Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e nat., Santa Maria, V. 42, Special Edition, e7, 2020

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40471

Received: 10/10/2019 Accepted: 10/10/2019

 

 


Special Edition

 

Revisão bibliográfica sobre as variáveis associadas aos componentes do tráfego que influenciam a segurança viária nos entornos escolares

 

Bibliographic review on the variables associated with traffic components influencing road safety in school environments

 

 

Letícia OestreichI

Tânia Batistela TorresII

Brenda Medeiros PereiraIII

Alejandro Ruiz-PadilloIV

 

I  Laboratório de Mobilidade e Logística, Universidade Federal de Santa Maria, Cachoeira do Sul, Brasil - leticia.oestreich@hotmail.com

II Laboratório de Sistemas de Transportes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil - batistela.torres@ufrgs.br

IIILaboratório de Mobilidade e Logística, Universidade Federal de Santa Maria, Cachoeira do Sul, Brasil - brenda.pereira@ufsm.br

IVLaboratório de Mobilidade e Logística, Universidade Federal de Santa Maria, Cachoeira do Sul, Brasil - alejandro.ruiz-padillo@ufsm.br

 

 

Resumo

Os acidentes de trânsito são a principal causa da morte de crianças e jovens em todo o mundo, por isso, é necessário que sejam exploradas medidas de segurança viária para garantir o direito à vida desse grupo populacional. Compreender medidas para melhorar as condições de segurança viária nos entornos escolares contribui para a segurança das crianças e dos jovens. O objetivo desse estudo é definir as variáveis associadas aos componentes do tráfego que afetam as condições de segurança viária nos entornos escolares através de uma pesquisa bibliográfica exploratória. Como resultados, o estudo fornece um resumo das principais variáveis encontradas na literatura relacionadas ao tema e discute a atuação dessas variáveis sobre os componentes do tráfego e o impacto na segurança viária nos entornos escolares. Os resultados obtidos neste estudo fornecem subsídios para a tomada de medidas para a melhoria da segurança viária nos entornos escolares e para o incentivo ao uso de modos de transporte mais sustentáveis, assim como, dão suporte a elaboração de pesquisas relacionadas ao tema.

Palavras-chave: Segurança viária; Escolas; Componentes do tráfego

 

 

Abstract

Traffic accidents are the main cause of death for children and young people all over the world, so it is necessary to explore road safety measures to ensure the right to life of this population group. Understanding the measures to improve road safety conditions in school environments contributes to the safety of children and young people in school. The objective of this study is to define variables associated with traffic components that affect road safety conditions in school environments through an exploratory bibliographic research.  As a result, the study provides a summary of the main variables found in the literature related to the subject and discusses the performance of these variables on traffic components and the impact road safety in school environments. Results of this study provide support for measures to improve road safety in school environments and encourage the use of more sustainable modes of transport, as well as, support the elaboration of research related to the theme.

Keywords: Road safety; Schools; Components of road traffic

 

 

1 Introdução

O ambiente urbano seguro e sustentável é um direito de todos, contudo, os problemas causados pela segurança viária têm afetado a vida de milhares de pessoas pelo mundo. Estima-se que 1.35 milhão de vidas são perdidas anualmente em decorrência dos acidentes de trânsito, tornando-se a primeira causa da morte de crianças e jovens entre 5 a 29 anos e em oitavo lugar para todas as idades. Além disso, as estimativas demonstram que em países baixa renda as chances de se envolver em um acidente de trânsito fatal são três vezes maiores (WHO, 2018).

Esses resultados podem estar relacionados com o planejamento urbano tradicional nas cidades, o qual dificilmente leva em consideração as necessidades das crianças e jovens e também dos demais usuários vulneráveis das vias públicas (TOROYAN e PEDEN, 2007). Por esse motivo, há alguns anos, os estudos sobre como melhorar a acessibilidade e a mobilidade desses usuários e tornar as cidades mais sustentáveis e inteligentes têm tomado força (AHVENNIEMI et al., 2017; LYONS, 2018). Isso porque, conforme proposto pela agenda dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, as cidades em todo o mundo têm sido desafiadas a promover medidas para tornar os ambientes mais sustentáveis até 2030 (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2015).

Dessa maneira, se torna importante a compreensão de como se pode assegurar a qualidade e o direito à vida das crianças e jovens no ambiente urbano, especialmente em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Nesse contexto, planejar adequadamente a mobilidade dos jovens e crianças nas cidades, através da orientação para o uso de modos de transportes ativos e sustentáveis e melhorias no ambiente urbano é uma forma de alcançar esse propósito (TOROYAN e PEDEN, 2007).

Como já se tem conhecimento, é comum o deslocamento diário de crianças e jovens para à escola. Contudo, é nesse momento em que elas são expostas aos riscos e conflitos relacionados ao trânsito, elevando-se as chances de ocorrência um acidente de trânsito (ABDEL-ATY, 2007).  As instituições de ensino são consideradas Polos Geradores de Viagens (PGV), uma vez que desenvolvem atividades capazes de atrair deslocamentos que representam parcela significativa das viagens de uma cidade (PORTUGAL e GOLDNER, 2003). Segundo o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, a grande produção de viagens gerada por um PGV causa impactos negativos na circulação viária do seu entorno, o que prejudica as condições de acessibilidade e também agrava as condições de segurança viária entre os veículos e pedestres (DENATRAN, 2001).

Os impactos causados pela geração de viagens desses locais precisam ser mitigados para que as condições de segurança e qualidade de vida da população sejam asseguradas. A promoção de um ambiente viário mais seguro requer a tomada de medidas que evitem a ocorrência dos acidentes de trânsito ou reduzam a gravidade dos seus efeitos (FERRAZ et al., 2012). Para Treat et al. (1979), um acidente de trânsito ocorre quando as barreiras do equilíbrio do sistema do tráfego são quebradas, ou seja, quando a exigência do sistema viário é superior ao desempenho do motorista.

O sistema viário é composto pelos componentes do tráfego tradicionalmente conhecidos como: usuário, via e veículo (ROZESTRATEN, 1988). Melhorar a interação entre os usuários e o sistema contribui para um trânsito mais seguro (WELLE et al., 2015), interação que ocorre entre os fatores que atuam sobre os principais componentes do tráfego.  Nesse contexto, o acidente de trânsito pode ser entendido como um evento resultante de um ou mais fatores contribuintes que atuam através dos componentes do sistema (TREAT et al., 1979; SHINAR, 2007).

Assim, o objetivo deste estudo é definir quais são as variáveis que estão associadas aos componentes do tráfego e que podem afetar a segurança viária, com enfoque nas áreas escolares. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre os estudos relacionados ao tema, o que permitiu a consolidação das variáveis encontradas na literatura sobre os estudos de segurança viária em áreas escolares. Os resultados obtidos deste estudo podem contribuir para a orientação de pesquisas que visam melhorar as condições de mobilidade e segurança no trânsito nas áreas escolares.

 

 

2 Metodologia

Este estudo pode ser classificado como uma pesquisa qualitativa de natureza básica e com objetivo exploratório (GERHARDT e SILVEIRA, 2009). Isso porque este trabalho utiliza-se de interpretações de natureza subjetiva, com a finalidade de gerar novos conhecimentos acerca do estudo, através de um levantamento bibliográfico como forma de atingir os objetivos propostos. Para tanto, foi adotado o procedimento metodológico apresentado na Figura 1, organizado em seis etapas que visam obter, no final, uma relação que sintetiza todas as variáveis encontradas na literatura que foram associadas à segurança viária em entornos escolares, categorizadas conforme os componentes do tráfego.

Figura 1 – Etapas do processo metodológico para a obtenção das variáveis

 

Para o cumprimento da primeira etapa da metodologia proposta, foram realizadas pesquisas bibliográficas para identificar as variáveis utilizadas nos estudos de segurança viária com enfoque em áreas escolares. As fontes de pesquisas utilizadas foram as publicações de artigos disponíveis na plataforma dos Periódicos da Capes e também aqueles disponíveis Google Scholar. As principais bases de pesquisa utilizadas neste trabalho foram o Science Direct, Scopus e Springer.

 

 

3 Resultados

A partir da exploração de artigos científicos localizados através de uma revisão bibliográfica acerca dos estudos que envolvem a pesquisa sobre o tema proposto, foi possível elencar as variáveis definidas como atuantes sobre os componentes do tráfego usuário, via e veículo, assim como analisar de acordo com suas diferentes características. Dessa forma, os fatores relacionados ao componente do tráfego usuário podem ser direcionados ao tipo pedestre e os condutores dos veículos (motorizados ou não). Os fatores vinculados ao componente via estão relacionados ao ambiente viário destinado à circulação tanto para os pedestres, sendo portanto as calçadas, quanto para os veículos motorizados (faixas de rolamento e faixas de ônibus) e os não motorizados (ciclovias e ciclofaixas). Por fim, o componente do tráfego veículo refere-se aos fatores veiculares associados aos tipos de veículos e suas condições, sendo que os tipos de veículos motorizados são os carros, caminhões, ônibus e motocicletas, e os não motorizados as bicicletas e os patinetes.

Com relação ao componente usuário, conforme demonstrado na Tabela 1, ele pode ser do tipo motorista, e as atitudes no trânsito tomadas por esse componente do tráfego contribuem significativamente para a ocorrência de acidentes de trânsito (EVANS 2004; HOFFMANN, 2005). As atitudes dos motoristas que mais ocasionam acidentes viários, em sua maioria das vezes, estão relacionadas às infrações de trânsito, que para Bottesini e Nodari (2011) as mais comuns são: ingestão de bebidas alcoólicas, excesso de velocidade e avanço de sinal vermelho do semáforo. Por outro lado, estudos como os de Trinkaus (1996) sugerem que a maioria dos condutores excedem os limites de velocidades dispostos nas zonas escolares. Contudo, o perfil do condutor dos veículos parece influenciar na ocorrência de acidentes de trânsito envolvendo crianças e jovens em período escolar. O estudo de Abdel-Aty (2007) sugere que condutores de idade entre 26 a 50 anos e do sexo masculino que possuem problemas com alcoolismo são mais propensos a se envolverem em acidentes de colisões com crianças.

 

Tabela 1 – Relação das variáveis que atuam sobre o componente do tráfego usuário

Tipo

Variáveis

Referências

 

Pedestre e ciclista

Sua presença

AHLPORT et al. (2006), JENSEN (2008) ROTHMAN et al. (2014), WELLE et al. (2015)

Faixa etária

FARIA E BRAGA (1999), ABDEL-ATY et al. (2007), JENSEN (2008), WELLE et al.(2015)

Sexo

PEDEN (2008)

Renda

MERON (2006), WHITE et al. (2000), MCARTHUR et al. (2014), GOMES et al. (2015)

 

Motorista

Infrações de trânsito

TRINKAUS (1996), EVANS (2004), HOFFMANN (2005), ABDEL-ATY et al. (2007), BOTTESINI E NODARI (2011)

Faixa etária

ABDEL-ATY et al.  (2007), VASCONCELLOS (2013)

Sexo

ABDEL- ATY et al. (2007)

 

Os usuários definidos como do tipo pedestres e ciclistas, conforme a Tabela 1, são ditos como os mais vulneráveis do tráfego, frequentemente associados ao perfil de vítimas fatais (WELLE et al., 2015), sendo que, para as crianças, o sistema se apresenta muito mais complexo, pois sua capacidade cognitiva está em desenvolvimento tornando-as muito mais vulneráveis (JENSEN, 2008). Estudos como o de Meyer et al. (2014) evidenciam que as crianças tendem a ter uma taxa de resposta mais baixa e tempos de reação mais longos, sendo que o pior desempenho é encontrado em crianças menores de 13 anos.

Contudo, conforme pode ser visto na Tabela 2 em que constam as variáveis definidas para o componente do tráfego via, a literatura sugere a variável renda relacionada aos fatores ambientais influencia a segurança viária nos entornos escolares. Sendo que os deslocamentos ativos são mais comuns entre as crianças de baixa renda (MERON, 2006), sendo que estas crianças são mais propensas a se envolver em acidentes viários do que crianças de maior renda (WHITE et al., 2000).

Apesar disso, as colisões envolvendo pedestres com idade escolar são mais associadas às características do ambiente construído do que com a frequência de caminhada (ROTHMAN et al., 2014). No estudo brasileiro de Gomes et al. (2015), as escolas localizadas em áreas com domicílios de baixa renda tiveram efeitos significativos no número de acidentes com vítimas. Os autores sugerem que isso pode ser ocasionado pelos índices maiores de deslocamentos não motorizados e infraestruturas viárias precárias evidenciadas nesses locais.

 

Tabela 2 – Relação das variáveis que atuam sobre o componente do tráfego via

Tipo

Variáveis

Referências

 

Para pedestres e ciclistas

Calçada

ELVIK ET AL. (2004), CLIFTON E KREAMER-FILTS (2007), WELLE et al. (2015), ROTHMAN et al. (2014), KIM e HEINRICH (2016)

Travessia

AHLPORT et al. (2006), ROTHMAN et al. (2014), KOOPMANS et al. (2015), ZAHABI et al. (2011)

Ciclovia e ciclofaixa

JENSEN (2008), ZAHABI et al. (2011); WELLE et al. (2015)

Para veículos

Interseção

BOARNET (2005), JENSEN (2008), DUMBAUGH e RAE (2009), ZAHABI et al. (2011), AMOH-GYMAH et al. (2017), TORRES et al. (2017)

Dispositivo de controle do tráfego

WHITE et al. (2000), BOARNET (2005), KOOPMANS et al. (2015), AMOH-GYMAH et al. (2017), TORRES et al. (2017)

Volume elevado

ELVIK et al. (2004), ABDEL- ATY(2007), CLIFTON e KREAMER-FILTS (2007), ROMERO (2011), WELLE et al. (2015), TORRES et al. (2017)

Velocidade permitida

TRINKAUS (1996), BOARNET (2005), ABDEL-ATY et al. (2007), ORENSTEIN et al. (2007), DUMBAUGH e RAE (2009),  ROMERO (2011), ZAHABI et al. (2011), KOOPMANS et al. (2015), TORRES et al. (2017)

Fatores ambientais

Dia da semana

DUMBAUGH e RAE (2009), NASCIMENTO e GOLDNER (2014)

Horário de pico

NOLAND e QUDDUS (2004), CLIFTON E KREAMER-FILTS (2007), NASCIMENTO E GOLDNER (2014)

Iluminação

ELVIK et al. (2004), ZAHABI et al. (2011)

Chuva

ELVIK et al. (2004), ZAHABI et al. (2011)

Área comercial

FARIA e BRAGA (1999), RAIA JR et al. (2006), CLIFTON e KREAMER-FILTS (2007), DUMBAUGH e RAE (2009), WELLE et al. (2015), TORRES et al. (2017)

Densidade populacional

FARIA e BRAGA (1999), EWING (2003), CLIFTON e KREAMER-FILTS (2007), DUMBAUGH e RAE (2009), TORRES et al. (2017)

Renda

MEROM (2006), PEDEN (2008), GOMES et al. (2015), WELLE et al. (2015), MCARTHUR et al. (2014), ROTHMAN et al. (2014)

 

Outra realidade reportada no estudo de Jensen (2008) sugere que viagens de bicicleta para a escola são comuns entre crianças e jovens na Noruega, sendo que o número de acidentes de trânsito envolvendo alunos são baixos. Isso ocorre pois nesses locais há um incentivo a mobilidade ativa associado a implementação de rotas seguras, que incluem modificações no ambiente urbano para tornar as viagens mais seguras (WHITE et al., 2015). Os objetivos de Rotas Seguras são baseados na estrutura dos quatro E’s: encouragement, education, enforcement e engineering (em português: esforço, educação, fiscalização e engenharia). A aplicação dessas medidas é alcançada através da criação de novas leis ou reforço das existentes como forma de aumentar a segurança dos pedestres e ciclistas (TRANSPORTATION ALTERNATIVES, 2002).

Para Abdel-Aty et al. (2007) os acidentes de trânsito que envolvem crianças com idade escolar ocorrem, em sua maioria, nas áreas próximas as escolas, sendo maior em escolas de ensino fundamental e médio do que no nível primário. Áreas escolares que possuem acesso a comércios e serviços possuem uma maior ocorrência de acidentes viários, tanto em números (CLIFTON e KREAMER-FILTS, 2007) quanto na severidade (TORRES et al., 2011; DUMBAUGH e RAE, 2009). Ainda segundo Clifton e Kreamer-Filts (2007) atributos específicos da escola afetam a segurança viária dos alunos, sendo que áreas de recreação estão relacionadas a maiores severidades dos acidentes nos entornos escolares. As escolas localizadas próximas de vias com hierarquia superior e que permitam velocidades maiores possuem insegurança maior e, portanto, apresentam números maiores de acidentes viários (RAIA JR et al.,2006; ABDEL-ATY et al., 2007).

Outros fatores do ambiente, como os horários de pico, também merecem atenção, pois coincidem com os horários de entrada e saída da escola, e nesses horários o surgimento de congestionamentos provoca conflitos entre os pedestres e os veículos motorizados, o que aumenta as chances de ocorrer um acidente de trânsito nesse período (NOLAND e QUDDUS, 2004). A iluminação também exerce influência na ocorrência de acidentes de trânsito: os acidentes viários envolvendo pedestres em condições de baixa luz (depois do pôr-do-sol) apresentam maior severidade (ZAHABI et al., 2011), pois há uma redução da visibilidade do motorista. Outro fator também associado às taxas de acidentes maiores ocorridas à noite é dado pelo envolvimento de pedestres em acidentes com as saídas de pistas (ELVIK et al., 2004).

Os limites de velocidade e o número de faixas de tráfego conforme reportado por Abdel-Aty et al. (2007) exercem uma grande influência na segurança no trânsito para as crianças pois influenciam na frequência de acidentes com colisão envolvendo jovens de ensino médio. As colisões também foram reportadas no estudo de Koopmans et al. (2015), onde os autores identificaram que a maioria dos acidentes de trânsito que envolveram crianças ocorreram em locais que não possuíam dispositivos de controle de tráfego. Da mesma forma, os atropelamentos envolvendo jovens e crianças em período escolar parecem ocorrer em interseções sem sinalizações de trânsito (AMOH-GYMAH et al., 2017).

A separação da via dos pedestres do tráfego motorizado é um fator importante para evitar o conflito entre os modos de transportes e, portanto, fornecem maior segurança para as crianças, mesmo para aquelas que são levadas para a escola por carro ou motocicleta, visto que ao descerem dos veículos elas se tornam pedestres e, portanto, também estarão expostas aos riscos do trânsito (CLIFTON e KREAMER-FILTS, 2007). Para Kim e Heinrich (2016) as condições das infraestruturas para os pedestres influenciam nas escolhas modais dos jovens, sendo que em áreas que apresentam calçadas em boas condições as crianças tendem a realizar mais viagens escolares com modos de transportes ativos.

Dessa maneira, para tornar os entornos escolares seguros é necessário que existam boas condições para a caminhada e ciclismo e com sinalizações adequadas. Medidas que têm sido eficazes para aumentar a segurança nos entornos escolares estão relacionadas ao estreitamento das vias dos veículos motorizados como forma de diminuir a velocidade, o investimento em sinalização horizontal e em gradis de proteção da calçada (WELLE et al., 2015).

Além disso, as condições do ambiente, como, por exemplo, a iluminação, também devem ser avaliadas com atenção, pois exercem influência na ocorrência de acidentes de trânsito. Os acidentes viários envolvendo pedestres em condições de baixa luz (depois do pôr-do-sol) apresentam maior severidade (ZAHABI et al., 2011), pois há uma redução da visibilidade do motorista. Outro fator também associado às taxas de acidentes maiores ocorridas à noite, é dado pelo envolvimento de pedestres em acidentes com as saídas de pistas (ELVIK et al., 2004).

Com relação ao componente do tráfego veículo, as variáveis encontradas na literatura estão dispostas na Tabela 3. Para as viagens escolares os mais comuns no Brasil são os carros, ou veículos leves, as motocicletas e o transporte público por ônibus, como veículo pesado. As motocicletas são os veículos motorizados mais vulneráveis do trânsito e, portanto, frequentemente são relacionados à ocorrência de acidentes mais graves do que outros veículos (VASCONCELLOS, 2013). O envolvimento de veículos do transporte público em acidentes com crianças em países de baixa e média renda está frequentemente relacionado ao uso de veículos precários nesses locais (PEDEN, 2008).

 

Tabela 3 – Relação das variáveis que atuam sobre o componente do tráfego veículo

Tipo

Variáveis

Referências

 

Veículo motorizado

Veículos leves

TRINKAUS (1996), EWING (2003), JACOBSEN (2003)

Veículos pesados

PEDEN (2008), ZAHABI et al. (2011)

Velocidade

TRINKAUS (1996), ELVIK et al. (2004), BOARNET (2005), ABDEL-ATY et al. (2007), DUMBAUGH e RAE (2009), BOTTESINI e NODARI (2011),

Condições do veículo

NOLAND e QUDDS (2004), PEDEN (2008

Veículo não motorizado

 

Bicicleta

 

JENSEN (2008), WELLE et al. (2015)

 

As velocidades de operação e o acréscimo no volume de veículos motorizados leves em vias de áreas comerciais estão vinculados ao aumento de acidentes viários severos (DUMBAUGH e RAE, 2009). Se analisado isoladamente, o excesso de velocidade é o fator que apresenta maior efeito no número e na severidade de acidentes (ELVIK et al., 2004). Nos entornos escolares, essas características influenciam no modo de transporte utilizado pelos alunos, pois o receio dos pais em permitir que seus filhos realizem as viagens à escola a pé está associado em grande parte ao elevado volume de veículos e a alta velocidade desempenhada por eles no entorno. Esse receio faz com que muitos pais optem por levar seus filhos de veículo motorizado, o que agrava ainda mais as condições do tráfego no entorno escolar (ORENSTEIN et al., 2007, ROMERO, 2011).

Essas percepções refletem nos índices de acidentes de trânsito, pois, segundo o Institute for Health Metrics and Evaluation – IHME (2013), mais da metade dos acidentes com vítimas fatais ocorridos com crianças e jovens de até 19 anos foram de vítimas de veículos motorizados particulares. Esses resultados contrariam as percepções de segurança evidenciadas pelos pais, e evidenciam a necessidade de mudança nas escolhas de modos de transportes para compor as viagens escolares.

Nesse contexto, os deslocamentos feitos por modos de transporte ativos como ir a pé ou de bicicleta para as viagens escolares têm sido uma alternativa interessante, pois além de contribuírem para a sustentabilidade, têm apresentado resultados satisfatórios com relação aos índices de segurança viária (JENSEN, 2008). Isso ocorre, pois, o uso de modos de transporte ativos em massa ocasiona o fenômeno conhecido na literatura como “Safety in Numbers”, que sugere que é menos provável que um veículo motorizado colida com um ciclista ou um pedestre se estes estiverem em grupo (JACOBSEN, 2003).

Percebe-se, portanto, que as condições do ambiente do entorno escolar influenciam nas percepções de segurança viária e na escolha do modo de transporte para a escola, como também interferem na ocorrência de acidentes de trânsito tanto em número quanto em severidade. Dessa forma, as informações obtidas das pesquisas analisadas tornaram possível a compreensão de como os fatores afetam as condições do ambiente e exercem influência sobre os componentes do tráfego. Esse conhecimento fornece subsídios que podem fundamentar a tomadas medidas para a melhoria do entorno escolar e assim garantir a segurança dos alunos nas suas viagens.

 

 

4 Considerações finais

É necessário que medidas sobre como melhorar as condições de segurança das crianças e dos jovens sejam exploradas, para que assim, seja possível reduzir as mortes causadas pelos acidentes viários desse grupo populacional. Como as viagens à escola são os principais tipos de deslocamento dos jovens e crianças, melhorar as condições das áreas escolares pode contribuir para a melhoria da segurança nesses entornos, assim como na promoção do uso de modos de transporte mais sustentáveis. Nesse contexto, o presente estudo se propôs a identificar quais as principais variáveis que afetam as condições de segurança viária relacionadas aos componentes do tráfego.

Os resultados desta pesquisa mostram que as diferentes características encontradas nos ambientes escolares afetam as condições de segurança e também a percepção sobre a segurança viária dos entornos escolares. Avaliar as variáveis conforme os três principais componentes de tráfego (usuário, via e veículo) permitiu a compreensão da influência de cada um dos componentes sobre a segurança viária no entorno da escola. Além disso, a análise das variáveis conforme o seu tipo, sendo eles pedestre, ciclista, condutores de veículos motorizados ou não e os fatores ambientais, proporcionou uma avaliação mais aprofundada sobre as contribuição de cada um desses tipos na ocorrência de acidentes de trânsito nas áreas escolares.

As discussões acerca das variáveis evidenciam que cada uma delas tem sua parcela de contribuição nos acidentes no entorno da escola. Contudo, medidas de engenharia para melhorar as condições de segurança viária no entorno escolar são mais evidentes para o componente do tráfego via. Essas medidas estão relacionadas ao investimento em infraestrutura para o pedestres relacionadas à implementação de calçadas e melhorias das existentes, faixas de pedestres e sinalização horizontal e vertical, redução da velocidade no entorno escolar através de alteração nos limites de velocidade, redução da largura das faixas de tráfego, implantação de lombadas, etc. Já as medidas relativas ao componente do tráfego usuário e veículo estão mais relacionadas a mudanças no comportamento dos usuários das vias e aumento da fiscalização no entorno escolar, pois se relacionam com uma maior atenção dos condutores dos veículos motorizados e com o incentivo ao uso de modos de transportes mais sustentáveis para a realização das viagens escolares, orientadas aos alunos e seus responsáveis.

Assim, os resultados obtidos desse estudo fornecem subsídios para que sejam tomadas medidas públicas para melhorar a segurança viária nos entornos escolares com base em experiências dos estudos abordados, assim como podem auxiliam no desenvolvimento de trabalhos futuros que tenham interesse em avaliar a segurança viária nos entornos escolares e promover modos de transportes mais sustentáveis. Desse modo, a relação das principais variáveis encontradas na literatura sobre o tema pode ser utilizada como suporte para a análise de condições do ambiente escolar e caracterização dos locais a partir da coleta de dados sobre as variáveis, análises de causas e fatores relacionados à acidentalidade nos entornos escolares, como também para a elaboração de questionários de pesquisa sobre a percepção dos pais e alunos sobre as condições de segurança viária das áreas escolares.

 

 

Agradecimentos

A acadêmica Letícia Oestreich agradece o apoio do Programa de Iniciação Científica da UFSM, modalidade PIBIC-CNPq. O professor Alejandro Ruiz-Padillo agradece ao CNPq pelo apoio financeiro (Processo 308870/2018-2 e Processo 422635/2018-9).

 

 

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