando, historicamente,
grande variedade de aparatos legais[3] que
objetivam direcionar as ações inclusivas. Entretanto, o discurso em torno da
necessidade de políticas públicas inclusivas ainda é muito frequente entre os
profissionais, como podemos observar
Eu
acredito que, apesar da gente conseguir, hoje, esse atendimento [...] de alguns
alunos, [...], do aluno autista, de alunos surdos, eu acredito que há uma
necessidade de política pública que garanta esse atendimento de uma forma
satisfatória. [...] eu acredito que deve ter a questão da política pública, só
que isso vem desde a formação do profissional, e depois continua impactando na
escola, por exemplo, que sejam regulamentadas as leis que garantam esse acesso
do aluno, de forma satisfatória, não só que ele seja inserido na escola, porque
é dessa forma que é feito, ele é inserido na escola, ele não é incluído (P3).
Na maioria das vezes,
os aparatos legais apresentam prescrições sobre variadas questões:
acessibilidade, flexibilização do currículo, suporte para professores e alunos,
entre outros (como exemplo, podemos citar as instruções normativas do Estado do
Paraná: nº016/2011 - S.R.M; nº01/2016 - P.A.E.E; 08/2016 - S.R.M/surdez, e
outras).
Porém, a política não
pode ser vista somente nos termos de normativas e prescrições que são voltadas
à prática local ou nacional. Os outros momentos, como a atividade política de
negociação, de coalizões, assim como as vozes de todos que participam das
políticas educacionais (professores, estudantes, etc.) também fazem parte do
universo complexo das políticas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016).
Deste modo, não
podemos compreender o sentido de política de forma superficial, mas como
[...]
um processo, tão diverso e repetidamente contestado e/ou sujeito a diferentes
“interpretações” conforme é encenado (colocado em cena, em atuação) (ao invés
de implementado) de maneiras originais e criativas dentro das instituições e
das salas de aula [...] (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 13, grifos dos
autores).
Além disso, é
importante mencionar que as políticas educacionais não dizem precisamente “o
que” fazer, visto que são elaboradas de modo que as ações das escolas, assim
como dos educadores, são moderadas. E converter políticas em práticas é um
processo complexo, pois as políticas são e estão “codificadas” em textos e
documentos legais e, quando chegam às escolas, são “decodificadas”,
interpretadas e recriadas de diferentes formas, tendo em vista as
características próprias de cada espaço escolar (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016).
O distanciamento
teoria-prática também foi citado pelos professores, quando questionados sobre
as compreensões de inclusão, conforme observamos nos relatos:
Quadro
3 – Obstáculos no processo de inclusão escolar: distanciamento teoria-prática
PARTICIPANTES |
EXPRESSÃO UTILIZADA |
P2 |
Então, existe a teoria, e eu tenho
conhecimento da teoria, mas como que eu vou chegar com essa teoria dentro da
sala? Como que a gente vai agir? Eu acho que falta uma ligação [...], é um
distanciamento muito grande entre a teoria que existe, toda essa parte
teórica que existe, e o agir. A teoria a gente conhece, a teoria está
disponível, e como você vai chegar aqui? |
P3 |
Eu tenho que pegar o pouco
conhecimento que eu tenho, teórico, do magistério, e até mesmo Educação
Especial. Eu tive um dia, dois, de estágio na APAE [...]. Eu achava que não
iria acontecer comigo, [...] a gente sempre achava que não precisa melhorar,
até ter uma criança ali, precisando de uma ajuda diferenciada e você pensar:
- poxa, o que que eu fiz todo esse tempo que eu não melhorei, eu não fiz algo
a mais na minha formação, tenho que correr
atrás do prejuízo para dar conta e ajudar aquela criança no que ela
precisa. |
P4 |
Aí você precisa de um apoio, o
Núcleo vinha e trazia para você uma apostila de LIBRAS, o que que você vai
fazer com uma apostila de LIBRAS? Eu não faço o trabalho sozinha, da
inclusão. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A relação teoria-prática
explicitada também está relacionada, especialmente, com a formação inicial do
professor. Neste sentido, faz-se necessário considerar a deficiência dos cursos
de licenciatura, principalmente em relação à educação inclusiva. Conforme
apontam Cruz e Glat (2014), a Universidade está atrasada no reconhecimento de
que as escolas de Educação Básica estão recebendo alunos com condições
peculiares de aprendizagem, e que esse descompasso contribui, de certa forma,
para práticas pedagógicas excludentes. Mesmo sendo ela responsável pela
formação dos professores da Educação Básica, em muitos casos, mostra-se como
uma torre de marfim, insensível aos problemas do mundo (SANTOS, 1999).
De acordo com Pimenta (2010, p.
92), a oposição entre teoria e prática se mostra de variadas formas,
A teoria
se vê a si mesma como tão onipotente em suas relações com a realidade que se
concebe como práxis, onde a prática é considerada mera aplicação ou degradação
de teoria. A teoria se coloca como autônoma e não reconhece na práxis
possibilidade de enriquecimento de si mesmo. (PIMENTA 2010, p. 92)
Em alguns casos, a prática é
concebida com primazia sobre a teoria. Porém, existe uma oposição relativa e
não absoluta, como afirma Vásquez (1977), que está relacionada à autonomia e
dependência. Ou seja, a atividade prática, que é a fonte da teoria, necessita
de uma prática ainda inexistente; e a teoria, enquanto projeto, define a
prática real e efetiva. Isto ocorre em um processo contínuo, pois “a teoria que
ainda não está em relação com a prática, porque se adianta a ela, poderá ter
essa relação posteriormente – nova teoria, a partir de nova prática e assim por
diante” (PIMENTA, 2010, p. 92-93,).
Também se faz necessário repensar
a finalidade educativa da escola e do papel do professor, que não deve se
restringir apenas em uma transmissão metódica do conhecimento, mas que é
produzida, também, na construção e reconstrução da prática, tendo os
fundamentos teóricos como relação. Talvez repensar sobre o papel da escola,
como na visão de Young (2007), que seria o de promover a igualdade social
através do conhecimento poderoso; ou seja, um conhecimento que seja útil para
que os alunos possam ser capazes de caminhar intelectualmente, e que
possibilite a eles transcenderem sua condição atual.
É necessário que haja compreensão
de que teoria e prática constituem-se em um todo unívoco, conforme explicita
Vásquez (1977), compreendido como um percurso complexo em que, muitas vezes, se
passa da prática à teoria e em outras desta à prática.
O último obstáculo explicitado
nos relatos dos participantes, para a efetivação da inclusão, é a resistência
de alguns profissionais, que consideram que alunos com algum tipo de
deficiência e/ou transtorno devem ser atendidos em escolas especiais, visto que
tiram o direito dos outros alunos de aprenderem.
Quadro 4 - Obstáculos no processo de inclusão
escolar: resistência
PARTICIPANTES |
EXPRESSÃO
UTILIZADA |
P1 |
[...] eu, que trabalho com a
Sala de Recursos, percebo que tem muitos professores que não querem
trabalhar, fazer um atendimento individualizado com aquele aluno, porque vai perder
tempo, e eles já falaram pra mim: mas como que eu vou deixar a turma toda de
trinta alunos pra trás, por causa de um que não aprende? Por mim, então, que
não aprenda! Eu vou atender os outros trinta! Já falaram isso pra mim, então,
é difícil fazer o atendimento. Mas se a pessoa tiver um suporte, ela pode
fazer as adaptações curriculares e atender a todos ao mesmo tempo. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A resistência de alguns profissionais também contribui para que a
inclusão não seja efetivada, de fato, nas escolas e, como podemos observar, ela
está articulada com os outros obstáculos apresentados, já que muitos
profissionais justificam essa resistência para com a inclusão através da
reprodução de discursos de responsabilização e vitimização. O querer incluir é
processo de aceitação e de responsabilidade pela inclusão efetiva do aluno
especial. Neste sentido, um processo que exige ações do profissional, principalmente
em sua prática pedagógica,
E
quando o aluno está inserido na rede regular de ensino, nós temos que propiciar
a ele a adaptação curricular, que é a adaptação de pequeno porte, no caso na
avaliação, dos objetivos, dos conteúdos, na temporalidade, pra que esse aluno
possa aprender significativamente. Não adianta a gente só inserir ele e não
fazer tudo que é necessário de adequações no currículo. Então, tem que ter os
objetivos bem definidos para atender esses alunos, essa demanda (P1).
As adaptações curriculares de pequeno porte são
ajustes/modificações que podem ser realizadas pelos professores, dentro de suas
funções e atribuições formais como, por exemplo, promover os ajustes na
utilização do espaço para que todos possam ter acesso ao conhecimento que lhe
cabe socializar (ARANHA, 2000). Em outras palavras, são ações que também cabem
ao trabalho do professor, já que a inclusão exige mobilização coletiva.
Não se trata de oferecer conteúdos diferentes ao aluno, pelo
contrário, “pretende-se com a inclusão que todos os alunos acedam a um mesmo
currículo e, para tal, é essencial a criação de condições promotoras de
equidade” (FREIRE, 2008, p. 9). Neste sentido, não é mais sobre se a escola
consegue dar as respostas aos alunos que apresentam peculiaridades, mas sobre
como a escola pode se organizar de forma a dar uma resposta de qualidade a esse
aluno. Isto provoca uma grande mudança de concepções e de estrutura, que passa
por uma nova forma, não só de conceber a escola, também de conceber a diferença.
É importante ressaltar que não se trata de interpretar a
resistência demostrada por parte de alguns profissionais decorrentes de meras
questões subjetivas, mas é necessário que se faça uma análise da realidade
local e global e de suas influências nas práticas inclusivas ou excludentes. É
fundamental, portanto, superar a visão objetivista de que o contexto
macrossocial determina o micro, pois estes se conectam a partir das interações
dos atores com as políticas, através da autonomia moderado que têm nas escolas
e pelo modo como interagem com as políticas educacionais.
Também não se trata apenas de responsabilizar o docente pela não efetivação da política existente, visto
que é preciso uma análise de todos os contextos que influenciam na sua
implementação (MAINARDES, 2006), análise esta que não realizamos devido aos
limites de nossa discussão.
Palavras finais
Retomando os questionamentos
iniciais deste trabalho, de certo modo, fica claro que os discursos dos
professores apontam para os obstáculos que a escola enfrenta para acomodar a
inclusão, que são indicados como: recursos materiais e pedagógicos, formação docente,
e a necessidade de políticas públicas efetivas.
Isto mostra que esta concepção
está relacionada com certa angústia, pela não efetivação de uma Educação que
inclua a todos no processo de ensino-aprendizagem. Em vista disto, esses
discursos explicitam as justificativas para a não inclusão, através da
exaltação dos obstáculos que permeiam suas práticas.
As discussões sobre a Educação
Inclusiva, no ambiente escolar ou fora dele, são constantemente remetidas a
esses obstáculos e/ou barreiras que dificultam o processo de inclusão. Talvez
essa relação que se estabelece nas falas dos atores educacionais possa ser
compreendida tomando emprestada a discussão proposta por Bachelard (1996),
sobre os obstáculos epistemológicos, na qual afirma que o nosso espírito tem a
tendência em julgar como mais óbvia a ideia que utiliza com mais frequência
(BERGSON, 1934, apud BACHELARD, 1996).
No entanto, esses obstáculos
devem ser analisados em sua complexidade, e não apenas como uma questão de
ordem subjetiva, na qual a inteira responsabilidade é atribuída ao professor e
à escola. Para não incorrermos nesse erro, se faz necessária uma análise
ampliada da política educacional, em seus contextos global e local. Desta
forma, poderemos compreender as possíveis relações da política com a prática,
esta vista como resultado das interpretações ativas feitas pelos atores. Nesse
sentido, a abordagem do ciclo de políticas contribui para a ampliação de nossa
compreensão do relacionamento entre as dimensões da política e da prática docente
em nosso contexto socioeducacional.
O objetivo de tornar a Educação
acessível a todos aos alunos, respeitando suas singularidades, como observamos
no discurso da maioria dos documentos oficiais que regem a Educação e Educação
Inclusiva, esbarra com a rigidez dos tempos, com a propensão à homogeneização e
com a necessidade de obter alto desempenho, através de medidas da qualidade. A
compreensão da dimensão dessa difícil tarefa pode estar no esforço em construir
as capacidades conceituais e reflexivas, bem como suas consequências nas
práticas e na formação dos sujeitos, nas suas perspectivas e nas suas
trajetórias.
À vista disso, nós, educadores,
podemos desenvolver e envolver-nos como um coletivo, através de uma consciência
institucional, de escola, avaliando as possibilidades de sucesso e estabelecendo
as prioridades e estratégias a serem utilizadas em cada situação. No caso da
inclusão, isso é especialmente importante no que se refere às lacunas
apresentadas nas tentativas de explicar as políticas formuladas e as práticas implementadas.
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Correspondência
Priscila Pacheco– Universidade
Estadual do Centro-Oeste. PR 153, Km 7 s/n, Riozinho. CEP: 84500-000. Irati,
Paraná, Brasil.
1 Os relatos dos participantes estarão em itálico.
2 O conceito de resistência utilizado nesta discussão está
relacionado como uma força que se opõe à inclusão.
3 Entre esses aparatos podemos citar: LDB 9.394/96,
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Diretrizes Nacionais Para a
Educação Especial na Educação Básica (2001), Decreto 3.956 (Convenção da
Guatemala), Plano Nacional da Educação (2001, 2014), Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), Lei Brasileira
de Inclusão (2015), entre outros.
Revista Educação
Especial | v. 32 | 2019 – Santa Maria
Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial
[1] Os relatos dos participantes estarão
em itálico.
[2] O conceito de resistência utilizado nesta discussão está
relacionado como uma força que se opõe à inclusão.
[3] Entre esses aparatos podemos citar:
LDB 9.394/96, Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Diretrizes Nacionais
Para a Educação Especial na Educação Básica (2001), Decreto 3.956 (Convenção da
Guatemala), Plano Nacional da Educação (2001, 2014), Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), Lei Brasileira
de Inclusão (2015), entre outros.