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Universidade Federal de Santa Maria
Ci. e Nat., Santa Maria, v. 47, e75149, 2025
DOI: 10.5902/2179460X75149
ISSN 2179-460X
Submitted: 30/03/2023 • Approved: 09/05/2023 • Published: 14/03/2025
Ensino
A confecção de doces de chocolate e a análise estatística de dados experimentais
Making chocolate sweets and the statistical analysis of experimental data
Joyce Laura da Silva GonçalvesI
Raquel De Freitas Rezende Silva GomesI
I Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MS, Brasil
RESUMO
Esta é uma proposta didática para a introdução de conceitos de tratamento de dados empregando doces de chocolate típicos do Brasil, chamados brigadeiros. A metodologia consistiu da distribuição de um pote de brigadeiro a cada um dos grupos: azul, laranja e verde. Os grupos deveriam confeccionar os brigadeiros nas dimensões que desejassem, procedendo-se sua quantificação e pesagem. A análise estatística baseou-se em testes de hipótese (p<0,05) nos quais se comparou a massa média dos doces obtida pelos grupos em relação ao valor de referência e o desempenho dos grupos entre si. Observou-se que foram confeccionados 29, 20 e 16 doces com massas médias de 16,4±2,2; 24,6±4,5 e 28,5±8,7g pelos grupos azul, laranja e verde, respectivamente. A precisão e exatidão dos grupos foi azul>laranja>verde. Os testes t não pareado, intervalo de confiança para a média e ANOVA sugeriram diferença significativa entre todos os grupos. Contudo, o teste de Tukey identificou apenas os brigadeiros do grupo azul como diferentes dos demais grupos. Além da inserção dos conceitos estatísticos, a realização desta proposta didática pode estimular a prática docente, protagonizando o discente e promovendo a aprendizagem significativa. Este experimento é rápido, prático e barato, podendo ser aplicado em qualquer nível e/ou área do conhecimento.
Palavras-chave: Alimentos; Experimentação; Metodologias ativas
ABSTRACT
This is a didactic proposal for the introduction of data processing concepts using typical Brazilian chocolate sweets, called brigadeiros. The methodology consisted of distributing a packaging of brigadeiro to each of the groups: blue, orange and green. The groups had to make the brigadeiros in the dimensions they wanted, proceeding with their quantification and weighing. Statistical analysis was based on hypothesis tests (p<0.05) in which the average mass of sweets obtained by the groups was compared in relation to the reference value and the performance of the groups among themselves. It was observed that 29, 20 and 16 sweets were made with average masses of 16.4±2.2; 24.6±4.5 and 28.5±8.7g for the blue, orange and green groups, respectively. The groups’ precision and accuracy were blue>orange>green. The unpaired t-test, confidence interval for the mean and ANOVA suggested a significant difference between all groups. However, Tukey’s test identified only the brigadeiros in the blue group as different from the other groups. In addition to the insertion of statistical concepts, carrying out this didactic proposal can stimulate teaching practice, involving the student and promoting meaningful learning. This experiment is fast, practical and inexpensive, and can be applied at any level and/or area of knowledge.
Keywords: Foods; Experimentation; Active methodologies
Uma dificuldade notada no ensino de Química em diversos cursos superiores de ciências exatas e biológicas é a análise de dados experimentais por meio de ferramentas estatísticas (Hanifah et al., 2011). Embora seu uso seja amplamente incentivado, a estatística ainda pode ser vista como um procedimento de dificuldade pela comunidade científica, sobretudo nos períodos iniciais de cursos superiores como também dos docentes em início de carreira (Barros; Fernandes; 2001. Malara, 2008). Isso se deve principalmente à deficiência que acompanha a maioria dos estudantes relativa à matemática (Stuart, 1995; Silva, 2002).
Dentre as dificuldades enfrentadas pelos estudantes, destacam-se as análises estatísticas envolvendo as medidas de tendência e de dispersão, que normalmente expressam um conjunto de dados experimentais (Freund, 2013). Nas medidas de tendência encontram-se análises como média ou mediana que auxiliam o analista a identificar e caracterizar padrões de disposições desses dados, em especial, em relação à região central destes dados. Já nas medidas de dispersão estão análises como desvio-padrão, variância e coeficiente de correlação promovem informações a respeito da regularidade da distância desses dados em relação à região central.
O tipo de análise a ser realizado irá depender da normalidade dos dados experimentais obtidos sobre certas circunstâncias, podendo ser classificada em estatística paramétrica ou normal e não paramétrica, sendo o modelo normal, o mais empregado atualmente (Miller; Miller; Miller, 2018).
Não obstante, poucos são os estudos dedicados a uma abordagem didática sobre esta temática, como por exemplo, o de Gomes e Lima (2012) que demonstram a normalidade de dados por meio de massas de palitos de fósforos antes e após a queima por meio de histogramas, além de análises estatísticas básicas como média e desvio padrão (Gomes; Lima, 2012). Já no artigo de Reis e colaboradores (2020) é apresentado uma proposta de ensino de estatística em três etapas, a primeira com um questionário inicial que busca identificar o conhecimento dos alunos sobre o que é estatística, a segunda com um estudo gráfico de colunas e linhas, e pôr fim a percepção matemática da estatística, onde buscaram analisar as relações de quantidade, porcentagem, arrecadação, e a interpretação de um gráfico com conceitos biológicos que visava analisar o processo de coagulação sanguínea por meio de gráficos de colunas, (Reis et al., 2020). Outro exemplo é o artigo de Moreira e colaboradores (2019) que discorreram frente às diversas possibilidades de análise estatística sobre “a sabedoria das multidões”, em um estudo baseado na análise de mais de cem palpites de quantas petas caberiam em um recipiente plástico (Moreira et al., 2019).
Todos esses estudos trazem como conexão a experimentação. Segundo Freire (2002, p. 47), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Neste âmbito, o uso da experimentação proporciona uma nova perspectiva do mundo em que o aluno está inserido, permitindo assim que a partir de suas hipóteses, interpretações e compreensões de conteúdos construa-se o conhecimento.
No que concerne o ensino de ciências, a utilização de atividades experimentais tem papel fundamental no processo de ensino aprendizagem. Alves Filho (2000) destaca que seu objetivo pedagógico é tornar o ensino interativo (Alves-Filho, 2000). Através da relação dos conhecimentos adquiridos em sala de aula com o mundo no qual estão inseridos, os alunos assimilam mais facilmente conteúdos considerados complexos quando apresentados pelo modelo tradicional de ensino (Tavares, 2008).
Segundo Ausubel (1982) quando um conceito adquire significado para o acadêmico, por meio de uma ancoragem em aspectos relevantes da estrutura cognitiva preexistente, a aprendizagem é significativa (Ausubel, 1982). Para Friggi e Chitolina (2018) as atividades experimentais colaboram para uma aprendizagem significativa, quando considerado o cotidiano dos estudantes (Friggi; Chitolina, 2018). Catelan e Rinaldi (2018) salientam que as atividades experimentais e as teorias de aprendizagem significativas devem estar sempre juntas, pois se constitui em uma proposta metodológica que favorece a eficácia do processo de ensino e aprendizagem (Catelan; Rinaldi, 2018).
As atividades experimentais são rotineiramente utilizadas para obtenção de dados tratados por técnicas de estatística descritiva e inferencial e fazem parte das pesquisas de diversas áreas do conhecimento. O uso de alimentos em experimentos vem sendo difundido no ensino visando a contextualização de conteúdos com o cotidiano dos estudantes, sobretudo em conteúdos complexos ou para introdução de conceitos iniciais. A criação de uma memória proveniente de um experimento realizado como ilustração para determinado conteúdo pode colaborar no sentido de promover a atividade significativa e reforçar o valor do uso de metodologia ativas na educação. Além disso, ao término desse tipo de experimento, o alimento normalmente pode ser consumido pelos próprios estudantes, o que geralmente otimiza a participação e interesse deles.
Portanto, este trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta didática para a introdução de conceitos de análise estatística de dados empregando a confecção e pesagem de doces de chocolate (brigadeiros). A abordagem estatística descrita aqui é de fácil compreensão e não requer programas computacionais específicos nem habilidades matemáticas, estatísticas ou computacionais aprofundadas, podendo ser amplamente aplicada em qualquer campo científico.
Para o desenvolvimento deste trabalho adquiriu-se três potes de brigadeiro pronto para consumo (400g cada) disponível comercialmente, na cidade de Barra do Garças-MT em setembro de 2022. Os demais produtos utilizados foram margarina, papel toalha, embalagens para acomodar os brigadeiros e colheres. As marcas dos produtos não serão citadas neste estudo no intuito de preservar os fabricantes. Além disso, foi utilizada uma mini balança digital eletrônica de precisão da marca Arcani Bk.
A atividade investigativa foi realizada pelos discentes durante as aulas práticas da disciplina de Química Analítica Quantitativa, do curso de Química Licenciatura, da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, e supervisionada pela ministrante da referida disciplina.
Inicialmente, dividiu-se a turma em três grupos, destinando-lhes um pote de brigadeiro a cada um e atribuindo-lhes uma cor de embalagem de brigadeiro, o que caracterizou o grupo azul, laranja e verde. Os grupos foram instruídos a confeccionar os brigadeiros nas dimensões que desejassem, de forma a não haver sobras no pote, ao término do experimento.
Concomitantemente com esta instrução, eles detinham o roteiro do procedimento experimental detalhado da confecção de um brigadeiro desde a abertura da lata, passando pela aplicação de margarina às mãos e adição do brigadeiro pronto para consumo através de uma colher até a inserção dos confeitos de chocolate granulado e acomodação do doce finalizado em embalagens coloridas. O roteiro finalizava com a solicitação de anotação da massa da pesagem de cada unidade e a quantidade de brigadeiro.
A análise estatística foi baseada na determinação da média, desvio padrão, erro relativo (exatidão), coeficiente de variação (precisão) e testes de significância de G de Grubs, intervalo de confiança para a média, teste t não pareado e ANOVA seguida de Tuckey, considerando a normalidade dos dados (Teste de Anderson-Darling e Shapiro-Wilk) todos com 95% de confiança (i.e., p<0,05).
2.1 Média e desvio padrão
A média aritmética (equação 1) e o desvio padrão (equação 2) foram empregados na análise de tendência de flutuação em torno de um valor central e dispersão dos dados respectivamente, por meio das seguintes equações
onde representa a média aritmética, s representa o desvio padrão, xi representa a massa de cada brigadeiro confeccionado pelo grupo e N é o número de repetições deste grupo.
2.2 Erro relativo (exatidão)
O erro relativo foi empregado para classificar a exatidão de cada grupo de acordo com a seguinte equação:
onde Er representa o erro relativo, xi representa o número de brigadeiros confeccionados pelo grupo e xv = 30 que é valor sugerido pelo fabricante a ser confeccionado em um pote de brigadeiro para consumo de 400g.
2.3 Coeficiente de variação (precisão)
A análise da precisão dos grupos foi feita através do coeficiente de variação, segundo a equação 4:
onde CV representa o coeficiente de variação, s representa o desvio padrão das massas de brigadeiro para o grupo e representa o valor médio das massa de brigadeiro para o grupo.
2.4 Teste de Grubbs
O teste de Grubbs foi empregado para identificação e rejeição de valores anômalos dentro de cada grupo, caso o valor de G calculado (Gcal) fosse maior que o valor de G tabelado (Gtab), para o nível de significância desejado. Para isto aplicou-se a seguinte equação:
onde xi representa o valor suspeito, representa a média, s representa o desvio padrão e Gcal representa o valor calculado de Grubbs. (Harris, 2013; Mendham, 2015).
2.5 Teste t não pareado
O teste t não pareado foi aplicado no intuito de se comparar a massa média dos brigadeiros obtida pelos grupos em relação à massa média proveniente da confecção de 30 brigadeiros que poderiam ser confeccionados, como indicado pelo site fabricante. Neste teste compara-se o valor calculado de t (tcal), obtido pela aplicação da equação 6, com o valor de t tabelado (ttab) a um dado nível de confiabilidade, sendo que para os casos em que o primeiro for maior existe diferenças significativas entre as amostras (Miller; Miller; MIller, 2018; Harris, 2013)
onde tcal representa o valor calculado de t, representa a média, s representa o desvio padrão, N representa o número de repetições do grupo e μ representa o valor médio de massa de cada brigadeiro considerando a possibilidade da confecção de 30 brigadeiros para um pote de 400g.
2.6 Intervalo de confiança para a média
As diferenças significativas entre a média da massa dos brigadeiros de cada grupo bem como o valor de referência puderam ser confrontados, empregando-se o intervalo de confiança para a média calculado pela equação abaixo:
onde representa o valor médio da massa dos brigadeiros para cada grupo, t representa o valor tabelado de Student, ttab (p <0,05 e gl é dependente do número de brigadeiros confeccionados por cada grupo), s representa o desvio padrão, N representa o número de repetições de cada grupo e μ representa o valor médio do intervalo de confiança calculado. (Miller, 2018; Harris, 2013; Pfister, 2013).
2.7 ANOVA e Tukey
A análise de variância (ANOVA) empregando-se fator único foi aplicada com a ajuda do software de código aberto PaSt-Palaeontological Statistics 4.05 no intuito de se determinar se há diferenças significativas entre as réplicas de brigadeiros entre os grupos (se Fcal for menor que Ftab, não há diferenças significativas). Considerando que a ANOVA não identifica quais amostras diferem estatisticamente para os casos em que ela atestar que há diferenças, aplicar-se-á o teste de Tukey com 95% de confiança (Tukey,1949) por meio do programa computacional supracitado.
A Figura 1 mostra uma foto dos doces confeccionados pelos três grupos durante a atividade. Na avaliação visual observou-se que o grupo azul confeccionou 29 doces em menor tamanho e maior uniformidade, o grupo laranja confeccionou 20 doces em tamanho médio e uniformidade satisfatória e os 16 doces do grupo verde foram relativamente maiores e desproporcionais que dos demais grupos e, consequentemente, em menor quantidade.
Figura 1 – Foto dos brigadeiros produzidos pelos grupos
Fonte: Autoria própria (2023)
Segundo um estudo desenvolvido por Gonçalves e Marques (2011) uma das principais preocupações dos professores é com a integridade física dos alunos e com as consequências dos resíduos durante atividades experimentais (Gonçalves; Marques, 2011). No que tange a presente proposta didática, isso não é de longe, nenhum pouco inquietante, considerando que os resíduos gerados nesta proposta não são perigosos e, consequentemente, não oferecem nenhum tipo de risco durante sua manipulação.
A primeira etapa da análise estatística no presente estudo consistiu na avaliação da normalidade da distribuição das massas de brigadeiros mediante um gráfico das frequências de ocorrência em função das massas obtidas, chamado de histograma que é apresentado na Figura 2.
Figura 2 – Distribuição das massas dos brigadeiros produzidos pelo Grupos Azul em função da frequência de sua ocorrência
Fonte: Autoria própria (2023)
Observou-se que a maior incidência de massa de brigadeiro foi em torno do valor central do gráfico que foi assinalado como a média aritmética das massas. O aumento da massa do doce a partir desse ponto é inversamente proporcional à frequência com que esse doce foi produzido pelo grupo azul. Este mesmo processo é observado para massas menores que o ponto central. Isto evidencia a distribuição normal, ilustrada pela função de densidade de massa caracterizada pelo perfil da curva gaussiana. Além disso, observou-se que o valor de p foi superior a 0,05 para os testes de Anderson-Darling e Shapiro-Wilk aplicados a todos os grupos, fazendo com que a hipótese nula fosse aceita e embasando a observação visual da normalidade dos dados proveniente do histograma.
Para Gomes e Lima (2012), “o modelo normal é imprescindível para o desenvolvimento da amostragem, estimação por intervalos, e testes de hipóteses” (Gomes; Lima, 2012). Desta forma, assegura-se a normalidade dos dados obtidos neste estudo e, portanto, que todas as análises estatísticas vindouras estão ancoradas em um grupo de dados distribuídos normalmente.
A etapa seguinte foi fundamentada na aplicação de um teste de Grubbs (Equação 5) para analisar se a massa de algum brigadeiro não pertencia ao conjunto de doces confeccionado por cada um dos grupos. Esta análise considerou o número de réplicas de cada grupo para a comparação do Gcal com o valor tabelado Gtab. Para todas as amostras, a hipótese nula foi aceita em função de Gcal ser menor que Gtab e, portanto, nenhum valor foi rejeitado, implicando que as discrepâncias nas massas de brigadeiros são inteiramente devido a erros aleatórios. Assim sendo, as massas de todos os brigadeiros foram usadas para calcular a massa média e o desvio padrão dos brigadeiros que cada grupo obteve calculada em 16,4±2,2; 24,6±4,5 e 28,5±8,7 para o grupo azul, laranja e verde, respectivamente.
O site do fabricante descreve que com um pote de brigadeiro pronto para consumo de 400 g, como o utilizado neste experimento, se pode produzir 30 doces. Prontamente, presumiu-se que a massa média de cada doce contém cerca de 13g (desconsiderando-se os confeitos). Todos os grupos produziram menos que 30 unidades, logo, nenhum grupo logrou êxito em reproduzir a quantidade mencionada pelo fabricante. Além disso, considerando que todos os doces pesados pelos grupos já tinham sido confeitados, era esperado que eles tivessem massas superiores a 13g. Ressalta-se que no presente trabalho os brigadeiros foram pesados após a inserção dos confeitados como ferramenta didático-pedagógica no intuito de evidenciar a discrepância estatística das massas obtidas pelos grupos em relação à massa sugerida pelo fabricante.
Sabe-se que o erro relativo está atrelado à exatidão que indica a proximidade do valor experimentalmente medido com o valor verdadeiro ou aceito, enquanto o desvio padrão relativo está atrelado à precisão- concordância dos resultados entre si (Vasconselos, 2019). Em ambos os casos, a propriedade em questão é inversamente proporcional à determinação estatística. Logo, a análise de exatidão dos grupos foi realizada através do cálculo do erro relativo médio (Quadro 1) que caracterizou o grupo azul como o mais exato, seguido do grupo laranja e finalizando com o grupo verde. Isto era esperado, uma vez que visualmente, os doces do grupo verde eram muito maiores em relação ao demais, o que consequentemente, acarretaria em menor número de doces já que todos os grupos tinham quantidades iguais de massa de brigadeiro pronto para consumo.
Quadro 1 – Comparação estatística dos brigadeiros produzidos pelos grupos
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Grupo azul |
Grupo laranja |
Grupo verde |
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Er (%) |
3 |
37 |
47 |
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CV (%) |
13 |
18 |
31 |
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tcal (Teste t não pareado) |
7,50 |
11,00 |
6,63 |
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Intervalo de confiança para a média (g) |
15,5<μ<17,2 |
22,5<μ<26,7 |
23,9<μ<33,2 |
Fonte: Autoria própria (2023)
O desvio padrão relativo ou coeficiente de variação (Quadro 1) foi empregado no intuito de se analisar a precisão dos grupos cuja ordem crescente de precisão foi grupo verde< grupo laranja< grupo azul. Essa análise corrobora com a análise visual realizada anteriormente, em que se descreveu a maior uniformidade dos doces confeccionados pelo grupo azul. Além disso, as análises de precisão aqui descritas corroboram ainda com a análise prévia de normalidade dos dados (Figura 2), pois a partir desta ilustração é permitido ao aluno observar que o valor do desvio-padrão é proporcional à variação da curva.
Aplicou-se o teste t não pareado sob as massas de brigadeiros confeccionadas pelos grupos que foram comparados com o valor de massa presumida (13,3g), a partir do número de brigadeiros sugeridos pelo fabricante, considerado como referência. O valor de tcal (Quadro 1) foi maior que o valor de ttab para todos os grupos (ttab<2,13 para todos os casos), rejeitando a hipótese nula e sugerindo que há diferenças significativas entre a massa de referência e as massas médias dos doces confeccionados por todos os grupos. Outra vez, isto era esperado, considerando o acréscimo de massa aos doces em função dos confeitos.
O intervalo de confiança para a média das massas dos brigadeiros foi empregado com dois intuitos distintos, a saber: (i) para confirmação do teste t não pareado e (ii) para comparação entre pares de grupos. No primeiro caso, os três intervalos de confiança para a média das massas de doces foram superiores ao valor de referência, considerando nível de confiança de 95%, rejeitando a hipótese nula e corroborando com o teste t não pareado de que há diferenças significativas entre as massas de doces confeccionadas pelos grupos e a instrução do fabricante, sendo a massa média dos doces dos grupos maior do que o valor de referência.
No segundo caso, o intervalo de confiança para a média das massas de doces confeccionados pelo grupo azul não se sobrepuseram ao intervalo de confiança dos demais grupos, ou seja, pode-se afirmar, com 95% de confiança que a massa média dos doces do grupo azul era menor que dos grupos laranja e verde. Opostamente, isto não foi observado quando se compara os grupos laranja e verde entre si, o que torna a hipótese nula válida e sugere que não há diferenças significativas entre as massas médias dos brigadeiros destes grupos.
Finalmente, o teste de ANOVA utilizando um único fator sobre os dados das massas de brigadeiros, e considerando o número de réplicas obtidas por cada grupo resultou em um valor de F=32,028 que foi maior que o Fcrítico=3,145 rejeitando a hipótese nula e indicando a existência de diferenças significativas entre os doces dos grupos. Tal fato pôde ser comprovado pela análise de probabilidade, pois o valor de p=2,8⨯10-10 foi menor que 0,05 reiterando a suposição de que havia diferenças significativas entre os doces confeccionados pelos grupos. O teste de Tukey (p<0,05) classificou como similares os brigadeiros produzidos pelos grupos laranja e verde e identificou diferenças significativas entre os brigadeiros produzidos pelo grupo azul em relação aos demais grupos, corroborando com os resultados do intervalo de confiança e retificando a análise para o teste t não pareado.
Segundo Schneider e Andreis (2012), “o estudo da estatística auxilia no desenvolvimento de habilidades, dentre elas podemos destacar a organização, o senso crítico e análise” (Schneider; Andreis, 2012). Vale ressaltar que através da observação da dispersão dos dados por meio do histograma, bem como das análises de média e desvio-padrão, além da construção de tabelas e gráficos como ferramentas aplicáveis ao ensino pode-se aumentar a compreensão e promover o engajamento do aluno na sua própria aprendizagem (Gomes; Lima, 2012).
O uso de softwares também pode propiciar uma melhor compreensão no tocante à análise e descrição de gráficos estatísticos, acarretando na aprendizagem significativa. Neste estudo, o conjunto de dados foi inserido para análise estatística em um programa computacional de código aberto e interface simples e autoexplicativa, o que promove a curiosidade dos estudantes e facilita o processo de ensino-aprendizagem da estatística que se mostra significativa para a interpretação de dados de forma prática e relevante para a aprendizagem desses alunos (Turik; Viali; Moraes, 2012), auxiliando até mesmo em agregar habilidades para tomada de decisões profissionais.
De uma maneira geral, esta proposta didática, pode contribuir com a prática docente, fazendo com que o professor possa mediar o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, aplicando metodologias investigativas que aguçam o espírito crítico-científico e estimulem o estudante a colocar-se como sujeito ativo nesse processo, promovendo a aprendizagem significativa.
Esta proposta mostrou a possibilidade do uso de doces para explorar dados experimentais além de desenvolver a análise estatística desses dados. Através da comparação estatística das massas de brigadeiros empregando diferentes testes de hipótese, concluiu-se que tal experimento permitiu introduzir conceitos estatísticos que podem ser aplicados em qualquer nível e/ou área do conhecimento.
A massa média e o desvio padrão dos doces produzidos foram calculados como sendo 16,4±2,2; 24,6±4,5 e 28,5±8,7 para o grupo azul, laranja e verde, respectivamente. Em função destes cálculos, discutiram-se ainda os conceitos de precisão e exatidão, correlacionando estas propriedades com a quantidade e uniformidade dos doces produzidos pelos grupos.
Dentre os testes de hipótese em um nível de confiabilidade de 95% (p<0,05), o teste de Grubbs não identificou a presença de nenhum valor anômalo, assegurando que a flutuação das massas em torno da média é oriunda do erro aleatório. Já o teste t não pareado identificou diferenças significativas entre a massa presumida como de referência e as massas médias dos doces confeccionados por todos os grupos. Esta sugestão foi corroborada pelo intervalo de confiança para a média, uma vez que, todos os intervalos iniciavam-se acima do valor de referência devido à presença de confeitos.
Ainda por meio do intervalo de confiança para a média foi possível identificar diferenças significativas entre a massa média de brigadeiro do grupo azul em relação aos demais grupos, classificando este grupo como o fabricante dos brigadeiros com menores massas. Tais diferenças estão em consonância com os resultados obtidos pela ANOVA seguida de Tukey, que além de acusar diferenças significativas entre os doces produzidos pelos três grupos, caracterizou que o grupo azul difere estatisticamente dos demais e equiparou os grupos laranja e verde.
Finalmente, o destaque deste estudo foi demonstrar a possibilidade do uso de um experimento rápido e acessível que pode ser aplicado para introdução de conceitos e estratégias matemáticas para o ensino de análise de dados experimentais a qualquer área científica para que os pesquisadores-atuais e futuros, possam se familiarizar com os conceitos comumente empregados em análise estatística de dados visando a implementação de tais procedimentos em suas respectivas áreas de atuação sem maiores dificuldades.
Os autores gostariam de expressar o seu agradecimento à Universidade Federal de Mato Grosso- Campus Universitário do Araguaia, aos discentes da disciplina de Química Analítica Quantitativa do Curso de Química Licenciatura da referida Universidade e à Annielly Fernanda de Sousa Silva por suas significativas contribuições.
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Authorship contributions
1 – Joyce Laura da Silva Gonçalves
Mestre em Química Aplicada, Doutora em Química Analítica e Inorgânica, Pós Doutora em Física-Química
https://orcid.org/0000-0001-7541-6359 • joyce.goncalves@ufmt.br
Contribuicão: Conceituação, Análise Formal e Metodologia
2 – Raquel Silva Carneiro
Graduanda em Química Licenciatura
https://orcid.org/0009-0002-3779-4492 • raquelscarneiro18@gmail.com
Contribuicão: Curadoria de dados e Escrita – primeira redação
3 – Raquel De Freitas Rezende Silva Gomes
Graduanda em Química Licenciatura
https://orcid.org/0009-0004-3477-831X • raquelrfreitas@hotmail.com
Contribuicão: Curadoria de dados.
4 – Paulo Cesar Leme
Químico, Mestre em Ciências: Físico-Química
https://orcid.org/0000-0002-6118-1357 • lemepc@hotmail.com
Contribuicão: Escrita – primeira redação e Revisão.
5 – Rans Miler Pereira Dantas
Químico, Mestrando em Ciência de Materiais
https://orcid.org/0000-0002-9133-1563 • ransmiler@gmail.com
Contribuicão: Supervisão e Escrita – revisão e edição.
How to quote this article
GONÇALVES, J. L. da S.; CARNEIRO, R. S.; GOMES, R. de F. R. S.; LEME, P. C.; DANTAS, R. M.P. A confecção de doces de chocolate e a análise estatística de dados experimentais. Ciência e Natura, Santa Maria, v.45, e75149, 2023. DOI 10.5902/2179460X75149. Available in: https://doi.org/10.5902/2179460X75149.