Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria v.42, Special Edition: Micrometeorologia, e6, 2020

DOI:10.5902/2179460X45312

ISSN 2179-460X

Received: 01/06/20  Accepted: 01/06/20  Published: 28/08/20

 

by-nc-sa 


Special Edition

 

Estudo do colapso da turbulência em um canal aberto estratificado

 

Study of the turbulence collapse in an open channel stratified 

 

Cristhian Hilberto Kirinus I

Felipe P. Lamaizon II

Luis Fernando Camponogara III

Danilo N. Lemes Junior IV

Felipe D. Costa V

 

I Fundação Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: cristhiankirinus15@gmail.com.

II Fundação Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: felipelamaizon@gmail.com.

III Fundação Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: lfcamponogara@gmail.com.

IV Fundação Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: danilo.nogueira.lemes@gmail.com.

V Fundação Universidade Federal do Pampa, Campus Alegrete, Brasil. E-mail: fdenardin@gmail.com.

 

 

RESUMO

Logo após o pôr-do-Sol, a superfície terrestre inicia o seu resfriamento pela emissão de radiação de onda longa. Como resultado desse processo, as camadas de ar juntamente a superfície são resfriadas, desta forma origina-se uma camada limite estável (CLE). O presente trabalho tem como objetivo geral realizar uma simulação numérica de um escoamento turbulento e observar os efeitos da estratificação sobre o mesmo. Para a realização desse trabalho, foi feita a reprodução de um escoamento em um canal aberto devido ao fato da parede superior não influenciar no escoamento, no qual foi aplicado um gradiente de temperatura entre as placas inferior e superior. O software CFD utilizado no trabalho foi o OpenFOAM 2.4.0. O solver mais apropriado para o presente trabalho é o buoyantPimpleFoam, o qual é indicado para escoamentos compressíveis, turbulentos, transientes e com transferência de calor. Analisando os resultados encontrados, observa se que antes da realização do processo de estratificação térmica os níveis encontram-se acoplados em função da presença da turbulência. Quando isso ocorre, ocasiona uma maior homogenização da velocidade e temperatura na região central do domínio. Para grandes gradientes de temperatura observa-se uma laminarização do escoamento devido aos forçantes térmicos serem maiores que os mecânicos.

Palavras-chave: CFD; Camada Limite; Turbulência.

 

 

ABSTRACT

Shortly after sunset the surface starts its cooling by the emission of longwave radiation. As a result of this process, the air layers along with the surface are cooled, thus giving rise to a Stable Boundary Layer (SBL). This paper aims to perform a numerical simulation of a turbulent flow and observe the effects of stratification on it. To perform this study, a reproduction of a flow in an open channel was made due the fact that the upper wall did not influence the flow, in which a temperature gradient between the lower and upper plates was applied. The CFD software used in this paper was OpenFOAM 2.4.0. The most appropriate solver for the present study is the buoyantPimpleFoam, which is suitable for compressible, turbulent, transient and heat transfer flows. Analyzing the results, it can be observed that before the thermal stratification process was performed the levels are coupled as a function of the turbulence. When this occurs, it causes greater velocity and temperature homogenization in the central region of the domain. For larger temperature gradients, it can be observed a laminarization of the flow due the thermal forcing being bigger than the mechanical ones.

Keywords: Boundary Layer; CFD; Turbulence.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Logo após o anoitecer, a superfície terrestre inicia o seu resfriamento pela emissão de radiação de onda longa. Como resultado desse processo, as camadas de ar juntamente a superfície são resfriadas, desta forma origina-se uma camada limite estável (CLE) (STULL, 1988). Em noites de céu claro e com pouco vento a perda radiativa da superfície é intensa, ocasionando uma estratificação térmica que pode suprimir muitas das escalas de turbulenta, porém ela nunca desaparecerá completamente (MAHRT; VICKERS, 2006). Uma das alternativas para as observações dos fenômenos que ocorrem na natureza é a realização de experimentos numéricos, devido ao fato dos mesmos serem controlados, idealizados e portanto livre de fenômenos de escala maiores do que a escala turbulenta.

O presente trabalho tem como objetivo geral realizar uma simulação numérica de um escoamento turbulento e observar os efeitos da estratificação sobre o mesmo utilizando a simulação de grandes turbilhões (LES), enquanto os objetivos específicos são: analisar o comportamento de um fluxo turbulento plenamente desenvolvido, após a realização do resfriamento da superfície inferior (reproduzindo uma camada limite estratificada); examinar a redução da intensidade da turbulência a jusante do escoamento; observar a capacidade do LES em simular o colapso do turbulência, utilizando a parametrização mais simples de sub-grade. Optou-se pela análise em um canal aberto, onde não há a presença de influência no escoamento por parte da superfície superior do domínio, o que se aproxima mais do que ocorre na atmosfera.

 

 

2 Metodologia

Para a realização desse trabalho, foi feito a reprodução de um escoamento em um canal aberto no qual foi aplicado um gradiente de temperatura entre as placas inferior e superior. O fluido utilizado para a simulação é o ar e ele se encontra a temperatura de 300 K, nesse caso ele pode ser considerado como um gás ideal. Na (Tabela 1), é possível observar as propriedades do fluido utilizado. Esses valores se encontram em (HOLMAN, 2009). 

 

Tabela 1 – Propriedades do ar atmosférico a 300 K

 

T[K]

 

[Kg/m³]

 

[KJ/Kg.ºC]

 

[Kg/m.s]

[]

[W/m.ºC]

[]

 

300

1,1774

1,0057

1,8462

15,69

0,02624

0,2216

0,708

Fonte: Adaptado de HOLMAN, 2009.

onde T representa a temperatura dada em [K],  representa a densidade do fluido [ ],  representa o calor específico a pressão constante [J  º],  representa a viscosidade dinâmica [],  representa a viscosidade cinemática [],  representa a condutividade térmica [ º],  representa a difusidade térmica [] e  representa o número de Prandtl adimensional.

O software CFD utilizado no trabalho foi o OpenFOAM 2.4.0. Esse programa possui ferramentas de pré e pós-processamento integradas, facilitando assim as verificações do experimento. Além disso ele traz consigo um conjunto de bibliotecas ("solver"), onde o solver mais apropriado para o presente trabalho é o buoyantPimpleFoam, segundo Holzmann (2016) é o algoritmo mais utilizado para casos transientes porque combina os algoritmos PISO e SIMPLE. O solver resolve as equações da continuidade Eq. (1), conservação do momento Eq. (2) e conservação de energia Eq. (3), estas discretizadas na malha pelo método dos volumes finitos. Após, as simplificações das equações, provenientes do tipo de escoamento (escoamentos compressíveis, turbulentos, transiente e com transferência de calor) temos:

(1)

(2)

(3)

Sendo  a densidade do fluído,  a velocidade do escoamento,  a pressão estática do fluído,  a aceleração da gravidade,  é a soma da viscosidade molecular e turbulenta, D() representa o tensor taxa de deformação,  é a energia cinética por unidade de massa e  é a entalpia por unidade de massa.

A escala de sub-grade (SGS, do inglês sub grid scale) adotada para a simulação foi o one-EqEddy, a qual usa uma equação de equilíbrio modelada para a energia turbulenta da SGS para simular o comportamento de energia cinética. Segundo (PENTTINEN; YASARI; NILSSON, 2011), a viscosidade do turbilhão é modelada de maneira similar ao modelo de Smagorinsky, mas nesse modelo é adicionada uma equação de transporte para a energia cinética turbulenta da SGS, Eq. (4).

(4)

O primeiro termo do lado esquerdo, descreve a mudança da energia cinética turbulenta em relação ao tempo dentro da SGS; o segundo termo do lado esquerdo, descreve convecção e o terceiro a difusão; o primeiro termo do lado direito, representa o decaimento e é calculado segundo a Eq. (5) e o segundo termo do lado direito, corresponde a dissipação da turbulência.

(5)

A resolução da malha utilizada apresenta (88,120,35) divisões em (x,y,z), resultando em um total de 259524 pontos onde serão discretizadas as equações. As divisões nos três eixos cartesianos (x,y,z) apresentam um refino na proximidade com as paredes inferior e superior, esse refino se justifica devido à grande complexidade do escoamento junto a superfície. Na figura (1) possível observar a distribuição dos pontos no domínio computacional.

 

Figura 1 – Domínio computacional utilizado para a realização da simulação. O domínio apresenta 2,5 m de comprimento, 1 m de altura e 1 m de largura

 

Adotou-se a condição de não escorregamento na parede inferior do domínio, na parede superior admitiu-se como condição de escorregamento e as demais superfícies do domínio são apresentadas condições cíclicas. O fluído e as superfícies limitantes do domínio, na primeira etapa da simulação (primeiros 3600 s) encontra-se a 300 K. Após transcorrido esse tempo, foi realizado o resfriamento da placa com os seguintes gradientes: 5, 7, 10, 15 K. A escolha desses gradientes visa mapear o que ocorre com a turbulência na camada limite estratificada. A velocidade utilizada para a realizar a simulação foi de 1,5 m, a uma pressão uniforme de 1,013 MPa, o passo de tempo inicial igual a  s e o ajuste do passo de tempo pela função "adjustTimeStep", para que o número de Courant máximo estabelecido  = 0,5 não fosse excedido, visando que o escoamento tenha características intermitentes. A Eq(6) mostra como o calcular o número de Courant (Co):

(6)

onde  é a velocidade, [m ], t é o intervalo de tempo, [s],  é o intervalo da distância entre os elementos da malha, [m],  é o número máximo de Courant.

Após a realização do resfriamento, a simulação decorreu por mais 1800 s, totalizando assim 5400 s de simulação. Com a construção do experimento descrito, realizando uma análise do tamanho da malha próximo a superfície através de softwares, como os disponíveis em POINTWISE (2018) e iChome (2016), constatou-se que para o domínio adotado e a velocidade escolhida, a malha deveria apresentar um valor de  ≤ 0,2 mm, onde é a altura do centro das primeiras células. Porém, o valor utilizado para o refinamento nas proximidades com a parede foi escolhido de forma arbitrária e igual a 10,7028 por conta do custo computacional que o valor anterior traria. 

 

 

3 Resultados e Discussão

Ao término da simulação, inicia-se a análise dos resultados obtidos. A primeira análise a ser realizada, são das séries temporais, porque elas mostram o comportamento do fluído ao longo do tempo. Na figura (2), observa-se a série temporal da velocidade na direção do escoamento (x) para o nível mais próximo a superfície inferior e com todos os gradientes de temperatura. Logo, na figura (2) houve um período laminar no início da simulação, por volta de 800 s e ocorreu uma significativa redução das flutuações no primeiro e segundo casos assim que realizado o resfriamento da superfície inferior, já para os casos do gradiente de 10 e 15 K o escoamento voltou a ser laminar.

 

Figura 2 – Séries temporais da velocidade na direção do escoamento, para o nível mais próximo a superfície inferior e para os 4 gradientes de temperatura utilizados 5 K, 7 K, 10 K, 15 K, respectivamente

 

Os perfis gerados a partir das séries de dados calculados foram realizados pela utilização do software RStudio. Observando o perfil médio de temperatura da figura (3), como era esperado para o caso neutro ele gerou uma reta na vertical em 300 K. Já para o caso de 5 e 7 K representa claramente um perfil de temperatura para um caso estável e turbulento, pois para os casos de 10 e 15 K o comportamento gerado representa um caso estável laminar. A diferença entre um perfil de temperatura laminar e turbulento é a inclinação apresentada pelos perfis. O caso laminar apresenta um crescimento similar a uma parábola, enquanto que para um caso turbulento o comportamento do perfil é similar a uma exponencial.

O perfil de temperatura figura (3), representa exatamente o comportamento de uma camada estável. Um ponto interessante a observar é que conforme aumenta a altura do domínio, a temperatura tende a permanecer constante para os casos turbulentos, já para o caso onde ocorreu a laminarização ela representa o mesmo formato de um perfil de velocidade.

 

Figura 3 – Perfil médio de temperatura. Em preto para o caso neutro, em vermelho para o caso com 5 K, em verde para 7 K, em azul escuro para 10 K e em azul claro para 15 K

 

A figura (4) mostra o perfil de TKE. Os maiores valores de TKE são registrados perto da superfície inferior, isso se deve a força de atrito entre o fluido e a superfície. Para os casos laminarizados o valor de TKE que aparece se deve a uma energia cinemática residual presente no sistema e essa energia foi parametrizada (seu valor é constante) nos níveis mais baixos.

O perfil da energia cinética turbulenta figura (4), mostra que o ponto mais energético é próximo a superfície e para o caso neutro. Isso se deve a turbulência ser gerada pelas forças cisalhantes e pelas forças de empuxo. Quando analisa-se para os casos resfriados observa-se que ela ocorre com maior intensidade nas proximidades com a parede inferior e diminui conforme é aumentado o gradiente de temperatura, o que é esperado para uma camada estável. Outro ponto interessante de se observar, é que a partir de 0,2 m até 0,5 m (meio do domínio), o valor de TKE é constante para todos os casos turbulentos. O que também chama a atenção na figura (4) é que até o centro do domínio, para os casos laminares, o gráfico apresenta um valor diferente de zero, este é justificado pela presença de um erro numérico nas simulações, esse erro ocorre devido a malha ser muito grosseira e como isso o LES passa a modelar os turbilhões ao invés de calculá-los.

 

Figura 4 – Perfil médio de energia cinética turbulenta (TKE). Em preto para o caso neutro, em vermelho para o caso com 5 K, em verde para 7 K, em azul escuro para 10 K e em azul claro para 15 K

 

 

O número de Richardson, um adimensional que expressa a relação entre os forçantes térmicos e mecânicos de um fluido, é usado para analisar o comportamento da turbulência, mas existem três números de Richardson: o Richardson gradiente, o Richardson bulk e o Richardson fluxo. No presente trabalho foi calculado o número de Richardson bulk (), pois a partir dele pode-se obter a estabilidade da turbulência. Para o seu cálculo foi utilizado a Eq. (7):

(7)

sendo g a aceleração da gravidade, [m ],  a temperatura de referência, [K], T a variação de temperatura entre os dois níveis utilizados, [K], z a variação de altura entre os dois níveis utilizados, [m],  a variação de velocidade entre os dois níveis utilizados, [ ].

Na figura (5) foi plotado o  pelo valor de TKE no nível mais próximo a superfície inferior. É possível observar que o comportamento de  é inversamente proporcional ao de TKE e, no gráfico, é possível observar que o valor crítico de  é menos que 0,05 (valor para casos laminares).

 

 

4 Conclusão 

Com a realização do trabalho, foi possível observar o colapso total da turbulência através da adição de um gradiente de temperatura. O colapso total da turbulência ocorreu de maneira precisa, de forma que o escoamento apresentou o comportamento de velocidade similar ao de um perfil para uma camada limite laminar em um canal aberto.

A falta de resolução da malha apresentada pode ter causado uma alteração significativa nos resultados, pois como calculado anteriormente, o valor de   7 deveria estar entre 0,1 e 1. Esta falta de resolução pode causar algum erro numérico devido ao tamanho dos vórtices, fazendo com que algumas variações turbulentas sejam desconsideradas.

Portanto é importante destacar, que apesar das limitações causadas pelo uso de simulações de grandes turbilhões e pela malha grosseira utilizada no experimento numérico, os resultados que foram apresentados aqui, são coerentes, pois reproduzem as características de uma camada limite estável. O próximo passo do presente trabalho é a utilização de equações para lei de parede e implementação de um filtro de subgrade adequado para situações de forte estratificação térmica para simulações de grandes turbilhões. 

 

Figura 5 – Série temporal de Richardson bulck () pela TKE no nível mais próximo a superfície. a)  por TKE para 5 K, b)  por TKE para 7 K, c)  por TKE para 10 K e d)  por TKE para 15 K

 

 

Agradecimentos

Os autores agradecem às agências CAPES (Coordenação de Pessoal de Nível Superior), ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) (FDC Auxílio n 313022/2018−6) e à Universidade Federal do Pampa pelo suporte financeiro. As simulações numéricas foram realizadas no cluster computacional adquirido com recursos do Edital 02/2014 - PqG (Edital Pesquisador Gaúcho) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e no Servidor computacional adquirido com recursos do Edital Universal-CNPq 01/2016 (Processo n 426409/2016−7). 

 

 

Referências

HOLMAN, J. Heat Transfer of International Edition. [S.l.]: McGraw-Hill, New York, 2009.

HOLZMANN, T. Mathematics, Numerics, Derivations and OpenFOAM®. [S.l.]: Loeben, Germany:Holzmann CFD, 2016. Disponível em: https://holzmann-cfd. Acesso em: 29 nov. 2017

MAHRT, L.; VICKERS, D. Extremely weak mixing in stable conditions. Boundary-layer meteorology, Springer, v. 119, n. 1, p. 19–39, 2006.

PENTTINEN, O.; YASARI, E.; NILSSON, H. A pimplefoam tutorial for channel flow, with respect to different les models. Practice Periodical on Structural Design and Construction, v. 23, n. 2, p.1–23, 2011.

STULL, R. B. An introduction to boundary layer meteorology. [S.l.]: Springer, 1988. v. 13.