Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e Nat., Santa Maria, v. 42, e50, Special Edition, 2020.

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40596

Received: 16/10/2019 Accepted: 16/10/2020

 

 

Special Edition

 

 

Cálculo Variacional e aplicações

 

Variational Calculus and aplications

 

Jardel Meurer I

Lucas T. Cardoso I

Glauber Quadros I

 

 

I Universidade Federal de Santa Maria, Cachoeira do Sul, RS, Brasil

 

 

Resumo

Este trabalho consiste em uma breve revisão e introdução aos principais conceitos do Cálculo Variacional Clássico. Partindo das definições dos conceitos de primeira e segunda variação de um funcional, apresentamos um tratamento matematicamente rigoroso para o Cálculo Variacional, estabelecendo condições necessárias e suficientes para a obtenção de extremos. Neste contexto, é introduzida a noção de pontos conjugados, a qual é fundamental para a classificação de extremos fracos. Alguns exemplos simples e elucidativos são tratados ao longo do trabalho. É dada uma caracterização e condições suficientes para extremos fortes. O trabalho é finalizado com uma breve aplicação à mecânica de Lagrange, mostrando que existem ações cujos pontos estacionários são pontos de sela ao invés de mínimos.

Palavras-chave: Cálculo Variacional, funcionais, lagrangiana, otimização.

 

 

Abstract

This paper consists of a brief review and introduction to the main concepts of Classic Variational Calculus. Starting from the definitions of the concepts of first and second variation of a functional, we present a mathematically rigorous treatment for the Variational Calculus, establishing necessary and sufficient conditions for obtaining extrema. In this context, the notion of conjugate points is introduced, which is fundamental for the classification of weak extrema. Some simple and enlightening examples are dealt with throughout the paper. Strong extrema are characterized and sufficient conditions for their occurrence are given. The paper concludes with a brief application to Lagrange mechanics, showing the existence of actions whose stationary points are saddle points instead of minima.

Keywords: Calculus of Variations, functionals, lagrangian, optimization.

 

 

1 Introdução

Nos cursos de graduação das ciências e engenharias, estão habitualmente presentes as disciplinas de Cálculo diferencial e integral de uma e várias variáveis. Um conceito fundamental abordado nestes cursos é o de derivada, a qual representa, dito de maneira informal, a taxa de variação instantânea de uma função com respeito a alguma variável ou parâmetro. Quando avaliada num determinado ponto do domínio da função, a derivada representará a inclinação da reta, plano ou hiperplano ao gráfico da função nos casos de funções de uma, duas ou mais do que duas variáveis, correspondentemente. Neste contexto, surge o conceito de pontos críticos, os quais são basicamente os pontos nos quais ou o gradiente da função é nulo ou não existe1. No caso de um ponto crítico ocorrer num ponto de diferenciabilidade da função, este ponto é chamado de ponto estacionário, o qual é tricotomizado da seguinte forma: ponto de mínimo, ponto de máximo e ponto de sela. Os dois primeiros casos são denominados conjuntamente por extremos. Há algumas formas de verificar a qual dos três subcasos um determinado ponto estacionário pertence. Este é o caso para funções reais de variáveis reais, ou seja, funções cujos domínios são subconjuntos de . O problema de procurar pontos estacionários de uma determinada função pode ser estendido para o caso em que o domínio não é mais um conjunto numérico, mas sim um conjunto de funções. Uma função com tal característica é denominada um funcional, o qual é um objeto de estudo do chamado Cálculo Variacional (ou Cálculo das Variações). Embora, ingenuamente, possa parecer ligeiramente diferente do caso tratado em Cálculo diferencial e integral, o fato do domínio ser um espaço de funções muda completamente o cenário, já que neste caso estamos lidando com um espaço vetorial de dimensão infinita, diferentemente de . Através do Cálculo Variacional, é possível, de forma análoga ao caso finito-dimensional, procurarmos “pontos” estacionários de funcionais integrais, ou, dito de outra forma, buscamos curvas nas quais a variação de um determinado funcional se anule. Estas curvas devem satisfazer as chamadas equações de Euler-Lagrange e o tipo de ponto estacionário pode ser verificado através da utilização dos conceitos de segunda variação e pontos conjugados. São inúmeras as aplicações do Cálculo Variacional, desde encontrar geodésicas em determinadas superfícies2, encontrar superfícies mínimas, problemas isoperimétricos, até uma enorme gama de problemas em física estudados a partir do princípio de mínima ação3. Este último sendo não apenas capaz de descrever a mecânica clássica alternativamente às leis de Newton4, como também é uma das ferramentas mais importantes na construção e desenvolvimento de teorias físicas modernas. Neste trabalho será feita uma abordagem mais rigorosa daquela usualmente feita em cursos de Física, no intuito de deixar mais transparente alguns pontos que surgem de forma ad hoc na literatura usual. Este trabalho consistirá numa introdução e revisão dos principais conceitos do Cálculo Variacional com alguns exemplos elucidativos.

 

1No caso de uma função real de uma variável real o gradiente se reduz simplesmente a derivada da função.

2No caso mais geral, encontrar geodésicas em certas variedades diferenciais. Talvez o exemplo mais simples e intuitivo é o fato da curva de menor comprimento que une dois pontos distintos do plano ser uma reta. Outros problemas relativamente simples são os da braquistócrona e catenária.

3Como veremos no decorrer deste trabalho, esta denominação é inapropriada, há denominações mais adequadas para o mencionado princípio tais como princípio da ação estacionária, ou princípio de Hamilton.

4Para uma bela discussão conceitual e mais qualitativa acerca das leis de Newton, simetrias clássicas e a estrutura espaço-temporal da Mecânica Clássica ver Antunes et al. (2018).

 

 

2 Aspectos preliminares

2.1 Espaços de funções

Assim como um conjunto de  números pode representar um ponto num espaço n-dimensional, uma função y pode representar um ponto num espaço. Espaços com tais características, i.e. cujos elementos são funções, são naturalmente denominados de espaços funcionais. A seguir alguns exemplos de espaços funcionais normados:

 

Exemplo 1. O espaço das funções contínuas , simbolizado por  com a norma:

 

 

Exemplo 2. O espaço das funções  com n-ésima derivada contínua, simbolizado por  com a norma:

 

 

onde .

 

Exemplo 3. O espaço das funções limitadas , denotado por  com a norma dada por

 

 

onde sup na equação anterior representa o supremo da função  no intervalo .

 

Note que os exemplos 1, 2 e 3 acima tratam de espaços vetoriais normados. Além disso, uma norma induz naturalmente uma métrica no espaço vetorial da forma , de modo que  é, em particular, um espaço topológico metrizável, estrutura esta que será essencial na construção dos conceitos de continuidade e convergência de funcionais. No entanto, há espaços vetoriais topológicos não-metrizáveis, como por exemplo o espaço das funções suaves definidas num aberto  de , denotado por , com a topologia induzida por uma determinada família de seminormas. Outros exemplos são o espaço das funções holomórficas definidas num aberto conexo de  e o espaço de Schwartz. É importante ressaltar ainda que um funcional pode ser definido sobre um espaço vetorial não-metrizável, já que os conceitos de convergência fraca e continuidade são inerentes à estrutura topológica do espaço.

 

 

2.2 Funcionais

Embora a definição de um funcional é mais ampla, sendo este em geral não-linear, estaremos interessados neste trabalho principalmente nos conceitos de primeira e segunda variação de um funcional. O primeiro destes tem a propriedade de ser linear. Assim, iniciamos pela seguinte definição.

 

Definição 1 (Funcional Linear). Uma função  onde X é um espaço vetorial é dita ser um funcional linear se:

1.

2.

 

Exemplo 4.

 

Definição 2 (Funcionais contínuos). Um funcional  é dito ser contínuo5 no ponto  se:

 

 

Se um funcional for contínuo em todo seu domínio, então o mesmo é dito ser contínuo. Trabalhar com funcionais contínuos tem algumas vantagens, por exemplo, se o domínio de um funcional contínuo for um espaço compacto, então o mesmo possui um mínimo e um máximo nesse intervalo.

 

5Trataremos aqui apenas de espaços vetoriais normados cuja topologia é naturalmente induzida pela norma.

 

 

3 Primeira variação

Nessa seção será abordado o conceito de primeira variação de um funcional o qual é análago ao conceito do diferencial de uma função de várias variáveis.

 

Definição 3 (Incremento de um funcional). Seja  onde  é um espaço normado, definimos como incremento de  o funcional  tal que:

 

 

onde  é uma função real denominada de incremento da variável independente . Deixa-se  fixa e varia-se , logo  é um funcional de , em geral não linear.

 

Definição 4 (Diferencial de um funcional). O funcional  é dito diferenciável se pode ser escrito da seguinte forma:

 

 

onde  é um funcional linear e  quando . O funcional  é denominado de variação de e denotado por .

A seguir irá ser mostrado que a variação de um funcional é única, para isso utilizar-se-á o seguinte lema:

 

Lema 1. Se  é linear e se  quando  então .

 

Demonstração. Suponha que  para algum . Definindo então  e . Note que  quando  mas  o que contraria a hipótese.

 

Com o lema acima podemos enunciar o seguinte teorema.

 

Teorema 1. A variação de um funcional diferenciável é único.

 

Demonstração. Suponha que existam  e  logo:

 

 

então:

 

 

 

pois  quando , como  e  são lineares, então  também é linear, logo pelo lema 1,      

 

Como para haver um mínimo em  temos que ter  para todo  num intervalo aberto contendo , logo temos  definindo  temos , logo para haver um mínimo é necessário:

 

 

O seguinte teorema dará uma condição necessária para que o funcional J possua um extremo.

 

Teorema 2. Se  é um extremo, então .

 

Demonstração. Suponha que J possua um mínimo, pela definição de funcional diferenciável

 

 

com  quando . Suponha que exista  tal que , definindo  onde  é suficientemente pequeno, logo  tal que , logo temos que  e  para .

 

Por outro lado temos que ,  e  devem possuir o mesmo sinal pois se , como  é linear vemos que  e  possuem o mesmo sinal o que é um absurdo pois por hipótese . Logo para  ser um extremo é necessário que  para algum  admissível.    

 

Os seguintes lemas serão fundamentais para a obtenção da equação de Euler-Lagrange.

 

Lema 2. Sejam  dois funcionais contínuos no ponto  em relação a topologia gerada pelas bolas abertas

 

 

então  tal que .

 

Demonstração. Seja  e , tal que  então  pela definição de continuidade  tais que

 

 

 

 

 

 

 

Tomando , logo

 

Lema 3 (Lema fundamental do cálculo das variações). Se  e se

 

 

para toda função  tal que  então  para todo

 

Demonstração. Suponha que  para algum  logo pelo lema 2 existe um  intervalo digamos  tal que  para todo . Definindo então

 

 

 

o que é um absurdo logo não existe  tal que .                                                                

 

 

4 Tipos de extremos

A natureza de um extremo é importante, devido ao fato que às vezes deseja-se maximizar um funcional enquanto que em outras deseja-se minimizá-lo. Para isso, serão definidos os conceitos de mínimo e máximo. Além do tipo de extremo, serão definidos os extremos: locais, globais, fracos e fortes. Os dois primeiros tem a ver com o domínio do funcional enquanto que os outros dois tem relação com a topologia a que pertencem.

 

A seguir serão definidos formalmente os conceitos de extremo, de extremo locais e globais.

 

Definição 5 (Extremos). Seja , um conjunto  e a restrição do funcional  a  por . Dizemos que  atinge valor máximo local  e mínimo local  se  tal que:

 

 

Se essa expressão é satisfeita para todo o domínio sem a restrição, i.e.,  tal que:

 

 

então  e  são mínimo e máximo globais respectivamente.

 

Para definir extremos fortes e fracos far-se-á necessários das seguintes definições:

 

Definição 6 (Topologia forte). Denominamos a topologia gerada pela base

 

 

de topologia forte em .

 

Definição 7 (Topologia fraca). Denominamos a topologia gerada pela base

 

 

de topologia fraca em .

 

Lema 4. A topologia forte é estritamente mais fina que a topologia fraca,

 

 

Demonstração. Sejam  e  as topologias forte e fraca, respectivamente. Para mostrar que  basta mostrar que para todo  e para todo aberto  existe um aberto  tal que . Seja  logo pela definição  pela definição da norma 1 temos que:

 

 

logo,

 

 

logo .

 

Resta mostrar que . Para isso basta mostrar que existe um aberto  que não é um aberto de . Para isso tome , tal que , logo , como  existe  tal que  logo  mas , logo .

 

Definição 8 (Extremo forte).  Dizemos que  possui um extremo forte em  se  para algum  não muda o sinal.

 

Definição 9 (Extremo fraco). De maneira análoga, dizemos que  possui um extremo fraco no ponto  se  para algum  não muda o sinal.

 

Teorema 3. Se  é um extremo forte então  também é um extremo fraco mas a recíproca não é verdadeira.

 

Demonstração. Por hipótese  não muda o sinal em um aberto da base da topologia forte, como  é estritamente mais fina que , todo aberto de  é um aberto de  logo é extremo fraco. Reciprocamente, como , nem todo extremo fraco é forte.            

 

 

5 Equação de Euler-Lagrange

Nessa seção será abordado um aspecto muito importante no estudo do cálculo variacional, a equação de Euler-Lagrange, essa equação é uma condição necessária para a ocorrência de extremos de funcionais. Comecemos considerando uma função  que possui primeira e segunda derivada parcial contínua em relação a todos argumentos, i.e. .

Seja  uma função qualquer com as condições de contorno

 

 

queremos encontrar y tal que o funcional

 

 

possua um extremo fraco. Ou seja, o problema variacional mais simples consiste na busca de extremos do funcional (1), onde as curvas admissíveis são funções suaves que satisfazem as condições de contorno. Para obtermos as condições necessárias, precisamos calcular a variação do funcional , para isso incrementaremos a função  por uma função  tal que . Portanto o incremento do funcional (1) é dado por

 

 

 

segue do teorema de Taylor que:

 

 

onde  denota o termo não linear e portanto

 

 

De acordo com o teorema (2) para  ser um extremo é necessário que

 

 

para todo h admissível. Integrando a equação (2) e utilizando o lema 3 implica que

 

 

A equação (3) é denominada de equação de Euler-Lagrange6. Um aspecto muito importante da equação de Euler-Lagrange é que a mesma é invariante sobre transformações de coordenadas (Gelfand e Fomin, 2000).

 

6Se  então .

 

 

5.1 Derivada funcional

Seja

 

 

com as condições  e . Subdividindo o intervalo  em  subintervalos iguais pela introdução dos pontos  onde , logo  e . Substituindo a curva suave  pelo polígono com vértices  onde . Podemos aproximar a equação (5.1) por

 

 

Tomando a derivada parcial da eq. (5) obtém-se

 

 

Divindo a eq. (6) por  vem que:

 

 

e fazendo  temos que (7) converge para

 

 

que é denominada de derivada funcional.

 

Pode se obter a derivada funcional através do seguinte método também: Seja  um funcional e se incrementarmos a função  por uma função  tal que  para algum . E seja  a área entre a função  e o eixo , tomando  esse limite converge e é denominado de derivada funcional de  no ponto  (para a curva ), o qual é denotado por

 

 

Através dessa definição pode-se verificar que:

 

 

 

6 Condições suficientes

Nessa seção serão abordadas condições que garantam que um funcional  seja um mínimo (ou máximo). Para isso começaremos definindo alguns conceitos:

 

 

6.1 Segunda variação

Seja  definimos anteriormente que  é dito diferenciável se seu incremento

 

 

pode ser escrito da forma

 

 

onde  é um funcional linear e  quando . Dizemos que  é a primeira variação de  e denotamos por .

 

De maneira análoga, dizemos que um funcional é duas vezes diferenciável se seu incremento pode ser escrito da forma:

 

 

onde  é um funcional linear,  é um funcional quadrático e  quando .

 

Definimos então  como a segunda variação de  e denotamos por , a partir de agora iremos supor que todos funcionais são duas vezes diferenciável.

 

O seguinte teorema irá dar uma condição necessária para um extremo.

 

Teorema 4. Se  possui um mínimo então  para todo  admissível (para máximos substituir ≥ por ≤).

Demonstração. Suponha que  seja um mínimo. Então, por definição:

 

 

Como  é mínimo por hipótese, temos que , logo .  Suponha que  tal que , definindo então  tal que  seja suficientemente pequeno, logo obtém-se  e como  quando . Como  e  possuem o mesmo sinal para  suficientemente pequeno, como  o que contradiz a hipótese pois  é um mínimo, logo não existe  tal que  e  seja mínimo.   

 

A condição acima é necessária entretanto não é suficiente para garantir que  minimize , uma condição suficiente se dará posteriormente.

 

Definição 10. Um funcional  é dito fortemente positivo se existe uma constante  tal que

 

 

para todo .

 

Teorema 5. Seja  um funcional, se  e  for fortemente positivo, então  minimiza .

 

Demonstração. Se  é um mínimo então, . Por hipótese,  portanto, . Tome  suficientemente pequeno tal que  se . Logo para  tem-se que

 

 

6.1.1 Expressão para a segunda variação

Considera a função  busca-se uma expressão para a segunda variação do funcional  definido por:

 

 

com as condições de contorno  e .

 

Considere um incremento à função  a função  tal que , então utilizamos o teorema de Taylor com resto integral, segue que:

 

 

onde  é da forma:

 

 

Como  e  é um funcional quadrático, então temos que

 

 

Podemos transformar, através de integrações, a expressão dada pela equação (8) em:

 

 

onde  e . Na seção seguinte serão expostos lemas e teoremas que ajudarão a definir a natureza de um extremo fraco.

 

 

6.2 Extremos fracos

Como vimos anteriormente, para  ser um mínimo é condição necessária que a segunda variação seja não negativa, i.e . Com isso em mente seria interessante achar uma forma de verificar que essa condição seja satisfeita, para isso enunciaremos o seguinte lema:

Lema 5. Se

 

 

definido para todas funções  com  então

 

Demonstração. Iremos mostrar por contra positiva, ou seja, queremos mostrar que se  para algum  então

 

 

Para isso, suponha que exista  tal que , como  é contínua , existe  tal que

 

 

Definindo

 

 

Substituindo  e  no funcional, tem-se que

 

 

 

então para  suficientemente pequeno, implica que .    

 

Utilizando o teorema 4 e o lema 5 enuncia-se o seguinte teorema.

 

Teorema 6 (Condição fraca de Legendre). Uma condição necessária para que

 

 

seja um mínimo é que  em toda a curva.

 

Busca-se achar condições necessárias e suficientes para que:

 

 

para todo  admissível. Para isso a equação de Euler-Lagrange do funcional (9) é dada por:

 

 

essa que é uma equação diferencial de segunda ordem denominada de equação de Jacobi que junta com as condições de contorno  tal que  admite a solução trivial , buscamos então outras soluções não triviais que satisfaçam esse problema de valor de contorno, para isso será definido o seguinte conceito:

 

Definição 11. O ponto  é dito ponto conjugado ao ponto  se  mas  para algum.

 

Observe que se a solução da equação (10) não é nula em um intervalo podemos impor algum tipo de normalização para a função h de modo que .

Os pontos conjugados serão utilizados como uma das condições para concluir a natureza do extremo procurado, a seguir serão enunciados alguns teoremas referentes à pontos conjugados.

 

Teorema 7. Se  em  e se  não possui pontos conjugados com a, então  tal que .

 

Teorema 8. (Condição fraca de Jacobi). Se y corresponde a um mínimo de  e se  ao longo de , então o intervalo  não possui pontos conjugados de .

 

Demonstrações para o teorema 7 e 8 podem ser encontrados em Gelfand e Fomin (2000).

 

Com esses teoremas podemos enunciar o seguinte conjunto de condições necessárias para um extremo fraco:

1. a curva  satisfaz a equação de Euler-Lagrange;

2. ao longo de  é satisfeita a condição fraca de Legendre  para mínimos ou

3. o intervalo  não contém pontos conjugados de .

 

Essas condições fornecem apenas uma obrigatoriedade que o funcional tem que cumprir para ser um extremo, o teorema seguinte dará condições que se cumpridas, dirão a natureza de extremo fraco.

 

Teorema 9. Dada uma curva y de  e as seguintes condições

1. a curva  satisfaz a equação de Euler-Lagrange;

2. ao longo de  a condição forte de Legendre é satisfeita, i.e.,  para mínimos (ou  para máximos);

3. o intervalo  não contém pontos conjugados de a (condição forte de Jacobi). então  fornece um mínimo ou (ou máximo) fraco de .

 

Demonstração. Uma demonstração pode ser encontrada em Gelfand e Fomin (2000).

 

Exemplo 5. Seja y a curva que minimiza a distância entre os pontos  e  com  dada pelo funcional  expresso por , temos que suas derivadas parciais são: . Por outro lado, a equação de Euler-Lagrange se torna

 

 

aplicando as condições de contorno, a equação produzida é:

 

 

já a equação de Jacobi que é dada por:

 

 

onde

 

 e  ou seja

 

 

que tem solução

 

 

sendo

 

 

então

 

 

como

 

 

então

 

 

que só se anula no ponto , ou seja, não possui pontos conjugados ao ponto a no intervalo . Utilizando o teorema 9, a curva que minimiza a distância entre dois pontos no plano é uma reta.         

 

Figura 1Exemplos de curvas entre dois pontos fixos

 

 

6.3 Extremos fortes

Nessa seção serão discutidos condições necessárias e suficientes para que um funcional  possua um extremo forte.  Para isso será definido o conceito de campo de extremais que é o ponto chave na busca de extremos fortes.

Definição 12 (Campos). Seja uma família de curvas  e seja  uma região no plano . Esta família forma um campo se para qualquer ponto pertencente à essa região, apenas uma curva o contém, i.e. as curvas não se cruzam. Se as curvas se cruzam apenas em um ponto no interior da região , no seu centro, essa família é dita formar um campo central.

 

Figura 2 – Curvas que formam campos (a) e que não formam campos em um círculo (b)

Uma imagem contendo texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

Figura 3 – Campo central com centro em

Uma imagem contendo céu

Descrição gerada automaticamente

 

 

Definição 13 (Campo de extremais). Se a curva  que extremiza o funcional  está contida em um campo de extremais, é equivalente a dizer que a família de soluções da equação de Euler-Lagrange forma uma campo em uma região  que contém  para um certo , de forma que  não esteja na fronteira dessa região.

A figura abaixo exemplifica um campo de extremais.

 

Figura 4 – Curva  que extremiza  em um campo de extremais

 

 

A definição e o teorema a seguir irão unir a teoria de pontos conjugados e campos de extremos.

 

Definição 14 (Campo central de extremais). De forma análoga, podemos definir um campo central de extremais se o campo formado por eles tiver como centro o ponto .

 

Figura 5 – Campo central de extremais

Uma imagem contendo céu

Descrição gerada automaticamente

 

 

Teorema 10. Seja y a curva que extremiza o funcional dado por  com  e , e seja  o arco ligando os pontos  e . O arco  pode ser incluído em um campo de extremais com centro no ponto  se o intervalo  não possui pontos conjugados ao ponto .

 

Demonstração. Pode ser encontrada em Sousa Júnior (2010).        

 

Definição 15 (Função E de Weierstrass). Seja o funcional  dado por:

 

 

define-se como a função E de Weierstrass a a seguinte função:

 

 

Lema 6. Seja  a curva que extremiza o funcional  e  o incremento de , então  onde  é uma curva arbitrária que inicia no ponto  e termina em .

 

Demonstração. Uma demonstração pode ser encontrada em Gelfand e Fomin (2000).          

 

Como vimos anteriormente, se  possui o mesmo sinal para uma vizinhança na norma 0, então a curva  extremiza , uma forma de verificar o sinal de  se dá através da seguinte maneira.

 

Supondo que exista a terceira derivada em relação a  da função , temos que pelo teorema de Taylor:

 

 

onde  está entre  e . Comparando a equação (11) com a equação (12) temos que:

 

 

Logo analisar o sinal  é equivalente a analisar o sinal de (13) nos pontos  próximos à curva  que satisfaz a equação de Euler-Lagrange e valores arbitrários de . O seguinte teorema dará a condição suficiente para um extremo forte.

 

Teorema 11. Seja  uma curva que satisfaz as condições de fronteira, se  pode ser incluída em um campo de extremais e  para os pontos  próximos à curva  e valores arbitrários , então  fornece um mínimo forte (para máximo forte basta trocar ≥ por ≤ na função E de Weierstrass).

 

Demonstração. Basta mostrar que  para toda curva  próxima a curva  na norma 0. Por hipótese  e pelo lema 6 temos que . Como não foi imposta nenhuma restrição sobre as curvas  que pertencem ao campo, então por vacuidade é verdadeira a sentença.          

 

Exemplo 6. O exemplo 5 será revisto para ver se a curva  que é um extremo fraco também é um extremo forte. Lembre-se que a curva que fornece um mínimo fraco encontrado no exemplo 5 é:

 

 

Resta agora verificar o sinal de , como o sinal de  é o mesmo sinal de  e como

 

 

para quaisquer pontos  e para qualquer , então  também é um extremo forte pelo teorema 11. 

 

 

7 Princípio da mínima ação

Segundo Thornton e Marion (2011) a busca por princípios mínimos é baseada na noção que a natureza tende a minimizar grandezas importantes quando um processo físico ocorre. O princípio de Hamilton não é uma teoria, mas uma forma alternativa e equivalente à mecânica Newtoniana. É o “princípio mínimo” mais utilizado na física, ele enuncia que um sistema evolui de um estado para outro de forma que a integral no tempo da diferença entre as energias cinéticas  e potenciais  seja um ponto crítico, i.e. . Note que o princípio de Hamilton não exige que a ação seja um mínimo (apesar de que a maioria dos processos físicos são mínimos), podendo ser um ponto de sela ou inclusive um máximo, o que é contra intuitivo pois conforme dito anteriormente, a natureza minimiza grandezas importantes. Nessa seção será definida a mecânica de Lagrange e mostrados exemplos de ações cujos pontos críticos sejam mínimos ou pontos de sela.

 

 

7.1 Mecânica de Lagrange

Seja  a energia cinética, função apenas da velocidade da partícula, i.e. ,  a energia potencial, função do tempo, da posição e da velocidade, ou seja, , onde , define-se a função:

 

 

como a lagrangiana do sistema.

 

Logo, pelo princípio de Hamilton, um sistema físico com ação  evolui de um tempo inicial  até um tempo final  de tal modo que a variação da ação seja nula, ou seja, .

 

Fazendo as seguintes transformações:

 

 

e comparando com o funcional (1), temos que o princípio de Hamilton é equivalente a encontrar a curva  tal que satisfaça a equação de Euler-Lagrange:

 

 

Segundo Freire (2012) uma lagrangiana da forma:

 

 

onde  é da forma , será mínimo se para todo  admissível7, ocorrer:

 

 

e

 

 

7Note que h é a função incremento definida na seção 3.

 

Ainda segundo Freire (2012) será máximo se para todo  admissível ocorrer:

 

 

e

 

 

A seguir dois exemplos:

 

Exemplo 7. Seja  com  e , o caso da partícula livre. Temos que a equação de Euler-Lagrange obtida é:

 

 

onde  e  são constantes arbitrárias. Note que essa expressão é igual a equação da reta obtida no exemplo 5 logo, como foi mostrado, é um mínimo forte.

 

Exemplo 8. Seja a lagrangiana do oscilador harmônico unidimensional expressa por:

 

 

tomando suas derivadas parciais temos que:

 

 

logo a equação de Euler-Lagrange obtida é:

 

 

aplicando as condições de contorno, tem-se que

 

 

Já a equação de Jacobi obtida é:

 

 

como  e como  logo

 

 

os pontos conjugados ocorrem em , tem-se que

 

 

logo será mínimo para  e ponto de sela para , mas nunca um máximo pois conforme verificado por  Gray e Taylor (2007).

 

 

8 Conclusões

Como pôde ser visto, o Cálculo Variacional é uma ferramenta muito poderosa no estudo da otimização de funcionais, o que compreende a determinação de pontos críticos e a natureza dos mesmos, ou seja, se são pontos de mínimo, máximo ou pontos de sela. Neste trabalho fez-se uma exposição mais rigorosa dos principais conceitos do Cálculo Variacional, através de teoremas e demonstrações. Falou-se brevemente, através de exemplos, sobre espaços de funções, no intuito de introduzir o conceito de funcional. No presente trabalho tratamos particularmente de funcionais definidos sobre espaços vetoriais normados cuja estrutura topológica é induzida pela norma, de modo que o conceito de continuidade pode ser definido em termos da norma. Definiu-se a variação de um funcional e introduziu-se os conceitos de pontos críticos neste contexto. A equação de Euler-Lagrange surge como condição necessária para um ponto crítico do funcional. De forma a poder caracterizar um ponto crítico como mínimo, máximo ou ponto de sela, introduziu-se também o conceito de segunda variação. Com isso pode-se obter condições suficientes para a existência de pontos de mínimo (e também máximo). Como um simples exemplo elucidativo, foi mostrado que a função da reta é de fato a curva que minimiza a distância entre dois pontos em R2. Fez-se por fim, uma breve discussão do princípio de Hamilton, tratando de dois dos exemplos de Lagrangianas mais simples conhecidos: Lagrangiana de partícula livre unidimensional e Lagrangiana do oscilador harmônico unidimensional. No primeiro caso, o movimento retilínio uniforme de fato minimiza a ação da partícula livre, enquanto que no segundo caso o oscilador harmônico tem tanto pontos de mínimo quanto pontos de sela. Em trabalhos futuros pretende-se fazer mais aplicações em problemas de Física e estudar o princípio de Hamilton e as consequências físicas da minimalidade em Teorias de Campos Clássicos e Quânticos, bem como possivelmente estudar geodésicas ao longo de variedades diferenciáveis que fisicamente pode ser aplicado na procura de linhas de mundo de partículas em espaços-tempo curvos.

 

 

Apêndice

Espaço vetorial

Definição (Espaço Vetorial). Um conjunto  munido das seguintes relações binárias  e (onde  é um corpo qualquer) denominadas de soma e produto por escalar respectivamente é denominado um espaço vetorial se:

(i)  (comutatividade da soma);

(ii)  (associatividade da soma);

(ii)  (existência do elemento neutro);

(iv)   (existência do elemento inverso);

(v)  (existência do elemento neutro em V);

(vi)  (associatividade da multiplicação por escalar);

(vii)  (distributividade da soma de escalares em relação ao produto);

(viii) . (distributividade de um escalar em relação a soma de vetores).

 

Definição (Norma). Seja  um espaço vetorial, uma função  é chamada de norma se para qualquer  e todo .

 

Note que se  possui uma norma ele induz a noção de distância entre elementos através  e consequentemente induz uma topologia. Se um espaço vetorial possuir norma será denominado de espaço normado e denotado por

 

 

Funcionais Bilineares

Definição. Um funcional  é dito ser bilinear, se  satisfizer:

 

Se definirmos  num funcional bilinear, teremos um funcional chamado de funcional quadrático.

 

Exemplo. Seja o funcional bilinear:

 

 

Então o funcional quadrático será:

 

 

 

Teorema de Taylor

Suponha uma função  de classe  e  temos pelo teorema fundamental do cálculo que:

 

 

por indução concluímos que:

 

 

onde .

 

 

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer aos revisores e todos que de alguma forma contribuíram para a melhoria desse artigo. Queremos lembrar que esse artigo só foi possível graças ao apoio financeiro recebido pelo programa FIPE - Enxoval/UFSM, então gostaríamos de agradecer o mesmo.

 

 

Referências

Antunes, C. A., Galhardi, V. B., Hernaski, C. A. (2018). As leis de Newton e a estrutura espaço-temporal da mecânica clássica. Revista Brasileira de Ensino de Física, 40, URL http://ww.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S1806-11172018000300411&nrm=iso.

 

Freire, W. H. C. (2012). A derivada funcional de segunda ordem da ação: investigando minimalidade, maximalidade e “ponto” sela. Revista Brasileira de Ensino de Física.

 

Gelfand, I. M., Fomin, S. V. (2000). Calculus of Variations. Prentice-Hall.

 

Gray, C., Taylor, E. (2007). When action is not least. American Journal Of Physics, 75(5), 434–458.

 

Sousa Júnior, J. R. A. d. (2010). O cálculo variacional e o problema da braquistócrona. Universidade Estadual Paulista (UNESP).

 

Thornton, S. T., Marion, J. B. (2011). Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas. Cengage Learning.