Universidade Federal de Santa Maria

Ci. e nat., Santa Maria, V. 42, Special Edition, e20, 2020

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40488

Received: 10/10/2019 Accepted: 10/10/2019

 

by-nc-sa

 


Special Edition

 

Fatores determinantes para a construção do potencial produtivo da soja em terras baixas

 

Determinant factors for building the soybean yield potential in southern Brazil

 

Alex Alan BredowI

Alicia Baumhardt DornelesII

Mara GrohsIII

Rodrigo de Moura SilveiraIV

Giovane Rodrigo Friedrich NeuV

Caren Alessandra da RosaVI

Valéria PohlmannVII

Jéssica Maciel MachadoVIII

 

I    Universidade Federal de Santa Maria - CS, Cachoeira do Sul, Brasil - alexbredow15@outlook.com

II   Universidade Federal de Santa Maria - CS, Cachoeira do Sul, Brasil - alicia_dorneles@outlook.com

III   Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), Estação Regional de Pesquisa de Cachoeira do Sul, Brasil - grohs.mara@gmail.com

IV  Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – CS, Cachoeira do sul, Brasil - rodrigosilveira@uergs.edu.br

V    Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – CS, Cachoeira do sul, Brasil - giovanerfneu@hotmail.com

VI  Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil - caren_alessandra@hotmail.com

VI  Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil - valeriapohlmann@hotmail.com

VIII Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil - jessimm6@gmail.com

 

Resumo

A cultura da soja é alternativa de diversificação e renda ao produtor de arroz. Porém apresenta dificuldades de estabelecimento e produtividades satisfatória em função das características físicas do solo. Nesse sentido, o objetivo do trabalho foi verificar a influência da escarificação do solo, o material genético utilizado e a época de semeadura. Foram utilizadas três cultivares de soja com potencial produtivo classificado como “médio”, “alto” e “muito alto” semeadas, em área escarificada e não escarificada, implantadas dia 7 de novembro e dia 10 de dezembro de 2018. A escarificação ocorreu no dia 01 de outubro. O estabelecimento inicial variou em função da cultivar, do mecanismo rompedor e da época de semeadura. O efeito da escarificação do solo foi verificado até 100 dias após a realização da operação. Dentro da construção do potencial produtivo a escarificação foi responsável por 14,4 %, a época, 12,5 % e o material genético 73,1 % da produtividade de grãos da cultura, nos materiais de potencial “alto” e “muito alto”.

Palavras-chave: Diversificação; Material genético; Escarificação

 

Abstract

The soybean is an alternative of diversification and financial return to the rice farmer. However, it presents difficulties of cultivation and low yield due to the physical characteristics of the soil. In this scenario, the objective of this work was to verify the influence of soil scarification, the genetic material used and the sowing date. Three soybean cultivars, with yield potential classified as “medium”, “high” and “very high”, were sown in a scarified and non-scarified area, in the dates november 7th and december 10th, year of 2018. The scarification opperation occurred on october 1st. Initial establishment varied according to cultivar, soil mechanism and sowing date. Soil scarification effect was verified up to 100 days after the operation. Within the construction of the yield potential, scarification accounted for 14.4 %, sowing date 12.5 % ​​and genetic material 73.1 % of crop grain yield, in the “high” and “very high” potential materials.

Keywords: Diversification; Genetic material; Scarification

 

1 Introdução

Atualmente o aumento de produtividade e rentabilidade na atividade arrozeira passa pela diversificação de culturas, que proporciona benefícios físicos e químicos ao solo e controle mais eficiente de plantas daninhas. Um exemplo que tem crescido nos últimos anos é a rotação de culturas com a soja (Glycine max (L.) Merrill).

A Rotação de culturas vem agregando benefícios tanto no ponto de vista econômico, quanto cultural com a quebra do ciclo das plantas daninhas do arroz (Oryza sativa L.) (STONE et al. 2004). Porém, a soja é sensível a alguns fatores comuns às terras baixas, como o excesso hídrico e a compactação do solo (TAYLOR et al. 1966).

Diversos trabalhos vêm sendo conduzidos nesse ambiente visando determinar os principais fatores que possam facilitar a adaptação da cultura (SECCO et al. 2004; GARCIA et al. 2007; PIRES  et al, 2002). Nesse sentido, pode-se citar a prática da escarificação do solo, a correção química, a semeadura em época ideal e a simples escolha de um material genético mais adaptado. Porém, dentro da gama de estratégias de manejo, a soja, em terras baixas, ainda é tratada como uma cultura de importância secundária, priorizando-se as operações na cultura do arroz em detrimento da soja.

Nesse sentido desenvolveu-se um estudo com o objetivo de verificar a importância dos principais fatores que atuam na construção do potencial produtivo da soja cultivada em terras baixas, considerando o material genético utilizado, a época de semeadura e a realização ou não da escarificação do solo.

 

2 Material e métodos

O experimento foi conduzido no ano agrícola 2018/19, na Estação Regional de Pesquisa do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), localizado na cidade de Cachoeira do Sul. A área está situada na região fisiográfica da Região Central do Estado do Rio Grande do Sul (RS) (latitude: 30° 13 ’32.3’’ S, longitude: 52° 56’ 49.9’’ W e altitude: 95 m). O solo utilizado é classificado como Planossolo Hidromórfico Eutrófico Arênico, pertencente à Unidade de Mapeamento Vacacaí (EMBRAPA, 2013).

O experimento foi realizado como trifatorial com delineamento de blocos ao acaso, com três repetições. O fator A foi as cultivares utilizadas, classificadas como médio, alto e muito alto potencial produtivo, sendo respectivamente, TEC IRGA 6070 RR, BS IRGA 1642 IPRO e DM 61i59 RSF IPRO. O fator B foi a época de semeadura, sendo realizada em 07/11/2018 e 10/12/2018 e o fator C a escarificação ou não do solo. Para tal, no dia 01 de outubro de 2018, com um sulcador de seis hastes escarificou-se a área de cada parcela até 30 cm de profundidade. Cada unidade experimental foi constituída de seis linhas, espaçadas 0,5 m por quatro metros de comprimento, totalizando 12 m2 de área útil.

Em relação às avaliações, foi determinada a porosidade total, macro e microporosidade e densidade do solo através de metodologia descrita em EMBRAPA (2011). A resistência mecânica a penetração foi realizada, a cada 15 dias, através do penetrógrafo Falker, modelo PLG 1020, considerando a profundidade de 0 a 40 cm, sempre após uma irrigação ou uma chuva, juntamente com a determinação da umidade do solo quantificada com medidor eletrônico Hidrofarm, o qual foi previamente calibrado.

 Além das avaliações referentes ao solo, foi determinado o estabelecimento inicial de plantas, através da contagem de 2 m de linha de semeadura, posteriormente convertido para plantas m-2. A produtividade de grãos foi avaliada através da colheita manual de quatro linhas por 2 m de comprimento, totalizando 4 m2, as quais foram trilhadas, limpas, pesadas e tiveram a umidade corrigida para 13 %.

A análise estatística dos dados foi realizada com o teste F para a análise de variância. As médias dos fatores significativos foram comparadas pelo teste de Scott Knott em nível de 5 % de probabilidade de erro.

 

3 Resultados e discussão

A população de plantas m-2 é apresentada na Tabela 1. Fica claro a influência da genética no estabelecimento de plantas visto que a cultivar DM 61i59 RSF IPRO apresentou o maior número de plantas estabelecidas, independente da época de semeadura. A cultivar TEC IRGA 6070 RR chegou a apresentar 7,9 plantas m-2 a menos que a cultivar DM 61i59 RSF IPRO. Além disso, houve uma melhor condição de estabelecimento na Época II, para todas as cultivares. Chama atenção que a escarificação favoreceu o estabelecimento da cultura da soja, independente da época ou da cultivar utilizada.

 

Tabela 1- Influência da cultivar, da época de semeadura e do mecanismo rompedor do solo no número de plantas m-2 da cultura da soja. Cachoeira do Sul, 2019

Cultivar

Época I

Época II

DM 61i59 RSF IPRO

25,1 a

30,1 a

BS IRGA 1642 IPRO

20,2 b

25,1 b

TEC IRGA 6070 RR

17,2 b

25 b

Média

20,8 B

26,7 A

Escarificada

25,5 A

Não escarificada

23,4 B

CV (%)

19,1

 

Além do estabelecimento inicial, a escarificação ocasionou diferenças entre a resistência mecânica à penetração, apresentada na Figura 1. Na primeira avaliação, realizada aos 55 dias após a operação de escarificação (Figura 1A), as diferenças de resistência estão localizadas nos primeiros centímetros de solo e à medida que o tempo foi passando, percebeu-se nas avaliações que houve uma tendência em suavizar as diferenças entre os tratamentos até diminuir completamente aos 100 dias após a escarificação (Figura 1C).

Os efeitos da escarificação podem persistir desde poucos meses (HAMILTON-MANNS et al., 2002) até alguns anos (TWONLOW et al., 1994). Há uma clara interferência do fator umidade na realização dessa avaliação, visto que na segunda avaliação, realizada dia 06/12 (Figura 1B) os valores ultrapassaram os 3.000 KPa. Apesar disso, não houve diferenças em relação à umidade do solo, na camada de 0-20 cm entre a escarificação e não escarificação, e também em relação às datas de coletas, razão essa pela qual os dados não são apresentados.

 

Figura 1 – Resistência mecânica a penetração (KPa) em função da realização ou não da escarificação, em diferentes datas de avaliação. Cachoeira do Sul, 2019

 

Além da resistência mecânica a penetração, a macro e microporosidade do solo foi afetada pelo processo de escarificação. A Tabela 2 mostra que a macroporosidade teve um acréscimo de 114 %, na média das profundidades avaliadas, enquanto que na microporosidade, o acréscimo foi de 12,5 %. Apesar disso, não houve diferenças significativas na porosidade total e nem modificações na densidade do solo.

 

Tabela 2 - Macroporosidade, microporosidade, porosidade total e densidade do solo em diferentes profundidades, na comparação da realização ou não da escarificação. Cachoeira do Sul, 2019

Profundidade(cm)

Macroporosidade(%)

Microporosidade(%)

Densidade(g/cm3)

Porosidade Total(%)

Escarificado

Não escarificado

Escarificado

Não escarificado

 

 

0-5

0,13 Aa(1)

0,08 B a

0,40 A ns

0,35 B ns

1,51 c

0,41a

5-10

0,09 A b

0,04 B b

0,40 A

0,35 B

1,71 b

0,33b

10-20

0,07 A b

0,02 B b

0,42 A

0,35 B

1,88 a

0,27b

20-30

0,06nsb

0,03nsb

0,40 ns

0,37ns

1,84 ab

0,28b

Média

0,090

0,042

0,40

0,35

1,74

0,32

Cv (%)

31,01

7,18

5,32

11,4

 

A Figura 2 traz a influência de cada fator de variação avaliado de forma isolada, sobre a produtividade de grãos. A cultivar DM 61i59 RSF IPRO foi a cultivar de maior potencial produtivo, enquanto BS IRGA 1642 IPRO e TEC IRGA 6070 RR não diferiram entre si (Figura 2A). A escarificação do solo (Figura 2B) aumentou em média, 11,3% a produtividade da soja, independente da época ou cultivar, enquanto que a semeadura de novembro trouxe um ganho de 10,9 % na produtividade da cultura (Figura 2C), concordando com Peixoto et. al (2000) que a época de semeadura é um dos principais fatores da produtividade da soja.

 

Figura 2 – Produtividade de grãos (kg ha-1) em função da cultivar utilizada (A), da realização ou não da escarificação do solo (B) e da época de semeadura (C). Cachoeira do Sul, 2019

 

Na Figura 3 é apresentado o desdobramento da interação para cada cultivar, em função da época semeada e do mecanismo rompedor. Para a cultivar DM 61i59 RSF IPRO, a época de semeadura apresenta um aumento de 13 % e o uso do escarificador aumentou em 15,5% a produtividade (Figura 3A), tanto na primeira quanto na segunda época, demonstrando a importância dessa prática em cultivares de alto potencial produtivo. Percebe-se, inclusive, que a prática da escarificação garantiu a mesma produtividade de grãos para essa cultivar semeada em dezembro, que se a mesma tivesse sido semeada em novembro, sem a escarificação.

A cultivar BS IRGA 1642 IPRO, apresentou resultados bastante semelhantes a DM 61i59 RSF IPRO. A época de semeadura nessa cultivar, apresentou uma diferença de 14,4 % a mais de grãos quando semeada em novembro, comparada a dezembro e a escarificação, 12,6% (Figura 3B). Diferentemente das demais, a TEC IRGA 6070 RR não apresentou diferenças significativas nem em relação à época de semeadura, nem a prática de escarificação (Figura 3C), indicando que, cultivares com menor potencial produtivo podem não responder a certas práticas de manejo. Outra questão é o fato desse material ser considerado resistente ao encharcamento, o que poderia estar reduzindo o efeito da escarificação.

 

Figura 3 -Influência da realização ou não da escarificação do solo e da época de semeadura nas cultivares de soja DM 61i59 RSF IPRO, BS IRGA 1642 IPRO e TEC IRGA 6070 RR. Cachoeira do Sul, 2019

*Letras maiúsculas comparam as épocas e letras minúsculas, a escarificação ou não do solo, dentro da mesma época, a 5% de probabilidade do erro pelo Teste de Scott-Knott.

 

4 Conclusão

Para a obtenção de altas produtividades de grãos em ambiente de terras baixas, deve-se associar cultivares de “alto” e “muito alto” potencial produtivo, com a escarificação e semeadura no início do mês de novembro, sendo que a escarificação é responsável por 14 %, à época 13,7 % e o material genético, 72,3 %, na construção do potencial produtivo da soja em terras baixas.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao CNPq e a RENAPSI pela bolsa de iniciação científica e ao Irga pelo financiamento da pesquisa, a Universidade Federal de Santa Maria pelo incentivo e apoio à pesquisa.

 

Referências

EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, Embrapa Solos. Manual de Métodos de Análise de Solo. 2° edição. Rio de janeiro: Embrapa, 2011.

 

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Centro Nacional de Pesquisa de Solos (Rio de Janeiro, RJ). Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília: Embrapa Produção de Informação, 2013.

 

GARCIA, A. et al. Instalação da lavoura de soja: época, cultivares, espaçamento e população de plantas. Circular Técnica. 2007.

 

PEIXOTO, C. P. et al. Sowing date and plant density of soybean yield components and grain yield. Scientia Agricola, v. 57, n. 1, p. 153-162, 2000.

 

SECCO, D. et al. Produtividade de soja e propriedades físicas de um latossolo submetido a sistemas de manejo e compactação. Revista Brasileira de Ciência do Solo. v. 28, n, 5, p. 797-804, 2004.

 

STONE, L. F. et al. Integração lavoura-pecuária e o manejo de plantas daninhas. Potafos:  ENCARTE TÉCNICO, Potafos, Ia-Brasil, junho de 2004.

 

PIRES, J. F. B. et al. Adaptações morfofisiológicas da soja em solo inundado. Pesquisa agropecuária brasileira, Brasília, v. 37, n. 1, p. 41-50, 2002.

 

TAYLOR, H. M. et al. Soil strength root penetration relations for medium to coarse textured soil materials. Soil Science, v. 102, n. 1, p. 18-22, 1966.

 

TWONLOW, S. J.; PARKINSON, R. J. & REID, I. Temporal changes in soil physical conditions after deep loosening of a silty clay loam in SW England. Soil and Tillage Research, v.31, p.31-47, 1994.