Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria, v. 42, e50, Special Edition, 2020.
DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40596
Received: 16/10/2019 Accepted: 16/10/2020
Special Edition
Cálculo Variacional e aplicações
Variational Calculus and aplications
Jardel Meurer I
Lucas T. Cardoso I
Glauber Quadros I
I Universidade Federal de Santa Maria, Cachoeira do Sul, RS, Brasil
Resumo
Este trabalho consiste em uma breve revisão e introdução aos principais conceitos do Cálculo Variacional Clássico. Partindo das definições dos conceitos de primeira e segunda variação de um funcional, apresentamos um tratamento matematicamente rigoroso para o Cálculo Variacional, estabelecendo condições necessárias e suficientes para a obtenção de extremos. Neste contexto, é introduzida a noção de pontos conjugados, a qual é fundamental para a classificação de extremos fracos. Alguns exemplos simples e elucidativos são tratados ao longo do trabalho. É dada uma caracterização e condições suficientes para extremos fortes. O trabalho é finalizado com uma breve aplicação à mecânica de Lagrange, mostrando que existem ações cujos pontos estacionários são pontos de sela ao invés de mínimos.
Palavras-chave: Cálculo Variacional, funcionais, lagrangiana, otimização.
Abstract
This paper consists of a brief review and introduction to the main concepts of Classic Variational Calculus. Starting from the definitions of the concepts of first and second variation of a functional, we present a mathematically rigorous treatment for the Variational Calculus, establishing necessary and sufficient conditions for obtaining extrema. In this context, the notion of conjugate points is introduced, which is fundamental for the classification of weak extrema. Some simple and enlightening examples are dealt with throughout the paper. Strong extrema are characterized and sufficient conditions for their occurrence are given. The paper concludes with a brief application to Lagrange mechanics, showing the existence of actions whose stationary points are saddle points instead of minima.
Keywords: Calculus of Variations, functionals, lagrangian, optimization.
Nos
cursos de graduação das ciências e engenharias, estão habitualmente presentes
as disciplinas de Cálculo diferencial e integral de uma e várias variáveis. Um
conceito fundamental abordado nestes cursos é o de derivada, a qual
representa, dito de maneira informal, a taxa de variação instantânea de uma
função com respeito a alguma variável ou parâmetro. Quando avaliada num
determinado ponto do domínio da função, a derivada representará a inclinação da
reta, plano ou hiperplano ao gráfico da função nos casos de funções de uma,
duas ou mais do que duas variáveis, correspondentemente. Neste contexto, surge
o conceito de pontos críticos, os quais são basicamente os pontos nos
quais ou o gradiente da função é nulo ou não existe1.
No caso de um ponto crítico ocorrer num ponto de diferenciabilidade da função,
este ponto é chamado de ponto estacionário, o qual é tricotomizado da
seguinte forma: ponto de mínimo, ponto de máximo e ponto de sela. Os dois
primeiros casos são denominados conjuntamente por extremos. Há algumas
formas de verificar a qual dos três subcasos um determinado ponto estacionário
pertence. Este é o caso para funções reais de variáveis reais, ou seja, funções
cujos domínios são subconjuntos de .
O problema de procurar pontos estacionários de uma determinada função pode ser
estendido para o caso em que o domínio não é mais um conjunto numérico, mas sim
um conjunto de funções. Uma função com tal característica é denominada um funcional,
o qual é um objeto de estudo do chamado Cálculo Variacional (ou Cálculo
das Variações). Embora, ingenuamente, possa parecer ligeiramente diferente
do caso tratado em Cálculo diferencial e integral, o fato do domínio ser um
espaço de funções muda completamente o cenário, já que neste caso estamos
lidando com um espaço vetorial de dimensão infinita, diferentemente de
.
Através do Cálculo Variacional, é possível, de forma análoga ao caso
finito-dimensional, procurarmos “pontos” estacionários de funcionais integrais,
ou, dito de outra forma, buscamos curvas nas quais a variação de um determinado
funcional se anule. Estas curvas devem satisfazer as chamadas equações de
Euler-Lagrange e o tipo de ponto estacionário pode ser verificado através da
utilização dos conceitos de segunda variação e pontos conjugados.
São inúmeras as aplicações do Cálculo Variacional, desde encontrar geodésicas
em determinadas superfícies2,
encontrar superfícies mínimas, problemas isoperimétricos, até uma enorme gama
de problemas em física estudados a partir do princípio de mínima ação3.
Este último sendo não apenas capaz de descrever a mecânica clássica
alternativamente às leis de Newton4,
como também é uma das ferramentas mais importantes na construção e
desenvolvimento de teorias físicas modernas. Neste trabalho será feita uma
abordagem mais rigorosa daquela usualmente feita em cursos de Física, no
intuito de deixar mais transparente alguns pontos que surgem de forma ad hoc na
literatura usual. Este trabalho consistirá numa introdução e revisão dos
principais conceitos do Cálculo Variacional com alguns exemplos elucidativos.
1No caso de uma função real de uma variável real o gradiente se reduz simplesmente a derivada da função.
2No caso mais geral, encontrar geodésicas em certas variedades diferenciais. Talvez o exemplo mais simples e intuitivo é o fato da curva de menor comprimento que une dois pontos distintos do plano ser uma reta. Outros problemas relativamente simples são os da braquistócrona e catenária.
3Como veremos no decorrer deste trabalho, esta denominação é inapropriada, há denominações mais adequadas para o mencionado princípio tais como princípio da ação estacionária, ou princípio de Hamilton.
4Para uma bela discussão conceitual e mais qualitativa acerca das leis de Newton, simetrias clássicas e a estrutura espaço-temporal da Mecânica Clássica ver Antunes et al. (2018).
Assim
como um conjunto de números
pode representar um ponto num espaço n-dimensional, uma função y pode
representar um ponto num espaço. Espaços com tais características, i.e. cujos
elementos são funções, são naturalmente denominados de espaços funcionais.
A seguir alguns exemplos de espaços funcionais normados:
Exemplo 1. O
espaço das funções contínuas ,
simbolizado por
com
a norma:
Exemplo
2.
O espaço das funções com
n-ésima derivada contínua, simbolizado por
com
a norma:
onde .
Exemplo 3. O
espaço das funções limitadas ,
denotado por
com
a norma dada por
onde sup
na equação anterior representa o supremo da função no
intervalo
.
Note
que os exemplos 1,
2 e 3 acima
tratam de espaços vetoriais normados. Além disso, uma norma induz naturalmente
uma métrica no espaço vetorial da forma ,
de modo que
é,
em particular, um espaço topológico metrizável, estrutura esta que será
essencial na construção dos conceitos de continuidade e convergência de
funcionais. No entanto, há espaços vetoriais topológicos não-metrizáveis, como
por exemplo o espaço das funções suaves definidas num aberto
de
,
denotado por
,
com a topologia induzida por uma determinada família de seminormas. Outros
exemplos são o espaço das funções holomórficas definidas num aberto conexo de
e
o espaço de Schwartz. É importante ressaltar ainda que um funcional pode ser
definido sobre um espaço vetorial não-metrizável, já que os conceitos de
convergência fraca e continuidade são inerentes à estrutura topológica do
espaço.
Embora a definição de um funcional é mais ampla, sendo este em geral não-linear, estaremos interessados neste trabalho principalmente nos conceitos de primeira e segunda variação de um funcional. O primeiro destes tem a propriedade de ser linear. Assim, iniciamos pela seguinte definição.
Definição
1
(Funcional Linear). Uma função onde
X é
um espaço vetorial é dita ser um funcional linear se:
1.
2.
Exemplo 4.
Definição 2
(Funcionais contínuos). Um funcional é
dito ser contínuo5
no ponto
se:
Se um funcional for contínuo em todo seu domínio, então o mesmo é dito ser contínuo. Trabalhar com funcionais contínuos tem algumas vantagens, por exemplo, se o domínio de um funcional contínuo for um espaço compacto, então o mesmo possui um mínimo e um máximo nesse intervalo.
5Trataremos aqui apenas de espaços vetoriais normados cuja topologia é naturalmente induzida pela norma.
Nessa seção será abordado o conceito de primeira variação de um funcional o qual é análago ao conceito do diferencial de uma função de várias variáveis.
Definição
3
(Incremento de um funcional). Seja onde
é
um espaço normado, definimos como incremento de
o
funcional
tal
que:
onde
é
uma função real denominada de incremento da variável independente
.
Deixa-se
fixa
e varia-se
,
logo
é
um funcional de
,
em geral não linear.
Definição
4
(Diferencial de um funcional). O funcional é
dito diferenciável se pode ser escrito da seguinte forma:
onde
é
um funcional linear e
quando
.
O funcional
é
denominado de variação de
e
denotado por
.
A seguir irá ser mostrado que a variação de um funcional é única, para isso utilizar-se-á o seguinte lema:
Lema
1.
Se é
linear e se
quando
então
.
Demonstração.
Suponha que para
algum
.
Definindo então
e
.
Note que
quando
mas
o
que contraria a hipótese.
Com o lema acima podemos enunciar o seguinte teorema.
Teorema 1. A variação de um funcional diferenciável é único.
Demonstração.
Suponha que existam e
logo:
então:
pois quando
,
como
e
são
lineares, então
também
é linear, logo pelo lema 1,
■
Como
para haver um mínimo em temos
que ter
para
todo
num
intervalo aberto contendo
,
logo temos
definindo
temos
,
logo para haver um mínimo é necessário:
O seguinte teorema dará uma condição necessária para que o funcional J possua um extremo.
Teorema 2.
Se é
um extremo, então
.
Demonstração. Suponha que J possua um mínimo, pela definição de funcional diferenciável
com quando
.
Suponha que exista
tal
que
,
definindo
onde
é
suficientemente pequeno, logo
tal
que
,
logo temos que
e
para
.
Por
outro lado temos que ,
e
devem
possuir o mesmo sinal pois se
,
como
é
linear vemos que
e
possuem
o mesmo sinal o que é um absurdo pois por hipótese
.
Logo para
ser
um extremo é necessário que
para
algum
admissível. ■
Os seguintes lemas serão fundamentais para a obtenção da equação de Euler-Lagrange.
Lema 2. Sejam dois
funcionais contínuos no ponto
em
relação a topologia gerada pelas bolas abertas
então tal
que
.
Demonstração.
Seja e
,
tal que
então
pela
definição de continuidade
tais
que
Tomando
,
logo
. ■
Lema
3
(Lema fundamental do cálculo das variações). Se e
se
para toda função tal
que
então
para
todo
Demonstração.
Suponha que para
algum
logo
pelo lema 2 existe
um intervalo digamos
tal
que
para
todo
.
Definindo então
o
que é um absurdo logo não existe tal
que
. ■
A natureza de um extremo é importante, devido ao fato que às vezes deseja-se maximizar um funcional enquanto que em outras deseja-se minimizá-lo. Para isso, serão definidos os conceitos de mínimo e máximo. Além do tipo de extremo, serão definidos os extremos: locais, globais, fracos e fortes. Os dois primeiros tem a ver com o domínio do funcional enquanto que os outros dois tem relação com a topologia a que pertencem.
A seguir serão definidos formalmente os conceitos de extremo, de extremo locais e globais.
Definição
5
(Extremos). Seja ,
um conjunto
e
a restrição do funcional
a
por
.
Dizemos que
atinge
valor máximo local
e
mínimo local
se
tal
que:
Se
essa expressão é satisfeita para todo o domínio sem a restrição, i.e., tal
que:
então e
são
mínimo e máximo globais respectivamente.
Para definir extremos fortes e fracos far-se-á necessários das seguintes definições:
Definição 6 (Topologia forte). Denominamos a topologia gerada pela base
de topologia forte em .
Definição 7 (Topologia fraca). Denominamos a topologia gerada pela base
de topologia fraca em .
Lema 4. A topologia forte é estritamente mais fina que a topologia fraca,
Demonstração.
Sejam e
as
topologias forte e fraca, respectivamente. Para mostrar que
basta
mostrar que para todo
e
para todo aberto
existe
um aberto
tal
que
.
Seja
logo
pela definição
pela
definição da norma 1 temos que:
logo,
logo .
Resta
mostrar que .
Para isso basta mostrar que existe um aberto
que
não é um aberto de
.
Para isso tome
,
tal que
,
logo
,
como
existe
tal
que
logo
mas
,
logo
. ■
Definição
8
(Extremo forte). Dizemos que possui
um extremo forte em
se
para
algum
não
muda o sinal.
Definição 9 (Extremo fraco).
De maneira análoga, dizemos que possui um extremo fraco no ponto
se
para algum
não muda o sinal.
Teorema
3.
Se é
um extremo forte então
também
é um extremo fraco mas a recíproca não é verdadeira.
Demonstração.
Por hipótese não
muda o sinal em um aberto da base da topologia forte, como
é
estritamente mais fina que
,
todo aberto de
é
um aberto de
logo
é extremo fraco. Reciprocamente, como
,
nem todo extremo fraco é forte. ■
5 Equação de Euler-Lagrange
Nessa
seção será abordado um aspecto muito importante no estudo do cálculo
variacional, a equação de Euler-Lagrange, essa equação é uma condição
necessária para a ocorrência de extremos de funcionais. Comecemos considerando
uma função que
possui primeira e segunda derivada parcial contínua em relação a todos
argumentos, i.e.
.
Seja uma
função qualquer com as condições de contorno
queremos encontrar y tal que o funcional
possua
um extremo fraco. Ou seja, o problema variacional mais simples consiste na
busca de extremos do funcional (1),
onde as curvas admissíveis são funções suaves que satisfazem as condições de
contorno. Para obtermos as condições necessárias, precisamos calcular a
variação do funcional ,
para isso incrementaremos a função
por
uma função
tal
que
.
Portanto o incremento do funcional (1) é
dado por
segue do teorema de Taylor que:
onde denota
o termo não linear e portanto
De
acordo com o teorema (2)
para ser
um extremo é necessário que
para todo h admissível. Integrando a equação (2) e utilizando o lema 3 implica que
A equação (3) é denominada de equação de Euler-Lagrange6. Um aspecto muito importante da equação de Euler-Lagrange é que a mesma é invariante sobre transformações de coordenadas (Gelfand e Fomin, 2000).
6Se
então
.
5.1 Derivada funcional
Seja
com
as condições e
.
Subdividindo o intervalo
em
subintervalos
iguais pela introdução dos pontos
onde
,
logo
e
.
Substituindo a curva suave
pelo
polígono com vértices
onde
. Podemos
aproximar a equação (5.1)
por
Tomando a derivada parcial da eq. (5) obtém-se
Divindo a eq. (6) por
vem
que:
e fazendo temos
que (7)
converge para
que é denominada de derivada funcional.
Pode
se obter a derivada funcional através do seguinte método também: Seja um
funcional e se incrementarmos a função
por
uma função
tal
que
para
algum
.
E seja
a
área entre a função
e
o eixo
,
tomando
esse
limite converge e é denominado de derivada funcional de
no
ponto
(para
a curva
),
o qual é denotado por
Através dessa definição pode-se verificar que:
6 Condições suficientes
Nessa
seção serão abordadas condições que garantam que um funcional seja
um mínimo (ou máximo). Para isso começaremos definindo alguns conceitos:
Seja
definimos
anteriormente que
é
dito diferenciável se seu incremento
pode ser escrito da forma
onde
é
um funcional linear e
quando
.
Dizemos que
é
a primeira variação de
e
denotamos por
.
De maneira análoga, dizemos que um funcional é duas vezes diferenciável se seu incremento pode ser escrito da forma:
onde é
um funcional linear,
é
um funcional quadrático e
quando
.
Definimos
então como
a segunda variação de
e
denotamos por
,
a partir de agora iremos supor que todos funcionais são duas vezes
diferenciável.
O seguinte teorema irá dar uma condição necessária para um extremo.
Teorema
4.
Se possui
um mínimo então
para
todo
admissível
(para máximos substituir ≥ por ≤).
Demonstração.
Suponha que seja
um mínimo. Então, por definição:
Como
é
mínimo por hipótese, temos que
,
logo
.
Suponha que
tal
que
,
definindo então
tal
que
seja
suficientemente pequeno, logo obtém-se
e
como
quando
.
Como
e
possuem
o mesmo sinal para
suficientemente
pequeno, como
o
que contradiz a hipótese pois
é
um mínimo, logo não existe
tal
que
e
seja
mínimo. ■
A
condição acima é necessária entretanto não é suficiente para garantir que minimize
,
uma condição suficiente se dará posteriormente.
Definição
10.
Um funcional é
dito fortemente positivo se existe uma constante
tal
que
para todo .
Teorema
5.
Seja um
funcional, se
e
for
fortemente positivo, então
minimiza
.
Demonstração.
Se é
um mínimo então,
.
Por hipótese,
portanto,
.
Tome
suficientemente
pequeno tal que
se
.
Logo para
tem-se
que
. ■
6.1.1 Expressão para a segunda variação
Considera
a função busca-se
uma expressão para a segunda variação do funcional
definido
por:
com as condições de
contorno e
.
Considere
um incremento à função a
função
tal
que
,
então utilizamos o teorema de Taylor com resto integral, segue que:
onde é
da forma:
Como
e
é
um funcional quadrático, então temos que
Podemos transformar, através de integrações, a expressão dada pela equação (8) em:
onde
e
.
Na seção seguinte serão expostos lemas e teoremas que ajudarão a definir a natureza
de um extremo fraco.
Como
vimos anteriormente, para ser
um mínimo é condição necessária que a segunda variação seja não negativa, i.e
.
Com isso em mente seria interessante achar uma forma de verificar que essa
condição seja satisfeita, para isso enunciaremos o seguinte lema:
definido para todas
funções com
então
Demonstração.
Iremos mostrar por contra positiva, ou seja, queremos mostrar que se para
algum
então
Para
isso, suponha que exista tal
que
,
como
é
contínua
,
existe
tal
que
Definindo
Substituindo e
no
funcional, tem-se que
então para suficientemente
pequeno, implica que
. ■
Utilizando o teorema 4 e o lema 5 enuncia-se o seguinte teorema.
Teorema 6 (Condição fraca de Legendre). Uma condição necessária para que
seja um mínimo é que em
toda a curva.
Busca-se achar condições necessárias e suficientes para que:
para
todo admissível.
Para isso a equação de Euler-Lagrange do funcional (9) é
dada por:
essa
que é uma equação diferencial de segunda ordem denominada de equação de Jacobi
que junta com as condições de contorno tal
que
admite
a solução trivial
,
buscamos então outras soluções não triviais que satisfaçam esse problema de
valor de contorno, para isso será definido o seguinte conceito:
Definição
11.
O ponto é
dito ponto conjugado ao ponto
se
mas
para
algum
.
Observe
que se a solução da equação (10)
não é nula em um intervalo podemos impor algum tipo de
normalização para a função h de modo que .
Os pontos conjugados serão utilizados como uma das condições para concluir a natureza do extremo procurado, a seguir serão enunciados alguns teoremas referentes à pontos conjugados.
Teorema 7. Se em
e se
não possui pontos conjugados com a, então
tal que
.
Teorema 8.
(Condição fraca de Jacobi). Se y corresponde a um mínimo de e
se
ao
longo de
,
então o intervalo
não
possui pontos conjugados de
.
Demonstrações para o teorema 7 e 8 podem ser encontrados em Gelfand e Fomin (2000).
Com esses teoremas podemos enunciar o seguinte conjunto de condições necessárias para um extremo fraco:
1.
a curva satisfaz
a equação de Euler-Lagrange;
2.
ao longo de é
satisfeita a condição fraca de Legendre
para
mínimos ou
3.
o intervalo não
contém pontos conjugados de
.
Essas condições fornecem apenas uma obrigatoriedade que o funcional tem que cumprir para ser um extremo, o teorema seguinte dará condições que se cumpridas, dirão a natureza de extremo fraco.
Teorema
9.
Dada uma curva y de e
as seguintes condições
1.
a curva satisfaz
a equação de Euler-Lagrange;
2.
ao longo de a
condição forte de Legendre é satisfeita, i.e.,
para
mínimos (ou
para
máximos);
3.
o intervalo não
contém pontos conjugados de a (condição forte de Jacobi). então
fornece
um mínimo ou (ou máximo) fraco de
.
Demonstração. Uma demonstração pode ser encontrada em Gelfand e Fomin (2000). ■
Exemplo
5.
Seja y a curva que minimiza a distância entre os pontos e
com
dada
pelo funcional
expresso
por
,
temos que suas derivadas parciais são:
.
Por outro lado, a equação de Euler-Lagrange se torna
aplicando as condições de contorno, a equação produzida é:
já a equação de Jacobi que é dada por:
onde
e
ou
seja
que tem solução
sendo
então
como
então
que
só se anula no ponto ,
ou seja, não possui pontos conjugados ao ponto a no intervalo
.
Utilizando o teorema 9,
a curva que minimiza a distância entre dois pontos no
plano é uma reta. ■
Figura 1 – Exemplos de curvas entre dois pontos fixos
Nessa
seção serão discutidos condições necessárias e suficientes para que um
funcional possua
um extremo forte. Para isso será definido o conceito de campo de extremais que
é o ponto chave na busca de extremos fortes.
Definição
12
(Campos). Seja uma família de curvas e
seja
uma
região no plano
.
Esta família forma um campo se para qualquer ponto pertencente à essa
região, apenas uma curva o contém, i.e. as curvas não se cruzam. Se as curvas
se cruzam apenas em um ponto no interior da região
,
no seu centro, essa família é dita formar um campo central.
Figura 2 – Curvas que formam campos (a) e que não formam campos em um círculo (b)
Figura 3 – Campo central com
centro em
Definição 13
(Campo de extremais). Se a curva que
extremiza o funcional
está
contida em um campo de extremais, é equivalente a dizer que a família de
soluções da equação de Euler-Lagrange forma uma campo em uma região
que
contém
para
um certo
,
de forma que
não
esteja na fronteira dessa região.
A figura abaixo exemplifica um campo de extremais.
Figura 4 – Curva que extremiza
em um campo de
extremais
A definição e o teorema a seguir irão unir a teoria de pontos conjugados e campos de extremos.
Definição
14
(Campo central de extremais). De forma análoga, podemos definir um campo
central de extremais se o campo formado por eles tiver como centro o ponto .
Figura 5 – Campo central de extremais
Teorema 10.
Seja y a curva que extremiza o funcional dado por com
e
,
e seja
o
arco ligando os pontos
e
.
O arco
pode
ser incluído em um campo de extremais com centro no ponto
se
o intervalo
não
possui pontos conjugados ao ponto
.
Demonstração. Pode ser encontrada em Sousa Júnior (2010). ■
Definição 15
(Função E de Weierstrass). Seja o funcional dado
por:
define-se como a função E de Weierstrass a a seguinte função:
Lema
6.
Seja a
curva que extremiza o funcional
e
o
incremento de
,
então
onde
é
uma curva arbitrária que inicia no ponto
e
termina em
.
Demonstração. Uma demonstração pode ser encontrada em Gelfand e Fomin (2000). ■
Como
vimos anteriormente, se possui
o mesmo sinal para uma vizinhança na norma 0, então a curva
extremiza
,
uma forma de verificar o sinal de
se
dá através da seguinte maneira.
Supondo
que exista a terceira derivada em relação a da
função
,
temos que pelo teorema de Taylor:
onde
está
entre
e
. Comparando
a equação (11)
com a equação (12) temos
que:
Logo analisar o sinal é equivalente a analisar o sinal de (13) nos pontos
próximos à curva
que satisfaz a equação de Euler-Lagrange e valores arbitrários de
. O seguinte teorema dará a condição suficiente para um extremo
forte.
Teorema 11.
Seja uma
curva que satisfaz as condições de fronteira, se
pode
ser incluída em um campo de extremais e
para
os pontos
próximos
à curva
e
valores arbitrários
,
então
fornece
um mínimo forte (para máximo forte basta trocar ≥ por ≤ na função E de
Weierstrass).
Demonstração.
Basta mostrar que para
toda curva
próxima
a curva
na
norma 0. Por hipótese
e
pelo lema 6 temos
que
.
Como não foi imposta nenhuma restrição sobre as curvas
que
pertencem ao campo, então por vacuidade é verdadeira a sentença. ■
Exemplo
6.
O exemplo 5 será
revisto para ver se a curva que
é um extremo fraco também é um extremo forte. Lembre-se que a curva que fornece
um mínimo fraco encontrado no exemplo 5 é:
Resta
agora verificar o sinal de ,
como o sinal de
é
o mesmo sinal de
e
como
para
quaisquer pontos e
para qualquer
,
então
também
é um extremo forte pelo teorema 11. ■
Segundo
Thornton
e Marion (2011) a
busca por princípios mínimos é baseada na noção que a natureza tende a
minimizar grandezas importantes quando um processo físico ocorre. O princípio
de Hamilton não é uma teoria, mas uma forma alternativa e equivalente à
mecânica Newtoniana. É o “princípio mínimo” mais utilizado na física, ele
enuncia que um sistema evolui de um estado para outro de forma que a integral
no tempo da diferença entre as energias cinéticas e
potenciais
seja
um ponto crítico, i.e.
.
Note que o princípio de Hamilton não exige que a ação seja um mínimo (apesar de
que a maioria dos processos físicos são mínimos), podendo ser um ponto de sela
ou inclusive um máximo, o que é contra intuitivo pois conforme dito
anteriormente, a natureza minimiza grandezas importantes. Nessa seção será
definida a mecânica de Lagrange e mostrados exemplos de ações cujos pontos
críticos sejam mínimos ou pontos de sela.
Seja
a
energia cinética, função apenas da velocidade da partícula, i.e.
,
a
energia potencial, função do tempo, da posição e da velocidade, ou seja,
,
onde
,
define-se a função:
como a lagrangiana do sistema.
Logo,
pelo princípio de Hamilton, um sistema físico com ação evolui
de um tempo inicial
até
um tempo final
de
tal modo que a variação da ação seja nula, ou seja,
.
Fazendo as seguintes transformações:
e
comparando com o funcional (1),
temos que o princípio de Hamilton é equivalente a encontrar a curva tal
que satisfaça a equação de Euler-Lagrange:
Segundo Freire (2012) uma lagrangiana da forma:
onde
é
da forma
,
será mínimo se para todo
admissível7,
ocorrer:
e
7Note que h é a função incremento definida na seção 3.
Ainda
segundo Freire
(2012) será
máximo se para todo admissível
ocorrer:
e
A seguir dois exemplos:
Exemplo 7.
Seja com
e
,
o caso da partícula livre. Temos que a equação de Euler-Lagrange obtida é:
onde
e
são
constantes arbitrárias. Note que essa expressão é igual a equação da reta
obtida no exemplo 5
logo, como foi mostrado, é um mínimo forte.
Exemplo 8. Seja a lagrangiana do oscilador harmônico unidimensional expressa por:
tomando suas derivadas parciais temos que:
logo a equação de Euler-Lagrange obtida é:
aplicando as condições de contorno, tem-se que
Já a equação de Jacobi obtida é:
como e
como
logo
os pontos conjugados
ocorrem em ,
tem-se que
logo
será mínimo para e
ponto de sela para
,
mas nunca um máximo pois conforme verificado por
Gray e Taylor (2007).
Como pôde ser visto, o Cálculo Variacional é uma ferramenta muito poderosa no estudo da otimização de funcionais, o que compreende a determinação de pontos críticos e a natureza dos mesmos, ou seja, se são pontos de mínimo, máximo ou pontos de sela. Neste trabalho fez-se uma exposição mais rigorosa dos principais conceitos do Cálculo Variacional, através de teoremas e demonstrações. Falou-se brevemente, através de exemplos, sobre espaços de funções, no intuito de introduzir o conceito de funcional. No presente trabalho tratamos particularmente de funcionais definidos sobre espaços vetoriais normados cuja estrutura topológica é induzida pela norma, de modo que o conceito de continuidade pode ser definido em termos da norma. Definiu-se a variação de um funcional e introduziu-se os conceitos de pontos críticos neste contexto. A equação de Euler-Lagrange surge como condição necessária para um ponto crítico do funcional. De forma a poder caracterizar um ponto crítico como mínimo, máximo ou ponto de sela, introduziu-se também o conceito de segunda variação. Com isso pode-se obter condições suficientes para a existência de pontos de mínimo (e também máximo). Como um simples exemplo elucidativo, foi mostrado que a função da reta é de fato a curva que minimiza a distância entre dois pontos em R2. Fez-se por fim, uma breve discussão do princípio de Hamilton, tratando de dois dos exemplos de Lagrangianas mais simples conhecidos: Lagrangiana de partícula livre unidimensional e Lagrangiana do oscilador harmônico unidimensional. No primeiro caso, o movimento retilínio uniforme de fato minimiza a ação da partícula livre, enquanto que no segundo caso o oscilador harmônico tem tanto pontos de mínimo quanto pontos de sela. Em trabalhos futuros pretende-se fazer mais aplicações em problemas de Física e estudar o princípio de Hamilton e as consequências físicas da minimalidade em Teorias de Campos Clássicos e Quânticos, bem como possivelmente estudar geodésicas ao longo de variedades diferenciáveis que fisicamente pode ser aplicado na procura de linhas de mundo de partículas em espaços-tempo curvos.
Apêndice
Espaço vetorial
Definição
(Espaço Vetorial). Um conjunto munido
das seguintes relações binárias
e
(onde
é
um corpo qualquer) denominadas de soma e produto por escalar respectivamente é
denominado um espaço vetorial se:
(i) (comutatividade
da soma);
(ii) (associatividade
da soma);
(ii) (existência
do elemento neutro);
(iv)
(existência do elemento inverso);
(v) (existência
do elemento neutro em V);
(vi) (associatividade
da multiplicação por escalar);
(vii) (distributividade
da soma de escalares em relação ao produto);
(viii) .
(distributividade de um escalar em relação a soma de vetores).
Definição
(Norma). Seja um
espaço vetorial, uma função
é
chamada de norma se para qualquer
e
todo
.
Note
que se possui
uma norma ele induz a noção de distância entre elementos através
e
consequentemente induz uma topologia. Se um espaço vetorial possuir norma será
denominado de espaço normado e denotado por
Funcionais Bilineares
Definição.
Um funcional é
dito ser bilinear, se
satisfizer:
Se
definirmos num
funcional bilinear, teremos um funcional chamado de funcional quadrático.
Exemplo. Seja o funcional bilinear:
Então o funcional quadrático será:
Teorema de Taylor
Suponha
uma função de
classe
e
temos
pelo teorema fundamental do cálculo que:
por indução concluímos que:
onde .
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer aos revisores e todos que de alguma forma contribuíram para a melhoria desse artigo. Queremos lembrar que esse artigo só foi possível graças ao apoio financeiro recebido pelo programa FIPE - Enxoval/UFSM, então gostaríamos de agradecer o mesmo.
Referências
Antunes, C. A., Galhardi, V. B., Hernaski, C. A. (2018). As leis de Newton e a estrutura espaço-temporal da mecânica clássica. Revista Brasileira de Ensino de Física, 40, URL http://ww.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S1806-11172018000300411&nrm=iso.
Freire, W. H. C. (2012). A derivada funcional de segunda ordem da ação: investigando minimalidade, maximalidade e “ponto” sela. Revista Brasileira de Ensino de Física.
Gelfand, I. M., Fomin, S. V. (2000). Calculus of Variations. Prentice-Hall.
Gray, C., Taylor, E. (2007). When action is not least. American Journal Of Physics, 75(5), 434–458.
Sousa Júnior, J. R. A. d. (2010). O cálculo variacional e o problema da braquistócrona. Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Thornton, S. T., Marion, J. B. (2011). Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas. Cengage Learning.