http://dx.doi.org/10.5902/1984686X24095
Desterritorização e reterritorização: processos
vivenciados por jovens com deficiência intelectual no contexto da inclusão
escolar
Deterritorialization and reterritorialisation: youth in experienced
processes with intellectual disabilities in the context of school inclusion
Desterritorización y
reterritorización: procesos vivenciados por jóvenes con discapacidad
intelectual en el contexto de la inclusión escolar
* Valéria
Becher Trentin
Doutoranda
pela Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, Santa Catarina, Brasil.
valeriatret@yahoo.com.br
Recebido em 21 de setembro de 2017
Aprovado em 24 de outubro de 2018
Publicado em 06 de maio de 2019
RESUMO
Após a promulgação da Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), a inclusão de
pessoas com deficiência na modalidade da Educação de Jovens e Adultos está
ocorrendo de maneira mais acentuada. Mediante essa inclusão, o presente artigo
tem por objetivo compreender os processos de desterrittorização e de
reterritorização, vivenciados por jovens com deficiência intelectual no
contexto da inclusão escolar. De abordagem qualitativa se utilizou como
instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada e, como sujeitos 3
(três) jovens com deficiência intelectual matriculados em um Centro de Educação
de Jovens e Adultos (CEJA), situado no Estado de Santa Catarina. A pesquisa foi
construída com concepções advindas dos estudos territoriais especialmente nos
conceitos de território, desterritorialização e reterritorialização de Deleuze
e Guattari (1995;1997), que propiciaram diálogo com a pesquisa. Constatou-se
que a inclusão possibilitou aos jovens com deficiência intelectual a descoberta
de novos territórios. Nessa descoberta, os jovens vivenciam processos de
desterritorização e reterritorização. Na desterritorização, emergem as linhas
de fuga, perfilhando uma relação entre o desejo e o pensamento, a terra e o território,
em que as experiências vivenciadas na escola especial são acompanhadas pela
reterritorização no CEJA. Por meio destes procesos, os jovens com deficiência
intelectual fazem parte do devir que a inclusão escolar possibilita.
Palavras-chave: Jovens
com deficiência intelectual; Desterritorialização; Reterritorialização.
ABSTRACT
Following the promulgation of the
National Policy on Special Education in the Perspective of Inclusive Education
(BRASIL, 2008), the inclusion of people with disabilities in the modality of
Youth and Adult Education is occurring in a more pronounced way. Through this
inclusion, this article aims to understand the processes of deterritorization
and reterritorization experienced by young people with intellectual
disabilities in the context of school inclusion. From a qualitative approach,
the semi-structured interview was used as a data collection instrument and as
subjects 3 (three) young people with intellectual disabilities enrolled in a
Center for Youth and Adult Education (CEJA), located in the State of Santa
Catarina. The research was constructed with concepts derived from territorial
studies, especially in the concepts of territory, deterritorialization and
reterritorialisation of Deleuze and Guattari (1995, 1997), who provided a
dialogue with the research. It was found that inclusion made it possible for
young people with intellectual disabilities to discover new territories. In
this discovery, young people experience processes of de-territorialization and
reterritorization. In demarranging, escape lines emerge, forming a relationship
between desire and thought, land and territory, where experiences experienced
in the special school are accompanied by reterritorization in the CEJA. Through
these processes the young people with intellectual disability, are part of the
becoming that the school inclusion makes possible.
Keywords: Young people with intellectual
disabilities; Deterritorialization; Reterritorialisation
RESUMEN
Después de la promulgación de la Política Nacional de
Educación Especial en la Perspectiva de la Educación Inclusiva (BRASIL, 2008), la
inclusión de personas con discapacidad en la modalidad de la Educación de
Jóvenes y Adultos está ocurriendo de manera más acentuada. Mediante esta
inclusión, el presente artículo tiene por objetivo comprender los procesos de
desterrittorización y de reterritorización, vivenciados por jóvenes con
discapacidad intelectual en el contexto de la inclusión escolar. De abordaje
cualitativo se utilizó como instrumento de recolección de datos la entrevista
semiestructurada y, como sujetos 3 (tres) jóvenes con discapacidad intelectual
matriculados en un Centro de Educación de Jóvenes y Adultos (CEJA), situado en
el Estado de Santa Catarina. La investigación fue construida con concepciones
derivadas de los estudios territoriales especialmente en los conceptos de territorio,
desterritorialización y reterritorialización de Deleuze y Guattari (1995,
1997), que propiciaron diálogo con la investigación. Se constató que la
inclusión permitió a los jóvenes con discapacidad intelectual el descubrimiento
de nuevos territorios. En ese descubrimiento, los jóvenes experimentan procesos
de desterritorización y reterritorización. En la desterritorización, emergen
las líneas de fuga, perfilando una relación entre el deseo y el pensamiento, la
tierra y el territorio, en que las experiencias vivenciadas en la escuela
especial son acompañadas por la reterritorización en el CEJA. Por medio de
estos procesos, los jóvenes con discapacidad intelectual forman parte del
devenir que la inclusión escolar posibilita.
Palabras clave:
Jóvenes con discapacidad intelectual; despojo; Toma de posesión.
Introdução
O direito à educação para todos tem sido um
dos principais temas de discussão nas últimas décadas. Na década de 90
ocorreram movimentos internacionais, que tinham como slogan “A Educação para
Todos”, como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração
de Salamanca (1994), que proclamaram a necessidade de criação de políticas
públicas educacionais direcionadas à igualdade de oportunidades. O pressuposto
de uma inclusão escolar efetiva, que assegure o direito de igualdade com
equidade para todos, vem sendo abordada nos documentos nacionais, entre eles o
documento subsidiário à Política de Inclusão (BRASIL, 2007), o qual demonstra
ideias sobre o movimento inclusivo:
As duas últimas décadas
foram marcadas pelo debate da inclusão, estabelecendo como componente
fundamental a universalização do acesso à educação, o desenvolvimento de uma
pedagogia centrada na criança, a ampliação da participação da família e da
comunidade, a organização das escolas para a participação e aprendizagem de
todos os alunos e a formação de redes de apoio a inclusão. Esta postura ativa
de identificação das barreiras que alguns alunos encontram no acesso à educação
e também a busca dos recursos necessários para ultrapassá-los se constituiu no
movimento da inclusão e da consolidação de um novo paradigma educacional
referenciado na concepção de educação inclusiva, que tem como desafio a
construção de uma escola aberta às diferenças e uma sociedade que reconhece e
valoriza a diversidade. (BRASIL, 2007, p. 47-48)
A inclusão escolar se apresenta como uma
perspectiva na qual a matrícula do aluno com deficiência, síndromes e
transtornos globais do desenvolvimento, não é suficiente para que esta se torne
inclusiva. A inclusão escolar visa transformações que promovam a “[...]
igualdade de oportunidades, respeito às necessidades individuais, qualidade no
processo de ensino-aprendizagem, melhoria das condições de trabalho dos
professores, maior participação das famílias e da sociedade em geral, remoção
das barreiras para aprendizagem e participação.” (CARVALHO, 2004, p.79). Assim,
entende-se que as transformações nas escolas não são uma mera exigência da
inclusão de pessoas com deficiência. As transformações devem ser vistas como um
compromisso inadiável, que terá a inclusão escolar como consequência. Frente as
transformações que essa inclusão pressupõe, destaca-se o estreitamento entre a
Educação Especial e a Educação Comum, para atender à diversidade presente nas
salas de aulas, do ensino regular, em todos os níveis e na modalidade da
Educação de Jovens e Adultos.
A inclusão de pessoas com deficiência na
modalidade da Educação de Jovens e Adultos está ocorrendo de maneira mais
acentuada nos últimos anos, como consequência da ampliação do acesso ao ensino
regular. Os dados do Censo Escolar da Educação Básica, divulgados pelo
Instituto de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), por meio
dos microdados da Educação Básica, indicaram que, no ano de 2013, houve matrícula
de 3.772,670 pessoas na Educação de Jovens e Adultos e, destes 51.074 público
alvo da Educação Especial. (BRASIL, 2015). Diante destes números, observa-se
significativa mudança no perfil dos alunos atendidos pela modalidade da EJA, os
quais não se restringem mais à pessoas que não tiveram acesso à escolarização
em época apropriada, mas também aos que, mesmo escolarizados, não tiveram
aprendizagens significativas para o desenvolvimento e participação plena nos
contextos sociais, notadamente os jovens com deficiência intelectual. Mediante
este cenário, cabe questionar: que processos são vivenciados pelos jovens com
deficiência intelectual no contexto da inclusão escolar? Buscou-se resposta ao
questionamento nos estudos territoriais especialmente nos conceitos de
território, desterritorialização e reterritorialização de Deleuze e Guattari
(1996; 1997), que propiciaram diálogo com a pesquisa. Neste sentido, o presente
artigo tem por objetivo compreender os processos vivenciados por jovens com
deficiência intelectual no contexto da inclusão escolar.
O artigo encontra-se dividido em três seções
principais. Na primeira seção, apresenta-se um diálogo entre a inclusão escolar
e os estudos territoriais, que possibilitou a adoção dos conceitos de
desterritorização e reterritorização como categorias de análise para a
compreensão dos processos vivenciados por jovens com deficiência intelectual no
contexto da inclusão escolar. Na segunda seção, apresenta-se a análise dos
enunciados dos jovens com deficiência intelectual, compreendidos como processos
de desterritorização e reterritorização e na terceira as considerações finais.
Metodologia
Com a intenção de compreender os processos,
vivenciados por jovens com deficiência intelectual no contexto da inclusão
escolar, especialmente na EJA, foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa,
com 3 (três) jovens com deficiência intelectual matriculados em um Centro de
Educação de Jovens e Adultos (CEJA), localizado em um município do Estado de
Santa Catarina.
Como instrumento de coleta de dados,
utilizou-se a entrevista semiestruturada que, segundo Bauer e Gaskell (2002, p.
64), precisa pressupor que o mundo social não é um dado natural, sem problemas,
pois “Ele é ativamente constituído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não
sob condições que elas mesmas estabeleceram”, como também se assume “que essas
construções constituem a realidade essencial das pessoas, e de seu mundo
vivencial.” Os autores elucidam que,
O emprego da entrevista
qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o
ponto de entrada para os esquemas interpretativos e compreender as narrativas
dos atores, em termos mais conceptuais e abstratos, pois fornece os dados
básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores
sociais e sua situação (BAUER e GASKELL, 2002, p. 64).
As entrevistas com os 3 (três) jovens foram
realizadas no CEJA. Utilizou-se com o consentimento dos entrevistados o
gravador. Após a realização das entrevistas, fez-se a transcrição, com o
cuidado de manter fidelidade a todos os dizeres e expressões dos entrevistados.
As narrativas produzidas durante as entrevistas foram analisadas, com “olhar
teórico” dos estudos territoriais, especialmente nos conceitos de
desterritorialização e reterritorialização de Deleuze e Guattari (1995; 1997).
Inclusão de jovens com
deficiência intelectual na modalidade educação de jovens e adultos em Santa
Catarina: o ceja como um novo território
O direito à educação para todos tem sido um
dos principais temas de discussão nas últimas décadas. Discussões sobre a
temática no Brasil emergiram após a Declaração dos Direitos Humanos em 1948,
que foi promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU), cujos princípios
se pautavam na igualdade, liberdade e fraternidade. O Brasil pautado nos
princípios de igualdade anunciados na Declaração dos Direitos Humanos (1948)
promulgou em 1988, a Constituição Federal, que passou a assegurar direitos e
garantias. Mediante direitos e garantias, a CF/1988 em seu artigo 205, assegura
a educação como direito de todos, e, no artigo 206 e 208, estabelece igualdade
de condições de acesso e permanência na escola, sendo dever do Estado garantir
a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE), preferencialmente na
rede regular de ensino (BRASIL, 1988). Os direitos e garantias contidos na
CF/1988 são decorrentes de ampla discussão nacional e da influência de inúmeros
movimentos.
Na década de 90 ocorreram movimentos
internacionais, que tinham como slogan “A Educação para Todos”, como a
Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca
(1994), que proclamaram a necessidade de criação de políticas públicas
educacionais direcionadas à igualdade de oportunidades. Os princípios desses
acordos começam a ser incorporados à legislação brasileira, a partir da LDBEN
nº 9.394/96 e nas resoluções, pareceres e decretos que decorreram dessa lei.
Assim, considera-se que a partir da década de 90, inúmeras mudanças legais e
conceituais, assentadas na defesa ao direito de todos à educação, começam a ser
elaboradas pela via de programas e políticas educacionais.
Um dos marcos importantes na defesa ao
direito de todos à educação, foi a PNEE (BRASIL, 2008), pois esta reflete as
discussões realizadas sobre a inclusão de pessoas com deficiência no país. O
documento configura a educação inclusiva como uma ação política, cultural,
social e pedagógica, em defesa ao direito à uma educação de qualidade e à
organização de um sistema educacional inclusivo.
Tendo como referência a PNEE (BRASIL, 2008),
em 2009, o estado de SC, atualizou a Política de Educação Especial/SC,
instituindo serviços para o público da educação especial.
Mediante a atualização da Política, a
educação especial no Estado, passa a ser concebida como “uma modalidade que
perpassa todos os níveis, etapas e outras modalidades de ensino, sem substituí-los,
ofertando os recursos e serviços de acessibilidade aos estudantes segundo o seu
público.” (SANTA CATARINA, 2015, p.71). Considerando o caráter transversal da
educação especial em todos os níveis e modalidades de ensino, cabe destacar que
a inclusão de pessoas com deficiência nas classes comuns e na modalidade EJA em
SC, está ocorrendo de maneira mais acentuada nos últimos anos, como
consequência da ampliação do acesso ao ensino regular. Os dados são
apresentados na figura abaixo.
Figura 1- Matrículas Classes Comum e EJA- SC-2007/2013
Fonte: Plano Estadual de SC/2015.
Segundo o Plano Estadual de SC (2015, p. 55),
“nos dados pode-se constatar que o número de matrículas desses estudantes, nas
classes comuns do ensino regular e/ou da educação de jovens e adultos, aumentou
119,55%, no comparativo de 2013 com 2007.” Diante dos dados compreende-se que
os jovens e adultos com deficiência no estado de SC, estão buscando seu espaço
nos CEJAs[1]. Nesse espaço buscam a escolarização e a
certificação, que teoricamente o colocaria no mercado de trabalho, resgatando
sua autoestima e o desenvolvimento humano e social. Mediante a inclusão no
CEJA, entende-se que esta instituição se tornou um novo território para jovens
e adultos com deficiência. Neste contexto cabe questionar: Que processos são
vivenciados pelos jovens com deficiência intelectual incluídos nos Centros de
Educação de Jovens e Adultos?
Para responder ao questionamento, buscou-se,
considerar o CEJA, como território. Ao considerar esta instituição como
território, pensa-se que está se constitui na territorialidade de seus atores,
entre os quais se destaca os jovens e adultos com deficiência intelectual.
Estudos sobre territórios abrangem um grupo
heterogêneo de abordagens que questionam a concepção tradicional da geografia,
colocando em pauta a constituição do território a partir de ações dos sujeitos
no espaço. Haesbaert (2009) ao comentar sobre amplitude do conceito de
território, que é central para a geografia, apresenta possibilidades de pensar
este conceito com outras relações.
Território e
territorialidade, por dizerem respeito à espacialidade humana, têm uma certa
tradição também em outras áreas, cada uma com enfoque no território, em uma
determinada perspectiva. Enquanto o geógrafo tende a enfatizar a materialidade,
em suas múltiplas dimensões... a Ciência Política enfatiza sua construção a
partir das relações de poder... a Economia, que prefere a noção de espaço à de
território, percebe-o muitas vezes como um fator locacional ou como uma das
bases da produção (enquanto força produtiva);a Antropologia destaca a sua dimensão
simbólica... a Sociologia o enfoca a partir de sua intervenção nas relações
sociais, em sentido amplo, e a Psicologia, finalmente, incorpora-o no debate
sobre a construção da subjetividade ou identidade pessoal, ampliando-o até a
escala do indivíduo. (HAESBAERT, 2009, p.37)
Ao remeter o conceito de território à
educação, Franco (2003) ressalta que este abriga relações entre pares que se
mostram opostos e complementares e que são convidados a coexistirem e
influenciarem-se mutuamente na materialidade e imaterialidade; na complexidade
e unicidade; na diversidade e identidade; na inclusão e exclusão; no espaço e
tempo, global e local, urbano e rural, indivíduo e sociedade. A gama de
relações que envolvem o conceito de território é confirmada por Saquet (2010),
ao mencionar que,
Território é natureza e
sociedade: não há separação: é economia, política e cultura; edificação e
relações sociais; des-continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação;
degradação e proteção ambiental, etc. Em outras palavras, o território significa
heterogeneidade e traços comuns, apropriação e dominação historicamente
condicionadas; é produto e condição histórica e trans-escalar; com múltiplas
variáveis, determinações, relações e unidade. É espaço de moradia, de produção
de serviços, de mobilidade, de desorganização, de arte, de sonhos, enfim, de
vida (objetiva e subjetivamente). O território é processual e relacional, (i)
material, com diversidade e unidade, concomitantemente. (SAQUET, 2010, p.83)
Na definição que envolve o conceito de
território, entende-se que esta, traz à tona a territorização. A territorização
segundo Saque (2007) se expressa no movimento do sujeito na produção do
território. O autor ainda destaca que, este processo é construído pelo
movimento histórico, no qual o território é produzido socialmente. Nessa
produção social, Saque (2007, p.58), destaca que “os processos sociais e
naturais, e mesmo nosso pensamento, efetivam-se com a territorialidade
cotidiana. É neste nível, que se dá o acontecer da nossa vida, e é nesta que se
concretiza a territorialidade”.
Na relação entre território e
territorialidade, Haesbaert e Bruce (2009) mencionam que Deleuze e Guattari
consideram esses conceitos importantes ferramentas para o entendimento não
apenas de questões filosóficas, mas também das práticas sociais, da libertação
dos desejos, dos corpos, da arte e da produção da subjetividade. O mencionado
pelos autores é afirmado por Felix Guatarri no livro “Micropolítica:
Cartografias do Desejo”, onde consta que território:
é entendido num sentido
muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os
seres existentes se organizam segundo territórios que se delimitam e os
articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser
relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do
qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de
subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e
representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda série de
comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais,
estéticos, cognitivos. (GUATTARI; RONILK, 2010, p.388)
Os autores mencionam que o território ao ser
considerado sinônimo de apropriação e subjetivação pode,
[...] se
desterritorializar, isto é, abrir-se, engajar-se em linhas de fuga e até sair
do seu curso e se destruir. A espécie humana está mergulhada num imenso
movimento de desterritorialização, no sentido de que seus territórios “originais”
se desfazem ininterruptamente com a divisão social do trabalho, com a ação dos
deuses universais que ultrapassam os quadros da tribo e da etnia, com os
sistemas maquínicos que a levam a atravessar cada vez mais rapidamente, as
estratificações materiais e mentais. (GUATTARI; RONILK, 2010, p.388)
Sobre o movimento de desterritorização, em
entrevista Deleuze afirma:
[...] precisamos, às
vezes, inventar uma palavra bárbara para dar conta de uma noção com pretensão
nova. A noção com pretensão nova é que não há território sem um vetor de saída
do território e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem,
ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte. (DELEUZE
apud HAESBAERT, 2009, p.1)
Os conceitos de Deleuze e Guattarri
evidenciam o reconhecimento do movimento e da mudança, em que um território é
abandonado e outro é construído. Nesse movimento “as territorialidades são,
pois, atravessadas, de um lado a outro, por linhas de fuga que dão prova da
presença, nelas, de movimentos de desterritorização e reterritorização.”
(DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.71)
Movimentos de desterritorização e reterritorização vivenciados
por jovens com deficiência intelectual incluídos no ceja
Criar um novo território é se aventurar, é
trilhar caminhos diferentes, é sair do espaço sedentário, é encontrar através
da expressividade novas possibilidades. Na busca de novas possibilidades,
jovens com deficiência intelectual, estão aventurando-se, desterritorizando-se
e buscando novos territórios. A inclusão da maioria destes jovens, em novos
territórios, tornou-se possível após a promulgação da PNEE (BRASIL, 2008).
Política esta, que defende a organização de um sistema educacional inclusivo.
Mediante a organização do sistema
educacional, os jovens com deficiência intelectual, estão frequentando a
modalidade da EJA, na busca da escolarização, que teoricamente o colocariam no
mercado de trabalho, resgatando sua autoestima e o desenvolvimento humano e social.
Frente à um novo território, estes jovens, assim como qualquer jovem,
apresentam anseios e desejos, como mencionaram ao remeterem-se ao CEJA:
Quero aprender a escrever aqui nessa escola. (jovem 1)
Quero terminar de estudar aqui no EJA. Aqui é legal. E depois
fazer um curso de empacotador de mercado e vou trabalhar. [...](jovem 2)
Olha professora!! Vou terminar aqui, gosto daqui. E fazer uns
cursos para trabalhar, quero ganhar dinheiro para comprar roupa...... (jovem 3)
Os jovens (1, 2 e 3), expressaram seus
desejos. Desejos estes, que envolvem a escolarização e o término desta, a
qualificação profissional, a inserção no mercado de trabalho e o consumismo.
Entende-se na perspectiva deuleziana, que o desejo é algo construído. O desejo
não é espontâneo, só há desejo anunciado e maquinado. Mas para que o desejo se
transforme em uma máquina social, torna-se necessário que “as condições
socioculturais engendrem modos de subjetivação, que favoreçam as condições para
a produção do desejo.” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.86).
Sobre os desejos, Haesbaert e Bruce (2009),
destacam que são os desejos que criam os territórios. No que concerne a criação
de territórios por meio dos desejos, o Jovem 3 menciona “Por isso eu to aqui eu
quero ir trabalhar.” O jovem ao expressar o desejo de trabalhar, evidencia a
relação estabelecida entre os corpos, ou seja, o território CEJA, proporciona a
realização de seus desejos. E é nessa relação entre corpos, que ocorre a
construção do território.
Na construção do território, Haesbaert e
Bruce (2009), destacam a importância dos agenciamentos. Agenciamentos de acordo
com Deleuze e Guattari (1997, p.31) “se remetem a um estado preciso de mistura
de corpos em uma sociedade, compreendendo todas as atrações e repulsões, as
simpatias e as antipatias, as alterações e as expansões que afetam os corpos
uns em relação aos outros”. Os autores ainda destacam que os agenciamentos são
formados por agenciamento coletivo de enunciação e agenciamento maquínico de
corpos.
O agenciamento coletivo de enunciação se
remete “à um regime de signos, à uma máquina de expressão cujas variáveis
determinam o uso dos elementos da língua” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.32). Os
autores ao destacarem o conceito de agenciamento coletivo de enunciação,
retomam a noção de discurso indireto de Bakhtin (2000) enfatizando que há
muitas vozes em uma voz, pois todo discurso é indireto. Esse caráter coletivo
da linguagem indica que mesmo em uma escrita individual há muitas vozes em
diálogo. O agenciamento coletivo de enunciação é evidenciado nas falas dos
jovens ao relatarem que,
A mãe falou que eu acabando aqui, eu vou trabalhar . Ainda não sei
onde, mas eu vou trabalhar. (Jovem 1).
Minha mãe falou que quando eu sair daqui, eu vou trabalhar lá no
mercado. Eu vou empacotar. E eu vou!!! Os lugares precisam de gente igual a eu
para trabalhar.(Jovem 2).
Os jovens destacam as relações, que se
efetivam no socius, os signos compartilhados e a linguagem. Essas relações
estão presentes nas expressões de suas mães e familiares, nos anúncios de
empregos, nos panfletos, jornais, TV, ou seja, na mídia. Esses elementos de
agenciamento podem produzir fluxos dialógicos e fluxos afetivos. Fluxos estes
que podem indicar processos de produção de subjetividade. Portanto, a
subjetividade, pode ser produzida, também, pelos agenciamentos de enunciação,
devido à multiplicidade de posições enunciativas, potencializando (pelos
cruzamentos entre esses heterogêneos) os modos de enunciar. Os elementos de
agenciamento coletivo, segundo Deleuze e Guattari (1997), constituem o
pensamento, que se relaciona em uma constante com o agenciamento maquínico.
O agenciamento maquínico de corpos são as
máquinas sociais, as relações entre corpos humanos, corpos animais e corpos
cósmicos. Este agenciamento se constrói na relação entre os corpos, seja em “um
regime alimentar, um regime sexual, regulam, antes de tudo, mistura de corpos
obrigatórias, necessárias ou permitidas.” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.31). No
que concerne este agenciamento, os jovens entrevistados expressam que:
Quero terminar de estudar aqui na EJA. [...]. E depois fazer um
curso de empacotador de mercado e vou trabalhar. (jovem 2)
[..]Vou terminar aqui pegar
o diploma, [...]. E fazer cursos para trabalhar, quero ganhar dinheiro para
comprar roupa.....[..]. (jovem 3)
Os jovens anunciam o agenciamento maquínico,
ou seja, seus desejos. Desejos relatados anteriormente, que focam na
escolarização, na formação profissional, no mercado trabalho e no consumismo.
Deleuze (1995) diz que o desejo não é uma determinação "natural", nem
"espontânea". Assim entende-se que o desejo é agenciado e maquinado.
O desejo nasce de um encontro, de um acontecimento e experimentação, expressão
de composição maquínica, que envolve relação, afetos e devir.
Assim, entende-se o desejo como produção
maquínica infinita, que se circunscreve como elemento de superação da fórmula
psicanalítica do sonho e da fantasia, que domina o inconsciente. Relacionado
aos desejos, o Jovem 2, afirma que “[...]quero ganhar dinheiro para comprar
roupa igual meu irmão. Meu irmão compra roupa. Ele já tem até carro. Igual o
carro que tem na televisão.”
Mediante o exposto pelo jovem, cabe destacar
verbos importantes ao se pensar na produção da subjetividade. Verbos, como
agenciar, contagiar e imitar O imitar, o reproduzir, na concepção deleuziana,
não significa fazer igual, pois
A reprodução do mesmo não
é um motor dos gestos. Sabe-se que até mesmo a mais simples imitação compreende
a diferença entre o exterior e o interior. Mas ainda, a imitação tem apenas um
papel regulador secundário na montagem de um comportamento permitindo não
instaurar, mas corrigir movimentos que estão em vias de se realizar. A
aprendizagem não se faz na relação da representação com a ação (com reprodução
do mesmo), mas na relação do signo com a resposta (com o encontro com o outro).
(DELEUZE, 1988, p. 54)
Compreende-se que a
atitude do outro, os afetos alegres ou tristes produzidos nas relações podem
provocar agenciamentos, aumentando ou diminuindo a potência de agir. Esses
agenciamentos são entendidos por Deleuze e Guattari (1995), como uma força
criadora e produtiva para formação do território, onde se articulam enquanto
desejo e pensamento, assim como evidenciado pelos jovens.
Nesta
perspectiva Deleuze e Guattari (1995), afirmam que os agenciamentos se
relacionam reciprocamente, percorrendo um ao outro, sem hierarquia. Nesse
movimento de reciprocidade entre os agenciamentos, um território se constitui.
Na
constituição do território, Haesbaert e Bruce (2009) mencionam que os
agenciamentos maquínicos e os agenciamentos coletivos de enunciação, são apenas
dois dos quatro componentes na formação do território. A formação do território
ainda se constitui pela desterrritorização e pela reterritorização.
A
desterritorização, segundo Deleuze e Guattari (1997, p.224) é o “movimento pelo
qual se abandona o território, é a operação da linha de fuga. A
reterritorização é o movimento de construção do território.” Os autores ainda
destacam que, a desterritorialização constitui uma linha de fuga que não se
aplica unicamente ao território, mas às forças e operações. Este movimento
inclui também uma reterritorialização, como resultado de seu movimento e
conexões.
Segundo
os autores, na construção do território, os agenciamentos se desterritorizam,
como o mencionado pelo Jovem 1 ao anunciar que não quer mais frequentar a
instituição especializada. “eu não quero
voltar para a APAE. Lá na APAE eu só rasgava papel, cortava, colava.”
emergindo “linhas de fuga”; linhas onde se encontram pensamentos e desejos.
Para Deleuze e Guattari
(1997), o pensamento se faz no processo de desterritorização. Assim, entende-se
que pensar é desterritorizar. “Pensar não é um fio estendido entre o sujeito e
o objeto, nem uma revolução de um entorno ao outro. Pensar se faz antes da
relação entre o território e a terra” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p.113). Neste
sentido, compreende-se que a desterritorialização faz parte de um movimento
infinito do pensamento, onde “jamais nos desterritorizamos sozinhos[...]”
(DELEUZE e GUATTARI, 1996, p.41).
Os autores destacam a
desterritorização em dois momentos: a desterritorização relativa e a
desterritorização absoluta.
A desterritorialização relativa ocorre ao conectar a terra
ao território mediante processos que se operam de forma física, psicológica ou social. Esse processo é o próprio socius. Isso significa dizer que a vida é um
constante movimento de desterritorização, pois no cotidiano é comum passarmos
de um território ao outro. Nessa constante, o que se modifica é a escala
espacial e a temporalidade. Toma-se como exemplo para explicar a
desterritorização relativa, os sujeitos desta pesquisa, os jovens com
deficiência intelectual, que no decorrer de seu dia atravessam basicamente dois
territórios: o território familiar e o território do CEJA. Territórios estes,
onde os jovens vivenciam agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos
coletivos de enunciação distintos. Nesse processo, cabe destacar que os territórios
não são destruídos pelos jovens, eles são abandonados temporariamente, se
tornando lugares de passagem.
A desterritorização
absoluta ocorre na composição imediata da terra às conexões e efetuações do
pensamento. Para Deleuze e Guattari (1997, p. 225-226), o “absoluto nada
exprime de transcedente ou indiferenciado, nem mesmo exprime uma quantidade que
ultrapassaria qualquer quantidade (relativa). Exprime apenas um tipo de
desterritorização que se distingue qualitativamente do movimento relativo.”
Na relação entre o pensamento, desejo e a
desterritorização absoluta, ocorre a ruptura com o território existente e a
criação de um novo território, ou seja, a reterritorização. Nesse processo são
necessários novos agenciamentos, novos encontros e novas funções, assim como
anunciado pelo jovem, “Eu gosto de ficar
aqui nessa escola, aqui eu escrevo, faço várias atividades. [...] A professora
ainda falou que vou ainda trabalhar se eu quiser”(jovem 1). Ao se
reterritorializar no CEJA, o jovem relata “Aqui
todo mundo esta aprendendo igual eu.” envolvendo-se com seus integrantes,
assumindo os desafios e identificando-se com o grupo. Frente ao processo de
desterritorização e reterritorização, entende-se estes, como processos
indissociáveis e simultâneos, que não ocorrem de forma individual,
sendo potencializado pelos agenciamentos e pelos encontros proporcionados pela
inclusão.
Considerações Finais
O presente artigo emergiu a partir do seguinte questionamento: Que
processos são vivenciados pelos jovens com deficiência intelectual no contexto
da inclusão escolar?
Compreende-se que a partir da promulgação da PNEE (BRASIL, 2008),
a inclusão de jovens com deficiência está ocorrendo de maneira mais acentuada
na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Nesta perspectiva entende-se que
a inclusão está possibilitando a descoberta de novos territórios. Na descoberta
de um novo território, emergem expectativas, desejos e anseios, que foram
evidenciados pelos jovens.
A criação deste novo território foi motivada por agenciamentos. Agenciamentos que se articulam enquanto
desejo e pensamento percorrendo um ao outro, sem hierarquia. É nesse movimento
que o jovem com deficiência intelectual constituiu o território, no CEJA,
reterritorizando-se.
Mediante a reterritorização no CEJA, os jovens evidenciaram que a
atitude do outro, os afetos alegres ou tristes produzidos nas relações podem
provocar agenciamentos, aumentando ou diminuindo a potência de agir.
A inclusão no CEJA, possibilitou aos jovens com deficiência
intelectual a descoberta de novos territórios. Nessa descoberta, os jovens
vivenciam processos de desterrritorização e reterritorização. Na
desterrritorização, emergem as linhas de fuga, perfilhando uma relação entre o
desejo e o pensamento, a terra e o território, onde as experiências vivenciadas
na escola especial são acompanhadas pela reterritorização no CEJA. Por meio
destes processos os jovens com deficiência intelectual, fazem parte do devir
que a inclusão escolar possibilita.
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Correspondência
Valéria Becher Trentin – Rua:
Bernardino João Victorino, nº 27. Apartamento 1003. Bairro: Centro. CEP:
88303-090. Itajaí, Santa Catarina, Brasil.
1 Em Santa Catarina, a
modalidade da Educação de Jovens e Adultos, passou a denominar-se Centro de
Educação de Jovens e Adultos (CEJA), adequando-se a LDBN/96, atendendo nos
níveis de alfabetização, Nivelamento, Ensino Fundamental e Médio.” (SANTA
CATARINA, 2005, p.120).
Revista Educação
Especial | v. 32 | 2019 – Santa Maria
Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial
[1] Em
Santa Catarina, a modalidade da Educação de Jovens e Adultos, passou a
denominar-se Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), adequando-se a
LDBN/96, atendendo
nos níveis de alfabetização, Nivelamento, Ensino Fundamental e Médio.” (SANTA CATARINA, 2005, p.120).