Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e nat., Santa Maria, V. 42, Special Edition, e9, 2020

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40474

Received: 10/10/2019 Accepted: 10/10/2019

 

 


Special Edition

 

Procedimentos para estudo de uma interseção semaforizada mediante técnicas de engenharia de tráfego

 

Procedures for studying traffic light controlled-intersection through traffic engineering techniques

 

 

Samuel Baesso MüllerI

Francisco Marchet DalostoII

Alejandro Ruiz-PadilloIII

 

I  Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus de Cachoeira do Sul, Brasil - samuel.muller.baesso@gmail.com

II Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus de Cachoeira do Sul, Brasil - fmdalosto@gmail.com

IIILaboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus de Cachoeira do Sul, Brasil - alejandro.ruiz-padillo@ufsm.br

 

 

Resumo

O setor de transportes pode ser responsável direto pelo direcionamento do desenvolvimento urbano das cidades, porém esta possibilidade está sendo ofuscada dado pela utilização em excesso dos modos motorizados individuais de transporte, o que por sua vez, acaba gerando problemas como congestionamentos, acidentes, poluição e aumento nos tempos de viagens. Neste cenário a Engenharia de Tráfego aparece como ferramenta essencial para mitigar estes efeitos, sob a ótica do planejamento urbano sustentável. Estudos nesta área podem fornecer dados importantes como a quantidade de veículos circulante em uma determinada região, assim como sua composição, suas origens e destinos bem como sua velocidade de operação. De porte destes dados, uma vez que coletados e analisados sob metodologias reconhecidas, os gestores urbanos podem tomar decisões acerca de medidas de intervenção no tráfego para aumentar a segurança e eficiência do trânsito. Assim, o presente artigo tem como objetivo demostrar o planejamento feito para a realização de um estudo de tráfego em uma interseção semaforizada da cidade de Cachoeira do Sul como resultado de uma cooperação entre a Universidade Federal de Santa Maria – Campus Cachoeira do Sul e a Prefeitura Municipal, envolvendo igualmente atividades práticas de disciplinas de graduação como recurso de ensino/aprendizagem ativa.

Palavras-chave: Mobilidade sustentável; Tráfego urbano; Semáforo

 

 

Abstract

The transport sector may be major responsible for directing the urban development of cities, however this possibility is overshadowed by the overuse of individual motorized modes of transport. This situation leads to problems such as congestion, accidents, pollution and increased travel times. In this scenario Traffic Engineering aligned with the perspective of sustainable urban planning appears as an essential tool to mitigate these effects., . Studies in this area provide important data such as the number of vehicles traveling in a particular region, as well as their composition, their origins/destinations and their speed of operation. Using this information, obtained from collection and analysis of data through recognized methodologies, urban managers can make decisions about traffic intervention measures aiming to increase traffic safety and efficiency. Therefore, the present article demonstrates the planning for developing a traffic study in a traffic light controlled-intersection of Cachoeira do Sul city, as a result of a cooperation between the Federal University of Santa Maria - Campus Cachoeira do Sul and City Council, also involving practical activities of degree subjects as an active teaching / learning resource.

Keywords: Sustainable mobility; Urban traffic; Traffic light

 

 

1 Introdução

A mobilidade urbana vem sendo amplamente debatida devido aos impactos que causam na vida das pessoas, visto que a necessidade de deslocamento é intrínseca a elas para a realização das suas atividades de qualquer natureza. Vascocellos, Carvalho e Pereira (2011) comentam que a realização de deslocamentos, por parte das pessoas, envolve um certo nível de conforto, além de implicar em consumo energético, de tempo e custos monetários. Por outro lado, as externalidades destes deslocamentos, como poluição atmosférica, congestionamentos e acidentes também se fazem presentes.

Para que as pessoas possam realizar seus deslocamentos se faz necessário a presença de um sistema de tráfego, que se relaciona com o ambiente urbano. Este vem se alterando rapidamente desde o século passado (devido ao desenvolvimento proporcionado pelas revoluções industriais) para se adequar crescimento dos centros urbanos. Conforme Santos e Noia (2015), as regiões que concentram os empregos e as áreas de lazer estão cada vez mais distantes das residências. Para realizar estes deslocamentos de forma mais cômoda e fácil, as pessoas buscam como modo de transporte o automóvel, gerando um aumento de veículos circulantes e consequentes congestionamentos, acidentes, poluição e desconforto no ambiente urbano muitas vezes oriundo da disputa de espaço entre os veículos motorizados (que exigem vias cada vez mais largas para acomodar a frota crescente) e pedestres, além do aumento do tempo de viagens (BRASIL, 2013).

Isto demonstra a importância do setor de transportes para o meio urbano, dado seu poder de direcionar e incentivar o desenvolvimento das cidades. Um dos meios de minimizar os efeitos negativos causados pelos transportes é realizar o planejamento dos sistemas viário e de transportes. Esse planejamento deve se dar de acordo com as normas preestabelecidas pelo plano de mobilidade da cidade, que, conforme a Lei 12.587/12 intitulada Lei da Mobilidade Urbana, deve estabelecer, além do incentivo ao uso de modos ativos de transportes, ações de controle de tráfego (BRASIL, 2012). Dessa forma, a partir de estudos sobre o tráfego busca-se otimizar a utilização das vias e tornar o trânsito mais seguro e confortável.

Ao encontro disto, Cachoeira do Sul, uma cidade de pequeno porte na região central do Estado do Rio Grande do Sul, aprovou, em 2019, o Plano de Mobilidade Urbana municipal, seguindo as normas e diretrizes estabelecidas pela lei norteadora, assim como levando em conta que, visto que o município, por possuir mais de 20.000 habitantes, deve possuí-lo para poder receber recursos federais para obras urbanas. O Plano de Mobilidade Urbana define, entre outras diretrizes sobre o tráfego em meio urbano, ações como “realização de estudos de engenharia de tráfego para melhoria da circulação viária” com o objetivo de tornar a mobilidade urbana um fator de inclusão social e de desenvolvimento econômico além de promover a segurança viária (CACHOEIRA DO SUL, 2019).

Porém, por um lado, a falta de corpo técnico especializado na Prefeitura Municipal de Cachoeira do Sul em relação às técnicas e recursos da Engenharia de Tráfego, e, por outro lado, a existência do Curso de Bacharelado em Engenharia de Transportes e Logística no Campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em Cachoeira do Sul, fez que se formasse uma parceria entre ambas as instituições para o desenvolvimento de estudos na área na cidade, de forma que a Prefeitura obtém auxílio técnico específico e a Universidade oferece opções de estudo e aplicação prática dos conhecimentos trabalhados em sala de aula a casos reais.

Desta forma, dada a importância dos estudos de tráfego aliada as normativas do Plano de Mobilidade da cidade e como resultado da parceria estabelecida entre a Prefeitura Municipal de Cachoeira do Sul e a UFSM, este trabalho apresenta o planejamento e desenvolvimento de um estudo de Engenharia de Tráfego em uma das interseções mais conflitantes da cidade, conhecida como “5 Esquinas”, a fim de realizar o diagnóstico do trânsito no local e, aplicando metodologias de análise específicas, oferecer propostas de melhorias para a área em questão, buscando a maior segurança e eficiência do tráfego.

 

 

2 Referencial Teórico

O ambiente urbano tem se apresentado atualmente como espaço onde as relações sociais, econômicas, políticas e ambientais são mais intensas do que nunca. A expansão do perímetro urbano e o crescimento da sua população em relação à área e à população rural têm sido observados em todo o mundo (WANG et al., 2015). Observa-se este fenômeno também no tráfego das cidades onde o trânsito está se tornando cada vez mais complexo, apontando uma maior necessidade do poder público de coletar dados, aplicar medidas de engenharia e remodelar o espaço urbano visando práticas mais sustentáveis e eficientes. Para Fonseca (2010) as pesquisas envolvendo o tráfego são indispensáveis para o planejamento e a garantia da segurança viária, porém, estas não são práticas corriqueiras dos órgãos públicos, sobretudo no âmbito municipal em cidades de pequeno e médio porte.

Estas pesquisas de tráfego podem ter como finalidade a realização de projetos, estudos específicos e até o planejamento urbano, sempre iniciando com a realização do diagnóstico adequado da situação atual da área estabelecida para estudo. Esse diagnóstico tem como objetivo a caracterização detalhada do objeto estudado, que por sua vez precisa estar baseada em coleta de dados a partir de entrevistas com os usuários, preenchimento de formulários, contagens volumétricas, análise de vídeos de monitoramento, entre outros métodos (ORTÚZAR; WILLUMSEN, 2011).

No que tange à engenharia de tráfego, o diagnóstico deve abranger dados referentes aos volumes de veículos passantes em determinado trecho, composição da frota, velocidade de operação, distribuição dos volumes ao longo do dia e fluxo de saturação (BRASIL, 2006). Assim, o estudo desenvolvido por Feitosa (2012) trata da realização de um estudo para a utilização de tecnologias para a execução de contagens volumétricas de veículos de forma automática. Outro estudo realizado pela Empresa Global de Projetos – EGP (2014) (atendendo a um edital de chamamento público para elaboração de estudos para concessão de lotes rodoviários) constata a realização de estudos de tráfego para subsidiar a análise das receitas e custos de investimentos necessários, contemplando a caracterização da área de estudo, da demanda, modelos de simulação e projeções de crescimento do tráfego. Outros aspectos a serem avaliados relacionam-se aos aspectos físicos do objeto estudado, verificando se estes estão adequados à demanda. Estes aspectos podem ser desde a geometria da via, o número de faixas de rolamento, largura da via e calçadas além da inclinação física das vias (BRASIL, 1999).

Em relação às interseções viárias, as características devem ser discretizadas quanto ao sentido dos veículos em relação à entrada e saída da interseção. Nestes casos avaliam-se também a velocidade de aproximação e o tipo de interseção, onde, se tratando de uma interseção controlada por semáforos, também devem ser descritos os tempos semafóricos (BRASIL, 2006; BRASIL, 2014). As interseções semaforizadas são responsáveis por alternar o direito de passagem dos veículos que chegam a ela mediante as informações de cores fornecidas pelos grupos semafóricos, onde fatores como velocidade e distância à faixa de retenção influenciam na tomada de decisão do motorista entre avançar ou frear (COLELLA, 2008).

A partir do diagnóstico é possível o desenvolvimento de soluções, sendo que a escolha da solução passa pela exploração de diversas propostas, muitas delas contraditórias ou com priorizações diferentes. Porém, sobretudo, a apresentação das propostas e a discussão sobre os detalhes mais ou menos pontuais, levam para soluções particulares e a possível reorganização dos elementos estudados (SECO et al., 2008). As medidas de engenharia de tráfego que formam parte dessas propostas têm como interesse garantir a acessibilidade de maneira igual a todos os habitantes da cidade, buscando assim manter o equilíbrio entre os custos de segurança, eficiência e impactos ambientas relacionados à operação do sistema de transporte urbano (ELEFTERIADOU, 2014).

Várias medidas de engenharia de tráfego têm sido aplicadas visando à melhora da mobilidade urbana em interseções, como por exemplo o diagnóstico de tráfego veicular desenvolvido pela Proteger Consultoria Ambiental (2015), o qual descreve a classificação do nível de serviço, volumes e fluxos de tráfego e suas variações além das velocidades médias e o tempo gasto em trânsito, para assim poder descrever as condições de trafegabilidade em um cruzamento da cidade de Joinville – SC. Para isso, o estudo valeu-se de metodologias específicas para avaliação do volume de tráfego e sua variação ao longo do dia e da semana e a velocidade de fluxo livre.

Fonseca (2010) também realizou um estudo sobre o volume e quantidade de tráfego em uma determinada região da cidade de Feira de Santana – BA, com o intuito de analisar os níveis de serviço em rotatórias da cidade além de realizar a previsão de fluxo veicular destas mesmas regiões. Collela (2008) desenvolveu um estudo referente ao comportamento dos motoristas em interseções semaforizadas com o objetivo de analisar a reação do motorista ao alterar o sinal luminoso, seu comportamento no processo de frenagem e ainda o comportamento do motorista no momento de aceleração a partir da abertura do sinal.

Verifica-se a existência de uma extensa área de pesquisas e estudos relacionados a Engenharia de Tráfego visando a otimização do sistema de trânsito garantindo a segurança, que a tendência destes estudos é a se integrar com a área da tecnologia, permitindo assim a obtenção do diagnóstico precisa a partir de um processamento rápido dos dados. Vilanova (2006) faz referencia ao simulador de redes de semáforos Siri, sendo este um programa de simulação de redes de semáforos para determinação dos tempos de verde, defasagens de ciclo a fim de chegar a uma solução visando a menor perda de tempo por parte do motorista.

Desta forma, dado os crescentes problemas de trânsitos causados pela falta de planejamento associado ao excessivo uso do modo de transporte individual, a engenharia de tráfego surge, aliada às tecnologias, como estratégia indispensável para os gestores e responsáveis pelo planejamento das cidades. Estas ferramentas auxiliam o poder público na realização de estudos voltados à área para que possam ser tomadas medidas de melhorias no tráfego para poderem se adequar as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana.

 

 

3 Metodologia

O desenvolvimento de trabalhos práticos ocorre em diversas disciplinas da UFSM – Campus Cachoeira do Sul, há alguns semestres, sob a ótica na técnica de Project-Based Learning. Esta técnica faz do aluno do agente responsável pelo seu aprendizado, utilizando de trabalhos em grupos para a solução de problemas reais aplicados a sua área de formação, sob a orientação de professores (MICHAELSEN et al., 2004).

O desenvolvimento destas atividades práticas abrange, entre outras, as disciplinas de Engenharia de Tráfego I e II do curso de Engenharia de Transportes e Logística. Os trabalhos são desenvolvidos em etapas que são cumpridas conforme o avançar do semestre. Nestas disciplinas os alunos ficam responsáveis por realizar a contagem volumétrica classificatória com movimentos de virada, fluxos de saturação semafórica, velocidades dos veículos, obtenção de dados geométricos, e tempos semafóricos existentes em determinada interseção da cidade. A partir desses dados coletados, os alunos, organizados em equipes de trabalho, aplicando os conhecimentos teóricos, podem realizar o diagnóstico dos problemas e, ao fim do semestre, apresentar propostas de soluções desde o ponto de vista da Engenharia de Tráfego, da interseção estudada.

Até o segundo semestre de 2018 a interseção de estudo era determinada pelo professor responsável pelas disciplinas, que determinava a área que julgava importante para o desenvolvimento do estudo. Porém, no primeiro semestre de 2019, estando ciente dos trabalhos desenvolvidos pela UFSM, a Prefeitura Municipal solicitou que, neste semestre, dentro da parceria estabelecida, o trabalho fosse desenvolvido na região das “5 Esquinas”, uma importante interseção no centro da cidade, para análise da mesma de acordo com as diretrizes do Plano de Mobilidade Urbana. A partir disto, os procedimentos utilizados no trabalho seguiram as etapas e passos mostrados na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Etapas do trabalho

ETAPAS

PASSOS

AÇÃO

Planejamento

1

Definição da área de estudos

2

Métodos para coleta de dados

3

Método da coleta (dias/horários)

4

Planejamento de recursos humanos

5

Treinamento para a coleta

Execução e Análise

6

Coleta dos dados

7

Processamento e análise

8

Entrega do relatório (propostas)

 

 

4 Desenvolvimento

4.1 Definição da área de estudo

A interseção “5 Esquinas” (Figura 1) representa um dos pontos com maior número de conflitos, entre veículos e pedestres, da cidade, tornando-se assim uma das regiões com maior ocorrência de incidentes e acidentes no trânsito local, gerando um ambiente inseguro para quem transita lá todos os dias. Esta interseção reúne 3 vias de suma importância para a mobilidade das pessoas, sendo elas a Avenida Brasil e as Ruas Júlio de Castilhos e Bento Gonçalves. Estas vias apresentam importante concentração de comércios, supermercados e escolas, que atuam como pólos geradores de viagens. Além disto, representam o principal corredor de ligação entre zonas norte e sul, e possibilitam acesso à rodoviária da cidade à BR-153, que liga Cachoeira do Sul com o resto do Estado.

Esta interseção possui algumas peculiaridades que a diferencia das demais, seja por sua composição geométrica que apresenta 5 ramos (quantidade de vias que possibilitam a entrada e ou saída do fluxo de veículos da interseção) e 4 aproximações (quantidade de vias que possibilitam a chegada do fluxo de veículos à interseção). Além disto, as 4 aproximações possibilitam a realização de todos os movimentos, sejam eles à esquerda, em frente ou à direita, resultando assim em 12 pontos de conflitos entre automóveis e outros 5 conflitos causados pelas travessias de pedestres. Outra característica importante é a presença de uma faixa do tipo “siga livre” para conversões à esquerda na aproximação da Rua Bento Gonçalves pelo Leste, além da presença de uma rede semafórica controlando o direito de passagem dos veículos.

 

Figura 1 – Área de estudo

Fonte: os autores

 

Além dos dados de fluxo veicular, indispensáveis para o estudo, outros dados também necessitaram ser coletados, como os referentes às medidas geométricas dos ramos, larguras de faixas, distâncias da área de estacionamento e o greide das vias, por exemplo, fundamentais para os cálculos a serem realizados posteriormente. Igualmente, por se tratar de uma interseção semaforizada, é de grande importância obter os tempos semafóricos atuais e os headways (que correspondem ao intervalo de tempo da passagem do eixo traseiro de um veículo para o seguinte a partir da abertura do semáforo) para fazer a reprogramação dos semáforos ou para comprovar os valores atuais. A Figura 2 faz a representação dos movimentos possíveis de serem realizados por cada uma das aproximações além da nomenclatura empregada para denominar cada uma destas (Q1, Q2, Q3 e Q4) e a localização dos semáforos.

 

Figura 2 – Representação dos movimentos, conflitos, posição dos semáforos e fluxos

Fonte: os autores

 

4.2 Métodos para coleta de dados

Os procedimentos utilizados para coleta de dados nesta área foram por meio do levantamento em campo, por entrevistas ou observação direta. Os dados de campo necessários para este trabalho são as de contagem volumétrica classificatória que tem por objetivo determinar a quantidade (Q) e o tipo de veículos que passam para a interseção além da sua direção. Segundo o Manual de Estudos de Tráfego (BRASIL, 2006) estes dados são utilizados para análises de capacidade, de congestionamentos, dimensionamento de pavimentos e projetos de canalização e melhoria do tráfego.

Para o estudo em questão utilizou-se o método de Contagem Volumétrica Classificatória com Movimentos de Virada, realizado de forma manual. Este levantamento de dados é realizado por pesquisadores alocados em cada uma das aproximações da interseção portando planilhas (Figuras 3, 4 e 5) para a realização das contagens veiculares, fazendo a separação por tipo de veículo (carro, moto, ônibus, caminhões e bicicletas) e ainda pelos diferentes movimentos permitidos pelas aproximações (à esquerda, em frente ou à direita).

As contagens são, normalmente, realizadas de 5 em 5 minutos, porém, por se tratar de uma interseção semaforizada, determinou-se que as contagens seriam realizadas a cada tempo de ciclo (tempo desde a abertura do semáforo até sua reabertura). Além disso, o semáforo presente em Q1 apresenta 2 estágios, um permitindo somente conversões à direita (SETA) e outro permitindo todos os movimentos (GERAL), para isso houve a necessidade de modificar a planilha afim de atender estas peculiaridades, conforme Figura 5. Em Q1 ainda se observa a presença do “siga livre”, permitindo a livre circulação para conversões à esquerda, necessitando assim de planilha específica conforme Figura 6. Além de efetuar a contagem por meio das planilhas acima indicadas foi realizada a instalação de câmeras filmadoras para, posteriormente, fazer a validação dos dados de contagem.

 

Figura 3 – Tabela de contagens de fluxo para Q2, Q3 e Q4

Fonte: os autores

 

Figura 4 – Tabela de contagem de fluxo para Q1

Fonte: os autores

 

Figura 5 – Tabela de contagem de fluxo para o “siga livre”

Fonte: os autores

 

4.3 Método de coleta (dias/horários)

Com base nas variações de fluxo horário durante o dia e durante a semana, conforme consta no Manual de Estudos de Tráfego (2006), representado pela Figura 7, determinou-se que as contagens ocorreriam das 7 AM às 7 PM, visto que neste período é esperado aproximadamente 70% do volume diário e não era possível com os recursos humanos disponíveis a contagem contínua durante 24 horas. Por outro lado, ficou definido que as contagens seriam realizadas em uma terça-feira (representando o fluxo médio de terça, quarta e quinta), sexta-feira (equivalente a segunda e sexta) e sábado (representativo de sábado e domingo), pois também não era possível realizar as contagens nos 7 dias da semana. Desta forma, otimizando tempo e mão de obra é possível obter dados representativos do fluxo para a realização do trabalho. A Figura 6 representa a variação do volume de tráfego ao longo do dia e também da semana.

 

Figura 6 – Variação do fluxo semanal (a) e diário (b)

Fonte: BRASIL, 2006

 

Além das definições de dia e horário de contagem foi necessário estabelecer períodos em que cada grupo realizaria a contagem, visto que permanecer um único grupo contando, de forma ininterrupta, as 12 horas acabaria gerando erros de contagem e desconforto aos pesquisadores. Assim, definiram-se períodos de 2 horas para cada grupo, totalizando ao longo dos 3 dias 18 períodos de contagem, de 2 horas cada.

4.4 Planejamento de recursos humanos

A realização deste trabalho envolve, normalmente, os alunos das disciplinas de Tráfego I e II porém, devido a amplitude do trabalho neste semestre, houve a necessidade de voluntários para o auxílio nas contagens. Desta forma, foram convidados todos os alunos já aprovados nestas disciplinas para liderar as equipes, dada a necessidade de 18 líderes, um para cada período de contagem. Cabia aos líderes, durante seus períodos, verificar se as contagens estavam sendo realizadas de forma correta e, caso surgissem, sanar a dúvida dos demais pesquisadores voluntários.

Além dos 18 líderes ainda eram necessários outros voluntários que fariam a contagem, efetivamente. Como existiam 5 diferentes planilhas para a contagem dos veículos e além disso a contagem de 5 pontos de travessia de pedestres, eram necessários pelo menos outros 6 voluntários além do líder. Estes voluntários, por sua vez, não necessitavam ter aprovação prévia nas disciplinas, portanto foram convidados discentes dos demais cursos da UFSM Campus Cachoeira do Sul. Dada a necessidade de quase 100 voluntários para os trabalhos, o exército do 3o Batalhão de Engenharia de Combate de Cachoeira do Sul colocou à disposição os militares em formação para auxiliarem nas contagens e completar o número necessário de pessoas.

 

4.5 Treinamento da coleta

Devido à importância da realização deste estudo e a presença em massa de acadêmicos voluntários e militares que nunca haviam participado de trabalhos semelhantes, houve a necessidade de realizar um treinamento anterior à contagem (Figura 7). Este treinamento se estendeu aos líderes, para que estes ficassem cientes das diferenças do desenvolvimento deste trabalho para os realizados nos demais semestres, para que assim cada líder estivesse capacitado para comandar seu grupo de contagem e orientar os voluntários na distribuição das contagens nos estágios semafóricos e nos pontos de coleta, assim como no correto preenchimento das planilhas de contagem (Figuras 3, 4 e 5).

Além desses treinamentos específicos, todos os alunos que estavam cursando as disciplinas envolvidas receberam os conteúdos teóricos e práticos necessários em sala de aula para o desenvolvimento dos trabalhos. Esses conhecimentos abarcaram também os tratamentos matemáticos e estatísticos sobre os dados coletados para a caracterização do tráfego no local, cálculo de parâmetros específicos e programação semafórica da interseção.

 

Figura 7 – Treinamento dos alunos voluntários e militares para a coleta de dados

Fonte: os autores

 

4.6 Coleta dos dados

A partir da determinação dos dias e horários de coleta e do treinamento dos líderes e voluntários, realizaram-se as contagens de tráfego (Figura 8). Foram realizadas no decorrer do mês de maio de 2019, nos dias de semanas informados anteriormente.

 

Figura 8 – Realização das contagens

Fonte: os autores

 

4.7 Processamento e análise

Após a coleta dos dados, os grupos de alunos das disciplinas de Tráfego I e II, com o auxílio  do professor responsável das disciplinas e do monitor, realizaram o processamento dos dados, partindo da transformação do fluxo total circulante na interseção para Unidades de Carro de Passeio (UCP), de acordo com a Tabela 2 (BRASIL, 2006). Esta transformação estabelece um padrão de veículo visto que diferentes tipos de veículos exercem diferentes impactos sobre o tráfego, em função do espaço físico que ocupam na via e do desempenho em termos de velocidade no fluxo.

Tabela 2 – Fator de equivalência de tráfego misto para UCP

Tipo de Veículo

Leves

Pesados

Ônibus  

Motos

Bicicletas

Fator de Equivalência

1

1,5

2

1

0,5

 

Após esta transformação é possível determinar os horários de pico de cada um dos dias, analisando se batem com os padrões encontrados na literatura, também pode-se verificar os movimentos que apresentam maiores fluxos, rotas principais de veículos pesados e ônibus e porcentagem de utilização de cada faixa. Além disto, a partir das demais medições, pode-se estimar a velocidade em que os veículos circulam pelas vias, para verificar a necessidade de realizar algum controle sobre ela. Por outro lado, os fluxos de saturação calculados a partir da obtenção dos headways possibilitam a programação dos grupos semafóricos a fim de otimizar os tempos de verde e vermelho de cada um deles. Todos estes dados são utilizados base para a fundamentação de propostas de soluções.

 

4.8 Entrega e apresentação do relatório (propostas)

Ao final do semestre, afim de obter aprovação nas disciplinas, os alunos apresentam os relatórios finais (Figura 9) apresentando todo o desenvolvimento ocorrido durante o semestre. Para manter a questão do aprendizado em ambiente real indicado pela técnica de Project-Based Learning a apresentação é acompanhada por um corpo técnico, de professores e, neste semestre, pelas arquitetas da prefeitura, responsáveis pelo Plano de Mobilidade. Após as apresentações, todos os presentes, alunos, professores e convidados, estabeleceram um debate sobre os resultados e propostas desenvolvidas.

 

Figura 9 - Apresentação final da disciplina

Fonte: os autores

 

Dentro desta etapa, os grupos indicaram sugestões de melhorias alinhadas aos conceitos vistos em aula. Dentre as propostas sugeridas estão a eliminação de determinados movimentos atualmente permitidos, especificamente algumas conversões à esquerda, dada a sua maior interferência para com o fluxo veicular. Outras propostas que surgiram vão ao encontro de alteração nos tempos semafóricos existentes com a inclusão de um tempo específico para travessia de pedestres, sendo necessário a reprogramação nas situações apresentadas (com e sem proibição de movimentos), assim como a substituição do o controle semafórico da interseção por uma rotatória. Por fim, como proposta comum a todos os grupos, destaca a implementação de faixas de pedestres, que são escassas na interseção, além da indicação de melhorias na sinalização tanto vertical quanto horizontal, assim como na iluminação pública. Todas estas propostas são posteriormente analisadas e validadas para serem incluídas no relatório final entregue para a Prefeitura.

 

 

5 Considerações finais

Ao passo em que os números de usuários do transporte individual motorizado crescem ocorrem projeções de cenários de congestionamentos e acidentes viários nas vias urbanas, e para mitigar estes efeitos a Engenharia de Tráfego pode ser um importante aliado aos responsáveis. A realização de estudos, seguindo as diretrizes estabelecidas pela Politica Nacional de Mobilidade Urbana e pelos Planos Diretores Municipais, pode trazer importante direcionamento econômico da cidade além de, efetivamente, aumentar a segurança dos usuários e diminuindo os tempos de deslocamento, reduzindo a emissão de gases poluentes, tornando-se assim um meio de melhoria na qualidade de vida em meio urbano.

Em encontro a isto, no primeiro semestre de 2019, definiu-se a realização de um estudo de tráfego na interseção conhecida como “5 esquinas”, partindo de uma solicitação da prefeitura municipal a partir de um acordo de cooperação entre a Universidade Federal de Santa Maria – Campus Cachoeira do Sul com a prefeitura local. Esta ação visa atender as diretrizes do Plano Municipal de Mobilidade Urbana, desenvolvido em conjunto entre estas mesmas duas entidades. O planejamento deste estudo foi bastante extenso, dada a participação, em conjunto, dos alunos das disciplinas de Engenharia de Tráfego I e II, além da ajuda de voluntários de discentes de outros cursos assim como o auxilio dos militares.

Dado a participação de muitos voluntários se deu a necessidade de realizar um treinamento anterior ao estudo além de uma gestão de pessoas para alocação nos tempos necessários. Como suporte, o monitor das disciplinas auxiliou os professores responsáveis pelo trabalho desde gerenciamento dos recursos, desenvolvimento do treinamento até a preparação do material para a contagem. Diferenciou-se o estudo do referido semestre pelos demais visto a magnitude do projeto, que agregará na formação dos discentes, mas também será utilizada pela prefeitura como material técnico para realizar as melhorias de trânsito no local.

Assim, ao final da disciplina cada um dos grupos apresenta o trabalho que desenvolveu ao longo do semestre, mostrando o passo a passo para o desenvolvimento das suas propostas de melhorias. Cada grupo realiza a análise por uma ótica diferente, porém sempre com o objetivo de melhorar o tráfego no local, aumentando a segurança e a mobilidade tanto dos pedestres quanto dos motoristas. Além disto, a apresentação é acompanhada por corpo técnico especializado na área, que pode, ao final da apresentação, fazer apontamentos e agregar o trabalho dos alunos.

Ao termino do semestre, os alunos foram convidados a participar da elaboração do relatório final a ser entregue para a prefeitura, que contém além do diagnóstico da interseção algumas propostas de melhoria da mesma, como alterações dos tempos semafóricos, reordenação de movimentos veiculares, mudanças de sinalização, entre outras. Este relatório tem como base os trabalhos feitos ao longo do semestre sendo complementados com ideias e visões dos professores da área. Esta é uma oportunidade para aqueles que queiram aprofundar um pouco mais sobre os projetos de engenharia de tráfego e desenvolver um trabalho técnico de forma similar a qual poderão encontrar na sua vida profissional como Engenheiros de Transportes e Logística.

Estes trabalhos, desenvolvidos sob os preceitos da técnica de aprendizagem do Project-Based Learning, auxiliam o na formação do discente, dada pela relação entre a parte teórica e prática, associada ao aspecto lúdico-real de resolver um problema prático do seu cotidiano. Através de estudos como o apresentado neste artigo, os alunos se sentem protagonistas no seu processo de aprendizado e visualizam processos que deverão realizar na sua vida profissional e, além de agregar na formação acadêmica, geram resultados para a cidade, visto que o relatório a ser entregue a prefeitura tem embasamento técnico, o que valida a aplicação das propostas sugeridas pelos grupos e motiva na realização dos trabalhos práticos das disciplinas. Para estudos futuros sugere-se a análise das interseções próximas a estudada para verificar a influência que as propostas sugeridas gerariam e, por outro lado, a utilização de softwares de simulação de tráfego afim de relacionar os resultados da simulação com os teóricos.

 

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a todos os alunos voluntários e militares pelo empenho no auxílio da coleta de dados e aos alunos das disciplinas de Engenharia de Tráfego I e II pela realização dos trabalhos de forma profissional.

O aluno Samuel Baesso Müller agradece à Coordenadoria Acadêmica da Universidade Federal de Santa Maria Campus Cachoeira do Sul pelo incentivo ao ensino propiciado pela vaga de Monitoria das disciplinas de Tráfego I e II.

O professor Alejandro Ruiz-Padillo agradece ao CNPq pelo apoio financeiro (Processo 308870/2018-2 e Processo 422635/2018-9).

 

 

Referências

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BRASIL. Manual de Estudos de Tráfego (IPR. Publ., 723). Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes. Instituto de Pesquisas Rodoviárias. Rio de Janeiro, 2006. 384 p.

BRASIL. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Ministério das Cidades. Brasília, 2013. 37 p.

BRASIL. Edital de chamamento público N°3/2014. Ministério da Infraestrutura. Agência Nacional de Transportes Terrestres. Brasília, 2014. 77p.

BRASIL. Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito. Volume V. Sinalização Semafórica. Conselho Nacional de Trânsito. Departamento Nacional de Trânsito. Ministério das Cidades. Brasília, 2014.

CACHOEIRA DO SUL. Plano de Mobilidade de Cachoeira do Sul. PlanMob. Prefeitura Municipal. Abril de 2019.

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