Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e16, 2020

DOI:10.5902/2179460X45360

ISSN 2179-460X

Received: 02/06/20  Accepted: 02/06/20  Published: 28/08/20

 

by-nc-sa 


Special Edition

 

Escoamento de drenagem sobre terreno ondulado

 

Drainage flow over undulating terrain

 

Maicon F. Andrades I

Luis E. Medeiros II

Felipe D. Costa III

Luis F. Camponogara IV

Débora R. Roberti V

 

I   Universidade Federal do Pampa, Alegrete, Brasil. E-mail: maicon.andrades@gmail.com.

II Universidade Federal do Pampa, Alegrete, Brasil. E-mail: ducamobi@gmail.com.

III Universidade Federal do Pampa, Alegrete, Brasil. E-mail: fdenardin@gmail.com.

IV Universidade Federal do Pampa, Alegrete, Brasil. E-mail: lfcamponogara@gmail.com.

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: debora@ufsm.br.

 

 

RESUMO

O presente trabalho estuda eventos de drenagem de ar frio que ocorrem sobre uma região de terreno ondulado, com diferenças de elevação de algumas dezenas de metros. Para isso, utilizam-se dados coletados durante o outono de 2015 provenientes de uma torre micrometeorológica, e mais quatro estações meteorológicas equipadas com anemômetros sônicos. Os resultados mostram dois casos diferentes de drenagem, um quando o escoamento próximo à superfície se opõe ao vento ambiente, e outro quando o vento ambiente é fraco e apresenta direção de caída do terreno, na qual a drenagem é intensificada.

Palavras-chave: Escoamento de drenagem; Vento ambiente; Perda Radiativa.

 

ABSTRACT

The present work investigates drainage events of cold air that occur over an undulating terrain, with elevations differences of some tens meters and grassy surface. For this, data collected in the autumn of 2015 from a micrometeorological tower and four weather stations are used. The results show two different cases of drainage, one when the ambient flow is upslope against the near the surface drainage flow, and another when the ambient flow is downslope in favor of the drainage.

Keywords: Drainage Flow; Ambiente Wind; Radiative Loss.

 

 

1 Introdução

Escoamentos de drenagem iniciam quando o ar adjacente a uma superfície inclinada flui pela encosta devido ao fato deste ser mais frio e mais denso que o ar livre para a mesma elevação (HORST; DORAN, 1986). De acordo com Mahrt et al. (2001), grande parte das superfícies terrestres experimentam escoamentos de drenagem durante o período noturno sob condições de céu claro e vento fraco, ocorrendo em uma ampla variedade de situações. Pois, conforme o autor, o escoamento próximo à superfície é modulado pela inclinação do terreno. A drenagem pode ocorrer mesmo em regiões com diferenças pequenas de elevação, todavia, a maior parte dos estudos realizados sobre este fenômeno abrangem análises de vales profundos, regiões montanhosas ou áreas florestais (SUN et al., 1998; PAPADOPOULOS; HELMIS, 1999; TOTA; FITSJARRALD; DIAS, 2012). Assim o estudo sobre drenagens em superfícies mais suaves, como terrenos ondulados e/ou com cobertura vegetal menos impactante, tornam-se relevantes. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é estudar os eventos de drenagem de ar que ocorrem sobre uma região de terreno ondulado. As diferenças de elevação são de algumas dezenas de metros e a cobertura da superfície é composta por pastagens. Além disso, busca-se estudar detalhadamente a dinâmica e a termodinâmica destes escoamentos, bem como os parâmetros que o influenciam. A área de estudo está localizada no centro sul da cidade de Santa Maria, RS, e os dados coletados compreendem o outono de 2015.

 

 

2 Metodologia

O sítio experimental se localiza na cidade de Santa Maria, RS, consiste em uma área de terreno ondulado e cobertura de pastagens. O conjunto experimental era composto por uma torre micrometeorológica de 30 metros, na qual havia dois anemômetros sônicos, um a 30 m e outro a 3 m do chão. Ao redor da torre, quatro estações meteorológicas foram posicionadas e utilizadas como estruturas de montagem para sensores de vento e temperatura a 1,5 m da superfície. Séries temporais de temperatura e velocidade do vento são analisadas juntamente com dados de radiação para o período entre 23 de março e 24 de abril de 2015. As estações são representadas pela sigla S (S1, S2, S3 e S4), cada uma posicionada a uma mesma distância da torre, enquanto os dois níveis da torre são identificados pelas siglas S3m (primeiro nível) e S30m (segundo nível). As regiões mais elevadas do sítio estão a sudeste da torre micrometeorológica e a diferença de elevação máxima é de aproximadamente 12 m. Além disso, S1 se encontra na região de maior elevação, ao passo que S2 está localizada na região mais baixa do terreno.

 

Figura 1 – Mapa topográfico local com a posição das estações meteorológicas

 

 

3 Resultados e Discussão

A Figura 2 apresenta o caso observado entre a noite dos dias 31 de março e primeiro de abril. Através do painel superior, observa-se uma grande perda radiativa da superfície, além disso, tem-se a presença de um gradiente de temperatura entre esta e o topo. A temperatura de S1 se mantém próxima ou superior a de S3m durante praticamente todo o período. O fluxo de calor sensível é negativo na maior parte da noite (painel intermediário e inferior), exceto pela faixa entre as 23 horas e a 1 h da madrugada, em que este varia, tornando-se positivo. Esta faixa corresponde ao período no qual a perda radiativa enfraquece e as temperaturas das estações se aproximam o que leva a um enfraquecimento da estratificação térmica da camada.

 

Figura 2 – Painel superior: saldo de radiação, Rn, próximo à superfície (linha grossa preta); linhas estreitas, séries temporais de temperatura em 30 m (linha preta), 3 m (linha preta tracejada), 1,5 m S1 (linha vermelha), 1,5 m S2 (linha verde), 1,5 m S3 (linha azul) e 1,5 m S4 (linha azul claro). Painel intermediário: série temporal para o fluxo de calor sensível das estações 1, 4 e para S30m. Painel inferior: série temporal para o fluxo de calor sensível das estações 2, 3 e para S3m. Estas séries temporais representam o período entre às 17 horas (local) do dia 31 de março às 7 horas do dia primeiro de abril

 

A Figura 3 apresenta as características dinâmicas para o caso referido. A componente zonal do vento ambiente se opõe ao escoamento próximo à superfície durante praticamente todo o período, evidenciando claramente a ocorrência do escoamento de drenagem (painel superior). A velocidade média de u para esse caso é de aproximadamente 1,1 m/s a 30 m, na direção de subida da encosta, enquanto que a 3 m e 1,5 m, a magnitude da componente zonal é de cerca de 0,3 m/s e 0,16 m/s, respectivamente, na direção de descida da encosta. Nas faixas entre as 21 e 22 horas, e entre as duas e 3 horas, observam-se picos de velocidade registrados por S3m, estes períodos correspondem aos períodos em que a temperatura de S1 se torna menor que a de S3m. À medida que o vento ambiente se intensifica as temperaturas tendem a se aproximar e a drenagem desaparece. Comparando os painéis superiores das Figuras 2 e 3, percebe-se a grande influência do resfriamento radiativo da superfície. Quando este diminui, a estratificação térmica das camadas de ar enfraquece em resposta (faixa entre a meia-noite e 1 h).  Entre às 4 e 6 horas, o escoamento de drenagem é interrompido rapidamente diversas vezes, contudo, vê-se que não há um enfraquecimento significativo do gradiente de temperatura. Segundo Mahrt et al. (2001), à medida que as regiões mais baixas ficam “cheias” de ar frio a drenagem pode ser interrompida, o que explicaria o comportamento observado.  O painel inferior mostra que o fluxo de momentum próximo ao é negativo, enquanto que a 3 m este apresenta sinal positivo, isso significa que o escoamento apresenta um ponto de velocidade máxima próxima a essa altura.

 

Figura 3 – Painel superior: séries temporais da componente u do vento em 30 m (linha preta), 3 m (linha preta tracejada), 1,5 m S1 (linha vermelha), 1,5 m S2 (linha verde), 1,5 m S3 (linha azul) e 1,5 m S4 (linha azul claro). Painel inferior: série temporal para o fluxo de momentum. Estas séries temporais representam o período entre às 17 horas (local) do dia 31 de março às 7 horas do dia primeiro de abril de 2015

 

A Figura 4 apresenta as séries temporais para a noite entre os dias 18 e 19 de abril. Assim como no caso anterior, tem-se uma grande perda radiativa, além da presença de um gradiente de temperatura que se intensifica após às 22 horas. Vê-se que a temperatura a 30 m está completamente desconectada das demais e que a temperatura de S1 (localizada na região mais elevada) é menor que a do primeiro nível da torre na maior parte da noite (fator que impulsiona o escoamento de drenagem). Os painéis intermediário e inferior mostram que o fluxo de calor sensível próximo à superfície são negativos durante praticamente todo o período, exceto a estação 3 que apresenta oscilações significativas. S3m apresenta um comportamento semelhante ao registrado pelas estações, contudo, o segundo nível (S30m) mostra grandes variações, na qual por diversas vezes o fluxo de calor sensível se torna positivo. Todavia, ainda não é possível compreender claramente seu papel no escoamento de drenagem.

 

Figura 4 – Painel superior: saldo de radiação, Rn, próximo à superfície (linha grossa preta); linhas estreitas, séries temporais de temperatura em 30 m (linha preta), 3 m (linha preta tracejada), 1,5 m S1 (linha vermelha), 1,5 m S2 (linha verde), 1,5 m S3 (linha azul) e 1,5 m S4 (linha azul claro). Painel intermediário: série temporal para o fluxo de calor sensível das estações 1, 4 e para S30m. Painel inferior: série temporal para o fluxo de calor sensível das estações 2, 3 e para S3m. Estas séries temporais representam o período entre às 17 horas (local) do dia 18 de abril às 7 horas do dia 19 de abril de 2015

 

A Figura 5 apresenta as características dinâmicas para a noite em questão. O painel superior mostra que tanto a componente zonal do vento ambiente, quanto à do escoamento próximo à superfície apresentavam a direção de descida da encosta em grande parte do período observado. Pode-se notar que a magnitude de u a 3 m é maior que a do vento ambiente no início da noite, principalmente na faixa entre 19 e 21 h. Para a faixa entre às 17 h e a meia-noite, a velocidade média é de 0,9 m/s. As estações também mostram que o escoamento adjacente à superfície é mais forte que o sinótico, o que comprova que a drenagem intensifica o escoamento próximo ao chão (AMANATIDIS et al., 1992). Além do mais, observando novamente o painel superior da Figura 4, nota-se que a faixa em que a velocidade do escoamento de drenagem é à velocidade do escoamento sinótico corresponde ao período em que S1 está mais fria que S3m. Como já visto, quando isso ocorre o escoamento de drenagem se intensifica (MAHRT et al., 2001). O painel inferior apresenta um comportamento diferente do fluxo de momentum. Para a faixa entre às 17 e a 1 h, este é negativo para todos os níveis próximos ao chão. Contudo, S30m apresenta regiões em que o fluxo de momentum é positivo, ou seja, o ponto de velocidade máxima do escoamento está acima dos 3 m.

 

Figura 5 – Painel superior: séries temporais da componente u do vento em 30 m (linha preta), 3 m (linha preta tracejada), 1,5 m S1 (linha vermelha), 1,5 m S2 (linha verde), 1,5 m S3 (linha azul) e 1,5 m S4 (linha azul claro). Painel inferior: série temporal para o fluxo de momentum. Estas séries temporais representam o período entre às 17 horas (local) do dia 18 de abril às 7 horas do dia 19 de abril de 2015

 

 

4 Conclusão

Apesar de o sítio estudado apresentar diferenças de elevação de no máximo 10 m, para o conjunto de dados disponíveis, quatro ocorrências de drenagens são identificadas. Observa-se que a perda radiativa tem um papel significativo nestes escoamentos, favorecendo a estratificação da camada. O gradiente de temperatura e a intensidade do vento ambiente são fatores que impulsionam ou freiam a drenagem. Além disso, percebe-se que o fluxo de momentum muda de sinal abaixo e acima do valor máximo do escoamento de drenagem. Fenômenos como esse aqui estudado são significativos, pois impactam consideravelmente nas atividades antropogênicas, uma vez que o escoamento próximo à superfície determina as trocas de propriedades entre a atmosfera e o solo. Afetando, entre outras coisas, a formação de nevoeiro, o transporte e dispersão de poluentes, e consequentemente, a qualidade do ar. Como trabalho futuro fica a reprodução do experimento para períodos maiores, cerca de seis meses ou um ano. 

 

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a CAPES e ao CNPQ pelo incentivo por parte da bolsa, ao Laboratório de Micrometeorologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pela disponibilização dos dados, e ao Laboratório de Fluidodinâmica Computacional (LFCTA), da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). 

 

 

Referências

AMANATIDIS, G. T. et al. Evidence of katabatic flows deduced from a 84 m meteorological tower in Athens, Greece. Boundary-layer meteorology, v. 58, n. 1-2, p. 117-132, 1992.

HORST, T. W.; DORAN, J. C. Nocturnal drainage flow on simple slopes. Boundary-Layer Meteorology, v. 34, n. 3, p. 263-286, 1986.

MAHRT, L. et al. Shallow drainage flows. Boundary-layer meteorology, v. 101, n. 2, p. 243-260, 2001.

PAPADOPOULOS, K. H.; HELMIS, C. G. Evening and morning transition of katabatic flows. Boundary-Layer Meteorology, v. 92, n. 2, p. 195-227, 1999.

SUN, Jielun et al. Transport of carbon dioxide, water vapor, and ozone by turbulence and local circulations. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 103, n. D20, p. 25873-25885, 1998.

TOTA, Julio; ROY FITZJARRALD, David; DA SILVA DIAS, Maria AF. Amazon rainforest exchange of carbon and subcanopy air flow: Manaus LBA site—A complex terrain condition. The Scientific World Journal, v. 2012, 2012.