Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e21, 2020

DOI:10.5902/2179460X46922

ISSN 2179-460X

Received: 04/06/20  Accepted: 04/06/20  Published: 28/08/20

 

by-nc-sa 


Special Edition

 

Liquens como bioindicadores da poluição atmosférica em Paranaguá - PR 

 

Lichens as bioindicators of atmospheric pollution in Paranaguá - PR 

 

Ricardo de Amorim Falcão I

Gabriela Pereira Santana II

Fernando Augusto Silveira Armani III

Virnei Silva Moreira IV

Wesley Nogueira Ribeiro V

 

I Universidade Federal do Paraná, Pontal do Paraná, Brasil. E-mail: ricardo2014amorim@gmail.com.

II Universidade Federal do Paraná, Pontal do Paraná, Brasil. E-mail: 1996santana@gmail.com.

III Universidade Federal do Paraná, Pontal do Paraná, Brasil. E-mail: fernando.armani@ufpr.br.

IV Universidade Federal do Paraná, Pontal do Paraná, Brasil. E-mail: virneimoreira@gmail.com.

V Universidade Federal do Paraná, Pontal do Paraná, Brasil. E-mail: wesribeiri@gmail.com.

 

 

RESUMO

Os liquens são organismos amplamente utilizados como bioindicadores de qualidade do ar. Devido à sensibilidade desses organismos aos poluentes atmosféricos, em ambientes muito poluídos predominam-se as espécies mais resistentes ou até mesmo se extinguem. Neste trabalho, a concentração de liquens em árvores da cidade de Paranaguá foi avaliada para se comparar a qualidade do ar da região portuária e comercial com a qualidade do ar da região residencial da cidade. Foram avaliadas 90 árvores distribuídas pela cidade, onde se pode constatar que tanto a concentração de liquens quanto a variedade de espécies de liquens é maior na zona residencial do que na zona portuária, provavelmente devido à melhor qualidade do ar da zona residencial de Paranaguá.

Palavras-chave: Bioindicadores; Porto; Liquens; Poluição Atmosférica.

 

 

ABSTRACT

Lichens are organisms widely used as bioindicators of air quality. Due to the sensitivity of these organisms to atmospheric pollutants, in highly polluted environments, only the most resistant species predominate or even become extinct. In this work, the concentration of lichens on trees in the city of Paranaguá was evaluated to compare the air quality of the port and commercial area with the air quality of the residential region. We evaluated ninety trees distributed throughout the city, where we observed that both the concentration of lichens and the variety of species are higher in residential areas than in port areas, probably due to the better air quality in the residential area of Paranaguá.

Keywords: Bioindicators; Port; Lichens; Atmospheric Pollution.

 

 

1 Introdução

O uso de indicadores biológicos para avaliar a poluição se desenvolveu notavelmente nas últimas décadas (HERZIG et al., 2020). Tais organismos podem ser usados ​​como indicadores da biodisponibilidade de um determinado contaminante ao longo do tempo, permitindo, em certos casos, a comparação entre os níveis de contaminação em áreas geograficamente diferentes.

Na presença de poluentes atmosféricos, algumas espécies de organismos apresentam injúrias e perdas de suas estruturas, redução de crescimento, alteração na abundância de espécies, entre outras modificações (GURGATZ et al., 2017), que lhes caracterizam como organismos bioindicadores de qualidade do ar. Entre esses organismos, algumas espécies vegetais, musgos e liquens são comumente utilizadas para essa finalidade (Braz e Longo, 2019). Os vegetais da espécie trapoeraba roxa (Tradescantia pallida), por exemplo, são utilizados na avaliação da qualidade do ar porque sofrem modificações anatômicas e genéticas quando submetidos à poluição atmosférica (BRITO; GOMES; SILVA, 2016), enquanto que os liquens se extinguem, das espécies mais sensíveis às mais resistentes, dependendo do nível da poluição do ar (CAÑÓN et al., 2008).

Os líquens são os bioindicadores de qualidade do ar mais estudados. Esses organismos são considerados sistemas de controle permanente da qualidade do ar, tendo em vista a sua sensibilidade a vários fatores ambientais e a sua capacidade de regeneração (CARNEIRO, 2004). Na década de 60 do século XIX, os liquens já eram utilizados como bioindicadores de qualidade do ar (SKYE, 1968). Atualmente esses organismos continuam sendo empregados em estudos ambientais, principalmente em avaliações preliminares da qualidade do ar (KÄFFER; MARTINS; VARGAS, 2012).

Este trabalho apresenta uma avaliação da qualidade do ar do município de Paranaguá-PR através da análise da concentração de liquens na cidade.

 

 

2 Metodologia

A cidade de Paranaguá está localizada no litoral do Estado do Paraná (vide Figura 1), nas coordenadas 25°31’12S e 48°30'32"O. A cidade possui indústrias no ramo de fertilizantes, há tanques de álcool e silos de grãos, e atividades industriais diversas voltadas para o porto de Paranaguá, que é o maior porto graneleiro do Brasil. Na Figura 1 estão destacadas as áreas que correspondem ao zoneamento da cidade: zonas residenciais e zonas comerciais ou portuárias. Na zona residencial foi incluída a região classificada pelo plano diretor como zona de interesse patrimonial e turístico (ZIPT), pois está inserida no interior das zonas residenciais. Na zona comercial ou portuária foi considerada a zona de proteção ao Santuário do Rocio (ZPSR), pois está entre zonas comerciais e portuárias da cidade.

 

Figura 1 – Imagem da cidade de Paranaguá com a localização das árvores avaliadas e a delimitação de áreas residenciais e comerciais e portuárias

https://lh3.googleusercontent.com/XH4IDaPIKAT7fWenVHCFVKbvEwzFGuEe-8HUifxhSOHNcWHN-jJohz3z_AC4uqllOFIUHm2XpisnoSFUCxJu3sPSVkv4-HlhD2teNSlT6_jGJymJjVZUk_HOuvR7WH4w5ZsEwQi8

Fonte: Os autores (2019).

Segundo Carneiro (2004), uma das formas de se monitorar a poluição atmosférica é através da análise da abundância de liquens em regiões expostas à poluição, e esse método foi adotado neste trabalho. Para a determinação de possíveis locais com maior concentração de poluentes atmosféricos foi feita a análise populacional dos liquens em árvores da área urbana de Paranaguá.

A determinação da quantidade de liquens em cada árvore foi estimada  visualmente, numa área do tronco da árvore definida entre as alturas de 1 metro e 1,80 metros. Essa área foi dividida em quatro colunas centradas nos pontos cardeais Norte, Sul, Leste e Oeste, e também foi dividida a cada 20 cm de altura para definir uma grade (Figura 2).

 

Figura 2 – Área estudada dos troncos para indicar a quantidade de liquens

https://lh4.googleusercontent.com/4rrfMp22a7Yt4hJshylPPsjzedJqDheby7LSWnDIz3GpZWKC3c1odCg2xENXJVku3XbKQUSkeRTFyp9xiXk1Z23oqJko2jiSws-PRLZ28WyGJBovKTssr-qpV_aEjzjqPhGlm7I5K6rqXwdKuw

Fonte: Os autores (2019).

Ao todo foram analisadas 90 árvores, que abrangem quase toda a área urbana do município (vide Figura 1), sendo que 16 se encontram nas zonas comerciais ou portuária e 74 nas zonas residenciais. Através dos dados obtidos em campo foi gerado um mapa de calor no software Qgis com a localização e a concentração de liquens em cada árvore.

Apesar da quantidade de árvores na região portuária e residencial serem diferentes, bem como a área das duas regiões, a razão entre a quantidade de árvores da zona residêncial pela área da zona residêncial é aproximadamente igual a razão da quantidade de árvores da zona portuária pela área da zona portuária. Com base nisso, adotou-se a hipótese de que as concentrações de liquens das árvores dessas duas zonas podem ser comparadas.

Os liquens também foram classificados em três grupos: crostoso, folioso, filamentoso e fruticoso. Esses liquens possuem características que os diferenciam. O grupo crostoso geralmente é achatado e bem aderido ao substrato (tronco, rocha), o folioso é caracterizado por uma estrutura laminar que não se prende totalmente ao substrato, o de talo fruticoso apresenta ramos que podem ser simples, divididos ou achatados, e o grupo filamentoso possui talos compostos por filamentos finos e entrelaçados (SPIELMANN, 2006).

 

 

3 Resultados e Discussão

A concentração de liquens varia na cidade de Paranaguá (Figura 3), provavelmente indicando as regiões mais suscetíveis à poluição atmosférica.

 

Figura 3 – Mapa de calor indicando os locais com maior concentração de liquens

https://lh3.googleusercontent.com/bke72bKPMtqBf1fXdawzLyXB72sblDfeGGkqTWRqPeQNcPe1_DzStXkC2KHj0PUE7JC98mCxPEhe7aoriGt-JfvtbPYIQjJ-gePdcK5qNcvu488pcbKK2A5Z7YHmeengcYJdZh0wFonte: Os autores (2019). 

As regiões com maiores concentrações de liquens estão na zona residencial de Paranaguá: em 63,27% de sua área continha liquens em mais do que 50% da área do amostrador, enquanto que na zona portuária e comercial esse percentual era de 11,88%. Apesar disso, em algumas áreas da zona residencial da cidade, a concentração de liquens era quase nula. Isso ocorreu principalmente nas árvores próximas às avenidas com grande tráfego de veículos, tal como na área destacada pela quadrícula vermelha na Figura 3; essa área está próxima a uma das principais vias de acesso ao porto de Paranaguá, a Avenida Senador Atílio Fontana.

Um trabalho que encontrou resultados semelhantes ao que está sendo reportado neste estudo é o de Leal et al (2019); esses autores mediram a concentração de liquens em um local próximo a uma avenida da cidade de Jundiaí e numa região afastada da área urbana (Serra do Japí). Eles constataram que a concentração de liquens aumentava com a distância da avenida, e que na Serra do Japí foi encontrada uma maior variedade de espécies de liquens do que na outra região avaliada. Em Paranaguá, nas zonas residenciais também há uma maior variedade de grupos de liquens em comparação com a área comercial e portuária da cidade: 74% das árvores da zona residêncial apresentaram liquens do grupo crostoso, 39% do grupo folioso e 12% do grupo fruticoso, enquanto que na zona comercial e portuária, 68% dos liquens eram do grupo crostoso, 25% do grupo folioso e 6% do grupo fruticoso. Segundo Van Haluwyn e Van Herk (2002), espécies pertencentes ao grupo fruticoso são as mais sensíveis a poluição atmosférica, enquanto que os liquens do grupo folioso são mais resistentes (Fuga, Saiki e Marcelli, 2005).

 

 

4 Conclusão

Este trabalho apresenta uma avaliação da qualidade do ar da cidade de Paranaguá através da análise da concentração de liquens em árvores da zona residêncial e da zona portuária e comercial da cidade.

Na zona portuária e comercial de Paranaguá, a concentração e a variedade de liquens é menor do que nas áreas residenciais: 63,27% dos liquens das árvores da zona residêncial continham liquens em mais do que 50% da superfície amostrada nas árvores, enquanto que na zona urbana essa concentração foi de 11,88%. Também se constatou que em locais próximos às avenidas com intenso tráfego de veículos, a concentração de liquens era menor. A diferença na distribuição dos liquens nas árvores da cidade de Paranaguá pode estar relacionada às concentrações de poluentes atmosféricos mais elevadas na região portuária e comercial de Paranaguá.

 

 

Agradecimentos

Aos discentes do curso de Eng. Ambiental e Sanitária da UFPR, que durante a disciplina de Monitoramento da Qualidade do Ar ajudaram na avaliação dos liquens da cidade de Paranaguá.

 

 

Referências

BRAZ, S. N.; LONGO, R. M. Bioindicadores de Poluição Ambiental: Um Estudo Bibliométrico. ANAP Brasil. v. 12, n. 17, p. 42 - 53, 2019.

BRITO, M. F. F.; GOMES, D. O. B.; SILVA, M. J. M. Biomonitoramento da qualidade do ar com tradescantia pallida como ferramenta no ensino de educação ambiental. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais. v. 7, n. 1, p. 97 - 106, 2016.

CAÑÓN, E. R. P.; et al. LIQUENS COMO BIOINDICADORES DA POLUIÇÃO EM SÃO GABRIEL – RS.  VII Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão. Universidade Federal do Pampa. Anais do VII Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão.  Universidade Federal do Pampa, 2008, p. 1 - 2. 

CARNEIRO, R. M. A. Bioindicadores vegetais de poluição atmosférica: uma contribuição para a saúde da comunidade. Dissertação (Mestrado em Enfermagem em Saúde Pública) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

FUGA, A.; SAIKI, M.; MARCELLI, M. P. Análise de liquens por ativação neutrônica para estudo da poluição atmosférica da cidade de São Paulo. INAC. 2005. 

GURGATZ, B. M. et al. Teloschistes flavicans (sw.) Norman como indicador de poluição atmosférica em Paranaguá – PR. RBCIAMB. n. 44, p. 27-39, 2017.

HERZIG, R. et al. Recalibration and validation of the Swiss lichen bioindication methods for air quality assessment. Environmental Science and Pollution Research, 2020.

KÄFFER, M. I.; MARTINS, S. M. A.; VARGAS, M. F. V. Biomonitoramento da qualidade do ar com uso de liquens na cidade de Porto Alegre, RS, Brasil. Fepam em revista, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 4 - 12, 2012.

LEAL, L. L. et al. ESTUDO COMPARATIVO DE LIQUENS NA FATEC JUNDIAÍ E NA SERRA DO JAPÍ. In: 30° Congresso Nacional de Saneamento e Meio Ambiente, 2019, São Paulo. Anais. Disponível em: http://evolvedoc.com.br/aesabesp/detalhes-3653_estudo-comparativo-de-liquens-na-fatec-jundiai-e-na-serra-do-japi. Acesso em: 25/05/2020.

SKYE, E. Lichens and Air Pollution. A study of cryptogamic epiphytes and environment in the Stockholm region. Almqvist and Wiksells Boktryckeri AB, Uppsala, Suécia, 1968.

SPIELMANN, A. A. FUNGOS LIQUENIZADOS (LIQUENS). Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente, Instituto de Botânica - IBt, São Paulo, 2006.  

VAN HALUWYN, C.; VAN HERK, C. M. Bioindication: The community approach. In: Nimis, P. L.; Scheidegger, C.; Wolseley, P. A. (Ed.). Monitoring with Lichens - Monitoring Lichens. Kluwer Academic Publishers Dordrecht, 2002, p. 39 - 64.