Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e36, 2020

DOI:10.5902/2179460X53218

ISSN 2179-460X

Received: 17/08/20  Accepted: 17/08/20  Published: 28/08/20

 

 

Special Edition

 

Sazonalidade da Concentração de CO2 na camada limite atmosférica sobre o lago Curuá-Una, Santarém-Pará

 

Seasonality of CO2 concentration in the atmospheric boundary layer over Lake Curuá-Una, Santarém-Pará

 

Kewen Antonio Souza Vieira I

Cíntia Silva de Almeida II

Raoni Aquino Silva de Santana III

Julio Tota da Silva IV

Antonio Marcos Delfino de Andrade V

Rodrigo da Silva VI

Roseilson Souza do Vale VII

Raphael Pablo Tapajós Silva VIII

Joicy da Silva Pinto IX

Marinete da Silva Ferreira X

Luis Paulo Aquino Silva de Santana XI

Beatriz Freire Mota XII

 

I Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: kewena2@gmail.com.

II Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: cintiaalmeida.qmc@gmail.com.

III Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: raoniass@gmail.com.

IV Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: totaju@gmail.com.

Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: marcoslaba33@gmail.com.

VI Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: roseilsondovale@gmail.com.

VII Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: rsilvf@gmail.com. 

VIII Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: raphael.silva@ufopa.edu.br.

IX Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: joicysilvastm@gmail.com.

Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: netesilvaferreira@gmail.com.

XI Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: luis.aquino13@gmail.com. XII Universidade Federal Do Oeste do Pará, Santarém, Brasil. E-mail: beatrizfreiremota@gmail.com.

 

 

RESUMO

Os rios e lagos desempenham um papel essencial no ciclo global do carbono, não apenas no transporte de partículas orgânicas e inorgânicas para os oceanos. Recentemente, descobriu-se que eles também contribuem e muito na emissão de CO2 para a atmosfera, assumindo papel de destaque por ser um gás de efeito estufa. Este trabalho tem como objetivo estudar a sazonalidade da concentração de CO2 na Camada Limite Atmosférica (CLA) sobre o lago artificial de Curuá-Una, durante o período de junho de 2015 a junho de 2016. O estudo foi realizado na usina hidrelétrica de Curuá-Una, localizada a 70 km ao sudoeste da cidade de Santarém, no Estado do Pará. Os dados foram obtidos utilizando uma boia micrometeorológica contida por um sistema de covariância de vórtices turbulentos, onde foram obtidas a concentração de CO2, temperatura, velocidade do vento, bem como variáveis que descrevem o escoamento turbulento da atmosfera. Os resultados apontam que a concentração média mensal de CO2 máxima foi de 405 ppm em junho 2015, já a menor concentração média foi observada em dezembro do mesmo ano. Um resultado interessante encontrado neste trabalho foi a relação entre a concentração de CO2 e a intensidade da turbulência atmosférica vertical (σw).

Palavras-chave: Concentração de CO2; Amazônia; Boia.

 

 

ABSTRACT

Rivers and lakes play an essential role in the global carbon cycle, not just in the transport of organic and inorganic particles to the oceans. Recently, it has been discovered that they also contribute greatly to the emission of CO2 into the atmosphere, assuming a prominent role as a greenhouse gas. This work aims to study the seasonality of the CO2 concentration in the Atmospheric Limit Layer (CLA) over the artificial lake of Curuá-Una, during the period from June 2015 to June 2016. The study was carried out at the hydroelectric power plant of Curuá-una, located 70 km southwest of the city of Santarém, in the state of Pará. The data were obtained using a micrometeorological buoy contained by a system of covariance of turbulent vortices, where the concentration of CO2, temperature, wind speed were obtained, as well as variables that describe the turbulent flow of the atmosphere. The results show that the average monthly concentration of maximum CO2 was 405 ppm in June 2015, while the lowest average concentration was observed in December of the same year. An interesting result found in this study was the relationship between the CO2 concentration and the intensity of vertical atmospheric turbulence (σw).

KeywordsCO2 Concentration; Amazon; Buoy.

 

 

1 Introdução

A concentração de CO2 atmosférico tem aumentando gradativamente nos últimos tempos, principalmente devido ao aumento das emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis e mudança do uso dos solos (SOUZA et al., 2008). O gás carbônico é essencial para o crescimento das plantas, sendo consumido por meio da fotossíntese e incorporado a sua biomassa vegetal, uma consequência disso é a diminuição da concentração de CO2 na atmosfera. Assim, como o CO2 é o principal gás do efeito estufa, depois do vapor de água, as plantas funcionam como um regulador de temperatura (NOBRE, 2014).

De acordo com Nobre (2014), o fluxo de vapor de água que flui da floresta para atmosfera é muito intenso: “Analogamente, é jorrado para atmosfera um rio vertical mais importante que o rio Amazonas, suas águas que vem do solo através das raízes, passando pelos xilemas de seus troncos evaporando-as pelas folhas para atmosfera”, influenciando as chuvas, não apenas na Amazônia, mas em outras áreas, como a parte sul da América do Sul (ROCHA; CORREIA; FONSECA, 2015). Além das áreas de floresta tropical a Amazônia também é conhecida pela grande quantidade de áreas de várzeas, igapós e rios. Assim como a floresta, estas áreas interagem com a atmosfera sobrejacente (conhecida como Camada Limite Atmosférica) por meio de troca de energia, massa e momentum.

Em se tratando dos rios, comparando a estudos mais atuais em que até meados de 2000, a ideia comum era de que os rios atuavam no ciclo global do carbono apenas transportando este elemento para os oceanos, na forma de carbonatos e partículas orgânicas. A partir de estudos realizados pelo grupo de pesquisadores, assimilando evidências de outros, a importância da emissão de CO2 destes ambientes para a atmosfera assumiu papel de destaque. Eles afirmam que o rio Amazonas, por exemplo, lança 13 vezes mais carbono na atmosfera na forma de CO2 do que despeja no oceano em todas as outras formas (RICHEY et al., 2009). Diante disto, o objetivo deste trabalho foi estudar a sazonalidade da concentração de CO2 na Camada Limite Atmosférica (CLA) sobre o lago artificial da usina hidrelétrica de Curuá-Una.

 

 

2 Metodologia

O estudo foi conduzido na represa da usina hidrelétrica de Curuá-Una, que foi a primeira a ser construída na Amazônia começando a funcionar em 1977, localizada 80 km a sudoeste de Santarém – PA. O reservatório recebe suas águas pelo Rio Curuá-Una e seus afluentes, rios Moju, Mojuí dos Campos e Poraquê. Como a vegetação não foi retirada antes do fechamento da barragem, as áreas adjacentes ao antigo leito do rio, estão cobertas com árvores mortas em decomposição (JUNK et al.,1981).

 

Figura 1 – Localização da usina Hidrelétrica de Curuá-Una

 

Fonte: VALE, 2016.

Os dados foram obtidos através de uma plataforma micrometeorológica flutuante, com o formato de um pentágono regular medindo 2,7 m nas bordas da base, 3 m nas bordas superiores e 2,3 m de altura interna, que tem a sua estrutura fixada em 5 barris de 200 L, cada um sob uma das bordas da base e o mastro central, que mede 6 m de altura que é composta por sensores de alta e baixa frequência que coletam os dados. No entanto, neste trabalho foram utilizados apenas dados do sistema de covariância de vórtices turbulentos, o qual fornece dados em alta frequência de amostragem (10 Hz). Este sistema é composto de duas partes: um analisador de gás por infravermelho (open path EC 150 - Campbell Scientific, Inc.), que fornecem as densidades absolutas de CO2 e H2O em mg/m³; e anemômetro sônico tridimensional (CSAT3A - Campbell Scientific, Inc), que mede as três componentes do vento (zonal, meridional e vertical) e a temperatura sônica, todos por meio do efeito doppler, durante o período de julho de 2015 a julho de 2016.

 

Figura 2 – Estação micrometeorologica flutuantes e seus instrumentos de alta e baixa frequência

Fonte: VALE, 2016.

Para descrever a variabilidade da concentração de CO2 e sua possível relação com outras variáveis, foram calculadas, em intervalos de 30 minutos: a velocidade do vento

(1)

Onde u e v são as componentes zonal e meridional vento, respectivamente; o desvio padrão da velocidade vertical ( similarmente o desvio padrão de u.

(2)

(3)

Com u orientado a direção do vento médio; a concentração de CO2 média; e parâmetro de estabilidade de estabilidade de Monin-Obukhov

(4)

Onde  é altura das medições e  o comprimento de Obukhov, definido como:

(5)

Sendo  a constante de Von Kármàn

(6)

velocidade de fricção, g a aceleração da gravidade,  a temperatura potencial virtual e o símbolo  significa as perturbações cada variável.

 

 

3 Resultados e Discussão

Observando a Figura 3 é possível notar que a concentração de CO2 diminuiu de junho a dezembro de 2015, aumentou entre janeiro e agosto de 2016 e voltou a decair de maio a junho do mesmo ano. O mês que apresentou a maior concentração de CO2 média foi junho de 2015, comum valor de aproximadamente 405 ppm, já a menor concentração média foi observada em dezembro. Uma questão interessante é o aumento da dispersão da concentração de CO2 no ano de 2016, comparado a 2015 (barras verticais da Figura 3). O mês de abril de 2016 apresentou a maior dispersão com cerca de 147 ppm distante do valor médio. Esse comportamento está provavelmente relacionado com a precipitação nesse período, seja por conta do modelo do sensor (caminho aberto, exposto a chuva) ou pela maior turbulência gerada no lago.

 

Figura 3 – Concentração de CO2 mensal durante o período de  junho de 2015 a junho de 2016 acima do lago de Curuá-Una

 

A Figura 4 apresenta os valores médios mensais da velocidade do vento e da temperatura (painel superior) durante todo período da coleta de dados. De junho a agosto a velocidade do vento se manteve aproximadamente constante em 1,5 m/s, em seguida aumenta com o passar dos meses, até atingir um pico de aproximadamente 2 m/s em dezembro/Janeiro, decai até abril para cerca 1,5 m/s e se eleva novamente em maio, mas em pouco grau. Quanto à temperatura, o mesmo comportamento pode ser observado, porém com um pico em novembro. O menor valor médio observado durante todo período de coleta foi de 26°C em junho de 2015, a partir daí a temperatura cresceu rapidamente, chegando a um valor médio de 29°C, para depois decair até o valor mínimo de 26,8°C em abril de 2016. É importante mencionar que maio e junho a temperatura voltam a aumentar e diferentemente do que ocorreu em de junho de 2015 a temperatura em junho de 2016 foi mais amena, aproximadamente 27,5°C, ou seja, mais de um grau de diferença.

No painel inferior da Figura 4 são mostradas variáveis que descrevem o escoamento turbulento da atmosfera. Fisicamente ,  e  indicam a intensidade da turbulência horizontal, a intensidade da turbulência da vertical e a estabilidade da atmosfera, respectivamente. Cada uma destas variáveis apresenta comportamento bem distinto entre si: a curva de  variou muito pouco, durante todo o período observado; a de  variou bastante com pico em janeiro/fevereiro; já o  oscilou no período estudado, com valores sempre positivos, indicando que atmosfera sobre o lago de Curuá-Una é estaticamente estável na maior parte do tempo

Dentre as variáveis mostradas na Figura 4, as que mais apresentaram relação com a concentração do de CO2, destaca-se , ou seja, quando  aumenta a concentração de CO2 diminuí e vice-versa. A explicação para este fato está ligada a mistura turbulenta na Camada Limite Atmosférica (CLA). Estudos utilizando aeronave mostraram que a concentração de CO2 diminui com a altura na CLA. (WOFSY; HARRISS; KAPLAN, 1988), observaram uma diferença de pelo menos 20 ppm ente a concentração de CO2 na superfície e a concentração em 500 m de altura (dentro da CLA). Com maiores valores de  a mistura turbulenta aumenta, trazendo ar menos concentrado de CO2 para a superfície, da mesma forma, quando  diminui, processos de emissão de CO2 pela superfície tem maior influência nos valores de concentração de CO2 observados.

 

Figura 4 – Velocidade do vento e temperatura (painel superior); parâetro de estabilidade de Moni-Obukhv (), desvio padrão de da velocidade zonal () e desvio padrão de da velocidade vertical () (painel inferior) mensais, durante o período de  Junho de 2015 a junho de 2016 acima do lago de Curuá-Una

 

 

4 Conclusão

Neste trabalho foi estudada a variabilidade da concentração de CO2 atmosférico sobre o lago de Curuá-Una, durante o período de junho de 2015 a junho de 2016.  Os resultados mostraram que a concentração de CO2 apresenta um comportamento sazonal bem definido, com máximo de concentração de 405 ppm, ocorrido em junho de 2015. Tal sazonalidade tem relação inversa com da intensidade da turbulência vertical. A Correlação negativa entre estas variáveis mostrou que ar mais pobre em CO2 é transportado para a superfície, quando valores  são relativamente altos, dessa maneira, menores valores de concentração são observados em superfície, o inverso também é verdadeiro. A dispersão observada na no ciclo sazonal foram provavelmente resultado da precipitação, seja por influência no sensor, ou pelo contato das gostas de chuva com o lago.

 

 

Referências

JUNK, J. W., ROBERTSON, B. A., DARWICH, A. J., VIEIRA, I. (1981). Investigações limnológicas e ictiológicas em Curuá-una, a primeira represa hidrelétrica na Amazônia central. Acta Amazônica, v. 11, n. 4, p. 689 – 716.

NOBRE, A. O futuro climático da Amazônia: relatório de avaliação científica. São Paulo: ARA. Articulação Regional Amazônica, 2014.

RICHEY, J E., KRUSCHE A V., JOHNSON M S, DA CUNHA B., BALLESTE MARIA V. 2009 the role of rivers in the regional carbon balance. In:Gash j. Keller M, Silva –Dias P(eds) Amazonia and Global Change, Geophysical Monograph Series 186. American Geophysical Union, Washigton, DC, pp. 489-504

ROCHA, V. M.; CORREIA, F. W. S.; FONSECA, P. A. M. Reciclagem de precipitação na Amazônia: um estudo de revisão. Revista brasileira de meteorologia, v. 30, n. 1, p. 59-70, 2015.

SOUZA, P. J. O. P. et al. Impactos no albedo em consequência do avanço da fronteira agrícola na Amazônia. Revista Brasileira de Agrometeorologia, v. 16, n. 1, p. 87-95, 2008.

VALE, R. S. Medições de gases e efeito estufa e variáveis ambientais em reservatórios hidrelétricos na Amazônia central. 2016. Tese (Doutorado em clima e ambiente-CLIAMB) – Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas-INPA. Universidade do Estado do Amazonas – UEA.

WOFSY, S. C.; HARRISS, R. C.; KAPLAN, W. A. Carbon dioxide in the atmosphere over the Amazon basin. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 93, n. D2, p. 1377-1387, 1988.