Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e nat., Santa Maria, V. 42, Special Edition, e12, 2020
DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179460X40478
Received: 10/10/2019 Accepted: 10/10/2019
Special Edition
Planejamento Urbano e Regional: Diagnósticos do Município de Candelária (RS) e Proposta de Pista Multiuso
Regional and Urban Planning: Diagnostics of the Municipality of Candelária (RS, Brazil) and Multipurpose Track Proposal
Luiza WollmannI
Gianne SpethII
Leonardo Ernandes da Silva PeresIII
Nadiane Dias JorisIV
Quétilan Rodrigues DominguesV
Rhaíssa Mix PortoVI
Bárbara M. Giaccom-RibeiroVII
I Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil – luizawollmannau@gmail.com
II Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil – gianne_speth@hotmail.com
III Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil – leonardo_peres39@hotmail.com
IV Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil – nadianejoris@hotmail.com
V Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil – ketilanrdomingues@gmail.com
VI Universidade Federal de Santa Maria, Campus Sede, Santa Maria, Brasil - rhaissaporto@gmail.com
VII Universidade Federal de Santa Maria, Campus Cachoeira do Sul, Brasil – barbara.giaccom@ufsm.br
Resumo
Com o intuito de consolidar, de maneira estratégica, de incentivar e de apoiar o comércio local, a prática de esportes e aspectos culturais da cidade de Candelária (Rio Grande do Sul), propõe-se um estudo de necessidades de equipamentos que ofereçam entretenimento e lazer à população, evitando que os moradores se desloquem a outras cidades próximas para satisfazer tais necessidades. Favorecidas pela topografia plana do local, as soluções interligam-se com a proposta de criação de uma pista multiuso, que incentivaria o uso da bicicleta como meio de transporte, não só para trabalho, mas também para o lazer, além de proporcionar benefícios no tocante à maior segurança viária e rapidez de deslocamento. Para isto, os equipamentos urbanos propostos e suas ligações com a pista multiuso são analisados utilizando recursos de geoprocessamento e de realidade virtual. Mapas e modelos virtuais tridimensionais auxiliam na exemplificação das propostas, possibilitando melhor estudo das potencialidades existentes da cidade como fatores condicionantes de projeto.
Palavras-chave: Candelária; Pista multiuso; Equipamentos urbanos
Abstract
With the purpose of consolidating, in a strategic way, to encourage and to support the local commerce, sports and cultural aspects in the city of Candelária (Rio Grande do Sul, Brazil), we propose a study of equipment needs that offer entertainment and leisure to the population, preventing residents from moving to other nearby cities to meet those needs. Favored by the flat topography of the site, the solutions interconnect with the proposal to create a multipurpose track, which would encourage the use of the bicycle as a means of transport, not only for working purposes, but also for leisure, as well as providing benefits of greater road safety and travel speed. For this, the proposed urban equipment and its connections with the multipurpose track are analyzed using geoprocessing and virtual reality features. Virtual maps and three-dimensional models help on exemplification of the proposals, enabling better study of the city’s existing potentialities as conditioning factors of the project.
Keywords: Candelária; Multipurpose track; Urban equipment
1 Introdução
O Planejamento Urbano e Regional estuda, desenvolve e aplica planos e projetos para organizar o crescimento das cidades, subúrbios e áreas rurais, com enfoque tão abrangente quanto a região para a qual se faça pertinente a abordagem. O planejamento urbano pode ser entendido como processo de criação e desenvolvimento de programas que buscam melhorar ou revitalizar certos aspectos (e.g., qualidade de vida da população) dentro de uma dada área urbana ou de uma nova área urbana em uma dada região, tendo como objetivo propiciar aos habitantes a melhor qualidade de vida possível.
Considerando um de seus objetivos que é o planejamento e a criação espaços que minimizem problemas decorrentes dos processos de urbanização, toma-se a cidade de Candelária (RS), uma cidade pequena localizada no interior do Rio Grande do Sul, pertencente ao Vale do Rio Pardo, para desenvolvimento de um Plano Urbano. Para embasamento do estudo, a primeira etapa envolve, necessariamente, a aproximação para conhecimento do objeto de estudo: por meio do desenvolvimento de um diagnóstico, foram visualizadas potencialidades e fraquezas, analisados os condicionantes geomorfológicos físico ambientais históricos culturais sociais demográficos econômicos legais, bem como a situação atual de distribuição de serviços e de infraestrutura básica do município.
A partir do levantamento de dados, nota-se que os aspectos físico-ambientais e sociais atrelados aos geomorfológicos ressaltam problemáticas contemporâneas enfrentadas pela maioria das cidades brasileiras: o uso e a ocupação do solo em áreas inapropriadas para tal fim e a má distribuição e ocupação de espaços públicos capazes de suprir as necessidades básicas, principalmente de lazer, de quem habita a cidade. Buscando solucionar um dos problemas observados, estre trabalho apresenta uma proposta de estudo de implantação de equipamentos destinados ao lazer e a partir deles, uma pista que facilite deslocamentos e influencie o uso dos locais.
O presente trabalho possui como intuito o desenvolvimento de um estudo de necessidades de possíveis equipamentos que supram deficiências e ofereçam entretenimento e lazer à população. Apoiada nas análises, é realizada um proposta projetual de inserção de infraestrutura urbana direcionada ao lazer, a saber, uma pista multiuso capaz de interligar diversos pontos residenciais e comerciais da cidade e incentivar ainda mais o uso da bicicleta como meio de transporte, tanto para uso diário para serviços, quanto para a prática de atividades aos finais de semana.
2 Fundamentação Teórica
O sistema urbano, considerado como complexo, pode ser entendido como sendo formado por uma grande quantidade de agentes tomando decisões de localização simultaneamente, gerando uma dinâmica não linear, abrindo caminho para muitos futuros possíveis para a forma da cidade. Esta consideração vem colocando em cheque a natureza e o papel do planejamento urbano. Há uma consciência crescente que é inútil o planejamento urbano tentar definir e impor uma forma final para a cidade, visão comum nos planos diretores tradicionais e normativos. Os novos conhecimentos sobre a dinâmica da forma da cidade apontam para a necessidade de instrumentalização do poder público e da sociedade para analisar diferentes trajetórias possíveis do sistema urbano e suas implicações socioespaciais (PORTUGALI, 2000).
Souza (2010) entende o planejamento como a antevisão de fenômenos futuros, caracterizando uma preparação para a futura gestão, entendida como a administração de situações presentes, com recursos disponíveis, contemplando demandas imediatas. Neste sentido, planejamento e gestão urbanos não estabelecem uma relação de hierarquia, ao contrário, dependem mútua (SOUZA, 2010).
O fracasso do sonho de cidades planejadas levantou várias considerações neste campo do conhecimento desde o ano de 1961. Em Nova York, autores como Jacobs (2011), através da ínfima observação do cotidiano das cidades, entenderam as paisagens planejadas e, consequentemente, seus usuários, como monótonos e imparciais quanto à diversidade estética e funcional, essencial para a vida urbana. Estas críticas ressaltaram a ideia defendida por Gehl (2015), assim como a de outros autores, de que as cidades devem atender e servir às pessoas. O espaço da rua experienciado por pedestres, antes esquecido em propostas modernistas, recuperou sua importância nas últimas décadas como um palco de dimensões humanísticas em planejamento urbano.
O direito à cidade é uma nova lógica que universaliza o acesso aos equipamentos e serviços urbanos, a condições de vida urbana digna e ao usufruto de um espaço rico e diversificado, e sobretudo, em uma dimensão política de participação ampla dos habitantes da cidade na construção de seus destinos (FNRU, 1988).
A importância do desenho urbano no processo de planejamento urbano é defendida em um contexto de valorização do processo de desenho urbano como ferramenta fundamental para a construção da “boa” forma urbana (e.g., DEL RIO, 1990; CARMONA ET AL., 2003; LANG, 2005). Para Carmona et al. (2003), o desenho urbano corresponde ao processo de criar lugares melhores para as pessoas do que seria produzido de outra forma.
O surgimento do desenho urbano aponta um campo de saber específico na década de 1960, em meio a um momento de crítica ao pensamento e às práticas modernistas sobre a cidade e a ascensão de práticas e teorias de outras ciências (com destaque para a psicologia, cibernética e ciências sociais). Entram em prática novas formas de tratar as questões urbanas, mais voltadas aos processos sociais, econômicos, políticos e culturais, com causas e repercussões espaciais. O planejamento urbano torna-se um campo de participação de diversos profissionais, além daqueles que até então pensavam a cidade, os arquitetos e urbanistas; o desenho urbano, nesse contexto, surge a partir de um espaço em relação à teoria e à prática propositiva para a forma urbana.
Lang (2005) pressupõe que o desenho urbano pode contemplar desde a cidade como um todo até áreas específicas, podendo determinar, inclusive, a forma dos edifícios e suas características particulares de tratamento exterior. Este autor classifica o desenho urbano em quatro grupos, segundo a escala e os procedimentos de implantação de intervenções existentes:
· total urban design – “desenho urbano total”: considera que o processo consciente de desenho urbano tende a envolver projetos de grande escala para domínio público e para a arquitetura. Tais projetos são elaborados para toda a cidade ou para parte dela por uma equipe de profissionais específica que detém o controle sobre o processo. Embora o imaginário sobre o desenho urbano normalmente recaia sobre esse processo, entretanto, não representa a maioria das intervenções de desenho urbano;
· all-of-a-piece urban design – “desenho urbano partes de um todo”: empregado principalmente nos casos em que o Estado não tem a capacidade de investimento para realizar todo o conjunto de intervenções desejadas, seja pela escala da área de abrangência ou pela quantidade de atores envolvidos. Mesmo sob tais condições fragmentadas, um projeto único, elaborado por uma equipe de profissionais específica, possibilita a idealização de um desenho urbano produto para o local; cada interessado na intervenção passa, então, a inserir o fragmento da intervenção que lhe compete;
· piece-by-piece urban design – “desenho urbano peça a peça”: para o autor, este é o que mais se aproxima do planejamento urbano, tendendo a assumir a escala de bairros da cidade e não a dos edifícios individuais. Parte de uma intenção do Poder Público em favorecer a realização de objetivos, diretrizes e políticas públicas determinados para uma área da cidade, como os casos em que o poder público municipal oferece incentivos à implantação de determinada atividade em áreas específicas, por meio de maior permissividade com alguns parâmetros urbanísticos, como o coeficiente de aproveitamento ou altura máxima;
· plug-in urban design – “desenho urbano de conexão”: envolve decisões do poder público em implantar infraestrutura com o objetivo específico de obter uma “reação catalítica” (LANG, 2005, p.32). Esse processo pode ocorrer por meio da implantação de infraestrutura em locais não ocupados (criando, então, um vetor de ocupação) ou em uma área urbana já consolidada, com o objetivo de a qualificar em algum aspecto específico. Este grupo remete ao conceito de “acupuntura urbana”, segundo o qual intervenções pontuais no tecido urbano seriam capazes de produzir consequências benéficas para o entorno e, talvez, para toda a cidade (SABOYA, 2010).
É papel do profissional Arquiteto e Urbanista ser pioneiro observador e criador de iniciativas em resposta às precárias condições de salubridade e monotonia das cidades. A qualidade de vida necessária para o bem viver em meio urbano é influenciada pela presença de espaços públicos de permanência e lazer, que, por sua vez, são corresponsáveis pela vitalidade e dinamização urbana.
De maneira geral, o conceito de vitalidade urbana defendido por Jacobs (2011), refere-se ao conjunto de qualidades existentes em um determinado local, associadas à diversidade de atividades e relações econômicas, interação social, uso da rua e dos espaços públicos, e existência de pessoas circulando, sejam pedestres ou crianças brincando. Para Lynch (2011) a vitalidade de um ambiente está associada à capacidade que este tem de garantir a saúde (i.e., física e mental) dos indivíduos, de modo que a qualidade da forma do espaço influência diretamente no bem-estar das pessoas.
Com vistas ao incentivo do uso e contribuição com a segurança nas ruas e nos espaços inequivocamente públicos, diferenciados dos privados, os olhos atentos voltados para estes espaços são necessários, e não é algo fácil de se obter. Jacobs (2011) apresenta o conceito de “olhos da rua”: a vigilância informal que as pessoas exercem, voluntária ou involuntariamente, quando ocupam o ambiente urbano. Para a autora, o principal atributo de um centro urbano próspero é as pessoas se sentirem seguras e protegidas na rua, mesmo em meio a tantos desconhecidos. Ou seja, quanto mais pessoas nas ruas e espaços públicos, mais seguros eles se tornam.
Para que as pessoas transitem nas ruas e ocupem os espaços públicos, a cidade precisa oferecer condições para que isso aconteça, pois é a qualidade dos espaços públicos que vai determinar o uso que as pessoas farão deles, bem como as condições do ambiente em seu entorno: se acessíveis, se atrativos e seguros, se estimulam diversos usos, se atraem as pessoas e se tornam locais que inspiram segurança. O lazer e a qualidade de vida precisam estar presentes a todo momento, pois não se pode obrigar as pessoas a utilizarem espaços sem motivo, tampouco vigiarem ruas as quais não querem vigiar, tarefa mais fácil quando se faz involuntariamente, usando e inserindo-se no espaço por iniciativa própria, e policiando sem saber que se está fazendo.
Exemplos da criação de espaços com retorno positivo podem ser vistos na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul (Figura 1a), com a implantação de uma pista multiuso na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e na cidade de São Paulo (Fig.1b), no Parque Chuvisco, com o desenvolvimento projetual de espaços convidativos para a prática de atividades. A pista multiuso implantada na UFSM, além de possibilitar práticas de atividades esportivas, de lazer e recreação, promove a mobilidade alternativa, mitigando problemas de circulação e contribuindo para a segurança do entorno por meio da maior vitalidade urbana decorrente da utilização dos usuários. O Parque do Chuvisco oferece à população espaços de lazer e esportes seguros e convidativos, como quadras poliesportivas e pistas de caminhadas, ciclovias e playgrounds, espaços que exercem importante papel e são bem quistos em meio à dinâmica acelerada de uma cidade consolidada.
Figura 1 – Exemplos de implantação de pistas multiuso: (a) na cidade de Santa Maria- Rio Grande do Sul: pista multiuso; (b) em São Paulo, o Parque do Chuvisco oferece à população um espaço de lazer
Fontes: (a) http://fonte.ufsm.br/index.php/pista-multiuso-campus-ufsm ; (b) https://mobilidadesampa.com.br/2017/04/parque-do-chuvisco-e-entregue-no-campo-belo/
Como facilitadores, existem diversos instrumentos que auxiliam no planejamento e gestão destes espaços. Um viabilizador de novas análises e propostas em planejamento urbano são as técnicas de geração e análise de informações geoespaciais, ou seja, técnicas de geoprocessamento. O geoprocessamento corresponde à “área do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica e que vem influenciando de maneira crescente as áreas de Cartografia, Análise de Recursos Naturais, Transportes, Comunicações, Energia e Planejamento Urbano e Regional (CÂMARA; MONTEIRO; MEDEIROS, 2004). Essas técnicas permitem agregar a visão geográfica e integrar as mais diversas fontes de informação, fornecendo as bases científicas para um novo plano de desenvolvimento e iniciativas urbanas.
A modelagem 3D é o processo pelo qual representa-se matematicamente qualquer superfície tridimensional de um objeto, permitindo a visualização dos espaços e edificações de forma realista e com interpretação mais clara, se comparada a projetos em duas dimensões. Segundo Pereira e Pamboukian (2015), a modelagem tridimensional permite o acompanhamento do projeto, auxiliando desde a sua concepção até a visualização espacial do objeto finalizado, passando por análise da implantação, do terreno e do entorno, análises que contribuem com as definições do projeto, ajustes no projeto de forma fácil e rápida, etc. A modelagem 3D também é utilizada como ferramenta de marketing para apresentação do projeto, por meio de tratamento fotorrealístico da cena (i.e., renderização fotográfica).
3 Metodologia
A pesquisa e o desenvolvimento projetual foram realizados para o município de Candelária, localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul (Figura 2), com coordenadas geográficas 29º40'09'' latitude sul e 52º47'20'' longitude oeste, com área territorial de 940,11 km² e altitude de 57 metros, estando inserida entre relevo montanhoso à norte e contando com planícies retilíneas e coxilhas à sul. O município está inserido na bacia do Rio Pardo, do qual obtém água para consumo urbano e atividades agrícolas.
Figura 2 – Esquema ilustrando a localização do Município de Candelária, Rio Grande do Sul
Fonte: elaboradas pelos autores (2018)
A metodologia empregada utiliza dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), bases espaciais do Comitê Pardo e da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Candelária. Para a completude metodológica, foram utilizados dados socioeconômicos discretizados em setores censitários – Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2011), e dados captados em campo, os quais foram observados e analisados em visitas técnicas realizadas pelos acadêmicos na cidade de Candelária.
A sistematização do banco de dados, realização das análises e elaboração dos mapas foi desenvolvida em SIG (Sistema de Informações Geográficas), plataforma que tornou possível uma visualização e sistematização projetual. Como etapa final, é planejada a realocação de equipamentos de cultura e lazer pré-existentes, considerando-se condicionantes físico naturais e relativos à ocupação antrópica, e proposta a inserção de uma pista multiuso que facilite ligações e trajetos na cidade.
4 Resultados e Discussão
A compreensão do objeto de estudo, possibilitada por meio de visitas técnicas e por análises de mapas e documentações, possibilitou a constatação de que Candelária, de acordo com o IBGE (2018), possui população de 31.306 pessoas e possui problemáticas como deslocamentos consideravelmente longos para espaços destinados a lazer e cultura e inexistência de diversificação de usos do solo, aspectos que dificultam a criação de atividades recreativas e que impossibilitam que os moradores supram suas necessidades na cidade.
O município possui locais de relevância para o lazer em meio à natureza, como a Cascata da Ferradura, o Cerro do Botucaraí e o balneário Carlos Larger, entre outros, e também locais vinculados à cultura e memória da população, como o Aqueduto, a Ponte do Império e o Museu Municipal Aristides Carlos Rodrigues. Devido aos atributos naturais, Candelária também é muito utilizada para esportes junto à natureza, como ciclismo e trekking, além do ecoturismo.
Percebe-se que, tendo já uma variedade de espaços para esportes em meio a natureza, a cidade necessita de espaços que não dispendam de tanto tempo de deslocamento para sua utilização, ou seja, necessita da implementação de espaços localizados em áreas mais centrais e de fácil acesso.
Nos mapas da figura 3, é apresentada a distribuição de equipamentos de ensino, cultura, esporte e religião, em comparação com a densidade demográfica (Fig. 3a). Observa-se que a distribuição irregular e deficitária de oferta de equipamentos de esporte e lazer, de modo que sua maior ocorrência não está associada às maiores densidades demográficas e está distante em demasia do considerado centro da cidade, dificultando o acesso de moradores e possíveis usuários.
Figura 3 – Mapas com a demarcação de (a) equipamentos e serviços urbanos e de (b) espaços de lazer existentes na cidade
Fonte: elaborados pelos autores (2018) com dados provenientes de IBGE (2011) e SMAO/PMC (2019)
Como exercício projetual para solucionar a problemática identificada, é proposta a realocação de um dos espaços mais importantes de cultura da cidade – o Museu Paleontológico, já existente, mas localizado em espaço inapropriado e sem o devido cuidado com a exposição correta das peças – para um local adequado e com maior visibilidade e importância na cidade. É proposta também a readequação de espaços de lazer já existentes ligados diretamente à natureza, como o Aqueduto, que receberiam infraestrutura satisfatória e atividades que gerem maiores incentivos de uso. Com tal medida, tende-se a aumentar a utilização dos espaços, almejando-se que a sede urbana do município de Candelária torne-se mais movimentada e convidativa, com presença de pedestres nos espaços públicos e apropriação dos espaços coletivos pela população residente. Com maior animação urbana, vislumbra-se a possibilidade de ocorrência de um maior número de eventos culturais que incentivem a população, implementem uma diversificação de usos, tanto no comércio quanto nos espaços públicos, aumentem a apropriação dos espaços coletivos, fazendo com que a população queira e consiga suprir suas necessidades culturais e de entretenimento na cidade, não precisando buscar o mesmo em outros municípios.
Favorecidos pela topografia plana da cidade de Candelária, os equipamentos de entretenimento são realocados e interligados por meio de uma pista multiuso, proposta com o objetivo de incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte, não só para trabalho, mas também para lazer, além de proporcionar benefícios no tocante à maior segurança viária e rapidez de deslocamento.
A pista multiuso proposta é um incentivo ao uso de bicicletas para lazer e trabalho, não se tratando de um circuito, mas de um facilitador de compartilhamento da caixa viária, com isolamento físico da pista de veículos automotores, para se ter mais segurança e comodidade no uso sustentável dos meios de transportes. Com sua implementação, são previstas também melhorias na iluminação pública, na acessibilidade e nas sinalizações, com pavimentação adequada, que possibilite segurança ao transeunte, e solução de interferências, como a existência de bueiros. Tais sistemas, ao contar com implantação planejada, terão sua manutenção e monitoramento também facilitados: por exemplo, quanto às condições de bueiros e sistema de microdrenagem, para que atendam satisfatoriamente a demanda de cada via, evitando os atualmente corriqueiros alagamentos em dias de chuva.
Por meio da Figura 4, ilustra-se a localização dos novos equipamentos de lazer (Fig.4a) e o trajeto da pista multiuso (Fig.4b): atuando conjuntamente, os equipamentos serão evidenciados pelas conexões possibilitadas pela pista multiuso e, acredita-se, serão mais frequentemente utilizados a partir deste facilitador.
Figura 4 – Mapas ilustrando a realocação dos espaços destinados a entretenimento (a) e implantação da pista multiuso (b)
Fonte: elaborados pelos autores (2018)
A Figura 5 apresenta simulações tridimensionais da pista multiuso proposta em locais estratégicos. A primeira situação refere-se à implantação de trechos da pista multiuso acompanhando o traçado da Rodovia Federal BR 153 (Fig. 5a), onde se localizam indústrias; esta situação busca contribuir com a segurança dos trabalhadores que já utilizam a bicicleta como meio de transporte residência – trabalho realizando este trajeto na própria rodovia. A segunda situação ilustrada é a implantação de trechos da pista multiuso próximos ao rio Pardo (limite leste da área urbana do município), local com potencial turístico e de lazer, caso seja bem equipado (Fig. 5b).
Figura 5 – Representações das simulações tridimensionais / virtuais da inserção da pista multiuso tanto como apoio aos trabalhadores de fábricas que transitam no asfalto (a) quanto para uso para passeios e atividades de lazer próximas aos pontos turísticos da cidade (b)
Fonte: elaborado pelos autores (2018)
A figura 6 trata sobre proposta de readequação e incentivo ao uso de espaços de lazer existentes, como o Aqueduto, espaço patrimonial reconhecido pela cidade e região, mas que não é utilizado como deveria (Fig. 6a). Em sua requalificação, propõe-se a utilização do espaço com estátuas informativas e educativas que interliguem culturalmente com o museu Paleontológico, motivo pela qual a cidade é conhecida nacionalmente. Com a inserção paleontológica ligada culturalmente a outros espaços e por um número considerável de fósseis terem sido encontrados no território Candelariense, propõe-se a realocação do Museu Municipal (Fig. 6b) para o Parque de Eventos Itamar Vezentini, área ampla que possibilitaria a construção de um local adequado para a exposição correta das peças históricas, com o intuito de receber maior número de visitantes e mostrar ainda mais a história do Município.
Figura 6 – Representações das simulações tridimensionais / virtuais da inserção e a renovação de espaços de lazer para a cidade: em (a), representando um dos pontos turísticos mais importantes de cidade, o Aqueduto; e em (b), representando o Parque de Eventos Itamar Vezentini com a inserção de um Museu Paleontológico
Fonte: elaborado pelos autores (2018)
Por fim, os resultados alcançados com as propostas tornam a cidade muito mais equipada com espaços para esporte, cultura e lazer e mais sustentável, com a troca de longos deslocamentos motorizados, por deslocamentos mais curtos e que podem ser feitos com o uso da bicicleta na pista multiuso, de forma mais segura e direta.
5 Conclusões
O estudo do meio urbano e suas relações com o contexto regional em que se insere é de fundamental importância para o desenvolvimento de bons diagnóstico e prognóstico e para a criação de diretrizes visando a maior eficiência do sistema urbano-regional e o aumento da qualidade de vida da população. Associado ao planejamento, o desenho urbano revela possuir grande importância no processo de planejamento urbano, constituindo-se como ferramenta fundamental quando se busca pela “boa” forma urbana.
Por meio da análise da distribuição dos equipamentos de cultura e lazer da cidade de Candelária (RS), bem como do acesso da população a tais espaços, foi possível identificar as problemáticas e propor soluções. De maneira geral, identifica-se que Candelária possui potencial para expansão territorial, valorização de seu patrimônio histórico-cultural, aumento da qualidade de seus espaços públicos, dentre outros. Quando levadas em conta no planejamento urbano, tais constatações podem refletir em benefícios no âmbito social, econômico, na paisagem natural do município.
No presente trabalho, buscou-se proporcionar melhores condições de acesso a espaços de lazer e cultura à população de Candelária por meio de estratégias que podem ser classificadas como plug-in urban design (Lang, 2005). Foram identificados os pontos de interesse e analisadas sua localização e distribuição na área urbana do município, bem como as condições de acesso a tais espaços. As problemáticas apontaram para a realocação de dois equipamentos institucionais: Biblioteca Municipal e o Museu Paleontológico, de modo a ampliar sua acessibilidade e, consequentemente, o uso e apropriação pela comunidade.
Por fim, é proposta a implantação de uma pista multiuso conectando diversos pontos da cidade. Tais conexões mostraram-se importantes na etapa de diagnóstico, pois conectam locais de residência, trabalho e equipamentos de cultura e lazer. A pista multiuso tem o objetivo de proporcionar condições satisfatórias aos seus usuários quanto à qualidade espacial e à segurança no deslocamento utilizando bicicletas. Além de favorecer o usuário em termos de qualidade de vida, a pista multiuso consiste também em um elemento que contribui para a redução do uso de veículos automotores, reduzindo a poluição atmosférica e o risco de acidentes.
Conclui-se que a metodologia empregada, que faz uso de geotecnologias e simulação tridimensional, associada ao contato direto com o objeto de estudo e seu público-alvo, é adequada à construção das análises e proposição de soluções. A obtenção e análise de dados para levantamento de forma conjunta e para a realização de diagnósticos possibilitou um melhor direcionamento para a tomada de decisões e para a criação de propostas paliativas e mitigadoras dos problemas ora identificados no contexto da presente pesquisa.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Comitê Pardo e à Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Candelária (RS), pela cessão de dados utilizados neste trabalho.
Referências
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