Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e7, 2020

DOI:10.5902/2179460X45315

ISSN 2179-460X

Received: 01/06/20  Accepted: 01/06/20  Published: 28/08/20

 

by-nc-sa 


Special Edition

 

Impacto do uso do filtro “velocidade de fricção” em estimativas anuais de carbono sobre ecossistemas de pastagem natural

 

Impact of using the friction velocity filter on annual carbon estimates on natural pasture ecosystems

 

Ricardo Acosta I

Gustavo Veeck II

Tiago Bremm III

Debora Roberti IV

Osvaldo Moraes V

 

I Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: ricardo.acosta@gmail.com.

II Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: veeckgp@gmail.com.

III Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: bremm.tiago@gmail.com.

IV Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: debora@ufsm.br.

V Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, São José dos Campos, Brasil. E-mail: osvaldo.moraes@cemaden.gov.br.

 

 

RESUMO

A estimativa anual de carbono sobre os mais diversos ecossistemas é tema recorrente em encontros que tratam sobre a mitigação  às mudanças climáticas, visto que é fundamental ter-se um inventário realístico do estoque de carbono na biosfera, além de sua capacidade de assimilação CO2. As medidas de fluxo de CO2 sobre ecossistemas após serem tomadas passam por um pós-processamento rigoroso a fim de retirar dados espúrios e irreais. Além disso, um correção para situações de baixa turbulência, onde a técnica eddy-covariance pode apresentar subestimativas, é tomar a velocidade de fricção (u*) como limiar para estabelecer as medidas válidas, principalmente a noite. Este método, embora muito utilizado pela comunidade científica, não é unanimidade. Especialmente por conta que o u* é, por si só, um fluxo e, consequentemente seu valor está correlacionado com a escala temporal usada para a análise. Este trabalho apresenta a estimativa anual de carbono sobre um ecossistema de pastagem natural, em um sítio experimental estabelecido na cidade de Santa Maria – RS.  Avaliamos três situações distintas na estimativa anual de carbono (NEP): I) sem um filtro u*; ii) com filtro u* fixo para todo os anos avaliados e; iii) com o filtro u* variando sazonalmente. A metodologia utilizada para estimar u* é a mesma utilizada por Papale et al.(2006). Os resultados mostram uma variabilidade do total anual de sequestro de carbono de até 10% a depender da metodologia empregada. O ecossistema em questão, independente do método utilizado se mostrou um sumidouro de carbono. Todavia, o uso de uma metodologia ou outra, em situações de ecossistemas que estão próximo a neutralidade no quesito assimilação/emissão de carbono deve ser examinado minuciosamente a fim de que se tenha um balanço anual acurado.

Palavras-chave: Fluxo CO2; Eddy covariance; Bioma Pampa; Filtro velocidade fricção.

 

 

ABSTRACT

Annual carbon estimation of the most diverse ecosystems is a recurring theme in meetings that address climate change mitigation, as it is essential to have a realistic inventory of carbon stock in the biosphere and the ability to assimilate atmospheric carbon. Measurements of CO2 flux over ecosystems after being taken undergo rigorous post-processing to remove spurious and unrealistic data. In addition, a correction for low turbulence situations, where the eddy-covariance technique may be underestimated, is to take the friction velocity (u*) as a threshold to establish valid measurements, especially at night. This method, although widely used by the scientific community, is not unanimous. Especially since u* is itself a flow and consequently its value correlates with the time scale used for the analysis. This paper presents the annual carbon estimate of a natural pasture ecosystem, Pampa biome, in an experimental site established in Santa Maria - RS. We evaluated three distinct situations in the annual carbon estimate (NEP): i) without a u* filter; ii) with a fixed filter u* for all evaluated years and; iii) with the filter u* varying seasonally. The methodology used to estimate u* is the same as that used by Papale et al. (2006). The results show a total annual carbon sequestration variability of up to 10% depending on the methodology employed. The ecosystem in question, regardless of the method used, proved to be a carbon sink. However, the use of one methodology or another in ecosystem situations that are close to carbon assimaltion neutral should be closely scrutinized for an accurate annual balance.

Keywords: CO2 flux; Eddy covariance; Pampa biome; Friction velocity filter.

 

 

1 INTRODUÇÃO

A estimativa anual de carbono sobre os mais diversos ecossistemas é tema recorrente em encontros que tratam sobre a mitigação às mudanças climáticas, visto que é fundamental ter-se um inventário realístico do estoque de carbono na biosfera, além da capacidade de assimilação do carbono atmosférico (ACOSTA, 2019). As medidas de fluxo de CO2 sobre ecossistemas após serem tomadas passam por um pós-processamento rigoroso a fim de retirar dados espúrios e irreais. Além disso, um correção para situações de baixa turbulência, onde a técnica eddy-covariance pode apresentar subestimativas, é tomar a velocidade de fricção (u*) como limiar para estabelecer as medidas válidas, principalmente a noite. Este método, embora muito utilizado pela comunidade científica, não é unanimidade. Especialmente por conta que o u* é, por si só, um fluxo e, consequentemente seu valor está correlacionado com a escala temporal usada para a análise (ACEVEDO et al., 2009). Este trabalho apreseneta o impacto do filtro pela velocidade de fricção para diferentes estimativas anuais de carbono sobre um ecossistema de pastagem natural, no bioma Pampa.

 

 

2 METODOLOGIA

Dados atmosféricos obtidos no sítio experimental estabelecido na cidade de Santa Maria – RS (Figura 1). A estação micrometeorólogica, desde 2013, vem registrando as trocas de energia e CO2 entre a biosfera-atmosfera com medidas de alta frequência (10 Hz – sistema eddy-covariance). Concomitantemente estão sendo registradas informações ambientais através de um sistema de aquisição em baixa frequência (1 minuto) instalado na mesma estrutura (ver Figura 1).

Foram utilizados para tal estimativa os dados brutos do fluxo de CO2, as medidas de u*, radiação global e temperatura, promediados a cada meia-hora, disponibilizada pela estação micrometeorológica. Avaliamos três situações distintas na estimativa anual de carbono: i) sem filtro u*; ii) com filtro u* fixo para todo o período avaliado e; iii) com o filtro u* variando sazonalmente. A metodologia utilizada para estimar o limiar u* que serve como filtro de descarte de dados, promediados em meia-hora, é a mesma utilizada por Papale et al. (2006). Utiliza-se em situações que a radiação solar esteja abaixo de 10 W m-2, portanto dados noturnos e, consequentemente presume-se a fotossíntese nula.

 

Figura 1 – Localização do sítio experimental de Santa Maria – RS, Brasil e a estação micrometeorológica

 

Para determinar um u* limite a cada estação do ano os dados são agrupados em subconjuntos com condições ambientais semelhantes, além da velocidade de fricção, a estação do ano e classes de temperatura (padrão 7 classes). Em cada subclasse de estação/temperatura, o limiar u* é estimado a partir da saturação dos valores de fluxo de CO2 (NEE). A estimativa de um valor único do limiar u* (0,10 m s-1) para todo período foi realizado com a mesma metodologia, todavia não foram realizados subconjuntos considerando a estação do ano.

 

Figura 2 – Velocidade de fricção (u*) limiar estimada para as situações (ii) com u* fixo para todo período (linha solida vermelha) e; (iii) u* variando a cada estação do ano (linha preta pontilhada)

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A estimativa anual de carbono sobre o ecossistema de pastagem natural é observada na Figura 3. Os valores correspondem ao valor acumulado mês por mês ao longo dos anos de análise, de 2014 até 2018. Os valores negativos significam que o ecossistema retira CO2 da atmosfera, portanto um sumidouro de carbono. Observa-se que todos os anos apresentam um saldo negativo, independente da metodologia empregada. Todavia, a diferenças significantes a partir do ano de 2015.

 

Figura 3 – Acumulado mensal da Troca Líquida do Ecossistema (NEE), em gC m-2mes-1, para todo perído analisado, separado por ano. A linha sólida preta sem uso de filtro, a linha azul pontilhada u* fixo (0,1 m s-1) para todo período e a linha verde pontilhada com u* sazonal

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Os valores estimados sem qualquer filtragem devido a condição de baixa turbulência (linha sólida preta) apresenta uma superestimativa no saldo anual de carbono absorvido pelo ecossistema, o que significa que menos dados foram filtrados e que os registros em situações de baixa ou nenhuma turbulência tiveram um impacto de diminuir a respiração do ecossistema.

Ao analisarmos as diferenças entre as situações em que o filtro u* é utilizado em relação a situação onde não foi utilizado a filtragem as diferenças são mais evidente. Excetua-se o primerio ano de medidas, visto que o limiar da velocidade fricção estimado quando da saturação noturna de NEE apresenta valor relativamente baixo, para o período fixo 0,10 m s-1, enquanto que na análise sazonal do u* limite a variação estimada foi ainda menor, entre 0,07 m s-1 e 0,09 m s-1. Fica evidente que as condições de turbulência, estabelecidas a partir da relação entre u* e a saturação do NEE noturno, apresentam valores distintos dependendo do período de análise (Figura 2) e que é dependente portanto da coleção de dados adquiridos que é específica para cada sítio experimental e o contexto das condições ambientais que a campanha experimental esteve sujeita.

As estimativas anuais (Tabela 1) do sequestro de carbono pelo ecossistema apresentou variabilidade para situações onde não foi utilizado filtro entre 99 gC m-2ano-1 e 423 gC m-2ano-1, enquanto que ao utilizar os filtros com a velocidade de fricção estes valores foram menores, variando entre 103 m-2ano-1 e 372 gC m-2ano-1, com u* limite igual a 0,1 m s-1 e limites entre 103 gC m-2ano-1 e 369 gC m-2ano-1 para o filtro u* sazonal (Figura 1). A Tabela 1 apresenta as estimativas anuais de carbono assimilado pelo ecossistema de pastagem natural, ainda de forma preliminar, e a razão entre o uso de i) u* fixo e ii) u* sazonal. O impacto do uso da metodologia com o limiar fixo para todo o período do u* foi 10% a mais que o valor sem filtro, enquanto que com o uso do filtro sazonal u* foi de 7% em relação aos dados não filtrados.

 

Tabela 1Acumulado annual de carbono [gC m-2ano-1] para diferentes metodologias

 

u* sem filtro

u* = 0,1 m s-1

razão1

u*= sazonal

razão2

2014

99

103

1,04

103

1,04

2015

371

332

0,90

351

0,95

2016

263

222

0,86

232

0,88

2017

423

372

0,88

369

0,87

2018

328

270

0,83

294

0,90

 

 

 

0,90

 

0,93

 

O método de filtragem, seja na definição de um limiar fixo de u* para todo período, ou com variação na sua definição a partir de cada estação do ano ao decorrer do período de análise, apresentou uma diferença de aproximadamente 4% entre eles. De todo modo, mesmo que a diferença seja pequena, deve-se ter em conta as incertezas inseridas no cálculo do saldo annual de carbono, visto que ao extrapolar para áreas maiores pode gerar um impacto significativo. Ainda que o ecossistema de pastagem natural tenha se comportado, por todo período analisado, como um sumidouro de CO2, em ecossistemas próximos a neutralidade estas incertezas devem ser examinadas minuciosamente, a fim de não influir na determinação do mesmo como sumidouro ou fonte de CO2 de maneira equivocada (STULL, 1988). Alguns autores sugerem outros métodos para determinação de dados válidos de quando a mistura turbulenta não está bem estabelecida (ACEVEDO et al. 2009).

 

 

4 CONCLUSÃO

Neste trabalho verificamos o impacto do uso da velocidade de fricção como filtro para determinação de estimativas anuais de carbono em um ecossistema de pastagem natural. Os valores foram sem o uso de filtro foram superestimados em 10% e 7%, em relação ao uso de u* fixo e u* sazonal, respectivamente. Na determinação do u* sazonal, verificamos uma variabilidade ao longo de todo período, associado ao contexto meteorológico que a campanha de medidas esteve inserida. O valor mínimo estimado de u* foi de 0,07 m s-1 no outono de 2016 e o valor máximo estimado de u* foi 0,17 m s-1 no verão de 2015/2016. Embora a discussão acerca do uso ou não do u*, esta discussão ocorre de maneira mais aplicada entre pesquisadores que estão mais interessados nas características da turbulência e de sua intermitência. Do ponto de vista das investigações a respeito das trocas entre a biosfera-atmosfera e a quantificação de CO2 em escala de tempo mensal e anual, a metodologia empregada por Papale et al. (2006) mostra-se robusta, especialmente quando considera as diferentes estações do ano.

 

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos auxílios recebidos pelas agências de fomento brasileira (CAPES-Código de Financiamento 001, CNPq, FAPERGS) em especial aos projetos CAPES/Modelagem # 88881.148662 / 2017-01; CAPES/ANA-DPB # 88887.144979 / 2017-00; CNPq 401426/2016-5;17/2551-0001124-4 e 16/2551-0000102-2.



REFERÊNCIAS

ACEVEDO, O.; MORAES, O.; DEGRAZIA, G.; FITZJARRALD, D.; MANZI, A.; CAMPOS, J. Is friction velocity the most appropriate scale for correcting nocturnal carbon dioxide fluxes. Agricultural and Forest Meteorology, Elsevier, 149, 1-10, 2009.

ACOSTA, R. Estimativas das interações biosfera-atmosfera em ecossistema de pastagem natural do bioma Pampa. 84 f. Tese (Doutorado em Meteorologia) — Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2019

BARR, A.; RICHARDSON, A.; HOLLINGER, D.; PAPALE, D. ARAIN, M.; BLACK, T.; BOHRER, G.; DRAGONI, D.; FISCHER, M. GU, L. Use of change-point detection for friction--velocity threshold evaluation in eddy-covariance studies. Agricultural and forest meteorology, Elsevier, 171, 31-45, 2013.

PAPALE,D.; REICHSTEIN, M.; AUBINET, M.; CANFORA, E.; BERNHOFER, C.; KUTSCH, W. LONGDOZ,  B.; RAMBAL, S.; VALENTINI, R.; VESALA, T. Towards a standardized processing of Net Ecosystem Exchange measured with eddy covariance technique: algorithms and uncertainty estimation. Biogeosciences, Copernicus GmbH, 3, 571 – 583, 2006.

STULL, R. An introduction to boundary layer meteorology. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1988. 666 p.