Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e nat., Santa Maria, V. 42, Special Edition, e8, 2020
DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40473
Received: 10/10/2019 Accepted: 10/10/2019
Special Edition
Caracterização das viagens para a escola em cidades de pequeno porte: estudo de caso da região do Vale do Jacuí/RS (Brasil)
Characterization of school trips in small-sized cities: case study of the region of Jacuí Valley/RS (Brazil)
Raquel Cristina Ferreira SilvaI
Letícia OestreichII
Brenda Medeiros PereiraIII
Alejandro Ruiz-PadilloIV
I Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT ) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil - raquelcrisfer@hotmail.com
II Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT ) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil - leticia.oestreich@hotmail.com
III Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT ) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil - brenda.pereira@ufsm.br
IV Laboratório de Mobilidade e Logística (LAMOT ) – Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil - alejandro.ruiz-padillo@ufsm.br
Resumo
As viagens escolares caracterizam o principal deslocamento diário realizado por estudantes. Entender como estas viagens são realizadas e quais aspectos influenciam nas suas escolhas é fundamental para propiciar melhorias no transporte e qualidade de vida dos estudantes. A partir de uma revisão bibliográfica, foram elencados os fatores que intervêm na escolha do modo de transporte utilizado no âmbito escolar e a satisfação com a qualidade do transporte escolar fornecido aos estudantes. Para qualificar as viagens escolares em cidades de pequeno porte foram selecionados alunos de ensino médio de 10 escolas localizadas em 6 diferentes cidades da região central do estado do Rio Grande do Sul, totalizando 763 estudantes entrevistados. A obtenção dos dados deu-se por meio de aplicação de questionário qualitativo e quantitativo que forneceu dados sobre o público alvo, realização dos deslocamentos, percepção sobre as viagens realizadas e satisfação com relação ao transporte escolar, propiciando informações para a realização de um diagnóstico sobre as viagens escolares. Com os resultados obtidos é possível nortear políticas públicas que visem a melhoria da qualidade e segurança das viagens escolares.
Palavras-chave: Modos de transporte; Viagens escolares; Cidades pequenas
Abstract
School trips characterize the main daily commute by students. Understanding how these trips are made and which aspects influence their choices is fundamental to provide improvements in transportation and quality of life for students. From a literature review, we listed aspects impacting the selection of the transportation mode used in school trips and the satisfaction with the quality of scholar transportation provided to the students. To qualify scholar trips in small cities, high school students from 10 schools located in 6 different cities of the central region of Rio Grande do Sul State were selected, totaling 763 students interviewed. Through the application of a qualitative and quantitative questionnaire we collected data on target audience, trips, perceptions of trips and satisfaction with scholar transportation, providing information for the diagnosis of the scholar trips. With the results obtained, it is possible to guide public policies aimed at improving the quality and safety of scholar trips.
Keywords: Modes of transport; School trips; Small cities
1 Introdução
Uma das principais viagens realizadas por crianças é a viagem até a escola. O acesso à educação é um direito garantido por lei, e é dever do estado prover um transporte adequado para que estas crianças tenham o ingresso para a escola garantido (TCE-RS, 2014). Contudo, existem várias maneiras de realizar esse deslocamento e a escolha do modo de transporte para à escola está condicionada a uma variedade de fatores, incluindo efeitos sobre a saúde das crianças, efeitos ambientais das viagens veiculares, tempo e custos financeiros para os pais e custos de viagem para os conselhos escolares (VITALEA; MILLWARD; SPINNEY, 2019).
O uso de veículos motorizados particulares para as viagens à escola em detrimento dos modos mais sustentáveis, como ir a pé ou de bicicleta, aumenta o volume destes veículos nos entornos escolares prejudicando a segurança dos alunos no entorno escolar (ABDEL-ATY; M, 2007; VAN RISTELL et al., 2013). No entanto, para as viagens relativamente mais longas, o uso de veículos motorizados torna-se necessário para que seja garantido o bem-estar dos alunos (BECK; NGUYEN, 2017). Nestes casos, os modos de transportes coletivos, como é o caso do transporte escolar, representam uma questão crucial para a sociedade, pois garantem que todas as crianças tenham acesso igualitário à escola (KOTOULA et al., 2017).
Nas áreas rurais e em pequenas cidades, o estímulo para o uso de modos de transporte sustentáveis é um desafio ainda maior, pois nesses locais não são evidenciados problemas de mobilidade decorrentes nos grandes centros urbanos. O número expressivo de vagas estacionamentos, as distâncias maiores entre as atividades e a inexistência de engarrafamentos, acabam por justificar o uso do veículo particular como o modo de transporte principal dos deslocamentos (SANTOSO et al., 2012). Além disso, um comparativo realizado por Kim e Heinrich (2016) sobre viagens escolares realizadas a pé constatou que as infraestruturas destinadas a pedestres em cidades menores eram mais precárias e os pedestres eram sujeitos a mais barreiras em seu percurso ao comparar-se com cidades maiores. O que demonstra que acesso ao transporte pode ter impacto diferenciado conforme o porte e a morfologia das cidades (FAULK; HICKS, 2010).
O objetivo deste trabalho é realizar uma caracterização do perfil das viagens para a escola em cidades de pequeno porte localizadas na região do Vale do Jacuí, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Para tanto, foi aplicado um questionário de pesquisa aos alunos de dez escolas localizadas em seis cidades da área de estudo e os dados foram analisados através de uma estatística descritiva. Como resultados, este estudo fornece um diagnóstico sobre os principais modos de transportes utilizados pelos alunos, percepções sobre os veículos que se sentem ameaçados e respeito do pedestre no entorno escolar, assim como também fornece uma análise da satisfação com relação ao transporte escolar. Os resultados obtidos deste estudo contribuem para a orientação de políticas públicas que foquem na melhoria das viagens para à escola com ênfase na qualidade do transporte escolar.
2 Revisão Bibliográfica
Na medida em que as viagens escolares se tornaram mais longas, a utilização de veículos motorizados aumentou significativamente em detrimento aos modos ativos de locomoção (EASTON; FERRARI, 2015). Anteriormente caminhar e andar de bicicleta eram os modos de transporte comuns para as viagens das crianças para a escola, assim como para os estudantes que moram mais próximos da escola (BECK; NGUYEN, 2017). No Brasil, esta mudança foi impulsionada principalmente devido ao crescimento desordenado das cidades, onde a falta de planejamento ocasionou uma concentração de residências nas regiões periféricas enquanto que nas áreas centrais o uso do solo foi mais comercial (IPEA, 2016).
Em decorrência disso, para as escolas que se localizam distantes da moradia dos estudantes, aumentou-se a dependência de viagens realizadas por veículos motorizados (VITALEA; MILLWARD; SPINNEY, 2019). Contudo, a melhoria das condições econômicas elevaram os níveis de propriedade de veículos particulares, o que auxiliou no declínio da utilização do transporte coletivo (DEWI; RAKHMATULLOH; ANGGRAINI, 2018). Desta maneira, uma medida que pode ser utilizada para alcançar a sustentabilidade para este cenário seria atrair mais pessoas para o transporte coletivo e incentivo a mobilidade ativa para as viagens mais curtas (DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010).
Um dos fatores que ocasionaram a diminuição na utilização do transporte coletivo é o baixo nível do serviço de transporte ofertado por esse meio de transporte (DEWI; RAKHMATULLOH; ANGGRAINI, 2018). Desta forma, tornam-se relevantes as análises sobre a qualidade do serviço do transporte coletivo, uma vez que ela pode afetar as escolhas dos modos de transportes para compor a viagens através das percepções do usuário (TSAMI; NATHANAIL, 2017). Sendo assim, a avaliação da qualidade no serviço oferecido é de fundamental importância para definir a escolha do modo de transporte utilizado (BEREŽNÝ; KONEČNÝ, 2017; NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013).
Para analisar a qualidade do serviço é necessário que primeiramente seja realizada a identificação dos atributos que afetam a percepção dos usuários, para posteriormente agir na melhoria desses atributos específicos visando a maximização da qualidade do serviço prestado (ECHANIZ BENEITEZ; DELL’OLIO; IBEAS PORTILLA, 2017). No caso particular do transporte escolar, existe escassez de informações na literatura sobre atributos específicos para análise da qualidade, e por essa razão nesse trabalho em concreto foram verificados atributos do transporte coletivo que se aplicassem também ao transporte escolar. De acordo com a literatura, os principais atributos que influenciam na qualidade percebida pelo usuário do transporte coletivo são:
§ Disponibilidade de tempo: se refere ao tempo disponível para realização das viagens, que pode abranger o tempo de deslocamento até a parada juntamente com o tempo de viagem (DAVE; RAYKUNDALIYA; SHAH, 2013; DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; DEWI; RAKHMATULLOH; ANGGRAINI, 2018; KAMARGIANNI et al., 2015; KOTOULA et al., 2017; LANG; COLLINS; KEARNS, 2011; SAKELLARIOU et al., 2017; VITALEA; MILLWARD; SPINNEY, 2019).
§ Confiabilidade: descrito como o cumprimento dos horários previstos para realização da viagem, abrangendo também a estimativa de chegar ao destino (DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013; SAKELLARIOU et al., 2017).
§ Segurança viária: relacionada aos riscos de ocorrência de um acidente de trânsito que possam ocasionar ferimentos graves ou até a morte dos passageiros durante a viagem (DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; JENSEN, 2008; KOTOULA et al., 2017; MENDOZA et al., 2012; SAKELLARIOU et al., 2017; VAN RISTELL et al., 2013; YANG et al., 2009).
§ Segurança pública: refere aos riscos de assaltos tanto dentro do veículo como nos pontos de embarque ou no trajeto até o embarque (DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; JENSEN, 2008; KOTOULA et al., 2017; MENDOZA et al., 2012; SAKELLARIOU et al., 2017; VAN RISTELL et al., 2013; YANG et al., 2009).
§ Relação entre funcionários e passageiros: está ligada ao atendimento realizado pela equipe de funcionários e a convivência adquirida com os usuários (BEREŽNÝ; KONEČNÝ, 2017; DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013; SAKELLARIOU et al., 2017).
§ Conforto dos veículos: relacionado com a presença de ar condicionado, disponibilidade de assentos, bancos confortáveis, etc. (DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; DEWI; RAKHMATULLOH; ANGGRAINI, 2018; LANG; COLLINS; KEARNS, 2011; NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013).
§ Limpeza e estado de conservação dos veículos: refere-se à higiene, conservação e aparência visual dos veículos (BEREŽNÝ; KONEČNÝ, 2017; NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013).
§ Acessibilidade: entendida como a facilidade de acesso ao transporte, este atributo inclui a existência de linhas nas proximidades de origens e destinos (BECK; NGUYEN, 2017; DEWI; RAKHMATULLOH; ANGGRAINI, 2018; EASTON; FERRARI, 2015; KOTOULA et al., 2017; NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013; VAN RISTELL et al., 2013; VITALEA; MILLWARD; SPINNEY, 2019), e também a distância que é necessária percorrer até a parada do coletivo (NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; SAKELLARIOU et al., 2017; VAN RISTELL et al., 2013).
§ Infraestrutura para o usuário: instalações existentes como iluminação dos pontos de parada, presença de assentos, cobertura, etc. (BEREŽNÝ; KONEČNÝ, 2017; DEWI; RAKHMATULLOH; ANGGRAINI, 2018; NOOR; NASRUDIN; FOO, 2014; SAKELLARIOU et al., 2017).
§ Custo da viagem: o valor gasto para o pagamento das viagens realizadas (DELL’OLIO; IBEAS; CECÍN, 2010; LANG; COLLINS; KEARNS, 2011; ROHANI; WIJEYESEKERA; KARIM, 2013; SAKELLARIOU et al., 2017; VAN RISTELL et al., 2013; VITALEA; MILLWARD; SPINNEY, 2019).
3 Metodologia
3.1 Questionário de pesquisa
Para obtenção dos dados analisados neste trabalho foi elaborado um questionário constituído de três partes principais. A primeira parte consiste em perguntas relacionadas à caracterização do público alvo, como idade, sexo, série cursada e turno de aula, tempo gasto nos deslocamentos e modo utilizado para deslocamentos. A segunda parte possui questões relacionadas à percepção do entorno escolar e da segurança viária com questões como “Você acha que falta de sinalização de trânsito em torno da sua escola”, “Considera que os condutores de veículos respeitam os pedestres na sua cidade?”, etc.
E por fim, a terceira parte, destinada aos alunos que utilizam o transporte coletivo ou escolar consiste em perguntas relacionadas ao nível de satisfação com relação aos dez atributos elencados na revisão bibliográfica que influenciam na qualidade percebida pelo usuário do transporte. As questões específicas destinadas ao nível de satisfação do usuário do transporte escolar foram baseadas no modelo de questionário QualiÔnibus – programa de qualidade do serviço de ônibus (BARCELOS; ALBUQUERQUE, 2018) elaborado pelo World Resources Institute - WRI. As respostas desta etapa são assinaladas em uma escala Likert com cinco graus de concordância entre 1 “muito insatisfeito” e 5 “muito satisfeito”, além da outra opção 0 “não posso opinar”.
3.2 Cenário de estudo
As escolas que compõem o cenário de estudo estão localizadas em seis municípios da região do Vale do Jacuí, no Rio Grande do Sul. As cidades onde se localizam as escolas possuem características similares, sendo consideradas cidades de pequeno porte e economia relacionada à produção agrícola. No total, foram selecionadas 10 escolas e sua localização pode ser conferida na Figura 1. O nome das escolas não será divulgado como forma de garantir a privacidade dos estudantes participantes da pesquisa e serão indicadas como E1 a E10. Como pode ser observado, no município de Cachoeira do Sul, cinco escolas participaram do estudo, uma em perímetro rural e quatro na área urbana, sendo duas delas particulares (denominadas E4 e E5), enquanto nos outros municípios apenas uma escola pública localizada no centro das localidades foi pesquisada.
Figura 1- Localização das escolas participantes no estudo
Fonte: os autores
3.3 Aplicação dos questionários e análise dos dados
O questionário de pesquisa elaborado foi aplicado aos alunos do ensino médio das escolas do cenário de estudo. A amostra consiste em todos os alunos do ensino médio presentes nos dias da aplicação do questionário, os quais receberam instruções claras para o preenchimento, mas sem serem condicionados nas respostas. A aplicação foi feita entre os meses de março e outubro de 2018. A aplicação do questionário forneceu um conjunto de informações estruturadas para serem computadas e analisadas por meio de uma estatística descritiva através de uma planilha eletrônica de dados, mas sempre assegurando o anonimato dos respondentes.
4 Resultados
O número total de respondentes foi de 763 estudantes conforme a distribuição mostrada na Tabela 1, assim como algumas informações das escolas e seu entorno. A porcentagem de domicílios localizada em perímetro urbano foi obtida através de dados fornecidos pelo IBGE (2010).
Tabela 1 – Distribuição de estudantes participantes do estudo nas escolas do cenário de estudo
Cidade |
Escola |
Tipo |
Domicílios em perímetro urbano |
Área abrangida |
N° de respondentes |
Agudo |
E1 |
Pública |
44% |
Central |
169 |
Cachoeira do Sul |
E2 |
Pública |
85% |
Central |
129 |
Cachoeira do Sul |
E3 |
Pública |
85% |
Residencial |
88 |
Cachoeira do Sul |
E4 |
Privada |
85% |
Central Residencial |
85 |
Cachoeira do Sul |
E5 |
Privada |
85% |
Central Residencial |
34 |
Dona Francisca |
E6 |
Publica |
66% |
Central |
36 |
Novo Cabrais |
E7 |
Publica |
14% |
Central |
18 |
Paraiso do Sul |
E8 |
Publica |
41% |
Central |
119 |
Restinga Seca |
E9 |
Publica |
58% |
Central |
43 |
Cachoeira do Sul |
E10 |
Publica |
85% |
Rural |
42 |
A partir da análise dos dados fornecidos pelos questionários é possível observar, de maneira geral, que os modos de transporte mais utilizados pelos estudantes são: a pé (33%), transporte escolar (31%) e carro (16%). Assim, conforme pode ser visto na Figura 2, os demais modos de transporte utilizados pelos alunos para cada escola do cenário de estudo (como ônibus urbano ou intermunicipal, motocicleta o bicicleta) foram agrupados na categoria “outros” por serem em menor proporção.
Figura 2 - Dados por escola dos modos de transporte utilizados para os deslocamentos dos alunos
Fonte: os autores
Conforme pode ser visto na Figura 2, nas escolas E4 e E5 os alunos utilizam principalmente o carro para os seus deslocamentos, sendo os valores de 61% e 71%, respectivamente. A escolha desse modo de transporte para compor as viagens pode estar influenciada pelo tipo das escolas, particulares, o que indica que os pais possuem um poder aquisitivo maior e por isso, utilizam frequentemente o transporte individual.
Em contrapartida, na escola E10, 69% dos deslocamentos dos alunos são realizados por transporte escolar, o que é possível que seja influenciado pela localização da escola, sendo uma região rural. Da mesma forma, na escola E7, 94% dos estudantes utilizam este modo, apesar dessa escola ser localizada na região urbana da cidade, pois 86% dos domicílios dos estudantes estão localizados em zona rural. Esses resultados vão ao encontro com o que foi dito por Prestes e Pozzetti (2017), em que nas áreas rurais há uma maior dependência do transporte escolar, ressaltando a importância de que esse serviço de transporte atenda às necessidades dos alunos nesses locais. Por outro lado, as viagens a pé foram mais dominantes nas escolas E2, E3 e E6, sendo os valores 52%, 57% e 67%, respectivamente, o que pode ser também influenciado pela localização destas escolas e o público que recebem, pois os alunos matriculados nestas escolas residem a uma distância menor do que os alunos das demais escolas.
Outro resultado destacável é referente às respostas dos estudantes à questão “Por qual veículo se sente mais ameaçado?”, que pode ser visto na Figura 3. De maneira geral, os alunos se sentem mais ameaçados pelo carro, o que pode ter relação com o fato desse ser o veículo motorizado que os alunos veem com mais frequência e em maior volume no entorno da escola. Porém, os estudantes da escola E6 em sua maioria consideram o ônibus como o veículo mais ameaçador, esta percepção pode ser influenciada pelo fato de nesta escola as viagens dos alunos serem predominantemente feitas a pé (67%) e de transporte escolar (31%). Sendo assim, o transporte escolar feito por ônibus é o modo de transporte motorizado mais frequente no entorno escolar, e isso influencia na percepção destes estudantes, já que existe uma presença muito maior de ônibus do que carros ao redor da escola.
Figura 3 - Veículo pelo qual os alunos se sentem mais ameaçados no entorno da escola
Fonte: os autores
Na Figura 4 podem ser observados os resultados obtidos das respostas à pergunta “Considera que os veículos respeitam os pedestres na sua cidade?”. Nesse questionamento, os alunos em sua maioria acreditam que os veículos motorizados não respeitam o pedestre nas áreas frequentadas por eles, o que sugere que medidas precisam ser tomadas para melhorar a o cumprimento dessa regra essencial do trânsito para a segurança. No entanto, os alunos das escolas E6, E7 e E8 avaliaram positivamente o respeito aos pedestres por parte dos veículos motorizados. Uma explicação para isso é que, conforme pode ser visto na Figura 2, nessas cidades há um predomínio da utilização do modo de transporte a pé ou transporte escolar para a realização das viagens escolar e isso pode ter influenciado na percepção dos estudantes já que existe uma presença menor de veículos particulares no entorno escolar, reforçando a sensação de segurança.
Figura 4 - Respostas dos alunos à pergunta “Considera que veículos respeitam os pedestres na sua cidade?”
Fonte: os autores
Os resultados relacionados à satisfação do usuário com relação ao transporte escolar também foram analisadas e as respostas dos alunos podem ser observadas na Figura 5. O atributo que teve o melhor desempenho na satisfação geral foi Atendimento do motorista/condutor, com uma avaliação positiva para 79% dos respondentes, seguido da Facilidade de chegar à parada, com 76% de respostas avaliadas positivamente. Esses resultados podem ter relação com o fato de que no transporte escolar existe um acordo onde as partes envolvidas (empresa e estudantes) combinam um determinado local para realizar o embarque e desembarque dos estudantes, diferentemente do que ocorre com o serviço de transporte público. Já a avaliação positiva do atendimento ser influenciada principalmente pelo vínculo criado entre estudantes e funcionários que prestam este serviço diariamente.
Figura 5 - Satisfação Geral com o transporte escolar no cenário de estudo
Fonte: os autores
Os atributos que tiveram as piores avaliações reportadas pelos alunos foram Exposição à poluição e ruídos com 39% de respondentes insatisfeitos ou muito insatisfeitos, e Situação da parada com 36% de avaliações negativas. Ambas avalições podem ser explicadas com as particularidades do meio de transporte e dos locais onde o serviço é prestado, como foi visto nos resultados da Figura 2, pois o transporte escolar é predominante nas escolas e/ou moradias localizadas na área rural e nesses locais as estradas dificilmente são pavimentadas, o que leva a condições em que a presença de ruído e poeira é agravada. Já a percepção dos alunos sobre a situação das paradas é afetada pelo modo em que o serviço é ofertado, já que, conforme foi dito anteriormente, não existem paradas fixas como é visto no transporte coletivo, e os pontos de embarque definidos são variáveis, pelo que dificilmente irão ter infraestruturas como cobertura da parada e bancos.
Da mesma forma, o estado dos ônibus não é satisfatório para 24% dos alunos, assim como a rapidez da viagem na mesma proporção. O estado dos ônibus também pode ser influenciado pela falta de pavimentação das vias, sendo assim, os prestadores de serviços não realizam as manutenções em dia ou renovam a frota dos veículos porque as condições do ambiente dos quais os veículos estarão submetidos agrava o estado dos veículos. Já a rapidez da viagem, pode ser prejudicada em parte pelo estado das vias, sendo que, por exemplo, nos dias de chuva, o tempo de viagem é afetado em maior escala. Contudo, outro fator como o planejamento da rota pode estar influenciando, de forma que, nesses casos, a otimização das rotas como forma de reduzir o tempo de viagem se torna interessante.
Os resultados desse estudo contribuem para o entendimento de como são os deslocamentos dos alunos na região. A análise dos dados sobre os principais modos de transporte utilizados pelos alunos permitiu identificar que as escolhas modais em sua maioria estão condizentes com a escolha de modos de transportes mais sustentáveis. O número representativo das viagens a pé evidenciado mostra relação com as características das cidades das escolas estudadas, por serem de pequeno porte, e, portanto, as distâncias de viagens menores, o que possibilita que os alunos realizem suas viagens por esse modo. Da mesma forma, destaca o uso frequente do transporte escolar em escolas localizadas em área rural. Contudo, o número representativo de viagens por carro evidenciada nas escolas particulares sugere que medidas para o incentivo de viagens mais sustentáveis devem ser estudadas nesses locais.
As percepções com relação ao veículo pelo qual os alunos se sentem mais ameaçados mostram que os alunos percebem maior risco em relação aos veículos motorizados que eles visualizam no entorno escolar com mais frequência. Além disso, as percepções dos alunos sobre o respeito ao pedestre nos entornos escolares mostraram que em geral os veículos não respeitam o pedestre. Esses resultados sugerem que medidas relacionadas à separação do tráfego motorizado e os pedestres devem ser intensificadas nos entornos escolares, como investimento em sinalizações verticais e horizontais, redução da velocidade no entorno e infraestruturas para o pedestre como faixas de pedestres e gradis de proteção. Para que o respeito dos estudantes seja garantido outras medidas como fiscalização e educação para o trânsito também podem ser exploradas.
E, por fim, a avaliação da satisfação do transporte escolar mostrou que o serviço prestado tem julgamentos diferentes do que normalmente é visto para o transporte coletivo, o que sugere que essa avaliação é influenciada por suas particularidades, como as vias percorridas, os percursos realizados, os locais de parada e tempos investidos. Os resultados mostram que as autoridades públicas precisam tomar medidas relativas à melhoria das vias onde transitam os veículos do transporte escolar e investimento em infraestrutura nos pontos de embarque dos alunos e nos próprios veículos, assim como a otimização das rotas planejadas.
5 Conclusões
As crianças e os jovens em período escolar têm o direito, garantido por lei, de acessar a escola e para isso é necessário que elas tenham disponível um transporte que atenda às suas necessidades. Dessa forma, esse estudo foi desenvolvido com o objetivo de compreender os padrões das viagens à escola dos alunos da região do Vale do Jacuí, no Rio Grande do Sul e assim auxiliar na tomada de decisões para melhorar as condições desse transporte. Para tanto, foi aplicado um questionário de pesquisa a 763 estudantes de dez escolas localizadas em seis municípios da região. O questionário buscou caracterizar os modos de transporte utilizados pelos alunos, assim como identificar os tempos de viagens e as percepções sobre as relações no trânsito por parte deles. Além disso, para os alunos que realizaram seus deslocamentos por transporte escolar, foram analisadas as satisfações com relação a esse serviço.
Como resultados, o diagnóstico sobre os modos de transporte mais utilizados pelos alunos mostra que, de maneira geral, há uma predominância de viagens a pé e por transporte escolar até as escolas analisadas, seguida de uma pequena parcela realizada por carro. Contudo, ao avaliar os resultados de forma desagregada, foi possível identificar que a escolha dos modos de transporte foi influenciada pelo tipo de escola (privada ou particular), como também por características de onde estão localizadas as escolas (âmbito urbano ou rural).
As percepções sobre o veículo pelo qual os estudantes se sentem ameaçados são afetadas pelo veículo que eles visualizam com maior frequência nos entornos escolares em decorrência do modo de transporte motorizado mais utilizado nas viagens para a escola. Sendo assim, em geral, o carro foi dito como o veículo mais ameaçador, no entanto, nas escolas localizadas em áreas rurais, onde o uso do transporte escolar é mais frequente, o ônibus é o veículo pelo qual os alunos se sentem mais ameaçados. Já a percepção com relação ao respeito do pedestre é agravada na medida em que existem mais veículos motorizados particulares no entorno; portanto, nas escolas onde o uso do carro é mais frequente, como é o caso das escolas particulares do estudo, o desrespeito ao pedestre é mais percebido pelos alunos. Finalmente, as avaliações sobre a satisfação do transporte escolar mostram que o serviço atende as necessidades dos alunos e existe uma boa relação entre eles e os motoristas, contudo, questões relacionadas à exposição a ruídos e poluição, estado das paradas e dos veículos e a rapidez das viagens precisam ser avaliadas pelos tomadores de decisão para melhorar as condições existentes.
Os resultados obtidos desse estudo permitem orientar políticas públicas que auxiliem na melhoria da qualidade e a segurança do transporte no âmbito escolar. As medidas que podem ser tomadas para melhorar a mobilidade dos estudantes incluem o investimento em infraestrutura para o pedestre e sinalizações no entorno escolar, assim como fiscalização do respeito ao pedestre por parte das autoridades públicas. Medidas relacionadas à qualidade do transporte escolar incluem a melhoria das vias do percurso desses veículos e investimento em infraestruturas nos pontos de embarque, tais como cobertura e bancos. Como sugestões para trabalhos futuros sugere-se que estudos como este sejam replicados em outras escolas de características e lugares diferentes, para que se possa obter resultados que auxiliem a melhoria dos deslocamentos para a escola em outras regiões. Trabalhos envolvendo análises geoespaciais das distâncias de deslocamentos e o tempo de das viagens para a escola podem ajudar a esclarecer as escolhas modais e satisfações com o transporte escolar, assim como para propor medidas orientadas a diminuir as viagens motorizadas visualizadas principalmente nas escolas particulares.
Agradecimentos
As acadêmicas Raquel Cristina Ferreira da Silva e Letícia Oestreich agradecem o apoio do Programa o apoio do Programa de Iniciação Científica da UFSM, PROBIC-Fapergs e PIBIC-CNPq, respectivamente. O professor Alejandro Ruiz-Padillo agradece ao CNPq pelo apoio financeiro (Processo 308870/2018-2 e Processo 422635/2018-9).
Referências
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